O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 31
Final Feliz É Clichê


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, tudo bem?
Aqui está o último capítulo dessa história que demorou tanto tempo pra ser escrita. Gostaria MUITO que vocês lessem as notas finais.
Um agradecimento especial pra quem recomendou a fic:
— Sofia Paura
— Your Pretty
— Ary Crocodilo
— Mi Freire
— Maah
— Beauty Dreamer
— Gigi
— Mih
IMPORTANTE: Nesse capítulo, eu fiz as coisas de maneira diferente. Então ele vai ser narrado pelo Vince E pela Tina. Tem o nome de cada um antes das mudanças de pontos de vista. Eu realmente espero que não tenha ficado confuso. Vejo vocês lá embaixo.



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Vince


Eu achei que conhecia a felicidade. Achei que sabia o que a palavra significava. Achei que já a havia experimentado.


Estava enganado.

Antes de me apaixonar por Maria Valentina, eu não tinha sido verdadeiramente feliz. Antes de ter aquela garota tão linda e especial deitada na areia da praia ao meu lado, com a cabeça apoiada no meu ombro, eu não tinha experimentado a paz que envolvia meu espírito naquele momento.

O sol ia nascendo e o vento era gelado. Eu havia tirado a camisa e a colocado na areia para que Maria Valentina pudesse deitar sem sujar os cabelos. Ela havia dado uma risada quando eu fiz isso, mas quando perguntei, só balançou a cabeça e não disse nada.

Eu passei um braço por sua cintura e a abracei mais apertado. Ela suspirou e se aninhou contra mim como se não quisesse estar em nenhum outro lugar no mundo.

Eu sei que eu não queria.

Havíamos conversado durante toda a noite. Eu sentia que queria recuperar todo o tempo em que estivemos separados. Amei ouvi-la falar com alegria da sua vida na Romênia, mesmo que sentisse um pouco de ciúme dos seus novos amigos. Não por desconfiar dela ou coisa assim, mas porque eles puderam passar os últimos meses com ela quando eu não pude. Eu queria estar com ela a cada momento, ver todas as suas expressões, ouvir todas as suas palavras, beijar cada sorriso e ampará-la sempre que ela precisasse. Queria pertencer a ela tanto quanto queria que ela pertencesse a mim.

– Você quer ir embora? – perguntei, ao senti-la estremecer quando uma brisa gelada passou por nós.

Ela negou com a cabeça e se aproximou mais de mim, passando uma perna pelas minhas. Eu esfreguei seus braços gelados e beijei o topo da sua cabeça.

Não falamos apenas sobre seus amigos e sua escola, durante a noite. Ela também me contou sobre seu avô e sua mãe. E eu não pude expressar o quanto saber que as duas tinham conversado e se aproximado me fez feliz. Só quando havia perdido toda e qualquer esperança de ser amado por minha mãe, podia realmente entender o quanto aquilo significava.

Eu finalmente contei a ela sobre minha mãe.

– Eu fui adotado – havia dito, depois dos momentos de silêncio que seguiram o relato da sua festa de despedida.

Ela havia me fitado com aqueles grandes olhos azuis assombrados, sem saber o que dizer, mas eu já havia resolvido simplesmente seguir em frente e falar tudo o que parecia oprimir meu peito.

– Ela não me ama, Maria Valentina. Nunca me amou. Nunca me quis. Só me aceitou por causa do meu pai, que realmente queria um filho e me amou como se eu fosse do seu próprio sangue. O fato de eu não ser seu filho biológico nunca importou para ele e, para ser sincero, não importa para mim também. Ele é meu pai, sempre foi.

– E seus pais biológicos? – ela havia perguntando, olhando fundo nos meus olhos com uma expressão de absoluta tristeza.

– Mortos.

Então ela havia enlaçado seus braços ao redor do meu pescoço e me abraçado com tanta ternura que eu finalmente quebrei.

Parti como se fosse feito de vidro.

– Ela não me ama – as lágrimas haviam começado a cair sem que eu percebesse e violentos soluços me assolavam. – Ela não consegue sentir nada por mim. O que eu fiz de errado? Eu a amei tanto. Eu a amo, Maria Valentina. Ela é minha mãe e, mesmo que sempre tenha sido fria comigo, eu não consegui deixar de amá-la. Eu só queria que ela tivesse orgulho de mim. Achava que, se fosse o filho que ela gostaria de ter, ela talvez sorriso para mim de vez em quando. Talvez... – eu não me importava de chorar como um perdedor nos braços da garota que mais devia tentar impressionar. Eu simplesmente precisava falar, precisava sofrer. A dor me quebrava e me destruía, mas quando ela passasse, eu tinha esperanças de voltar a ficar inteiro. Eu queria e precisava voltar a ficar inteiro. – Eu pensava que, se fosse o que ela queria que eu fosse, ela talvez me abraçasse de vez em quando, talvez passasse sua mão por meu cabelo, talvez dissesse que me amava. Mas eu nunca poderia ser o que ela queria que eu fosse. Porque ela não me queria de nenhum jeito.

Suspirei. Sinceramente não queria mais pensar naquilo. Já havia chorado todas as lágrimas que minha mãe merecia. Finalmente sentia que podia começar minha vida do zero. Finalmente sentia-me bem comigo mesmo. Maria Valentina havia secado minhas lágrimas, havia curado minhas feridas, havia me beijado e dito, com toda a sinceridade que podia me oferecer:

– Você merece ser amado. Você é amado.

E eu era. Eu sabia que sim.

O sol já iluminava toda a praia, refletindo seus raios na água calma.

– Precisamos ir – Maria Valentina murmurou, de olhos fechados.

– Eu não quero – respondi, passando os dedos pelos seus cabelos macios.

– Nem eu.

Por fim, acabamos nos levantando. Maria Valentina me entregou minha camiseta com um brilho de malícia nos olhos e um sorriso que eu realmente não entendi, mas antes que eu pudesse vesti-la, ela se colocou na ponta dos pés e me beijou.

– Agora sim, minha visão se concretizou – sussurrou.

– Que visão? – perguntei confuso.

Ela só riu e segurou minha mão enquanto caminhávamos lentamente de volta à casa de Lucas. Não havia quase ninguém por perto, já que era muito cedo. Quando finalmente chegamos, Maria Valentina me fez parar na varanda, antes que eu pudesse abrir a porta.

– Me responde uma coisa – ela pediu.

Assenti.

Ela mordeu o lábio inferior e me olhou por baixo dos cílios. Parecia nervosa.

– Você não me odiou nem um pouquinho por eu ter ido embora? – finalmente perguntou, baixinho.

Eu sorri, sem acreditar que algo tão sem importância a estava incomodando. Passei uma mão por sua cintura para aproximá-la de mim e contornei seu lábio inferior vermelho com o polegar.

– Eu te amei mais por ter voltado.

Ela sorriu fraquinho e apoiou as mãos no meu peito.

– E você me perdoou?

Beijei-a.

E essa foi minha resposta.


...



Tina



Eu sabia que não seria tão fácil. Eu meio que já esperava por aquilo. Mas ver o carro do meu pai estacionado na rua na lateral da casa foi meio como o baque que me fez acordar de um sonho bom.


Sorri, ficando na ponta dos pés e dando um selinho em Vince.

– Você pode pegar um casaco para mim? Está frio e eu quero ficar aqui fora mais um pouco.

Ele me olhou confuso.

– Você não está com sono? – perguntou, esfregando um olho e parecendo muito mais novo, como um garotinho.

Neguei com a cabeça.

– Mas se você quiser, pode ir dormir.

Ele também negou e deu de ombros, beijou minha franja e disse:

– Não, eu fico aqui com você – e entrou.

– Um chocolate quente seria bom também – falei da porta, sorrindo de um jeito brincalhão. – Mas não precisa acordar o Lucas para isso.

– Abusada – ele murmurou, rindo.

Assim que ele sumiu na cozinha, meu sorriso morreu. Foi como se uma luz tivesse se apagado. Abracei meu corpo, sentindo o vento frio brincar com meus cabelos enquanto andava até o carro. O vidro do motorista se abriu quando me aproximei, para mostrar o homem ainda bonito, com cabelos bagunçados, olheiras profundas e uma expressão tão perdida como eu nunca havia visto.

– Entre – pediu, não mandou.

E sim, há uma diferença enorme.

Dei a volta e entrei no banco do passageiro e, assim que bati a porta, ele arrancou com o carro como se estivéssemos fugindo da polícia.

– Pai, para onde estamos indo? – perguntei, preocupada com o que Vince iria pensar quando não me encontrasse ali. Ele iria ficar louco de preocupação. – Pai?

– Para casa – respondeu sem me olhar. Eu abri a boca para protestar, mas ele não me deixou falar. – Precisamos conversar, Maria Valentina. Você sabe que precisamos.

Sim, era verdade. Mas sair desse jeito, como se eu estivesse fugindo, sem avisar, sem dizer nada...o que Vince pensaria? O que faria quando não me visse ali? eu conseguia visualizá-lo com aquela cara de sono, saindo de casa com um dos seus casacos num braço e uma xícara de chocolate quente na mão, só para encontrar o vazio.

E essa imagem me machucava.

Senti algo ser jogado no meu colo.

– Mande uma mensagem para ele, mas por favor, tire essa expressão de enterro do rosto – falou, mostrando frustração.

Eu não questionei sua atitude tão estranha, apenas agarrei seu celular e digitei rapidamente para o número de Vince, que eu já sabia de cor.


Estou indo para casa, papai apareceu. Vá me ver quando voltar. Vou ficar com saudades, te amo. MV.



Depois apaguei o histórico – nem louca que eu deixaria meu pai ter o número do garoto, sabe-se lá que terrorismo ele faria – e devolvi o aparelho ao meu pai.


A viagem foi longa e dolorosamente silenciosa. Papai não me olhou em nenhum momento e nenhum de nós disse nada. O dia estava seco, porém muito frio, e eu me encolhi no banco, abraçando os joelhos e apoiando a cabeça na janela fechada, cantarolando uma música sem perceber:

And the crushes of heaven, for a sinner like me. But the arms of the ocean delivered me... – sim, essa música. Eu não a tirava da cabeça, como também a noite perfeita que tive. A dança ao luar, a areia sob meus pés, os olhares que me pareciam eternos, os beijos que me levaram para além desse mundo.

Como era possível que, mesmo quando ele não estava comigo, Vicente conseguia me fazer amá-lo um pouco mais?

Quando finalmente chegamos em casa, eu estava tonta de fome. Papai entrou em casa sem olhar para mim e eu o segui. Geny tinha pedido comida de um restaurante ali perto e papai fez com que todos sentássemos à mesa para o almoço.

E, correndo o risco de soar clichê, dava para cortar o ar com uma faca.

Papai continuava sem me encarar enquanto o olhar magoado de Geny parecia perfurar minha pele. Ela ainda estava muito chateada e havia chorado, eu podia ver por seus olhos vermelhos. Tudo o que eu queria era me levantar e ir abraçá-la, mas ainda não era o momento. Era óbvio que ela não me queria por perto.

Quando finalmente acabamos de almoçar, papai se levantou e disse:

– Maria Valentina, no meu escritório. Agora.

Ele se dirigiu para lá e deixou a porta aberta.

Levantei-me e, com um último olhar para Geny, eu fui até o escritório. Entrei e fechei a porta. Papai estava de costas para mim, perto da sua mesa. Quando me ouviu entrando, se virou e, antes que eu percebesse, me tinha num abraço tão apertado que eu mal conseguia respirar.

– Minha filha – murmurou, com a voz tão machucada que me trouxe lágrimas aos olhos. – Graças a Deus você está bem. Nunca, nunca mais faça isso. Eu te amo tanto...

Quando ele se afastou, eu pude ver que seus olhos azuis como um dia claro de verão estavam marejados. Ele levou uma de suas grandes mãos aos meus cabelos, tirando-os do meu rosto.

– Minha princesa – disse, olhando-me fundo nos olhos. – Nunca mais suma desse jeito. Não me faça passar por isso de novo. Você é só uma menina, só tem 16 anos...você...só...não faça mais isso, entendeu?

Assenti, sem conseguir controlar as lágrimas que lavavam meu rosto enquanto papai tentava secá-las.

Eu nem sabia porque estava chorando. Talvez fosse só porque...

Qual tinha sido a última vez em que meu pai havia me chamado de minha princesa?

Qual tinha sido a última vez em que ele tinha dito que me amava? Sim, eu sabia que ele me amava, mas quando ele havia me dito isso com seus próprios lábios, sem que eu precisasse simplesmente acreditar naquilo só para conseguir seguir em frente?

Papai me fez sentar no sofá, em vez de em uma das poltronas que ficavam de frente para sua mesa. E ele se sentou ao meu lado.

– Agora, tem certas coisas que precisamos discutir – começou, mas eu logo o impedi.

– Eu o amo, papai! – afirmei, segurando suas mãos. – O nome dele é Vicente. Vicente Müller e ele joga futebol, surfa, é meio retardado, super popular, irritante de lindo e mais idiota do que eu gostaria de admitir.

– Maria Valentina...

– Mas ele também é doce, carinhoso, protetor e muito apaixonado por mim. Ele me faz sentir como se o chão não existisse, papai. Mas eu não tenho medo de cair. Porque ele está me segurando. Quando eu imagino pelas coisas que ele passou com a mãe, eu tenho vontade de ir lá e meter a mão na cara dessa bandida! Ele me faz querer lutar por ele, por mim. Por nós. Eu o amo tanto que não sei o que fazer com isso. Eu simplesmente não consigo evitar. Eu o amo do mesmo jeito como respiro. É algo natural, contínuo, eterno. E ficar sem ele é como ficar sem ar.

Eu nem sabia mais do que estava falando. As palavras jorravam, impulsivas e verdadeiras, enquanto eu só pensava que precisava convencer meu pai a aceitá-lo. Eram os dois homens que eu mais amava no mundo e eu queria poder ter os dois na minha vida.

– Maria Valentina – papai finalmente fez com que eu me calasse, usando sua voz de Pai, mas amenizando a ordem ao segurar minhas mãos com carinho. – Vamos chegar nesse ponto. Em um minuto. O que eu tenho para falar agora é sobre...sua mãe.

Meu coração vacilou.

– Eu liguei para o seu avô – continuou. – Nem vou comentar a discussão que tive com ele, já que ele não tinha o direito de esconder algo como isso de mim. E...bom, eu falei com sua mãe.

“Filha, eu só quero que você entenda uma coisa. Eu sei que passei boa parte do tempo tentando colocar vocês contra Teresa. Funcionou com sua irmã, mas felizmente, você soube seguir sua própria cabeça. Não estou dizendo que só porque ela voltou, eu vou perdoá-la e esquecer o mal que ela fez à essa família. Ela quase nos destruiu, Maria Valentina. Parte da culpa foi minha, mas ela foi embora. Ela sumiu no mundo e viveu todos esses anos de liberdade enquanto eu criava vocês, cuidava de vocês e, do meu próprio jeito, amava vocês. Não estou me queixando. Não trocaria minhas Marias por nada no mundo. Mas tente cuidar de duas crianças pequenas quando seu coração está despedaçado sem deixar transparecer uma gota de amargura e você perceberá que é impossível.”

Não só eu chorava agora. E ver meu pai chorar era assustador. Pais não choram. Meu pai então, nunca chorou. Ou pelo menos era a impressão que eu sempre tive. Mas ver seu rosto molhado pelas lágrimas que saltavam dos seus grandes e gentis olhos azuis só fazia o fluxo das minhas aumentar. Sequei seu rosto com minhas mãos, como ele havia feito comigo, pensando no quanto aquele homem, que eu sempre comparei com uma muralha, havia sido forte. Outra pessoa teria desabado, mas ele continuou de pé por nós, inteiro, sólido. Sua rigidez e autoridade podiam ser exageradas, mas era o jeito que ele havia encontrado para nos proteger.

Ele podia estar errado, mas estava errado porque nos amava.

– Eu odeio sua mãe, filha – meu pai continuou, parecendo mais honesto do que nunca. –Odeio-a mais do que a qualquer outra coisa ou pessoa. Odeio-a por ter tanto poder sobre mim, por me fazer tão pequeno, tão manipulável. Odeio-a por ter me feito amá-la com tudo o que podia só para depois me deixar. Odeio-a por, mesmo agora, amá-la como se fosse o primeiro dia. Por saber que, mesmo agora, eu daria a minha vida por ela. Em um segundo, sem precisar parar para pensar.

Abracei-o enquanto chorávamos, sentindo pela primeira vez toda a dor que aquele homem tão sério e tão seguro guardava dentro de si. Agora eu podia ver o quanto minha mãe o tinha machucado. Eu duvidava que ela sequer soubesse o que fizera. Não a isentava de culpa, mas eu acredito que, se ela soubesse pelo que faria meu pai passar, talvez tivesse ficado.

Ou talvez não. Talvez tivesse sido mesmo preciso que mais de 10 anos se passassem para que ela percebesse a família que perdeu.

– Não a impedirei de vê-la, Maria Valentina – papai murmurou ainda em nosso abraço. – Ela é sua mãe e, depois do horror e da surpresa do primeiro momento, confesso que fico feliz que ela a tenha procurado. Sempre quis que vocês tivessem a mãe por perto, sempre quis que nossa família fosse completa. Mas não irei vê-la. Não posso perdoá-la. Não ainda. Talvez nunca.

Afastei-me e voltei a secar as lágrimas de papai com minhas mãos. Ele fez o mesmo comigo.

– Nossa família é completa, papai – disse, o que o fez sorrir. – Eu também fico feliz de poder conhecer minha mãe, de poder tê-la em minha vida de novo. Você não precisa vê-la nunca, se isso o machuca tanto. Só lembre que, não importa que mamãe tenha aparecido. Nada mudou e eu sempre estarei do seu lado. E mesmo quando eu estiver bem velhinha, eu ainda serei sua garotinha. Eu te amo, papai.

E, quando voltei aos seus braços, era como se eu tivesse 6 anos de novo. Como sempre eu me sentia nas poucas vezes em que meu pai me abraçava. Como eu adorava me sentir. Pequena, protegida, amada. Aquela conversa havia me lembrado quem meu pai era, havia me mostrado o homem que existia por trás de sua fachada de durão, havia me feito ter esperanças.

De poder amar. De ser feliz. De consertar toda aquela bagunça. De por um ponto final na dor daquela família. Da minha família.

– Agora você entende por que eu não queria que você se apaixonasse? – papai perguntou de repente, afastando-se para me olhar. – Eu não quero que você passe pelo que eu passei, filha. Nunca. Eu não quero que sinta a dor que eu senti. Não quero que, no fim, você precisa juntar os pedaços quebrados de suas esperanças e sonhos, apenas para guardá-los numa caixinha para o resto da vida. Não quero que tenha seu coração partido.

Respirei fundo, preparada para ser tão honesta como ele havia sido comigo.

– Papai – comecei, sorrindo timidamente. – Talvez ele quebre meu coração. Muito provavelmente, porque, apesar de eu saber que ele me ama, Vince é um garoto muito inconstante. E certamente tem esse poder. Talvez ele destrua meus sonhos e esmague minhas esperanças. E talvez um dia, ele me abandone. Eu sei disso tudo. Eu sabia disso tudo no momento em que me apaixonei por ele. A felicidade tem muitas variáveis e eu não estou preparada para todas elas.

Parei por um segundo e respirei fundo mais uma vez. Papai não me interrompeu e eu o fitei profundamente, trancando meus olhos azuis acinzentados com os seus, azul céu.

– Mas o que o senhor precisa entender é que, mesmo se tudo isso acontecer, mesmo se meu coração for partido em mil pedaços sem possibilidade nenhuma de recuperação, eu ainda não vou me arrepender. Eu ainda vou olhar para trás e amar tê-lo amado, ter sido amada por ele. Ainda vou sorrir ao pensar no quanto ele me fez feliz. No quanto ele me deu, me ensinou. E no quanto nós transformamos um ao outro. Eu vou ser feliz por ter amado. Vou ser feliz por ter vivido.

Ainda chorando, finalmente perguntei:

– Papai, você se arrepende da mamãe?

E a resposta veio mais rápido do que eu imaginei:

– Nem por um segundo.

Sorri e eu mesma limpei minhas lágrimas dessa vez.

– Então espero que você possa entender. E aceitar.

Ele sorriu.

– Não pense que vai ser fácil, Maria Valentina – falou com a voz autoritária, mas sem diminuir seu sorriso. – Não vai ser. Mas mande-o vir aqui.

Meu rosto era pequeno para o sorriso que surgiu em meus lábios e eu mal conseguia me manter sentada, de tanto que queria sair pulando pela casa.

– Sério, papai? – perguntei sem acreditar. – O senhor vai dar uma chance a ele?

Papai negou.

– Não, vou dar uma chance a você.


...



Vince



Estou indo para casa, papai apareceu. Vá me ver quando voltar. Vou ficar com saudades, te amo. MV.


Vá me ver quando voltar? Vá me ver quando voltar?

Essa garota estava louca? Ela simplesmente some daquele jeito, fazendo com que eu quase tenho um AVC aos 16 e depois manda uma mensagem dessas, como se não soubesse que eu a seguiria no mesmo instante. Ou seja, a garota estava completamente pirada.

Vá me ver quando voltar...francamente.

Bom, era exatamente isso que eu iria fazer. Depois de acordar Lucas – que estava estranhamente dormindo no chão do quarto enquanto Lana ocupava sozinha a espaçosa cama de casal – e explicar a situação em umas vinte palavras, eu peguei minhas coisas e fui ao terminal rodoviário.

Vince Müller num ônibus. Um choque até para mim.

Mas não importava. Carro, ônibus, bicicleta...nem se precisasse ser de mula, eu iria para a minha Maria Valentina. Eu precisava ser homem e enfrentar o pai dela. Precisava convencê-lo de que amava a filha dele e de que nunca a machucaria de propósito.

Ou então, eu a convenceria a fugir comigo. Podíamos nos casar em Las Vegas.

Eu só sabia que não podia viver sem ela. Ela era minha única certeza no mundo. Era minha única pessoa. Meu único alguém. Aquela. A única. A especial.

O grande amor da minha vida.

Por mais piegas que isso soasse.

A única mulher no mundo que tinha amor nos olhos ao pousá-los em mim.

E quando eu estava quase chegando, recebo outra mensagem dela, dessa vez dizendo:

Papai aceitou falar com você, pediu para eu dizer a você para vir aqui. Mas não vou mentir, Vince, o cara é um tirano. É meu pai e eu o amo, mas ele é terrível. Achei que você devia saber. Venha, se quiser.

Louca, maluca, idiota, completamente sem noção. Minha adorável e linda Maria Valentina. Sorri incrédulo ao pensar que ela poderia sequer cogitar a hipótese de eu não estar correndo para ela naquele exato momento.

Um exército não me manteria longe dela.

Por que um pai durão o faria?


...


Tina


Eu esperava que ele viesse, mas tentei me impedir de criar tanta expectativa. Queria, sim, mas a insegurança que foi minha parceira durante toda a vida voltava para me fazer duvidar. Afinal por que ele enfrentaria um dragão cuspindo fogo se o que esperava ele no fim não era exatamente uma princesa? Minha cabeça dizia que desconfiar era o certo, aquela vozinha irritante ficava martelando mil condenações a ele em minha mente. Mas se meu coração tivesse braços, estes estariam abertos para o Vince. Sempre. Meu coração confiava nele, acreditava nele, o amava. Amava cada idiotice que ele dizia, cada sorriso que formava covinhas em suas bochechas, cada pequeno cacho de cabelo escuro que caía em seus olhos e o fazia balançar a cabeça por pura preguiça de usar as mãos para colocá-lo para trás. Eu o amava por inteiro, por cada defeito, por cada imperfeição. Era assustador, sim, mas também era libertador.


Eu amava amá-lo.

Então, ao abrir a porta de casa algumas horas depois de ter enviado a mensagem a ele foi uma surpresa e uma certeza. Uma parte de mim sabia que ele viria enquanto a outra parte comemorava o fato de ele ter ido, como se fosse algo inimaginável.

Eu havia acabado de sair do banho e estava descalça, vestindo um short jeans curto e uma camisa larga. Meus cabelos molhados estavam penteados para trás e meus óculos haviam ficado na pia do banheiro.

Ele se aproximou e fitou a camisa que eu vestia. Era a camisa dele. Aquela que ele havia me emprestado há uma eternidade, cinza, um Kenny morto com uma placa enfiada na cabeça, onde estava escrito I Killed Kenny.

Aquela havia passado a ser minha camisa preferida. Eu a vestia tanto na Romênia que ela havia ficado até meio desbotada e, apesar de não ter mais o cheiro dele, eu continuava levando-a ao meu rosto, aspirando a lembrança dele. Só que não era minha. Talvez por isso mesmo eu gostasse tanto dela.

– Eu quero de volta – Vince disse, se aproximando e tocando a gola da camisa e a pele do meu pescoço com a mão direita, os olhos presos nos meus.

– O quê? – perguntei estupidamente, por um momento perdida na escuridão quente dos seus olhos. – A camisa?

Vince levou a outra mão até a parte de trás da minha cabeça, apertando meus fios de cabelo entre as mãos num gesto possessivo que eu nunca imaginaria ver nele.

– Você.

Sorri e passei os braços por seu pescoço, ficando na ponta dos pés.

– Sou sua – murmurei antes de beijá-lo, sabendo que era apenas uma questão de tempo até papai aparecer e nos pegar.

Bom, lidaria com esse problema quando precisasse. No momento estava ocupada vivendo meu para sempre em um segundo.

Que durou apenas isso mesmo.

Um pigarro fez com que nos afastássemos e olhássemos na direção de papai, que nos fitava com aquela expressão impenetrável e assustadora.

– Sr. Müller, eu presumo – papai realmente não ia facilitar as coisas.

Visivelmente nervoso, Vince engoliu em seco e eu apertei a mão dele com a minha, tentando passar uma confiança que nem eu tinha.

– Eu mesmo – ele falou e logo completou. – Senhor.

Papai assentiu e indicou o escritório com a mão:

– Acho que nós dois precisamos ter uma conversinha, não é?

Vince olhou para mim e eu assenti, meio como se dissesse que era seguro.

Embora não fosse.

Oh, que papai não tivesse mais aquela arma...

Lançando um último olhar para mim, Vicente largou minha mão e entrou no escritório depois de papai.

Comecei a roer as unhas, sem saber se deveria escutar atrás da porta ou simplesmente sair correndo como uma louca pela rua. Ou desmaiar. Ou ir até a cozinha e cortar os pulsos.

Meus pensamentos foram desviados pelo barulho de um celular. Vinha da cozinha e eu fui até lá, surpreendendo-me ao encontrar o celular de Geny displicentemente largado no balcão, aos olhos de todos. E se papai visse? Imediatamente peguei o aparelho e estava quase subindo as escadas para entregá-lo a minha irmã quando percebi que o toque não fora por causa de um alarme ou algo parecido.

Era uma mensagem.

Droga, eu sabia que não deveria olhar, que era invasão de privacidade e que eu ficaria furiosa se fosse comigo. E eu não faria aquilo em situações normais, mas algo me dizia que eu deveria olhar. Eu sentia que era algo importante.

E era.

Estou esperando você no lugar de sempre.

Enviada por um tal de Rafael.

Ouvi um barulho e me assustei tanto que quase deixei o celular cair. Apressei-me e apaguei a mensagem, deixando o aparelho exatamente onde estava antes no exato momento em que Geny apareceu na cozinha, desesperada.

– Papai viu? – perguntou, pegando o celular e guardando-o apressadamente no bolso.

Neguei.

Eu não conseguia parar de olhar para minha irmãzinha e imaginar se ela estava mesmo saindo com esse garoto. Tentei procurar na memória e não conseguia me lembrar de nenhum Rafael.

Geny suspirou e se apoiou no balcão da cozinha, olhando-me triste.

– Desculpa – ela disse.

– Ei – apressei-me a negar. – Você não tem que pedir desculpas por nada, eu que...

– Não – ela me interrompeu, tocando meu braço. – Você é mais que minha irmã, Tina. Você foi minha mãe também, mesmo que a diferença de idade entre nós seja tão pequena. Foi você que esteve sempre ao meu lado, não deixando o papai me chatear e me incentivando a ser eu mesma.

Eu sorri quando ela me abraçou.

– Eu te amo – falei em seus cabelos cheirosos. – E odeio quando brigamos.

– Eu também – ela respondeu, apertando-me mais em seus braços finos. – Eu também te amo e eu também odeio quando brigamos.

Ela continuava sorrindo quando nos afastamos, mas seu olhar foi ficando triste e seu sorrindo foi morrendo.

– O que houve? – perguntei.

Ela não falou logo, ficou apenas fitando-me por alguns segundos, como se estivesse tentando escolher as palavras certas.

– Sobre a mamãe... – finalmente começou, desviando o olhar do meu e começando a brincar distraidamente com as pontas do cabelo. – Eu não quero vê-la, Tina. Eu entendo e até aceito que você a tenha perdoado, você sempre foi uma pessoa melhor do que eu. Eu simplesmente não posso. Não depois de tudo. Ainda dói, sabe?

Sim, eu sabia. Eu sabia porque, mesmo que eu realmente a tivesse perdoado, olhar para o passado e ver o vazio que ela deixou em nossas vidas também me causava dor. E eu não podia obrigar que minha irmã tivesse a mesma disposição que eu para tentar esquecer isso.

Passei a mão por seus cabelos, fazendo-a voltar a olhar pra mim.

– Tudo bem – falei e ela sorriu. – Agora eu preciso confessar uma coisa, eu vi...

Mas antes que eu pudesse falar sobre a mensagem e o tal garoto que estava esperando por ela em algum lugar, a porta do escritório se abriu e papai e Vince saíram de lá.

O segundo estava meio verde.

Dei dois passos até eles, mordendo nervosamente meu lábio e apertando a barra da camisa em minhas mãos.

Papai sorriu.

– Não importa que você esteja de férias, Maria Valentina – ele disse. – Seu toque de recolher é às 10 e se o rapazinho aqui não a trouxer no horário...

Eu não ouvi mais nada.

No segundo seguinte, como se eu não tivesse controle do meu corpo, eu havia saltado nos braços de papai, abraçando-o com toda a minha força, chorando e murmurando:

– Obrigada, obrigada, obrigada...

Papai riu e me colocou de volta no chão. No mesmo instante, voltei meus olhos para Vicente que, apesar de continuar meio pálido, sorria feliz para mim.

Naquele momento, eu percebi que não queria nem precisava de mais nada na vida.


...



Vince



– Que horas são? – perguntei.


Maria Valentina e eu estávamos deitados no telhado – sim, no telhado – da minha casa. Havíamos fugido de Lana e Lucas, que não paravam de brigar um só minuto. Gostaria de dizer que o céu estava estrelado e bonito, mas a noite sem lua estava nublada e as nuvens nos impediam de ver qualquer coisa que não fosse a escuridão completa.

– Hora de você calar a boca – minha namorada respondeu, dando-me um selinho.

Coloquei minha mão em sua nuca e beijei-a de volta, de verdade dessa vez, sentindo seu gosto doce e seus suaves cabelos caindo sobre o meu rosto.

Maria Valentina. Minha namorada. Minha nerd. Minha.

Finalmente.

– É sério, garota – falei, separando nossos lábios apenas o bastante para poder murmurar. – Temos que chegar a tempo ou seu pai nos mata.

Ela suspirou exageradamente e se afastou de mim, voltando a deitar ao meu lado.

– Você tem noção do quanto é broxante ouvi-lo falar do meu pai quando eu estou te beijando? – perguntou, rolando os olhos.

Ri.

– Você está se saindo uma tarada, ruivinha.

– Oh, cala a boca – reclamou, batendo com força no meu braço.

Certas coisas nunca mudavam.

E eu estava feliz por ser assim.

Maria Valentina e eu éramos oficialmente namorados há três semanas. E foram três semanas em que o mundo ao meu redor desapareceu. E só ela existia. Para ser sincero, não fazíamos muitas coisas típicas de namorados. Nunca a levei ao cinema. Nossos jantares eram normalmente compostos por hambúrguer ou pizza, o que fazia Lana quase ter um infarto só de olhar. Costumávamos passar nossas tardes na minha casa, já que mamãe resolveu viajar de novo. Era melhor assim, eu achava. Meu relacionamento com minha mãe havia mesmo acabado, e eu não tinha esperanças de que algum dia isso mudasse. Sentia pena por ela, porque no fundo era uma mulher solitária e morreria assim, enquanto eu passei a vida amando-a.

Mas a dor não era tão grande com minha ruivinha ao meu lado. Porque ela sim me amava e me mostrava isso todos os dias, em seus olhares, gestos, sorrisos e beijos. E palavras. Ela adorava dizer que me amava. E eu amava ouvi-la dizer.

Eu amava tudo nela.

À noite, às vezes, eu a levava para passear na praia e nós nos sentávamos na areia e ficávamos ouvindo o bater das ondas. Em outras noites, Lucas e Lana apareciam lá em casa e nós assistíamos algum filme ou – por insistência de Lana – jogávamos algum jogo estúpido.

Sim, Lana havia finalmente saído da minha casa e ido morar com a mãe. Seus pais tinham acabado de se divorciar e a coisa não tinha sido muito amigável. Lana disse que sua mãe passava os dias à base de vodca e valium e que chorava todas as noites. Todos podíamos ver o quanto minha prima estava preocupada e triste por sua mãe, embora ela tentasse esconder.

E – e eu nunca pensei que diria isso – eu sentia falta de ter minha prima fútil e patricinha por perto.

Mas naquela noite, tudo o que eu queria era ficar com Maria Valentina. Nós conversávamos muito. Falávamos de tudo, desde jogos de Xbox e filmes de ficção científica a filosofia platônica e vida após a morte. Ela era tão eloquente e tão apaixonada pelas coisas das quais gostava! Seus olhos brilhavam enquanto ela me explicava sua paixão por revoluções ou então como me explicava que havia uma grande diferença entre Star Wars e Star Trek.

Eu sempre achei que fosse basicamente a mesma coisa.

Mas ela também sempre parecia pronta a ouvir e o fazia com uma atenção e concentração assustadores. Sempre lembrava das coisas que eu dizia e nem parecia entediada enquanto eu discorria sobre pranchas e campeonatos de surfe.

Descobrimos que nosso gosto musical era incrivelmente parecido e, apesar de já sabermos disso, nossa paixão por filmes de terror era igual. Eu era louco pelos doces que ela fazia e ela amava a massagem que eu fazia em seus pés. Modéstia à parte, eu era realmente bom naquilo.

E pelas coisas simples, vivendo um dia de cada vez, sempre respeitando o seu toque de recolher, passamos as férias mais felizes de toda a minha vida.

E que, infelizmente, acabariam em uma semana.

– Eu preciso levar você pra casa, pequena – eu suspirei, depois de termos ficado mais alguns minutos abraçados, olhando para o céu escuro.

– Eu sei – ela respondeu, apoiando a cabeça em meu ombro e segurando minha mão na sua. – Mas não quero ir.

– Eu sei – disse, fazendo movimentos circulares em sua mão com meu polegar. – Também não quero que você vá.

Mas nos sentamos mesmo assim, preparados para descer do telhado, nenhum de nós queria correr o risco de despertar a fúria do Sr. Lazarov.

O cara era assustador.

Uma brisa fria passou de repente por nós, fazendo com que os cabelos ruivos da minha namorada se mexessem. Ela fechou os olhos e levantou o rosto, dando boas vindas ao sopro do vento. Sob a luz fraca do poste em frente à minha casa, eu podia ver a delicadeza dos seus traços, perceber as pequenas pintinhas espalhadas em seu rosto, os cílios longos e claros apoiados contra suas maçãs do rosto.

Alguém poderia dizer que ela era muito baixinha, muito pálida, extremamente ruiva, quase sem curvas. Alguém poderia dizer que ela não era tão bonita assim, apesar de sua beleza ser quase etérea e irreal. Eu sabia que aquele não era o padrão de beleza mais certo para os caras, assim como eu também achava um dia. Maria Valentina não tinha grandes peitos nem coxas grossas.

Mas aos meus olhos nada conseguiria ser mais belo que aquela garota. Seu coração era bonito. Sua alma era linda. Seus olhos espelhavam os mais doces sentimentos e ela era simplesmente tudo o que um dia eu desejei nos meus sonhos mais impossíveis.

E ela iria embora em uma semana.

– Vince? – ouvi sua voz e percebi que eu estivera devaneando.

– Sim? – perguntei. – Você disse alguma coisa?

Ela só deu de ombros.

– Eu te amo.

E suas palavras me feriam e me curavam ao mesmo tempo.


...



Tina



– Você está linda – Geny elogiou com um enorme sorriso.


Rolei os olhos e virei de costas para o espelho de corpo inteiro.

– Eu estou normal – contestei. – Você que está a maior gata.

E era verdade. Estávamos nos arrumando para a minha festa de despedida – eu começava a ficar enjoada delas – e dessa vez eu decidi que preferia conforto à beleza.

Eu estava triste demais para pensar em vestidos e maquiagem. Amanhã eu estaria de volta à Romênia e deixaria Vicente. Foi uma das condições do meu pai. Se nosso amor era tão grande como nós dizíamos, ele aguentaria. E, afinal, só faltava um ano e meio para eu terminar o Ensino Médio.

Um ano e meio.

Só de pensar nisso, sentia-me meio enjoada.

Então vestia simplesmente uma calça jeans escura meio justa e uma camiseta branca sem mangas, onde estava escrito “I love bad boys” e tinha uma foto do Darth Vader. Por cima, eu estava usando um cardigã preto e minha irmã tinha feito com que eu calçasse botas pretas de cano baixo. Meu rosto estava totalmente limpo e meus cabelos caíam soltos em meus ombros. Minha franjinha começava a cair em meus óculos.

Geny, no entanto, estava inacreditável em um vestido amarelo meio transparente com estampa de passarinhos. Seus cabelos estavam presos numa trança francesa e ela estava calçando as sapatilhas douradas que eu havia dado para ela alguns dias atrás.

O tal do Rafael viria à festa.

Geny já havia me contado tudo sobre ele. Era o irmão mais velho da Sara, sua melhor amiga, e por isso que ela passava tanto tempo lá. Era onde os dois se encontravam às escondidas.

Apesar de ela ter dito que ele estudava em nossa escola – ou melhor, na que costumava ser minha escola também – eu não lembrava de ter visto ninguém com sua descrição. Mas como eu era desligada para reparar nas pessoas e o garoto era do primeiro ano, não era exatamente surpreendente.

Vicente, entretanto, o conhecia. E não gostava nada dele.

– O garoto é um idiota – havia dito quando eu compartilhei essas informações com ele.

Mas eu não podia julgá-lo antes de conhecê-lo, certo? E quem era Vicente Müller para chamar alguém de idiota?

Minha irmã não se apaixonaria por um idiota, não é?

Bom, eu não podia ter certeza disso. Era só lembrar quem era o amor da minha vida e eu ficava em dúvida.

– Vocês já estão prontas? – perguntou Lana, entrando no quarto de Geny, que era onde estávamos nos arrumando.

Eu a tinha convidado para ir se arrumar com a gente lá em casa e a garota havia ficado as últimas duas horas no banheiro, enrolando o cabelo com babyliss. E a garota estava estonteante com um short de couro preto e uma blusa branca com caveiras pretas.

– Já – respondemos em uníssono.

Lana me fitou e fez uma careta.

– Você não tem jeito mesmo...bom, vamos. Todos já estão lá fora.

Saímos e descemos as escadas, indo em direção à estufa, onde estava todo mundo. Geny e Lana haviam decorado tudo, pendurando pequenos e delicados cordões de flores brancas em todo lugar. E como estava frio lá fora, a estufa parecia o lugar perfeito.

Todos estavam lá. Meu pai, mais descontraído do que nunca, mesmo que ele parecesse meio perdido no meio de todos aqueles adolescentes; Sara, Lucas e os outros amigos do Vicente, Pedro, Fábio e até o irmão mais velho do Pedro, Henri. Diana também estava lá, acompanhando o namorado, mas eu nem me importei e até sorri para ela. Larissa e Arthur me surpreenderam ao vir e eu fui rapidamente abraçá-los.

– Quanto tempo, hein – Arthur disse quando eu os cumprimentei efusivamente. Seus cabelos loiro acinzentados estavam mais compridos do que eu me lembrava, mas ele parecia o mesmo. – Você está ótima.

– Ficamos muito tristes quando você esqueceu que nós também somos seus amigos, Tina – Larissa foi direto ao ponto, me olhando séria, para depois sorrir. – Mas tudo bem, as coisas estavam estranhas mesmo. Nós entendemos.

Ela também continuava a mesma, embora tivesse soltado as duas tranças que sempre usava e seus cabelos castanhos estivessem soltos.

– É, as coisas estavam realmente estranhas – concordei.

– Falando em coisas estranhas... – começou Arthur, com um sorriso estranho. – Olha quem está ali.

Meu olhar seguiu a direção que ele apontava e eu pude ver, entrando na estufa, ninguém menos que Silas.

Meu melhor amigo por quem eu achei que era apaixonada por tanto tempo.

Ele sorriu e acenou para mim.

Pedi licença para Arthur e Larissa e fui até ele.

– Ei – cumprimentei, não conseguindo me impedir de sorrir enquanto minhas bochechas começavam a arder quando lembrava da última vez em que havíamos nos visto.

– Ei – ele devolveu, sorrindo também.

Silas continuava fofo e bonitinho como sempre, com aquele jeito tímido e gentil que sempre havia feito com que eu me sentisse perfeitamente à vontade perto dele. Eu ainda me sentia muito mal pela maneira como havia agido com ele. Eu estive errada o tempo todo e ele se machucou por isso.

– Silas, eu – comecei, mas ele não me deixou terminar.

– Se vai se desculpar, nem comece – disse e eu podia ver que estava sendo sincero. – São águas passadas e, além disso, eu nunca te culpei, Tina.

Sorri, feliz por ele ser tão bom. Eu só podia esperar que um dia ele achasse uma garota que fosse boa para ele como eu não fui.

O que me fazia lembrar...

– E a Petra, Silas?

Seu sorriso morreu e ele deu de ombros.

– Bom, ela continua sendo amiga do Arthur e da Larissa, mas eu me afastei dela. Não, não foi só por você, Tina, antes que você pergunte. Foi por mim. Sei o que ela sente por mim, mas não posso nem nunca poderei corresponder.

E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele continuou, baixinho:

– Eu sempre vou gostar de você, Tina. Por isso mesmo que quero vê-la feliz. E sua felicidade está bem ali – apontou para algo atrás de mim.

Vicente estava parado, olhando para nós. Ele estava inacreditavelmente gostoso naqueles jeans manchados e com um suéter verde musgo. Seus cabelos estavam úmidos e ele segurava nas mãos um enorme buquê de rosas brancas.

Sua expressão, porém, era assassina.

– Acho melhor você ir lá antes que ele coloque fogo no lugar só com a força do pensamento – Silas disse divertidamente atrás de mim e eu só pude concordar, guiando meus passos até o garoto que possuía meus pensamentos e coração.

Assim que me aproximei, ele passou um braço pela minha cintura e perguntou com raiva:

– O que você estava falando com aquele palhaço? Ele estava dando em cima de você? Maria Valentina, é melhor você me dizer...

– Ei! – interrompi, franzindo o cenho ante sua demonstração de ciúme, que me irritava e divertia ao mesmo tempo. – Você somou dois mais dois e o resultado deu cinco. Acalme-se. Silas é só meu amigo e só estava sendo simpático.

– Ele que seja simpático longe de você – reclamou.

Rolei os olhos.

– Ele é meu amigo e ponto. Lide com isso.

O garoto continuou me olhando com raiva por alguns minutos até que suspirou, dando-se por vencido.

– Trouxe para você – falou, com um sorriso relutante, mostrando as flores.

Eram lindas, mas, por algum motivo, eu queria brincar com ele.

– Você sabe o que é uma flor, pelo menos? – perguntei.

Ele me olhou confuso antes de responder.

– Uma planta.

– Na verdade, a flor é o órgão genital da planta, ou seja, você está segurando um monte de –

– Desgraça! – ele gritou antes de me deixar terminar, largando as flores no chão enquanto eu me acabava de rir.

– Não é bem isso...e pensar que você tirou o segundo lugar no simulado da escola...

Geny apareceu e pegou as flores do chão, lançando olhares assassinos para nós dois, já que ela amava flores e provavelmente achava que éramos torturadores de rosas ou algo assim.

– Eu vou atrás dela – falei, ainda rindo. – Para ajudar com as...você sabe...

– Maldita Valentina – ainda pude ouvi-lo enquanto seguia para fora da estufa, para ir atrás da minha irmã.

Porém, parei ao vê-la estática no meio do caminho, as rosas ainda nas mãos, o rosto fixo em duas pessoas meio escondidas atrás do banco de pedra do outro lado do jardim.

Eu reconheci a garota. Era umas das amigas de Geny. Não era muito próxima, mas eu já a havia visto andando com ela e Sara na escola. O garoto eu não conhecia, mas podia ver que ele era alto e loiro, um pouco parecido com...

Sara.

Aquele era Rafael, o garoto de quem minha irmã gostava.

– Geny – sussurrei, fazendo-a se virar assustada para mim.

Lágrimas silenciosas caíam por seu rosto bonito enquanto ela me fitava cheia de dor. Aproximei-me e passei o braço por seus ombros.

– Eu vou acabar com ele, não se preocupe – prometi. – Vou chamar Vicente e os amigos dele agora e eles vão dar uma surra tão bem dada nesse idiota que o rosto dele nunca mais vai voltar para o lugar.

Minha irmã negou, as lágrimas ainda jorrando livremente dos seus olhos.

– Não – murmurou e sua voz me fez sentir a dor dela, trazendo lágrimas aos meus próprios olhos. – Não faça nada. Eu não quero. Eu...eu sou melhor do que isso.

Assenti, ainda que estivesse morrendo de vontade de surrar o bastardo que havia brincado com o coração da minha irmãzinha.

– Eu vou ficar bem, Tina, é sério. Todo mundo sofre por amor de vez em quando, não é?

Eu a abracei e assenti. Sim, todo mundo sofre por amor de vez em quando, mas tudo o que eu queria era guardar minha pequena irmã numa bolha e protegê-la dessa dor.

E isso fez com que, finalmente, eu entendesse o que meu pai sentia sobre Vicente e eu.

É, não era fácil, mas nós precisávamos deixar que aqueles que amávamos aprendessem a andar com suas próprias pernas, ainda que isso significasse uma queda ou outra.

Eu havia sofrido as minhas. Com Geny não era diferente.


...



Vince



Naquela noite, excepcionalmente, não havia toque de recolher. O pai da Maria Valentina teve piedade das nossas almas e só nos disse para termos juízo, antes de entrar em casa e nos deixar sozinhos no jardim. Todos os convidados já haviam ido embora e nós dois estávamos sentados na grama, olhando para o nada.


Diferentemente das outras noites, ficamos muito tempo sem dizer nada. Havia tanto para ser dito e, no entanto, nenhuma palavra parecia certa o bastante. Pelo menos era como eu me sentia.

Maria Valentina parecia perdida em pensamentos, assim como eu. Em apenas algumas horas, ela estaria entrando num avião para ir para outro continente, para bem longe de mim.

E eu ainda não conseguia decidir se esse fato era frustrante ou excruciante. Talvez os dois. Afinal, eu sentia como se meu coração estivesse sendo arrancado do meu peito e me sentia frustrado por isso.

– No que você está pensando? – perguntamos ao mesmo tempo.

Rimos.

– Você primeiro – falei e ela assentiu.

– Estou pensando que pode não ser tão ruim – começou e confesso que isso fez com que meu estômago quase saísse pela minha garganta. Ela não ia terminar comigo, ia? – Quer dizer, você vai me visitar no fim do ano e eu vou poder apresentá-lo ao meu avô e à minha mãe. E você vai poder comer o bolo de nozes da Aurelia. E você precisa conhecer a Narcisa.

Assenti, um pouco aliviado.

– Eu sei – concordei. – E nós vamos nos falar todo dia. E não é como se fôssemos ter muito tempo para ficar juntos mesmo, se você ficasse. Agora que eu decidi seguir a carreira que você abandonou, vou precisar estudar muito.

Sim, irônico que, no início, eu quisesse ser médico por causa da minha ruiva e, quando ela percebeu que aquele não era o futuro para ela, eu havia estudado tanto sobre a profissão que já tinha certeza que era o que eu queria fazer da vida.

– É verdade – ela concordou.

No fundo, sabíamos que aquilo tudo era a maior mentira. Aquele tempo separados seria a pior coisa que eu já tinha vivido na vida e isso incluiu ser rejeitado pela mulher que, por 16 anos, chamei de mãe. Nós dois sabíamos que aquilo nos machucaria até o ponto em que morrêssemos um pouquinho mais a cada dia sem a companhia do outro. Nós dois sabíamos que não estávamos preparados para aquilo.

Mas precisávamos enfrentar de qualquer jeito.

Com uma urgência que eu desconhecia, com um desespero que me corroía, um amor que eu mesmo não chegava a entender, puxei Maria Valentina para os meus braços, deitei-a na grama e a beijei. Seus lábios se abriram imediatamente, cálidos e doces, convidando-me, incitando-me, tão desesperados quanto os meus. Eu sentia suas mãos subindo pelos meus braços até que alcançaram minha nuca e me puxaram mais para ela, até que eu estivesse em cima do seu corpo. Usei uma mão para me apoiar e passei a outra pelo rosto dela, sentindo suas lágrimas quentes molharem minha pele e pensando que não existia outra coisa no mundo que eu desejasse mais naquele momento além de ter o poder de parar o tempo.

– Eu te amo – murmurei.

– Eu também te amo – ela devolveu e, antes que eu pudesse voltar a beijá-la, voltou a falar. – Sabe o que eu estava pensando? Você nunca me disse o que o papai te falou naquele dia em seu escritório. O que ele disse?

Eu sorri com a lembrança.

– Não foi você mesma que disse que era broxante falar no seu pai enquanto nos beijamos?

Ela só riu e me deu um tapa no ombro.

– Idiota – murmurou.

Eu fiquei olhando-a, gravando cada detalhe do seu rosto em minha memória. É claro que bastava eu fechar os olhos para poder imaginá-la perfeitamente, mas a realidade sempre conseguia me surpreender, como se sempre houvesse algo novo para descobrir, um brilho diferente em seus olhos para aprender.

E então eu me lembrei daquele dia em que entrei no escritório do pai dela, tão nervoso que minhas pernas tremiam, e aquele homem tão amedrontador foi extremamente direto, dizendo:

– Eu não gosto de você, garoto, e provavelmente nunca vou gostar. Mas eu amo minha filha. E ela ama você. E se você magoá-la nem que seja uma vez, eu vou matá-lo entendeu?

Eu assenti com a cabeça e disse:

– Vai me poupar o trabalho de fazer isso eu mesmo.

Ele me olhou, de forma intensa e curiosa, antes de perguntar:

– Você ama mesmo a minha filha?

E eu respondi sem pestanejar:

– Sim. Ela é meu mundo.

E nunca houve verdade maior, eu percebia enquanto respondia à pergunta da Maria Valentina:

– Só me pediu para cuidar bem de você.

Ela sorriu e bufou em descrença.

– Mentiroso.

Eu a beijei de novo. Amando-a mais a cada instante, visualizando meu futuro com ela, pensando em como ela ficaria linda com cabelos brancos e como seus olhos seriam eternamente os mais lindos que já haviam olhado este mundo.

– Eu te amo – repeti, ainda que dizer a frase mil vezes não seria o suficiente. – E nisso você pode acreditar.

Ela sorriu e respondeu:

– Eu acredito.

O amanhã nos separaria, mas durante aquelas horas, tivemos nosso final feliz de contos de fadas.





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Notas finais do capítulo

Eu pensei em tanta coisa para falar, mas agora parece que tudo fugiu da minha cabeça. Bom, eu estou em falta com vocês com as respostas aos reviews, me perdoem. Mas eu gostaria muito que todos que lerem esse capítulo, todos que acompanharam essa história, deixem uma palavra para mim. Escrevo O Amor É Clichê há tanto tempo que meio que já faz parte de mim e ainda não sei o que vou fazer sem a Tina e o Vince na minha vida. Fantasmas, aproveitem para aparecer.
Sei que tem gente que vai odiar esse final e vai dizer que eu deixei muitas pontas soltas. O que acontece com o pai e a mãe da Tina? Eles ficam juntos?...bom, eu gosto de livros que me permitem imaginar sempre o que aconteceu depois do último ponto final. E é exatamente o que eu fiz aqui. Imaginem.
Vou deixar os agradecimentos pro epílogo. Sim - tem um epílogo. Ele já tá pronto, mas ainda não sei quando vou postá-lo.
Ah, mas uma coisa, eu vou responder a todos os reviews desse capítulo. É o último. Devo isso a vocês.
Muito obrigada por tudo (disse que ia deixar os agradecimentos pro epílogo, mas já tô começando ehausheuaehe).
Beijos e até o próximo :*
Ah, e pra quem quiser ler, aqui tem o link de uma nova história que eu to escrevendo :)
http://fanfiction.com.br/historia/360597/Perfectly_Wrong/