I'm Not Ok escrita por Bones


Capítulo 5
Capítulo 5 - Apesar De Toda A Fúria


Notas iniciais do capítulo

Ficou maior do que eu imaginava e bem mais tenso do que eu imaginava também! Mas tentei colocar algo leve no final, para vocês não perderem as esperanças nessa história de que Gerard jamais ira deixar de ser uma pessoa infeliz. :)
Espero que gostem. ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/174098/chapter/5

Capítulo 5 – Apesar De Toda A Fúria

- Gerard, aconteceu alguma coisa? – Mikey perguntou assim que colocou seus olhos sobre mim, dando alguns passos à frente, aproximando-se receoso, esperando alguma reação minha. Como eu já devo ter mencionado, Mikey e Ray me conhecem melhor do que eu mesmo. Observei ele olhar para Ray que lhe lançou um olhar tão profundo que imaginei que eles iniciariam uma conversa só com aquilo.

   E como se a minha cabeça já não estivesse explodindo com todos aqueles problemas, meu olhar estava fixo em alguém, um pouco atrás de Mikey. Uma figura pequena que me olhava de um modo estranho, meio acuado. Eu devia estar parecendo um monstro, estava até assustando crianças!

   Mas aquela criança eu queria assustar. Será que era possível que Frank não largasse do meu pé!?

- Eu... Eu preciso ir embora, não estou me sentindo bem. – não era mentira, na realidade. E dito isso, deixei Ray, Mikey e Frank para trás, apertando o passo sem olhá-los, simplesmente torcendo para que não corressem atrás de mim.

   E, de fato não correram. Caminhei direto para casa sem prestar muita atenção no caminho, como geralmente fazia. Eu sabia sim que em questão de minutos estaria conversando com Mikey e Ray sobre diversas coisas que eu não tinha nem ânimo para pensar no momento, mas uma coisa era conversar com eles, outra totalmente diferente era conversar coisas tão... pessoais com Frank por perto. Seria como seu eu estivesse admitindo sua aproximação. E eu ainda não queria aquilo, e nem sabia se algum dia chegaria a querer.

   E assim ele rapidamente povoou meus pensamentos... De novo! As poucas idéias que eu tinha sobre ele se misturando devagar com o que eu estava sentindo no momento, e com cada soco que eu me lembrava de ter dado em Gregory. Era estranho juntar tudo aquilo em uma linha de raciocínio apenas, mas agora tudo fazia um absurdo sentido. Socar Gregory era o que Frank faria. Socar Gregory era o que eu mesmo faria anos atrás. E sem remorso ou medo de ser feliz. Assim como Frank faria hoje. Por isso eu o evitava, mesmo o conhecendo há tão pouco tempo. Normalmente eu não ligaria, simplesmente continuaria na minha. Se nos tornássemos amigos, legal. Se não, contanto que ele não me enchesse, continuaria legal do mesmo jeito. Mas, aparentemente, exatamente pelo fato de eu não querê-lo por perto, independente do motivo que fosse, mais ele aparecia para mim, perto de mim, perto dos meus amigos, como que me obrigando a socializar com ele. Conversar. Fazer amizade.

   E apesar de toda essa auto-análise, minha idéia inicial sobre ele ainda permanecia próximo ao topo na minha listinha de prioridades: evitar Frank Iero a todo custo! A primeira colocação, obviamente, era tentar me manter vivo e respirando sem a ajuda de aparelhos a fim de conseguir completar o ensino médio. Mas esse item eu já não sabia se iria conseguir cumprir.

   Com tantos pensamentos com e sem sentido rondando a minha cabeça, o caminho para casa ficou relativamente mais curto. Entrei nela quase que me arrastando para dentro. Não me dei ao trabalho de trancar a porta quando passei por ela, apenas a fechei com um chute desanimado, porém eficaz. Subi as escadas feito um morto vivo, chutando qualquer objeto no chão que se colocasse em frente aos meus pés – e por sorte não tínhamos um cachorro, se não provavelmente o coitado também já teria tido seu fim -. Adentrei em meu quarto largando meu material escolar em algum canto no chão. De lá fui para o banheiro, onde, com nojo, retirei o uniforme do meu corpo, que parecia feder com a presença dos respingos do sangue daquele idiota. Minha vontade era de queimar aquilo tudo e me esquecer de respirar por alguns minutos... Talvez dias. Mas a única coisa que fiz foi impulsionar meu corpo para debaixo do chuveiro e mantê-lo lá, deixando que a água quente fizesse seu trabalho terapêutico. Bom, pelo menos para mim era assim que a mecânica da coisa funcionava.

   Quando retornei ao meu quarto para trocar de roupa, já conseguia ouvir vozes na sala. Cochichos exaltados eram trocados por quem eu supus ser Ray e Mikey. Porque, afinal, quem mais estaria na minha casa àquela hora?

   Sem me importar muito, vesti uma calça comprida e uma blusa qualquer e desci, sendo recepcionado pelos olhares preocupados de meus amigos.

   Suspirei pesado... Era como da primeira vez.

- Você saiu correndo de lá... nos assustou, Gerard. – Mikey se pronunciou primeiro, tropeçando um pouco nas palavras. Ele dividia seu olhar entre mim e suas mãos, apertadas uma contra a outra.

- É. Frank nos perguntou o que havia acontecido, mas achamos melhor não contar. – Ray completou, notando a falta de jeito de Mikey com o assunto.

- Frank? – disse, incrédulo. – O que diabos ele tem a ver com isso? – senti minha cabeça rodar com a grande quantidade de pensamentos que de repente haviam emergido nela.

- Nada, cara... Foi só um comentário. – Ray tratou de se desculpar logo, os olhos arregalados. Eu estava sendo um estúpido com as únicas pessoas que me aturavam. E sem muitos motivos, para falar a verdade.

- Olha, Ray... – comecei, um pouco envergonhado. Uma mão posta na cintura e a outra na cabeça, bagunçando um pouco meus cabelos ainda molhados. Sempre que ficava nervoso, era assim que eu agia. – Me... Me desculpa, cara. E você também, Mikey. Desde ontem as coisas não estão saindo bem do modo como eu planejava e... eu acho que de alguma forma eu estou descontando em vocês, não sei...

- Tudo bem, na boa. – Ray disse, com um pequeno sorriso. E eu só me senti ainda mais idiota.

 - É, não esquenta, Gee. – Mikey acompanhou-o, parecendo um pouco mais calmo, já que eu devia parecer mais calmo. Ele não me chamava daquele jeito desde que eu tinha oito anos.

   E eu sorri involuntariamente com aquela lembrança.

   Juntei-me então a eles, sentando-me ao lado de Mikey e de frente para Ray. Eles se olhavam, olhavam para mim e voltavam a trocar olhares tensos, até que Mikey decidiu assumir a situação:

- Gerard... Você sabe que o que aconteceu hoje com você não foi um fato isolado, não é? – direto como sempre. E eu simplesmente assenti. – E que a sua associação com aquele “incidente” – e ele fez o sinal de aspas com as mãos. – há três anos atrás também não é um bom sinal, não é? – e eu concordei novamente. – Gerard... você nunca nos disse que ainda tinha lembranças do que aconteceu naquele dia.

- Não era como se eu precisasse dizer, não é? – na falta de presença de espírito para encará-los, eu encarava extremamente interessado minhas próprias mãos, uma brincando com a outra. – Eu sempre me lembro de alguns flashes, às vezes sonho com isso. Não interessa muito se eu fiz um, dois ou cinco anos de tratamento. Isso vai sempre estar na minha cabeça e vai vir à tona quando eu menos desejar.

   O silêncio então se juntou a nós, e não manifestou vontade de ir embora tão cedo. Todos nós estávamos sem graça. Eu por ter dito algo que eu nunca havia ousado sequer dizer em voz alta e eles por terem ouvido tudo aquilo tão de repente, tão cuspido.

- Mikey, não aja como se fosse culpa sua. – tomei coragem e encarei-o. Seu rosto estava baixo, como se ele encarasse os próprios pés. – Tem certas coisas com as quais você não pode me ajudar. – ele me olhou, indignado. – Desculpa, mas é a verdade! Nem você nem Ray vão conseguir tirar aquelas lembranças de mim, apesar de todo o apoio e tudo mais... – eu me levantei do sofá e pus-me a encarar os dois. – Eu agradeço de verdade o que vocês fizeram por mim naquela época, e ainda tem feito, mas desse assunto em específico eu prefiro cuidar sozinho.

- Você sabe que não consegue, Gerard. – me surpreendi com o tom racional que Ray usara. – Foram três longos anos, e você sabe que essa sua introspecção só está piorando tudo. – ele se levantou e colocou-se na minha frente. Estava muito próximo, tentando me intimidar, e eu sentiria seu olhar intenso sobre mim mesmo que eu estivesse a quilômetros de distância. – Você sabe que a única forma de você se controlar é parar com essa coisa toda de fingir ser quem você não é na esperança de que aquilo não se repita. Você sabe que aquilo nunca esteve tão próximo de acontecer de novo quanto agora!

- Ah, olha só quem fala em fingir ser quem não é! – e eu voltei a me descontrolar. Vi apenas o rosto de Ray se contorcer em uma careta. Eu não precisava jogar aquilo tudo na cara dele. Ainda mais ele sabendo que era tudo a mais pura verdade. – Não venha me dar lição de moral quando nem você sabe o que quer!

   Naquela hora Mikey também estava de pé, mas eu não o via realmente. Não enxergava mais nada além de minha raiva e Ray.

- Você sabe que eu tenho os meus motivos...

- E eles são mais nobres que os meus, por acaso? Han? – meu tom de voz se elevava cada vez mais, e eu tentava leva-lo inconscientemente ao mesmo estado em que eu estava: o descontrole. – Você é assim desde que nos mudamos para cá. Você não tem motivos, Raymond! Você só não quer ser mais um excluído babaca! Mais um idiota que toda a turma vai pegar no pé! Mais um pateta com uma vida medíocre FEITO A MINHA! – e a essa altura eu já apontava o dedo em direção ao seu rosto, vomitando todas aquelas palavras presas em minha garganta fazia tanto tempo que eu nem conseguia contar.

   Talvez Mikey tivesse razão... Talvez Ray também tivesse... Eu estava me descontrolando com freqüência, e tudo era relacionado a sentimentos que eu aprendi a guardar dentro de mim e não contar a ninguém. Aquela bomba relógio explodiria um dia. E aparentemente o dia havia chegado... e eu não estava conseguindo conter a explosão.

   Só quando Ray se afastou de mim, os olhos levemente arregalados com o choque de tudo aquilo que eu havia dito, eu notei meu rosto quente e molhado, os olhos ardendo... E fazia tanto tempo que eu não chorava... Três anos... Que a minha primeira reação foi procurar algum lugar seguro onde eu pudesse me esconder. Pelo menos até toda aquela coisa molhada parar de escorrer dos meus olhos.

   Corri sem olhar para Mikey – que permaneceu de pé entre mim e Ray o tempo todo temendo que algo acontecesse. – muito menos para Ray, deixando-os na sala sozinhos e em silêncio. Dessa vez eu não fui para o meu quarto... eu precisava ficar realmente sozinho, e essa necessidade me fez pegar minha mochila e sair de casa.

   Eu não queria ver ninguém, não queria falar com ninguém, não queria pensar em nada... Eu não queria ser eu.

   Quando já estava na rua, andando meio sem rumo, porém depressa e com firmeza, limpei meu rosto com certa raiva com as costas das mãos, respirando fundo e tentando fazer aquilo parar o mais rápido possível. Quando finalmente consegui me controlar, eu já tinha andado tanto que custei a reconhecer o lugar onde eu havia chegado. Só identifiquei o lugar aonde eu estava quando avistei a pequena loja de instrumentos musicais e CDs que eu costumava freqüentar quando saia com Ray e Mikey. Sem pensar duas vezes, me dirigi até lá e entrei.

   O lugar era confortável. Pequeno, mas confortável. Várias guitarras e baixos estavam expostos pendurados nas paredes enquanto uma reluzente bateria servia de chamariz na vitrine. As prateleiras com os CDs tomavam quase todo o resto do espaço daquele pequeno local, e formavam corredores distinguidos apenas por estarem em ordem alfabética, o que era indicado por uma pequena letra amarela acima de cada estante.

   A loja estava deserta, exceto pelo dono, que se encontrava no caixa, e eu. Cumprimeitei-o brevemente com um aceno de cabeça e caminhei diretamente para o fundo da loja. Como ele já conhecia a mim e aos outros dois que sempre me acompanhavam, geralmente nos deixava ficar lá conversando por horas, apenas ouvindo CDs e imaginando como seria quando tivéssemos nossa própria banda. Eu achava aqueles sonhos impossíveis, mas era legal pensar neles.

   No fundo da loja encontrei o antigo aparelho de som e um grande fone. Era exatamente isso que eu precisava para pensar: música! Imaginei qual CD eu poderia colocar... Abri minha mochila na esperança de que encontrasse algo ali mesmo e foi então que eu me deparei com o CD que Frank havia me emprestado.

   Retirei-o da mochila, curioso, e analisei novamente o encarte. Agora, com calma, pude ler o nome do álbum: Mellon Collie And The Infinite Sadness. Bem a minha cara. Pensei um pouco se queria realmente perder meu tempo ouvindo aquilo. Não estava com muita cabeça para pensar nos meus problemas ouvindo o que quer que fosse com “Infinite Sadness” no nome. Porém, como nas outras vezes em que estive perto de Frank, uma vozinha chata e irritante dizia “Por que não ouvir? Vai chorar ouvindo musiquinha, moça?”. E com raiva da minha própria consciência novamente, coloquei o primeiro CD para tocar – eram dois do mesmo álbum. -, porém pulei logo para uma música aleatória. Se a que eu parasse fosse boa, talvez eu desse uma chance para a banda e ouvisse o resto.

   Coloquei na sexta faixa do primeiro CD, e tudo o que eu consegui fazer foi ouvir atentamente cada palavra cantada pelo vocalista, porque tudo fazia o mais absurdo sentido para mim. Foi incrível como consegui me identificar com aqueles versos em questão de segundos. Ouvir música sempre foi uma sensação indescritível para mim, mas aquilo estava tomando outros níveis com aquela faixa em especial. Era uma estranha sensação interna que me permitia lutar contra os meus problemas, e ao mesmo tempo ignora-los.

   Quando me dei conta, meus lábios se moviam sozinhos e eu cantava os poucos versos que havia aprendido até o momento sem me preocupar se tinha alguém próximo a mim. Na realidade, eu já não enxergava mais nada próximo a mim... eu estava totalmente em outro plano.

   Porém, como nada dura para sempre, fui trazido bruscamente para a realidade por algo tocando meu ombro. Me virei sobressaltado apenas para abaixar ligeiramente a cabeça e me deparar exatamente com o dono do CD que eu estava ouvindo.

- Pelo visto está gostando do CD. – ele sorria divertido. – Te ouvi cantando lá da entrada. – ele apontou a porta com o polegar.

- Ah, é... – pois é, sem graça novamente. E eu havia ficado tão desanimado novamente, agora que havia sido sugado de volta para o mundo real, que nem me dei ao trabalho de tentar me afastar dele, ou fazer com que ele se afastasse de mim. Com a cara que eu estava, ele iria se afastar sozinho, com certeza. – Na realidade, eu só ouvi uma faixa até agora. – tirei os fones de ouvido, que estavam pendurados em meu pescoço, e retirei o CD do aparelho de som.

- Qual? – era visível a curiosidade em sua fala. E isso era até engraçado.

- Un... – analisei o encarte dos CDs novamente, depois de guardar o pequeno disco em seu devido lugar. – Bullet With Butterfly Wings.

- Oh, eu adoro essa música. Me identifico muito com ela às vezes. – ele olhava para os CDs em minhas mãos com ar nostálgico. Ele devia ouvir muito aquele álbum.

- É, eu também... – sorri fraco, porém verdadeiro.

   Ficamos alguns segundos em silêncio, e eu aproveitei aqueles momentos para pensar em algo que martelava em minha cabeça desde que ele me encontrara ali e trocara a primeira palavra comigo: Ray tinha razão. E agora, mais calmo, eu me chutava mentalmente por ter sido tão estúpido e cretino com ele. Ele não merecia que eu tivesse dito tudo aquilo... Pelo menos não daquela forma. Porque agora eu finalmente entendia que ele estava certo, porque depois de todos aqueles surtos, de toda aquela raiva exteriorizada... Pela primeira vez eu estava conseguindo conversar com Frank sem ficar tenso, sem ficar imaginando quando ele iria embora e aquela conversa toda acabaria. Eu não queria repeli-lo. Eu estava conversando com ele como eu mesmo faria antes de, como ele mesmo disse, começar a fingir ser quem eu não era.

   E naquele momento eu simplesmente me despi das máscaras e me deixei levar.

- Veio comprar algum CD? – perguntei despretensioso, e notei sua surpresa ao constatar que eu iniciava um diálogo.

- Não, vim buscar minha menina. – ele dizia contente, as mãos cruzadas as costas enquanto se balançava para frente e para trás sem sair do lugar.

- Sua... menina?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bom... e aí, e aí, e aí? Que menina é essa, hein?
E, bem, tentei mexer um pouquinho mais com o passado do Gerard, mas foi o que deu agora... Escrever em primeira pessoa é difícil porque quando Gerard saiu de casa eu fiquei com os dedinhos coçando para descrever o que estava acontecendo lá dentro! Mas, bem, não curto mudanças de narrados, então, como comecei com o Gerard narrando a história, é com ele que vou terminá-la!
Espero que tenham gostado do capítulo! Aguardo comentários! ;)
Beijos ♥