I'm Not Ok escrita por Bones


Capítulo 10
Capítulo 10 - Tempo Ruim


Notas iniciais do capítulo

Postei rápido novamente porque fiquei com peso na consciência por causa do tamanho do capítulo anterior.
Leiam, divirtam-se, e espero vocês nas notas finais!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/174098/chapter/10

Capítulo 10 – Tempo Ruim



Bati algumas vezes na grande porta de madeira à minha frente com os nós dos dedos, simplesmente para depois disso olhar para o lado e notar a presença de uma campainha. Ótimo, comecei extremamente errado.


Pensei em tocá-la também, na possibilidade de alguém não ter me ouvido bater na porta, ou ter simplesmente ignorado, mas logo ouvi um “Já vai” preguiçoso e arrastado vindo de dentro da casa, e um arrastar de chinelos, seguido pelo barulho de chaves se batendo umas contra as outras, todos esses sons bem próximos a mim.


Mais um ponto para mim! Com certeza acabei de acordar alguém.


Era por isso que eu odiava fazer visitas! Eu sempre acabava fazendo algo que não devia, ou dizendo algo que não devia, ou tacando fogo na casa sem querer... Eu sou um desastre fora da minha própria toca!


E assim que a porta à minha frente foi aberta, fui recepcionado por um par de olhos surpresos e sonolentos. O cenho franzido indicando que não esperava nenhuma visita, ainda mais tão cedo. Bocejou longamente, pondo a mão em frente à boca, o que apenas me deu tempo para analisar os trajes de Frank. Ele usava uma regata branca que deixava a parte tatuada de sua pele completamente à mostra, e eu confesso que me perdi durante algum tempo naqueles desenhos embolados, tentando decifrar o significado de alguns deles. Usava também um short azul largo, talvez um pouco curto, e um par de pantufas escuras bem maiores que seus pés, o que explica o som alto de sapatos se arrastando pelo assoalho.


– Gerard? – ele me olhou, talvez um pouco mais desperto. – O que faz aqui?


E eu, como o bom idiota que sou, fiquei lá, parado, olhando para a cara dele. Quando estava em casa havia ensaiado nossa conversa só até o “Oi, bom dia, vizinho!”.


Pensei, então, em talvez imitar um pouco os gestos de Frank. Não estava a fim de ficar parado em frente à porta dele, então decidi ser direto e verdadeiro.


– Você me disse para conversar com alguém. – eu disse, olhando-o nos olhos.


Ele franziu ainda mais o cenho, os olhos quase se fechando como se ele estivesse dormindo em pé. Seus cabelos estavam apontando para todos os lados possíveis e seu rosto, ainda meio inchado, apenas lhe dava uma aparência infantil, que adicionava mais graça à situação.


Ficamos parados um olhando para o outro por mais um tempo, até que ele conseguisse, enfim, processar o pouco que eu havia dito.


– Entra. – ele disse simplesmente, dando-me passagem, e eu passei por ele, murmurando um tímido “Com licença” antes de adentrar ainda mais em sua casa.


A casa dos Iero era realmente bonita. Um pouco menor que a minha, mas, ainda assim, um exagero para apenas duas pessoas, a meu ver. A sala era bonita, abarrotada de móveis de aspecto antigo, o que chamou minha atenção. Na mesinha de centro, diversos porta-retratos rodeavam um vaso de flores artificiais, e aquilo tudo só me fez sorrir, pois toda aquela decoração só me lembrava um lugar: a casa da minha avó.


– Bom... eu... – ele fez uma pausa para mais um bocejo, me olhando, ainda cansado. Confesso que me senti um pouco culpado de tê-lo acordado. Até porque, se fosse eu em seu lugar, diria para só voltar quando o horário estivesse de acordo com o relógio biológico de uma pessoa preguiçosa, ou seja, duas horas da tarde. – Eu vou ali arrumar umas coisas – e notei que, entre essas “coisas”, ele incluía a si próprio. – e já volto. Sinta-se à vontade.


Fiquei mais um tempo parado no mesmo lugar, enquanto via Frank subir as escadas, provavelmente indo para seu quarto. Atrevi-me a adentrar um pouco mais na sala, sentando-me no sofá e analisando as fotos na mesinha de centro, permitindo-me demorar meus olhos sobre cada uma delas. Em todas elas Frank aparecia, exatamente como na casa da minha avó! Em todas as fotos, pelo menos eu ou Mikey tinha que estar. Sorri com o pensamento e logo vi uma foto recente de Frank com um homem ao seu lado. Ambos sorriam e Frank parecia radiante com Pansy, sua guitarra, apoiada em seu colo. O homem ao lado dele, com um dos braços sobre seus ombros, parecia ser realmente jovem, cabelos escuros e feições que moldavam um rosto animado e receptivo.


– Meu pai. – Frank apareceu atrás de mim, e eu quase derrubei o porta-retrato. – Não precisa fazer essa cara, as fotos estão aí para serem vistas mesmo! – ele ria com gosto, provavelmente da cara de espanto que eu havia feito um pouco antes.


Frank sentou-se ao meu lado, agora analisando algumas fotos também, assim como eu fazia antes. Olhei-o pelo canto dos olhos. Ele era realmente algo que eu não conseguia entender. Apesar de conseguir prever poucos atos vindos dele, não era como se eu realmente soubesse o que se passa por sua cabeça. Cheguei à conclusão de que ele é uma pessoa mais profunda do que aparenta ser, e sou obrigado a admitir que ele consegue lê-las mais rapidamente do que eu. Porém tinha algo nele que atraia as pessoas para perto, o que talvez facilitasse suas “analises”. Talvez fosse o jeito brincalhão, o sorriso no rosto... Ou o fato de ele conseguir se adaptar incrivelmente bem à personalidade de cada pessoa.


Comigo ele era direto, talvez um pouco rude, mas sincero. Com Mikey e Ray ele agia de forma diferente. Mas não era como se fosse uma máscara. Era a mesma pessoa, mas adaptada para cada situação.


E aquilo atiçava um pouco minha curiosidade, me fazendo ter vontade de estudá-lo e entendê-lo cada vez mais (ou cada vez menos).


– Então... – ele começou depois de um tempo. – Posso fazer uma pergunta? – eu assenti e o encarei.


– Porque não foi conversar com seu irmão, ou com o Ray? – ele me olhou com uma expressão curiosa, o que fez a pergunta perder o tom rude.


– Contei algumas coisas a eles que não estou a fim de desmentir agora. – ele me olhou surpreso, e se eu estivesse em frente a um espelho, eu também me olharia da mesma forma. – Eu sei que parece ingrato da minha parte, recusar a ajuda deles e vir procurar você, mas é uma história longa e complicada.


– Espera... Recusar ajuda? – ele me olhou, as sobrancelhas arqueadas, o rosto intrigado e seus olhos intensos perfurando os meus. Ele tentava desesperadamente captar o que eu falava, mas muito provavelmente ele nem imaginava sobre o que se tratava.


– É... – eu comecei, tomando fôlego, resignado. Não contaria tudo, apenas o básico, sem muitos por menores. – Antes de meus pais, meu irmão e eu nos mudarmos para cá, eu passei por umas situações desagradáveis onde nós morávamos. Fiquei um tempo mal, e nossos pais decidiram que seria melhor nos mudarmos para cá, para esquecer tudo... Ontem, quando você entrou na cozinha, uma velha – não sabia exatamente como me referir à Lindsey, então, por falta de adjetivos, usei o mais comum. – colega havia acabado de ligar, dizendo que está passando por certas dificuldades, e pediu para eu ir ajudá-la. – enquanto falava, não notei que fui desviando o olhar dos olhos à minha frente. Encarei-o novamente e tentei sustentar seu olhar antes de terminar minha fala. – Não sei se consigo voltar lá sozinho.


Frank me olhava sério, porém eu já podia ver suas expressões um pouco mais abrandadas, o que significava apenas que ele já tinha conseguido captar o que queria dentre as minhas palavras.


Estava mais do que óbvio que eu não havia contado nem um terço do que aconteceu comigo realmente. E estava na cara que aquela havia sido a primeira falha que Frank percebeu em meu breve discurso.


– Então vamos viajar? – ele me olhou sério, fazendo dessa pergunta a resposta para o meu convite inexistente.


– Obrigado, Frank. – eu disse rápido, antes que conseguisse manter as palavras dentro da minha boca.


– Sei que você não me disse tudo o que queria dizer, mas tudo bem, não precisa. – ele tocou meu ombro, como se quisesse transmitir confiança através do ato. O sorriso meio bobo, meio infantil, já estampado novamente em seus lábios. – Esse foi um bom começo. – e logo ele se levantou, espreguiçando-se, varrendo qualquer vestígio de seriedade que ainda pudesse ter. – E, já que veio tão cedo, acho que vai querer ficar para o café também, não? – e ele logo gargalhava, provavelmente da expressão indignada que eu fiz.


Fiquei um pouco mais na casa de Frank, que estava vazia, assim como a minha, se não fosse por meu irmão. Durante o café ele me disse que sua mãe também trabalhava muito, e que sua obsessão – palavras dele. – só piorou ainda mais com a morte de seu pai. Ela passava o tempo todo procurando algo para se ocupar e acabava se esquecendo dele. Pensei em consolá-lo dizendo algo, mas esse também não era um de meus atributos, então preferi permanecer calado, tentando transmitir-lhe apoio através de um toque em seu ombro, assim como ele havia feito comigo um pouco antes. Bom, não que ele realmente parecesse precisar de algum tipo de apoio. Ele falava aquilo de uma forma desinteressada e simples, como se entendesse aquele problema tão bem a ponto de ele não preocupá-lo mais.


Como eu invejava Frank.


Estranhamente, quando ele começava a me contar algumas peculiaridades de si e de seu passado, algo dentro de mim me incentivava a fazer o mesmo. E eu sabia que uma hora ou outra eu acabaria contando para ele toda a minha história, esquecida e empoeirada, de como eu havia me tornado esse idiota covarde. Mas no momento eu apenas sentia necessidade de manter mais contato com ele. Descobrir mais dele, talvez ter a oportunidade de desvendá-lo, da mesma forma que ele claramente estava tentando fazer comigo. E eu também não estava muito disposto a assustá-lo com tudo o que eu tinha a dizer.


Tudo bem que apesar da altura e do jeito infantil, ele não me parecia mais tão impressionável quanto antes... mas eu preferia não correr o risco.


Quando voltei para casa, encontrei um Mikey desperto e desesperado, andando pela casa freneticamente, ainda de pijamas. Segurava o telefone em uma das mãos e uma xícara generosa de café na outra.


Quando me viu atravessar o portal de entrada, sua expressão não podia ser mais intimidadora.


– Esquece, Ray, já achei ele. – e, sem mais, ele desligou o telefone e se aproximou de mim. Ele não quebrava o contato visual, e eu me sentia paralisado. Mikey era deveras melhor que a nossa mãe para me dar broncas. As dele eu sempre ouvia calado. – Onde você estava? Pensei que tivesse surtado e sumido! – sua expressão era realmente algo terrível de se ver. Eu devia ter deixado um bilhete.


– Eu sou maluco, mas nem tanto assim, ta? – resmunguei em um tom ofendido, meu olhar dividido entre ele e o chão. – Eu fui à casa do Frank... – pensa rápido, Gerard! Rápido! – devolver o CD que ele me emprestou.


O que era uma mentira descarada, pois eu havia gostado tanto do CD que não tinha a menor intenção de devolvê-lo tão cedo.


– Poxa, deixasse um bilhete! – ele ainda estava bravo, mas visivelmente bem menos que antes, o que me fez tomar coragem para encará-lo normalmente. – E ainda deve ter acordado o Frank!


– É, eu acho que acordei mesmo. – falei, com um sorriso meio sem graça. Meu irmão me olhou com aquela expressão de “Como eu suspeitava” tão típica dele, logo colocando o telefone em seu lugar e bebendo um pouco de café. – Mas pelo menos eu fiz o café! – protestei, quando ele se virou de costas, encaminhando-se à cozinha.


– Não fez mais que a sua obrigação. – e ele me lançou um olhar de falso desprezo. Já comentei que Mikey adora dramatizar? – Ah, o pai ligou. – ele disse, sem muito interesse, bebendo mais um pouco de café em seguida. Esperei que ele dissesse algo mais. – Parece que ele só volta na terça, e pediu pra você pegar o carro dele na oficina.


E uma luz acendeu-se em minha mente. Enfiei rapidamente a mão no bolso dianteiro da calça, logo encontrando minha carteira, abrindo-a e encontrando lá minha habilitação. Pois é, mais uma longa história.


– Mikey... – chamei-o, decidido. Eu precisava mesmo ir, então que fosse em um veículo de fuga rápido. – Preciso de um favor.


– Que tipo de favor? – e notei que a curiosidade havia tomado seu olhar por completo, apesar de ele tentar disfarçar.


– Preciso ir a um lugar... – antes mesmo que eu concluísse a frase, ele me interrompeu.


– Não no carro do papai, espero. – ele pousou a xícara na bancada da cozinha e me encarou profundamente, os braços cruzados na altura do peito.


– Mikey, é algo extremamente importante. – eu sabia que ele havia notado que eu estava realmente falando sério, mas preferiu permanecer impassível, talvez para confirmar se não era mesmo um blefe da minha parte. Para acabar com suas dúvidas, decidi ser direto. – Eu preciso voltar lá, Mikey.


Seus olhos arregalaram-se em surpresa, e tudo o que ele fez foi deixar seus braços caírem lentamente dos lados de seu corpo. A expressão atônita e confusa a me encarar.


– O que você vai fazer lá, Gerard? – seu tom misturava preocupação e rancor, e eu me sentia mal por isso. – Não temos mais nada por lá. Aquilo tudo é passado. – ele se aproximou de mim, seus olhos sérios me observavam em cada gesto.


– Por que tem tanto medo de que eu volte lá? – e eu pressentia uma discussão. Mas, para mim, eu estava cem por cento certo. Ele não tinha o direito de mandar na minha vida daquela forma.


– Tenho medo de que você volte pior do que veio de lá quando nos mudamos! – ele dizia como se fosse algo óbvio.


– Sério, que tipo de maluco você pensa que eu sou? – eu o encarava incrédulo. – Eu, finalmente, decido resolver certos problemas que me fizeram esse lixo que eu sou hoje, e você não quer que eu vá? Você está mesmo falando sério, Michael?


Assisti os olhos dele se encherem de lágrimas pela primeira vez em muito tempo, e logo fui envolto em um abraço apertado que havia partido dele próprio. Mikey nunca foi muito de demonstrar certos sentimentos, então toda demonstração de carinho vinda dele era realmente sincera, e por menor que fosse, precisava ser guardada na memória e lembrada.


Retribuí o abraço um pouco sem jeito e, ainda agarrado a mim, ele continuou a falar.


– Eu só não quero te ver no fundo do poço de novo. Tudo o que aconteceu com você também me afetou! Afetou toda a família. – sua respiração era rápida e curta, como se ele quisesse segurar o choro. – Você não é um lixo, Gerard! Nunca foi! O que eu não quero é que você volte de lá de novo se enxergando como um.


E foi a minha vez de reprimir algumas lágrimas.


– Mikey... Eu preciso que você me deixe ir. – eu afaguei suas costas de leve. Estava tão desacostumado com essa proximidade com meu próprio irmão... – Se eu não fizer isso agora, acho que nunca mais terei coragem. Eu preciso resolver certas coisas que eu acabei deixando para trás, por causa do desespero da nossa mãe em se mudar de lá. – ele se afastou um pouco de mim para poder me ver, as mãos ainda em meus ombros – Se eu não for lá, nunca vou conseguir ir para frente. Esses fantasmas vão me perseguir para sempre.


Mikey me deu mais um breve abraço, talvez mais apertado do que ele pretendesse, e antes de me soltar e subir as escadas, disse em um suspiro resignado:


– Se ela perguntar, direi que o carro ainda está na oficina e que você saiu com o Ray e não tem hora para voltar. Você tem um dia.


E, dito isso, ele saiu, me deixando sozinho na cozinha com meus próprios problemas. Liguei para Frank alguns minutos depois, pedi para ele estar pronto às oito; agradeci novamente sua boa vontade em ir comigo, talvez um pouco mais sem jeito do que da última vez, e avisei-lhe que a viagem seria longa. Teria que ser no dia seguinte, de qualquer forma.


Eu estava cansado de adiar o inevitável.



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bom, só posso dizer uma coisa:
Para quem está curioso, o próximo capítulo será o mais importante.
Espero não decepcionar ninguém!
Beijos, e vejo vocês nos comentários! ♥