O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 29
Medo De Trovão


Notas iniciais do capítulo

Heeeeeeeeeey pessoas, tudo bem?
Eu sei, também não acredito, mas é, cap novo gente o/
Um agradecimento especial pra quem recomendou a história :)
— Mrs Darcy
— Thani
— SemideusaKane
— Juliana
Amanhã eu vou mandar MP's de agradecimento pra vocês, tá? Muito obrigada meeeeeeeesmo, suas lindas *.*
Bom...eu não gostei muito desse cap, maaaaaaaaaaas...quem sabe vocês gostam? Tô nervosa :S
AVISO: Quem nunca viu o filme "Valente", só coloca o nome no google e vai entender... :)



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– Já terminou de arrumar sua mochila, Vince?

Abri os olhos. O céu violeta meio encoberto de nuvens estava a minha frente. O ar era pesado e úmido. Frio, mas não o suficiente para me fazer desconfortável nos meus jeans e camiseta. A grama sob meu corpo estava gelada e ligeiramente molhada, ainda que tivesse chovido só um pouco no dia anterior.

– Vince! – Lucas tornou a me chamar.

Voltei a fechar os olhos e gritei de volta:

– Não enche!

Ouvi passos se aproximando e, em seguida, fui acertado na cara por uma mochila vazia. Abri novamente os olhos e me sentei, xingando.

– Anda logo, seu folgado – Lucas disse irritado. – Não quero me atrasar amanhã e você é quase uma noiva pra se arrumar.

Soltei mais alguns palavrões enquanto via meu amigo voltar à casa, deixando-me ali com a mochila vazia. Levantei-me, mal humorado, e o segui. Lucas se jogou no sofá e começou a zapear pelos canais, sem interesse. Eu passei direto por ele e fui até seu quarto, começando a jogar algumas roupas de qualquer jeito na minha mochila.

Ouvi meu nome sendo chamado e olhei para a porta, que estava aberta. A mãe do Lucas estava lá, sorrindo docemente para mim, com uma pilha de roupas nas mãos.

– Precisa que eu lave alguma coisa, querido? – ela perguntou.

Senti um estranho incômodo ao ouvi-la me chamar de querido. Costumava sentir isso quando era criança e ela me servia de mais um pedaço de bolo sem que eu precisasse pedir. Fazia-me ter a sensação de que ia cair no choro a qualquer momento.

Patético.

Não sentia isso há séculos, mas desde que vim passar a semana na casa do meu amigo, o sentimento voltara com força total. Por isso eu evitava a mãe dele e passava o maior tempo possível do lado de fora.

– Er... não, obrigado – gaguejei.

Ela sorriu e disse que, se eu precisasse de alguma coisa, era só pedir. Respirei aliviado quando ela foi embora e resolvi fechar a porta.

Continuei a jogar minhas coisas desordenadamente na mochila. Aquela primeira semana de férias não tinha sido das melhores. Para falar a verdade, estava concorrendo ao posto de pior semana da minha vida. Apesar de ter ficado o tempo todo na casa de Lucas, eu não estava me divertindo nem um pouco. A culpa era minha, eu sabia, por não me concentrar o bastante para manter uma conversa, por não querer jogar Xbox, por inventar desculpas para não ir à piscina, por não querer sair de casa, por ficar a maior parte do tempo sozinho...enfim, por ser um idiota completo. Eu ficava na cama até tarde, mesmo que estivesse acordado a maior parte do tempo. Fazia as refeições em silêncio e passava a maior parte do dia deitado no gramado do jardim, olhando para o céu e pensando.

Tinha tantas coisas em que pensar que já sentia minha mente implorando por um descanso. Queria poder deixá-la em branco, não pensar em nada, não sentir nada. Queria entorpecimento.

Mas era impossível. Do momento em que eu abria os olhos de manhã até quando finalmente caía no sono no meio da madrugada, minha mente trabalhava sem parar.

E, surpreendentemente, nenhum desses pensamentos tinha a ver com a ida à praia.

Sim, por isso eu estava sendo obrigado a arrumar uma mochila com roupas. Lucas, eu e mais algumas pessoas da escola iríamos passar uma semana na casa de praia da família do Lucas. Quando não viajávamos, sempre costumávamos nos reunir com o pessoal por uma semana ou duas em algum lugar e eu sempre mal podia esperar para ir.

Agora eu preferiria ficar deitado no gramado do meu amigo pelo resto das férias.

Terminei de colocar as coisas na mochila e a atirei em um canto do quarto. Resolvi tomar um banho e caminhei pesadamente até o banheiro. Sentia-me cansado apesar de não ter feito nada o dia todo. Liguei o chuveiro e deixei a água esquentar, só então tirei minha roupa e me enfiei debaixo d’água. Estava tão quente que quase doía ao tocar minha pele, mas eu gostava exatamente assim. Não me apressei em pegar o sabonete, o shampoo ou qualquer coisa. Só fiquei parado embaixo do chuveiro, sentindo a água quente desfazer os nós em meus músculos.

Depois de muito tempo, relutantemente saí do chuveiro. Acabei colocando a mesma calça jeans que estivera vestindo e uma camisa velha do time de futebol da escola. Pensei que poderia – devia, na verdade – ir até a sala e fazer companhia a Lucas junto à TV, mas não tinha forças para isso. Não tinha forças para me interessar por algum programa inútil nem para fingir que estava bem.

Eu não só não estava bem. Eu estava destruído.


...

Fazia apenas uma semana desde que eu entrara no escritório da minha mãe e mexera em seus papéis. Minha mãe... eu deveria mesmo chamá-la assim?

Minha primeira reação foi negar. Claro que aquilo não era possível. Eu devia ter lido errado, me enganado... era isso, aquilo não passava de um engano. Talvez eu estivesse precisando de óculos ou coisa assim. Ou talvez aquele registro não fosse meu. Talvez fosse de outra pessoa e por acaso estava nas coisas da minha mãe...

Eu sempre fui muito bom nesse negócio de negação.

Mas chega uma hora em que não dá mais. Eu, no fundo, sabia que só estava me iludindo. Afinal, fazia todo o sentido, era quase óbvio e eu me peguei perguntando em voz baixa como não tinha imaginado algo como aquilo antes.

Acho até que eu sabia. Algo dentro de mim sabia.

Então era isso. Eu era adotado.

Não era o fim do mundo, sabe? Bom, no primeiro momento parecia sim. Mas eu não acho que teria ficado tão machucado se tivesse sido amado. Bom, de certa forma eu fui. Pelo menos pelo meu pai. Eu podia ser pequeno quando ele morreu, mas sei que ele me amou. Em todas as minhas lembranças de quando era um garotinho, eu podia ver seu sorriso, ouvir sua risada, sentir seu amor por mim. Eu era o seu garoto, seu orgulho. E ele me amava.

Então por que aquela que eu chamei de mãe por toda a vida parecia querer que eu desaparecesse no ar como fumaça? Por que ela não me amava? Por que ela me adotou, se não me queria?

E quem eram meus verdadeiros pais? Onde estavam? Vivos, mortos? Não me quiseram ou simplesmente não puderam cuidar de mim?

Eram tantas perguntas, tantos sentimentos que eu senti que ia passar mal. Eu larguei os papéis, deixando-os se espalhar pelo chão e corri para o banheiro, onde vomitei todo o meu café da manhã.

Senti-me um pouco melhor depois disso. Apenas um pouco.

Eu deveria simplesmente enfrentar minha mãe, interpelá-la. Obrigá-la a ser sincera comigo. Eu merecia aquilo, não aguentava mais mentiras sendo jogadas em cima de mim. Era a minha vida, droga! Eu merecia saber a verdade sobre mim mesmo.

Mas não consegui.

Covarde, eu sei, mas eu não queria que minha última ilusão se desfizesse. Se eu continuasse pensando que aquela mulher era minha mãe de verdade, então ela teria que me amar. Que mãe não ama seus filhos?

Eu tinha medo de sua resposta. Tinha medo que ela ficasse aliviada por eu ter descoberto. Que dissesse algo como “ainda bem que eu não preciso mais fingir”.

Não que ela fingisse muito bem, para começo de conversa.

Mas eu queria me agarrar aquele último fiozinho de esperança. Eu não queria que o mundo em que eu vivi por 16 anos se desintegrasse ao meu redor. Queria gritar, queria chorar, queria voltar àquele primeiro estado de negação.

Mas a verdade me perfurava como uma faca. E era impossível ignorá-la.

No fim, a decisão foi tirada das minhas mãos.

Minha própria mãe trouxe o assunto à tona quando nos sentamos para jantar naquela noite. Lana não havia ficado para o jantar, saíra com um garoto. Eu pensei que ia jantar sozinho, por isso me surpreendi quando mamãe apareceu. Ela raramente fazia as refeições comigo. Raramente aparecia em casa e, se estivesse lá, quase não saía do seu escritório.

Começamos a comer num silêncio incômodo. Foi horrível. Eu nem sei como consegui engolir alguma coisa, a comida descia como areia em minha garganta. Minha cabeça trabalhava todas as maneiras de começar aquela conversa, se é que eu devia começá-la. E enquanto eu ainda estava imerso nesses pensamentos, mamãe se adiantou e disse:

– Você viu, não é?

Sua pergunta pegou-me tão de surpresa que eu acabei deixando o garfo cair no chão. O estrépito foi alto demais em comparação ao silêncio sepulcral que se seguiu.

– Do que está falando? – consegui perguntar depois de vários minutos.

Mamãe apoiou o talher na mesa e finalmente me encarou. Nem sabia dizer quanto tempo fazia que ela não me olhava nos olhos.

– Eu não sou idiota – disse. – Vi que havia uma pasta faltando na minha mesa quando você saiu de lá e sei exatamente o que tem lá dentro.

Sua rispidez nem me surpreendeu. Apesar de querer, sabia que ela não agiria de outro modo.

Mas doeu do mesmo jeito.

– É verdade? – me obriguei a soltar as palavras.

– Sim – foi a resposta. Curta. Definitiva.

Precisei de um tempo para absorver aquilo. Mas depois da centésima respiração – eu as contei para me acalmar – eu voltei a falar.

– Meus pais...? – nem terminei a pergunta.

– Mortos.

Senti que o pouco que havia comido ia voltar a qualquer momento.

– Como? – sussurrei.

Ela voltou a comer normalmente, como se não estivesse nem um pouco afetada. E de fato, não estava.

– Não sei – respondeu.

Tentei contar respirações de novo, mas levantei-me da mesa antes de conseguir chegar a trinta. A dor dera lugar à fúria. Como ela podia agir assim? Como ela podia não se importar? Como ela conseguia continuar indiferente enquanto minha vida ruía ao meu redor?

Quis sair correndo dali, quis fugir da sua presença. Mas algo me fez parar. Eu precisava saber. Eu queria saber. E se eu não dissesse agora, nunca mais conseguiria reunir coragem para isso.

– Se você não me queria – comecei, as palavras arranhando minha garganta – por que me adotou? Se era para me tratar como se eu fosse uma sujeira em no carpete, por que se deu ao trabalho?

Ela não levantou os olhos para mim. Terminou de comer calmamente e limpou a boca com o guardanapo de pano, deixando-o ao lado do prato depois. O sangue esquentava em minhas veias a cada segundo que passava. Como ela podia?!

– Não posso ter filhos – ela finalmente respondeu, sem olhar para mim. – Seu pai queria um e me convenceu a adotar você. Ele o amava.

– Eu sei – rosnei.

– Mas então ele morreu e eu tive que ficar sozinha com você.

Minha visão estava turva e levou alguns segundos para eu perceber que estava chorando.

– Você é ao menos capaz de amar?! – gritei, sem me importar com mais nada, só queria que ela mostrasse alguma reação, que fosse humana pelo menos uma vez na vida. – Como papai pôde ficar com uma mulher como você? Você nem o amou!

– Cala a boca! – ela gritou, pondo-se de pé com tanta força que a cadeira em que estava sentada tombou no chão. – Você não tem como entender! Eu amei o meu marido! Eu o amava tanto que aceitei ficar com você! Eu o amava tanto que prometi que não abandonaria você depois que ele morresse! Ele me fez jurar, Vicente, enquanto estava morrendo naquela cama de hospital. Me fez jurar que eu cuidaria de você. E eu cumpri minha promessa.

Uma calma súbita se apoderou de mim ao ver aquela mulher fria e impecável se descontrolar. Lágrimas começaram a rolar por seu rosto de pedra, vertidas por seus olhos de vidro. A fúria que havia me dominado segundos antes deu lugar a outro sentimento. Pena. Pena por ver alguém que havia morrido em vida. Alguém que poderia ter tido outra chance, mas que se fechou, que se impediu de amar de novo.

Minha mãe.

Cuidar não era amar. Ela realmente cumpriu sua promessa. Nunca deixou que nada material me faltasse. Apesar de que eu preferiria que ela me desse seu carinho. Era só o que eu quis durante toda a vida. Mas aquele era um coração que eu nunca alcançaria.

Estava fechado para mim.

– Eu te amei – eu sussurrei, sem parar de sentir minhas próprias lágrimas pingarem no chão.

Mamãe se ajoelhou no chão, depois se sentou. Parecia subitamente cansada, esgotada, pequena e frágil. Colocou as mãos sobre o rosto, tentando reter a prova da sua fraqueza.

– Eu sei – disse, a voz abafada. – Sinto muito.

Sinto muito.

Aquelas eram as últimas palavras que ela tinha para mim. Eu também sentia muito. Mais do que ela podia imaginar. Sentia tanto que parecia que minha pele se partiria, se rasgaria com a intensidade da dor que me consumia.

Sem um último olhar, subi ao meu quarto, coloquei algumas roupas numa mochila e saí de casa, passando sem virar o rosto para a mulher largada no chão da sala de jantar.

Eu sinto muito também, mãe.


...

Deitei-me de costas na cama e fiquei fitando o teto. Pensei em ligar o computador e colocar alguma música para tocar, mas ultimamente qualquer música que eu ouvia me fazia lembrar da Maria Valentina.

Eu não havia contado para ninguém sobre ser adotado. Nem para Lucas. Eu queria desabafar, precisava conversar com alguém. Mas toda vez em que pensava nisso, o rosto da nerd vinha à minha cabeça. Lembrava-me da conversa que tivemos em seu quarto, de quando ela me contou sobre sua mãe. Mesmo com todas as mentiras, mesmo depois do que ela fez – e do que eu fiz também – aquele era o único momento em que eu não tinha dúvidas de que ela tinha sido verdadeira. A dor crua e intensa que vi em seus olhos não tinha como ser mentira. A fragilidade de sua voz, a verdade em suas lágrimas... simplesmente não podiam ser inventadas.

– Ela morreu? Sua mãe?

– Não. Ela não morreu. Ela foi embora.

Ela tinha sido sincera comigo sobre sua mãe. E era a minha vez de ser sincero com ela. O que era estúpido porque eu nem sabia quando a veria de novo. Mas era para ela que eu queria contar. Era com ela que eu queria compartilhar minha dor, porque eu sabia que apenas ela me entenderia. Apenas ela me confortaria e faria o mundo entrar em seu eixo novamente. Somente ela tinha esse poder sobre mim.

Minha vontade era pegar o telefone e ligar para ela. Queria ouvir sua voz. Queria que seu tom me acalmasse, queria ser embalado pelo seu timbre suave.

Quem eu estava querendo enganar? Sorriria mesmo se ela gritasse comigo.

Mas algo me impedia. Algo dizia que ainda não era o momento. Queria que ela desse o primeiro passo, porque – e eu não conseguia me impedir de sentir assim – eu estava inseguro.

Se nem sua mãe te ama, Vince, como qualquer garota poderia amar você?

Eu não queria pensar essas coisas, mas uma vozinha insistente continuava repetindo isso na minha cabeça. O tempo todo.

Eu estava enlouquecendo.

Maria Valentina me amava. Ela tinha que me amar. Ela tinha que me querer. Eu esperaria por ela. Que fossem anos, eu não me importava, eu estaria aqui por ela.

Ela voltaria para mim.

Eu precisava acreditar nisso.

Ouvi, como se viesse de muito longe, a campainha tocar. Não me importei e continuei olhando fixamente para o teto, tão distraído em meus pensamentos que não percebi a porta do quarto sendo aberta até que alguém se jogou sobre mim.

– Mas que p...? – soltei, sem ar por causa da força com que a garota bateu no meu peito.

– Hey, Vince! – Lana olhou para mim e abriu um grande sorriso.

Empurrei-a e a fiz ficar de pé, para poder sentar na cama e respirar direito.

– Qual é o seu problema? – perguntei, irritado.

Lana jogou seus longos cabelos por cima do ombro e rolou os olhos.

– Bem que o Lucas me disse que você estava com um humor insuportável – comentou.

Olhei para trás dela e vi Lucas com cara de culpado, dando de ombros.

– Você está, cara – concordou.

Eu não podia acreditar naquilo. Lana e Lucas, se falando sem que eu soubesse? Quando o relacionamento deles evoluiu para isso? Eu não ia poder nem me divertir vendo meu amigo se enfurecer por causa da minha prima?

– Por isso a princesa aí me ligou – contou Lana, voltando a abrir seu sorriso brilhante. – E eu vim aqui para distrair você, priminho.

– Princesa é o ... – tentou reclamar Lucas, mas foi cortado pela mão que Lana enfiou na sua cara.

– E aí, preparado para esquecer aquela nerd estranha e se divertir?

Rolei os olhos e voltei a deitar de costas na cama. Eu não precisava daquilo, só queria ficar sozinho.

– Eu realmente não preciso de nada nem ninguém pra me distrair – disse, ignorando os dois problemáticos que agora se encaravam de cara feia. – Por que vocês não vão resolver as diferenças de vocês e me deixam em paz?

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos e eu pensei que havia conseguido com que saíssem do quarto. Mas aí senti dois pares de mãos me segurando pelos braços e me puxando da cama até que eu caí esparramado no chão.

Xinguei, mas Lucas só me olhou com uma expressão entediada enquanto Lana sorria irritantemente.

– Não vamos deixar você em paz, queridinho – falou. – Você tem que sair desse seu estado depressivo em que a ruivinha te deixou. Vamos, eu trouxe um filme super divertido para assistir com você.

Rolei os olhos mais uma vez, pensando que, se eles soubessem a verdade, me deixariam em paz. Mas não tinha a menor chance de eu contar, então eles continuariam pensando que eu estava daquele jeito por causa da Maria Valentina. O que era em parte verdade.

Levantei, resignado, com um grande suspiro.

– Tudo bem, tudo bem, vamos ver esse filme.

Lucas soltou um “aleluia” baixinho enquanto Lana dava palminhas de animação. Sério, pela reação dos dois, eles deviam achar que eu estava quase cortando meus pulsos.

Mas eu nem pensei nisso. Sério. Já falei que não sou emo.

Arrastei-me com os dois para a sala e me joguei de qualquer jeito no sofá enquanto Lana procurava o DVD na bolsa.

– Que filme você trouxe? – perguntei.

Ela me lançou um olhar ao mesmo tempo malicioso e culpado e respondeu:

Valente.

Valente?

E foi aí que meu melhor amigo começou a rir tanto que se engasgou e seu rosto ficou todo vermelho. Ele caiu no tapete e continuou rindo enquanto eu o encarava suspeitosamente.

Espera, eu havia perdido alguma coisa? Alguma piada interna?

– Qual o problema, Lucas? – perguntei.

– Você...você...não conhece o filme, Vince? – Lucas perguntou entre as lágrimas de riso.

Balancei a cabeça negativamente.

– Deveria conhecer?

Lana finalmente achou o DVD e colocou-o no aparelho, jogando a capa de volta na bolsa, sem que eu pudesse vê-la, depois pegou o controle remoto e se sentou do meu lado, dizendo com outro dos seus enormes e brilhantes sorrisos:

– Ah, você vai amar...


...

Depois de um minuto e quarenta segundos de filme, eu me levantei do sofá, furioso.

– Qual o problema, Vince? – Lucas perguntou entre risos.

– Vão lamber um prego, vocês dois! – rosnei e caminhei a passos largos até o quarto, batendo a porta com força enquanto ouvia os dois idiotas rindo.

E ainda se diziam meus amigos...

Não me importei com Lucas e tranquei a porta. Ele que dormisse no sofá da sala. Joguei-me na cama sem me dar ao trabalho de trocar de roupa. Coloquei um braço sobre os olhos, xingando-me mentalmente por não ter desligado a luz antes de ter deitado, porque eu não levantaria de jeito nenhum para fazer isso. O problema era que quando eu fechava os olhos, não era a escuridão que eu via. Não, eram cachos ruivos. O sol batia neles e os fazia brilhar. Normalmente, eu tentava lutar contra essa imagem, porque a saudade doía.

Mas essa noite... essa noite, eu queria sonhar com ela.

E, mesmo que fosse só uma ilusão, adormecer fitando aqueles olhos cinzentos fez todos os meus problemas desaparecerem.


...

Acordamos cedo no dia seguinte. Lucas estava com um humor de cão, em parte porque foi obrigado a dormir na sala e em parte porque Lana havia se recusado a ir à praia com a gente.

– Tenho coisas mais interessantes pra fazer do que ver as duas princesinhas namorando – ela havia dito quando a convidamos.

Lucas pensava que ela iria mudar de ideia, mas eu duvidava muito. E é claro que eu estava certo. Ela nem se deu ao trabalho de atender as ligações dele naquela manhã.

Eu nem liguei para ela, sabia que ela não viria, e ainda estava meio irritado por ontem.

– Anda logo, Vince! – Lucas grunhiu, quando ouviu uma buzina do lado de fora.

O irmão mais velho do Pedro, um dos meus amigos do time de futebol da escola, é que ia dirigir e nos dar carona. Fábio, Diana, Roberta e mais algumas pessoas da nossa sala também iam, mas só amanhã.

Terminei de tomar meu café da manhã e corri para escovar os dentes e pegar minha mochila. Não estava muito animado para ir, mas não queria irritar ainda mais meu amigo. Ele já parecia pronto para me fuzilar com os olhos.

– Bom dia, gen... – Pedro começou quando entramos no carro, mas parou ao ver a aura de escuridão ao nosso redor. – Eu hein.

Mas apesar do nosso humor ruim, cumprimentamos ele e Henri quase naturalmente. Quase. No entanto, não falamos muito durante a viagem. Eu coloquei meus fones de ouvido e me desliguei do mundo. Depois de mais ou menos uma hora, começou a chover. No início era uma chuva fraca, mas foi ficando forte e não parava. Não me importei. Até cochilei um pouco.

– Vince – Lucas tirou um dos meus fones e me chamou. Eu apenas resmunguei para ele me deixar em paz.

– Vince, seu celular tá tocando – ele disse.

Eu não estava totalmente acordado e tinha ficado um pouco irritado por ter meu cochilo interrompido, por isso só peguei o celular da mochila e o desliguei, jogando-o de qualquer jeito no banco.

Consegui dormir o resto da viagem e só acordei quando estávamos chegando. Era para chegarmos na hora do almoço, mas como aquele temporal não parava, nos atrasamos e eram quase quatro da tarde quando estacionamos na frente da casa de praia do Lucas.

Não era uma casa muito grande. Era térrea e tinha quatro quartos. Mas ficava bem na beira da praia e tinha uma vista incrível para o mar. Mar que no momento estava revolto e cinzento, graças ao mau tempo. Precisamos correr para a casa e, mesmo assim, acabamos encharcados. Enquanto Lucas destrancava a porta, um raio caiu ali perto, o barulho do trovão vindo logo depois.

–Vai precisar de quanto tempo para abrir essa porta? – Pedro perguntou, balançando os cabelos e espirrando água na gente.

Lucas não se deu ao trabalho de responder e finalmente abriu a porta. Entramos apressadamente e jogamos nossas coisas descuidadamente no chão.

– Vou pegar umas toalhas pra gente – ele disse, entrando no quarto principal. – Não molhem o sofá!

Eu estava prestes a me jogar no sofá, mas me impedi quando ele disse isso. Rolei os olhos e esperei em pé com os outros enquanto ele voltava com as toalhas.

– Bom, eu não sei vocês – começou Henri – mas eu estou acabado. Vou comer e dormir um pouco enquanto essa chuva não passa.

– Não tem nada para fazer mesmo – concordei enquanto Pedro e Lucas assentiam.

Nenhum de nós estava com disposição para uma refeição elaborada então só comemos as porcarias que tínhamos trazido. Eu me contentei com dois pacotes de ruffles e uma Coca-Cola.

Lucas foi para o maior quarto da casa, o único que tinha banheiro e cama de casal, e Pedro e Henri foram para outro. Eu me sequei e acabei deitando no sofá mesmo. Queria ficar sozinho – de novo.

Sim, eu estava um porre e ficar perto de mim era provavelmente uma tortura. Mas não havia nada que eu pudesse fazer e, sinceramente, era melhor estar ali do que em casa.

Mesmo tendo dormido durante quase toda a viagem, acabei caindo no sono por puro tédio. Não sonhei com nada dessa vez e acordei com o barulho de um trovão. O lugar estava totalmente escuro e silencioso, os outros não pareciam ter acordado. Olhei no meu relógio de pulso e vi que já eram quase sete da noite. A chuva ainda não tinha parado, parecia ainda mais forte. Cocei os olhos e procurei pelo interruptor, mas acabou não servindo para muita coisa. A casa estava sem luz.

Maldita chuva.

Fui tateando pelo chão até encontrar a minha mochila. Procurei pelo meu celular, mas ele não estava lá.

– Droga – resmunguei quando lembrei que havia deixado o celular no carro.

Resolvi ir pegá-lo, mesmo com toda aquela chuva. Eu não queria morrer de tédio e não tinha nada para fazer ali. Eu já havia dormido tudo o que podia e não aguentava mais a companhia dos meus pensamentos, mas também não queria acordar os outros.

Pelo menos eu ia poder jogar Angry Birds.

Calcei os tênis, peguei as chaves do Henri, que estavam em cima da mesa da sala e saí. Corri até o carro enquanto a chuva fria me fustigava e peguei meu celular em cima do banco traseiro. Voltei correndo para a casa, totalmente encharcado. Peguei a toalha que havia largado em cima de uma cadeira e me sequei o melhor que pude, antes de me jogar no sofá. Quando liguei meu celular, fiquei meio chocado com a quantidade de chamadas e mensagens.

Todas de Lana. Todas pedindo-me para ligar para ela imediatamente.

Meu coração disparou no peito. Alguma coisa havia acontecido com ela? Com a mamãe?

Em meio segundo, eu já tinha me levantado e estava ligando para ela enquanto dava voltas pela sala.

Ela atendeu depois de quatro longos toques.

– Lana! – quase gritei. – O que houve? Aconteceu alguma coisa? Você está bem?

Ouvi um enorme suspiro do outro lado da linha.

– Eu estou ótima – ela disse e eu quase podia vê-la rolando os olhos. – Mas você é um idiota.

– O quê? Você passou a tarde toda me mandando mensagens só para me chamar de idiota?

A garota era louca. Só podia ser.

– E você acha que eu não tenho mais o que fazer? – foi a resposta mal criada. – Eu fiquei te ligando porque a Maria Valentina apareceu aqui em casa hoje, Vince.

Aí meu coração parou. De vez.

Mais um raio caiu do céu.

E meu coração voltou a bater ainda mais rapidamente que antes.

– Lana, isso é alguma brincadeira?! – perguntei, respirando ruidosamente. – Você está falando sério?!

– Vince, eu vi como você sofreu por todos esses meses. Acha mesmo que eu ia brincar com uma coisa dessas?

– E o que ela te disse? O que ela foi fazer aí? Era ela mesmo? – eu não conseguia impedir as perguntas que jorravam da minha boca.

– Ela estava procurando por você – ela parou por um instante, como se não tivesse certeza do que dizer. – Ela parecia realmente querer vê-lo.

Deixei o telefone cair da minha mão. Aquilo não podia ser possível. Não podia...

Maria Valentina estava de volta? Ela foi me procurar?

– Ei cara, que gritaria é essa? – Lucas perguntou, saindo do seu quarto e coçando a nuca.

Eu mal o notei. Minha cabeça parecia girar tanto que eu estava ficando tonto.

– Vince, você tá bem?

Eu o ignorei completamente e corri para a porta. Eu não sabia no que estava pensando. Não sabia como faria, mas a ideia que estava rondando minha cabeça era roubar o carro do Henri e voltar o mais rápido possível para casa.

Não importava que eu fosse menor de idade e corresse o risco de ser pego na estrada. Não importava que roubar fosse crime e Henri fosse me matar depois. Não importava que o mundo estivesse acabando lá fora.

Um outro raio cruzou o céu.

O estampido desse foi ainda maior que o de todos os outros.

Não me importei.

Ela havia voltado. E eu precisava vê-la.

Abri a porta e parei, chocado.

Por um momento eu pensei que estava alucinando. Eu conseguia enxergar Maria Valentina tão perfeitamente em meus sonhos que imaginei que agora só estivesse sonhando acordado.

Ela estava parada na porta, os cabelos molhados colando em seu rosto e ombros. Seus lábios estavam azuis pelo frio e tremiam um pouco. Ela estava sem óculos e seus olhos estavam assustados como os de uma criancinha. Sua mão estava suspensa no ar como se ela estivesse prestes a bater na porta.

Outro raio caiu e eu a vi tremer.

– Vince, eu tenho medo de trovão – ela disse.

E eu esqueci como respirar.

Ela estava ali.

Maria Valentina.

E não era um sonho. Era real.


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Notas finais do capítulo

Bom, pessoas, alguns de vocês perguntaram pra onde eu to me mudando, e é pro Rio de Janeiro. Pelo menos é uma cidade que eu amo de paixão, se fosse outra eu estaria mais assustada D:
Eu sei que tô em falta com vocês quanto aos reviews, mas eu to respondendo aos pouquinhos, ok? E vou conseguir responder todos. É, tipo, minha missão esauehusaeusah.
Deixem reviews dizendo o que acharam do cap, me façam feliz *.*
Ah, e bem vindas leitoras novas, sei que devia ter dito isso lá em cima, mas esqueci...
Beijoooos :*