I'm Not Ok escrita por Bones


Capítulo 26
Capítulo 25 - Outro Ponto De Vista (Parte II)


Notas iniciais do capítulo

Sim, demoramos mais uma vez, e os reviews se acumularam novamente, mas a vida de pré-vestibulanda não anda fácil, acreditem.
Espero que gostem do capítulo, de coração, e que não se esqueçam de comentar. Responderei aos reviews hoje e amanhã, para que não continuem acumulados.
Acreditem, o que eu mais prezo é a opinião de vocês.
Muito obrigada pelos 216 reviews encantadores deixados até agora!
E boa leitura! ♥



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Capítulo 25 – Outro Ponto De Vista (Parte II)

- O Mikey está aqui em casa sim, relaxa. Aliás, você podia ter vindo aqui, não é tão longe. – ironizei. Eu precisava acalmar os ânimos. Os meus especialmente.


- Não, não podia porque eu vou sair agora mesmo e vocês vão vir comigo! – ele disse, ainda apressado. Eu ouvia o som de passos pelo telefone e sua voz um pouco trêmula do outro lado da linha sugeria que ele estava andando de um lado para o outro. – A mãe do Ray acabou de me ligar e ela estava muito nervosa... O Ray está na delegacia.


- Como assim “O Ray está na delegacia”? – perguntei um tanto alto, meu estômago quase doendo em antecipação da resposta. Mikey deu um salto em seu lugar e rapidamente parou ao meu lado, o ouvido quase colado ao telefone que eu segurava com as mãos um pouco vacilantes.

- Eu não entendi direito, mas parece que ele se envolveu com... alguma... coisa.- sua voz foi perdendo a força conforme chegava ao final da frase.

- Que tipo de coisa, Gerard? – eu não estava mais afim de rodeios, não mais!

- Um assassinato. Pelo menos, foi isso que eu entendi a mãe dele dizer. – ele disse tudo em um fôlego só, enquanto eu prendia o meu do outro lado da conversa. – Eu preciso ir para lá, e seria bom se vocês também fossem. Não sei se o Mikey te contou sobre o Gregory, mas... – e foi a minha vez de cortá-lo.

- Ele contou sim. Por quê? Ele também está envolvido? – enquanto isso, no desespero dos três, eu tentava entender o que Gerard dizia e raciocinar ao mesmo tempo (o que me parecia cada vez mais difícil), enquanto Mikey gesticulava incansavelmente na minha frente me perguntando mudamente o que seu irmão me dizia. E a única coisa que eu conseguia fazer era abanar a mão de qualquer jeito para ele pedindo que esperasse.

- É, está. E isso é o que mais me preocupa. Eu não sei como ele está, mas não deve estar bem. Preciso de notícias, e parece que ele só vai ser liberado depois que prestar depoimento, então eu estou indo para a delegacia.


- Espera! – falei alto, com medo que ele pudesse estar desligando. Meus dedos suados já escorregavam pelo aparelho. – Nós já estamos indo aí!

   E sem mais, desliguei.

   Enquanto atravessávamos a rua, tentei explicar para Mikey a grosso modo o que Gerard havia me dito por telefone. Preferia não ter dito nada, na verdade, porque conheço bem a minha falta de tato quando estou nervoso, então provavelmente só consegui deixar Mikey ainda mais ansioso com toda aquela situação. Assim que pisamos dentro da casa dos Way, como um raio Gerard passou a passos rápidos por nós, logo entrando no carro de seu pai e ligando o motor. Eu e Mikey não pensamos duas vezes antes de ir atrás de Gerard, muito menos reclamamos quando ele passou dois sinais vermelhos ou quando freou bruscamente em uma esquina porque estava distraído explicando para nós o que havia acontecido com um pouco mais de detalhes.

   Quando chegamos à delegacia, os três perdidos e sem saber exatamente qual o primeiro passo a ser dado naquele lugar, Gerard me surpreendeu quando rapidamente avistou a mãe de Ray e se aproximou dela. Ela estava... chorando?

   Mais uma pontada no estômago. Meu peito parecia estar sendo comprimido apenas pela pressão do ar.


   Ele se aproximou primeiro, sentando-se ao seu lado em uma das cadeiras vagas do que me pareceu um local de espera. A delegacia era pequena e as paredes cor de creme escureciam um pouco o lugar, me dando a clara impressão de que eu há via voltado cinqüenta anos no tempo e agora estava preso dentro de uma foto amarelada. O lugar todo cheirava a grãos de café torrado e papel velho. A movimentação de pessoas não parava um só momento, para lá e para cá e, dentro de toda aquela confusão, ver aquela mulher chorando ao lado de Gerard, que provavelmente estava tentando dizer a ela algo para fazê-la se sentir melhor, me deu a impressão de descaso. Mas como digo sempre, não posso julgar ninguém. Todos ali tinham seus próprios trabalhos, preocupações e prioridades. Não poderiam parar suas rotinas para ficar com a mãe de um adolescente como tantos outros que viviam passando por ali.

   Mikey arriscou alguns passos em direção à Gerard e a senhora Toro, e eu o segui acanhado. Quando já estávamos todos juntos ouvindo as partes daquela história confusa que ela podia nos esclarecer, um policial veio acompanhando Ray.

   Ao olhar para o rosto dele, algo dentro de mim se revirou de tal forma que fez meu estômago embrulhar e eu tive que fazer força para prender aquele enjôo dentro de mim. Quando, porém, ele se aproximou de nós e abraçou sua mãe, foi como se toda aquela sensação ruim que estava comigo desde aquela manhã nunca tivesse existido, e o vazio que essa sensação deixou se preencheu com alívio.

   Nada mais importava agora. Ray estava bem! Não importava Gregory e não importava pelo que ele havia passado. Ele estava vivo e bem, era o que contava, não era?

   Todo aquele alívio e felicidade faziam meus olhos arderem. Segurei as lágrimas um tanto inesperadas e me permiti um pequeno sorriso.

- Senhora Toro, precisa assinar alguns papéis. – o homem robusto e uniformizado que trouxe Ray ao nosso encontro falou, a voz firme e grave ecoando nos meus ouvidos.

   Encarei-o de forma instintiva e encontrei seu olhar grudado em meus braços. Mas especificamente, nas minhas tatuagens exposta pela camiseta de mangas curtas. Não me importei tanto com seu olhar superior sobre mim, que me subjugava como se os desenhos nos meus braços fossem um carimbo para “marginal”. Um dia o filho ou filha dele também pode ter uma, e nesse dia ele vai ter que aprender que aparência não faz caráter. Desviei o olhar e voltei a prender minha atenção ao que se passava na minha frente.

   A mãe de Ray parecia relutar um pouco em soltar o filho do abraço, mas o fez, o que nos deixou sozinhos. Só os quatro, novamente.

   Em um acordo mudo, caminhamos até o lado de fora da delegacia, como se a pressão daquele pequeno lugar fosse maior que o normal e isso nos impulsionasse para fora dele inconscientemente. Ray encostou-se na parede mais próxima, a face absurdamente cansada e a expressão de alguém que tem muito que pensar, enquanto Gerard, Mikey e eu permanecemos parados próximos a ele. Eu sabia que nós tínhamos que conversar, porque eu, tanto quanto os outros, queria saber o que havia acontecido para Ray acabar dentro de uma delegacia. E eu tinha certeza que Gerard e Mikey dificilmente se esqueceriam do envolvimento dele com Gregory assim tão fácil.

   Mas nenhum de nós tinha coragem para abrir a boca. Não sem antes saber como Ray estava se sentindo com relação a tudo isso.

   Por sorte, não precisamos perguntar.

- Como souberam que eu estava aqui? – ele perguntou, seu olhar entrando em foco de repente. Sua voz era baixa e um pouco cansada.

- Sua mãe me ligou. – Gerard respondeu simples, talvez até um pouco sem graça. O clima ainda estava estranho entre nós. Afinal, não era para menos...

- Ah... – ele respondeu, a cor se esvaindo de seu rosto aos poucos e o clima à nossa volta começando a pesar. Nenhum de nós estava confortável. – Ela falou por que eu vim para cá?

   Ninguém respondeu. Gerard, provavelmente, pelo constrangimento; Mikey pelo choque e eu simplesmente por não me sentir no direito, já que havia sido o último a ser envolvido na história.

- Eu... eu estive com o Gregory esse fim de semana. Ele... ele veio me procurar...

   Senti o corpo de Mikey enrijecer ao meu lado. Seus olhos procuraram os meus, mas eu já não podia fazer nada por ele. Esse é o grande problema de se esconder algo de alguém: no geral, quando a pessoa descobre, nunca é por você. E aí vem aquele sentimento de traição que estraga tudo... Gerard, que não desconfiava de nada, permaneceu do mesmo modo esperando, atento, Ray continuar o que dizia.

- A primeira vez que ele veio falar comigo foi na sexta, à noite. Ainda não sei como ele descobriu meu endereço, mas ele se apresentou para a minha mãe como meu amigo e... ela deixou ele entrar. Mas não foi culpa dela. Eu nunca contei nada para ela sobre o que o Gregory fazia na escola ou... o que ele fazia com vocês.

   O rosto de Gerard não podia expressar maior compreensão da situação e imagino que Mikey, assim como eu, também entendesse bem o que se passou pela cabeça de Ray. Nenhum de nós teria feito diferente. O próprio Mikey não fez diferente durante todo o tempo em que Gregory bateu nele. Permaneceu em silêncio, se escondendo e com medo que alguém descobrisse. Vergonha. Eu entendo bem essa vergonha.

   Assisti Ray passar a língua pelos lábios secos lentamente enquanto respirava de forma profunda, como se seus pulmões não estivessem trabalhando corretamente. Remexeu as mãos nervosamente na frente do corpo um pouco antes de metê-las nos bolsos de sua calça jeans, em claro desconforto. A pausa durou pouco, mas dessa vez seus olhos demoraram um pouco mais para se focar em nós novamente.

- Eu perguntei para ele o que queria comigo e ele ficou cheio de rodeios... Disse que estava arrependido e que depois que apanhou de você, Gerard – o olhar de Ray se fixou em Gerard, que abaixou um pouco a cabeça, incomodado. Mas não era como se aquilo fosse uma acusação. – ele tinha percebido que estava rodeado de pessoas falsas e que... – ele engoliu em seco e abaixou o olhar novamente, envergonhado. – queria a minha amizade.

- Você... você acreditou nele? – ouvimos a voz de Gerard, um pouco rouca e baixa, mas com certeza bem indignada. Olhei para Ray e notei com o canto dos olhos que Mikey fizera o mesmo. Ele parecia inconformado.

- Eu não sabia o que pensar! Ele parecia sincero! Eu sei, foi idiota da minha parte, mas seria mais idiota ainda entrar em uma briga com ele! E sozinho! – ele respondeu alto, um tanto exaltado, o que fez Gerard voltar atrás e se acalmar um pouco, talvez se colocando no lugar de Ray... À essa altura eu não conseguia mais saber nem o que estava se passando na minha própria cabeça!

- Ok, desculpe... – ouvi Gerard murmurar baixo.

- No sábado ele voltou a me procurar com um papo estranho de que, como amigos, precisávamos nos ajudar. Não entendi muito bem o que ele queria dizer. Ele parecia bastante nervoso e alterado, e eu fiquei com medo de dizer alguma coisa e ele partir para cima de mim... – a respiração de Ray começou a se alterar um pouco, mas ele não parou de falar. – Até que hoje de manhã ele voltou lá em casa e me contou que tinha sido expulso do time de futebol e que precisava dar o troco em algumas pessoas que estavam atrapalhando ele. Pessoas falsas e ingratas... E que ele precisava da minha ajuda, porque eu era amigo dele, e é isso que amigos fazem... – assisti ele fechar os olhos com força e balançar a cabeça negativamente. Quando ele os abriu de novo, estavam vermelhos. – Eu disse que não queria me envolver com aquilo... então... ele começou a me ameaçar e... a te ameaçar, Gerard.

   A expressão de surpresa de Gerard não podia ser maior enquanto Mikey, ao meu lado, parecia dividido entre a vergonha e a confusão. Suspirei aliviado mais uma vez, mesmo a situação não me parecendo a mais apropriada. Eu estava certo... Ray não era uma pessoa ruim...

- Ele disse que ia te fazer pagar por ter batido nele e... foi nessa hora que o Mikey apareceu lá em casa...

   Ao meu lado, com o corpo completamente tenso, Mikey tentava sustentar o olhar acusador e surpreso de seu irmão, sabendo que já não havia mais como esconder o fato omitido. E eu lamento dizer, mas sabia desde o início que Gerard não descobriria esse pequeno “deslize” de Mikey pelo próprio. Odeio dizer “eu avisei”... Na verdade, odeio ter que dizer esse “eu avisei”. Gerard e Mikey pareciam tão felizes, pareciam estar tão mais unidos... Não queria que isso tudo desaparecesse por algo tão...

- Mikey... – a voz de Gerard soava tão seca que se seu timbre não fosse tão peculiar, eu provavelmente não a teria reconhecido. – Por que não me contou isso?

   E, novamente o clima pesou sobre todos nós. A narrativa de Ray interrompida, a respiração de Mikey presa no peito e apenas o barulho de um ou outro carro nos acompanhavam mais uma vez. Queria tanto poder ajudar... Mas cerrei minhas mãos em punhos e me contive.

- E-eu... Eu ia contar, Gerard... – Mikey gaguejou em resposta, a face pálida, os ombros rijos e encolhidos.

- Não, você não ia... Caso o contrário já teria contado. – Gerard rosnou de volta, de uma maneira tão alterada que mal o reconheci. Fiquei, por um instante, chocado.

- Eu ia contar sim! – o tom da voz de Mikey se elevou sensivelmente de forma que eu quase pude sentir na minha própria pele o desespero na fala dele. – Eu estava preocupado com você, só isso! Teve a história da Lindsey e da nossa mãe, e depois isso... Eu queria ajudar! – mas a face alterada de Gerard não pareceu se alterar. Mordi minha própria língua em um impulso. Eu não devia me meter. – Gee, por favor... – mas era quase uma súplica...

- Michael... Você tem noção de que, se você tivesse me dito isso, muitas coisas poderiam ter sido evitadas? – o rosto de Gerard, completamente transfigurado, encarava Mikey de uma forma acusadora. Até a maneira com que ele gesticulava era intimidadora. – Eu poderia ter tomado alguma providência! Feito alguma coisa! Isso tinha a ver comigo, não com você! Pare de agir como se você fosse mais velho ou mais maduro do que eu, porque eu passei por coisas que você nem sonha em ver de perto, então, acredite, eu sei bem como me cuidar. – ao meu lado, vi que Mikey iria abrir a boca em uma provável réplica, mas seu irmão foi mais rápido. – Sério, é melhor você ficar quieto e não se meter mais nisso, Michael. Você não está ajudando nem um pouco! – e ele desviou o olhar para um surpreso e assustado Ray, que havia sido esquecido em algum canto por aquela discussão.

   Mas eu não poderia deixar as coisas assim.

- O que você pensa que está fazendo, Gerard? – minha voz saia mais rápido da minha boca do que eu conseguia controlá-la, o que não me dava a oportunidade de “escolher melhor” as minhas palavras. – O Mikey só estava preocupado com você!

- Que bom que ele estava preocupado! Maravilha! Mas eu realmente precisava saber disso, porra! – assisti Gerard passar a mão pelos cabelos em um gesto típico que entregava sua impaciência. – Eu... Olha... Se for assim que as pessoas estão pensando em me proteger daqui em diante, eu prefiro estar sozinho. – sua voz continuava alterada e ele não me olhava diretamente, apenas se movimentava de um lado para o outro, parando vez ou outra como que para ter certeza de que eu ainda estava lá ouvindo o que ele dizia. – Ray estava em perigo! Não era só o meu pescoço que estava em jogo! Michael não tinha o direito de...

- Não, ele não tinha o direito de nada, mas não fez isso com más intenções! Você fala como se a culpa de tudo isso ter acontecido fosse dele, sendo que ele só estava pensando em você o tempo todo! Então pare de ser mal agradecido e pensar no que poderia ter acontecido... Já foi! Não tem mais como mudar o que aconteceu com o Ray! O que a gente tem que fazer agora é pensar no presente! – disse tudo em um fôlego só, percebendo apenas no final do meu pequeno discurso o quão alta e irritada minha voz soou.

   Gerard me encarava com os olhos arregalados. A expressão atônita entregava que ele, assim como eu, não esperava de mim aquela “explosão”. Mas agora já estava feito. E eu não me arrependia, de qualquer forma... Ele estava sendo injusto e alguém precisava falar isso para ele.

   Tentei controlar minha respiração um tanto descompassada e me acalmar um pouco antes de continuar...

   Mas ele foi mais rápido que eu.

- Frank, sério, não se mete nisso... Você... – assisti sua testa se franzir e seus lábios se crisparem em uma expressão de profundo desgosto... Mas por mim, estava tudo bem. Se ele queria discutir, então que discutíssemos! – Você não tem nada a ver comigo e com o Michael, certo? Já deu de ouvir os seus discursos como se você soubesse de tudo!

- Eu posso não saber de tudo, mas não sou tão cego quanto você! Mas que merda!

   E nesse ponto, ouvimos a voz de Ray, o que nos trouxe de volta à realidade e tirou o nosso foco daquela discussão tão... inútil. Me senti tão idiota quando percebi que havia esquecido a verdadeira razão para estarmos ali reunidos conversando. Me senti estúpido e culpado. Aquela briga com Gerard certamente não era nem de longe tão importante quanto o que Ray estava tentando nos contar e nós, simplesmente, o ignoramos por algo extremamente... fútil.

- Ei! Já deu, ok? Vocês dois.

   E Ray lançou um olhar significativo para mim e, em seguida, para Gerard, que agora tinha o rosto tingido de vermelho pela raiva, e isso também incluía seu pescoço e suas orelhas. Ele me lançou um último olhar e virou-se para encarar Ray. E eu me dei por vencido, porque minha mente parecia cansada demais para tentar desvendar Gerard dessa vez.

- Foi bom Mikey não ter te dito nada, Gerard. O melhor foi você não se envolver. – a voz de Ray soava controlada, com uma calma que eu não me lembrava de ter ouvido vinda dele em semanas. – É sério. – ele cortou, quando percebeu que Gerard iria abrir a boca para protestar. – Com nós dois nisso, seria quase certo um sair machucado.  Acho que foi mais fácil estar sozinho com Gregory... Eu não tinha certeza de que ele não iria te procurar depois, mas, enquanto eu estivesse com ele, eu saberia o que ele estava fazendo. Então eu fui com ele... ajudar na “conversa” entre ele e os caras que entraram no lugar dele no time de futebol.

   E naquele exato momento, me ocorreu onde Gregory estaria. Gerard havia dito por telefone que ele estava envolvido, mas eu não havia visto nem sinal dele, muito menos de alguém que aparentasse ser da família dele na delegacia. Estranhei, mas esperei Ray terminar.

   Aquela sensação estranha havia voltado a se remexer dentro de mim. Era como se eu tivesse engolido um peixe vivo que ainda insistia em nadar dentro do meu estômago. Comecei a cogitar a ideia de estar realmente ficando doente.


- Nós caminhamos até um parque um pouco afastado do centro. Eu nunca tinha visto aquele lugar e também não me lembrava de ter passado por aqueles cantos nem a pé, muito menos de carro. Quando chegamos, dois caras já estavam esperando a gente. Eram dois contra dois... Até que não parecia tão injusto assim. – ele riu amargo, mas logo prosseguiu. – Não parecia... mas era. Não demorou nada para o Gregory voar no pescoço de um dos caras e me deixar lá, sozinho, encarando o que sobrou. Eu não estava ali para brigar... A verdade era que eu nem queria me envolver, mas naquela altura, isso não era mais possível... – a voz de Ray vacilou nesse ponto. Senti uma angústia estranha. – Quando o cara ia partir para cima de mim... Ouvimos um barulho alto, como um estouro, e vimos que Gregory e o outro cara tinham parado de brigar...

- Não... – eu murmurei, sem saber exatamente o porque. O peito apertado. Eu já tinha ouvido uma história semelhante...

- Gregory levantou com a arma na mão só para assistir o outro cara correr para longe... E era isso que eu queria fazer, mas não fiz. Fiquei parado olhando de Gregory para o corpo do garoto no chão. Ele não parecia ser muito mais velho que nós... E tinha um furo bem no meio da testa dele... – a voz de Ray saia entrecortada pela respiração alterada e seus olhos estavam vermelhos novamente... Eu sabia como ele se sentia... A imagem do meu próprio pai me veio em mente. – Gregory me entregou a arma e começou a gritar comigo, para que eu escondesse aquilo, e eu simplesmente não conseguia responder ou me mexer... Ele m e sacudiu algumas vezes e depois foi embora... Mas deixou bem claro que se eu contasse o que eu tinha visto para alguém eu...

   Olhei para os lados de forma instintiva, os olhos ardendo. Mikey, ao meu lado, estava pálido e impassível, provavelmente em choque. Já Gerard segurava o choro com tanta vontade quanto eu tentava conter o meu.

- E como você veio parar aqui, Ray? – a voz de Gerard soou tímida e vacilante.

- Eu liguei para a polícia. Não queria saber se eles iam acreditar em mim ou não, mas eu não podia... eu não sabia o que fazer! – ele gesticulava enquanto lágrimas caiam de seus olhos, seu rosto tomando um tom vermelho, assim como o meu e o de Gerard. – Não tinha como eu ficar naquele lugar estranho com uma arma e um corpo... Eu nem conhecia aquele cara! Esconder seria muito pior, e eu sabia que isso me perseguiria pelo resto da vida... Pensei na minha mãe quando imaginei a família daquele garoto... Eu não queria essa culpa para mim!

   Gerard se aproximou lentamente de Ray e o abraçou de maneira desajeitada, deixando que ele chorasse o quanto quisesse em seu ombro... Agora, mais do que nunca, era o momento ideal para que ele retribuísse todos os anos de apoio que lhe foram oferecidos. E eu sei que Gerard não deixaria essa oportunidade passar.

  E a angústia finalmente tinha passado... aquele pressentimento estranho finalmente havia se esclarecido. E a angústia havia ido embora.

   Pressentimento. Mais conhecido como aquela sensação estranha que surge em algum ponto bem no meio do seu estômago e que vai crescendo conforme o tempo passa. Você tenta ignorar, acha que é bobagem, e sempre existe o válido “se comer, passa”. Mas não passa. E nesse ponto, quando você só então se da conta, aquela “sensação esquisita” já se apossou do seu corpo inteiro, pressionou o seu cérebro contra o crânio e a opção de pensar em outra coisa que não seja esse sentimento ruim já não existe. Muitas vezes ouvi dizer sobre pessoas que são mais “sensíveis” do que a maioria e que, por isso, são capazes de pressentir acontecimentos, sendo eles bons ou ruins – a exemplo dos casos sempre citados mundo a fora de gêmeos, mães e filhos e até mesmo cães e donos. –. Mas eu nunca acreditei em pressentimentos. Porque acreditar nesse tipo de coisa me soava muito como “acreditar no destino”, e isso, para mim, sempre foi uma desculpa para tirar a culpa de algo dos próprios ombros. Eu nunca acreditei nessas coisas e nem me passava pela cabeça a idéia de, um dia, ter aquilo como uma verdade.


- Frank? – ouvi meu nome e, só então, voltei minha atenção (pelo menos, parcialmente) para a cena que acontecia à minha frente.


   Até aquela manhã.


   Mikey me chamou, a voz falha e eu logo entendi o que ele queria. Nos aproximamos de Gerard e Ray nos juntando à eles em um abraço estranho, porém, memorável. A prova de que estaríamos sempre ali, uns pelos outros.


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