Obaka-san! escrita por Mayumi Sato


Capítulo 6
06 .L'amour est un oiseau rebelle.(Bizet)


Notas iniciais do capítulo

AS NOTAS FINAIS DO CAPÍTULO SERÃO DE GRANDE IMPORTÂNCIA. NÃO DEIXEM DE LÊ-LAS.
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http://www.youtube.com/watch?v=KR3rr1bnOe8&list=LLTW3qK_2TvGTyYkDiR9GYXQ&index=15&feature=plpp_video - Flamenco
http://www.youtube.com/watch?v=BOx8B1WSFJQ&feature=BFa&list=LLTW3qK_2TvGTyYkDiR9GYXQ&lf=plpp_video - Habanera(versão para violino e piano)
http://www.youtube.com/watch?v=oiFTXckh0zU - Watermark
EU RECOMENDO QUE ESSAS MÚSICAS APENAS SEJAM ESCUTADAS, QUANDO AS TOCAREM, NA HISTÓRIA. A música que está na abertura do capítulo pode ser ouvida, durante a leitura desse. No entanto, após a Watermark ser tocada, deve ser ela a ser escutada.Essas são importantes dicas minhas para a apreciação do capítulo. Como os sentimentos do capítulo variavam entre a "habanera" e a "watermark" tive imensa dúvidas quanto a qual deveria ser o título, mas foi essa a minha decisão final e a julgo apropriada.^_^



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http://www.youtube.com/watch?v=whFUUFo1eXQ&list=LLTW3qK_2TvGTyYkDiR9GYXQ&index=13&feature=plpp_video L'amour est un oiseau rebelle(orquestra) __________________________________________________________________

 

06.

–L'amour est un oiseau rebelle -


413. Terceiro bloco. Quarto andar.

Como Gilbert havia dito, o endereço de Francis era relativamente próximo.

O dormitório para estudantes do conservatório era composto por uma vasta área verde, na qual havia quatro prédios. Eles eram separados por uma curta distância, o que gerava a necessidade de uma breve caminhada, quando alguém precisava ir para outro bloco. Havia estradas compostas de ladrilhos, nas quais havia tênue iluminação amarelada, provindas de lamparinas espalhadas no local. Elas permitiam que os alunos não se perdessem em seu percurso.

Meu bloco era o primeiro e tive que passar por esse caminho para chegar ao prédio do amigo de Gilbert. Atravessei todo o percurso, com latente descontentamento, perguntando-me constantemente por que havia me disposto a realizar uma atividade que, definitivamente, não me suscitava qualquer deleite.

Originalmente, pretendia ignorar a proposta que ele havia feito, naquela manhã, pois ela me pareceu demasiadamente absurda. Todavia, não pude fazer isso. Durante a tarde, minha execução da Tristesse foi tão incoerente quanto os meus devaneios quanto àquela visita. Ao concluí-la, meu professor perguntou o que Gilbert havia feito dessa vez e recebi com constrangimento a sua indireta crítica e a evidência de minha previsibilidade. Durante a noite, ao retornar para casa e verificar que ele, de fato, não se encontrava em nosso quarto, fui tomado por um sentimento de desapontamento tão pungente que me assustou.

Meu jantar parecia insípido. Meu quarto parecia ter adquirido excessivas dimensões. Os efeitos daquele sentimento eram fortes e persistentes, ainda que eu não pudesse compreendê-lo por completo. Por vezes, ele parecia se alojar em meus pulmões. Outras vezes, fazia meu coração arder desagradavelmente.

Perturbado com minha própria reação à ausência de Gilbert, decidi prestar a visita que devia a Francis, acreditando que meu nervosismo se devia apenas a minha resistência em resolver, logo, aquele assunto. Quanto mais uma criança é proibida de fazer algo, maior será sua vontade de realizar essa ação. Embora não seja do meu gosto, comparar-me a uma figura infantil, inferi que a razão pela qual eu estava tão agitado com a ida de Gilbert ao apartamento de seu amigo, em detrimento ao nosso acordo, devia-se meramente a minha própria proibição de vê-lo.

Quando fosse ao apartamento e findasse aquele assunto, poderia me acalmar. Era nisso que eu gostaria de acreditar. Por essa razão, mesmo que o frio do início da estação do outono adquirisse maior intensidade, durante a noite, mesmo que sentisse algum temor das vazias, silenciosas e pouco iluminadas estradas do dormitório, decidi enfrentar essas condições e futuros constrangimentos, para buscá-lo.

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Ao deparar-me com a porta de um escuro tom de marrom, na qual se encontrava o número "413" em caracteres dourados, minha hesitação alcançou níveis máximos. O sutil tremor em meu corpo não se devia apenas ao frio. Meu punho fechado quase tocava a porta, mas não tinha coragem para alcançá-la.

Eu deveria mesmo bater aquela porta?

Meu orgulho insistia que não. Ainda assim, uma parte minha, quase secreta, ditava que eu deveria entrar imediatamente.

Eu não devia estar confuso em um momento como esse! Não devia conferir tamanha importância àquela decisão! Mesmo ciente disso, não pude evitar que o órgão em meu peito acelerasse disparamente a cada tentativa minha de bater a porta.

Evidentemente, essa estagnação não poderia ser mantida. Após um longo momento de indecisão, tomei fôlego e, com minha mente completamente em branco, dei rápidas e desajeitadas pancadas, anunciando minha presença.

Não havia mais como escapar. Apenas poderia esperar pelas consequências de minha escolha.

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Quando o olhar de Francis encontrou o meu, ele revelou grande incredulidade com a minha presença. Suas sobrancelhas ergueram-se, como perfeitas semicircunferências. Tamanho choque sugeria que ele não acreditava que eu realmente viria ao encontro dos três, naquela noite.

Como ele simplesmente ficou boquiaberto, sem me cumprimentar ou indicar que eu poderia entrar, falei, polidamente:

– Meu colega de quarto me convidou para vir aqui, essa noite. Caso minha presença o desagrade, por favor, avise-me e me retirarei imediatamente.

Ele piscou, algumas vezes. Sua expressão de espanto lembrou a que Gilbert, esporadicamente, fazia.

– Você veio aqui para ver o Gil? Sério? Realmente?

Uma mudança surgiu em seu semblante. Ele não parecia apenas atônito. Além do choque, havia nuances de confusão e algum desgosto. Eu não conseguia entendê-lo.

– Eu não teria outro motivo para visitar alguém que mal conheço. - respondi, prontamente.

– Aquele Gilbert... Ele é impressionante... - murmurou Francis, ainda em estado de choque - Mesmo com aqueles modos selvagens... Um aristocrata... Como...?...É inacreditável...

Suas palavras pareciam desprovidas de qualquer sentido.

– Eu posso entrar? - solicitei mais uma vez, dessa vez, sendo um pouco mais direto e impaciente.

– Sim, fique à vontade! - de repente, ele abriu um largo e pomposo sorriso que não me agradou - Bem-vindo ao lar de Francis Bennefoy, meu caro, Roderich! Acredito que você perceberá a grande estima que possuo pela beleza e por tudo que é belo! O meu apartamento possui tal grau de elegância, pois o amor, que também é belo, precisa de cenários assim para se expressar adequadamente! Falando em amor... - ele tornou sua voz um pouco mais grave e lasciva, enquanto tomava a minha mão para beijá-la -...devo esclarecer que espero que essa não seja sua última visita ao meu apartamento.

A minha expressão denotou meu repúdio com tamanha eficiência que Francis se assustou com ela e se afastou de mim, como se repelido por um choque.

– Há, há! - ele riu, desconfortavelmente - Você não precisa reagir com tamanha timidez, Roderich!

Fiz uma discreta e forçada reverência, antes de entrar em sua residência. Não tinha interesse em manter aquele estranho diálogo. Queria findar aquela visita o mais breve possível e levar Gilbert comigo.

Ao entrar, fiquei perplexo com o que me cercava.

Francis não havia blefado. Ele, de fato, apreciava a beleza. Seu apartamento era ricamente decorado e sua iluminação dourada era inteiramente indireta, provocando um rico efeito visual que era visto apenas em espaços públicos. As diversas fontes de luz que se encarregavam desse efeito eram similares a estrelas ou borboletas douradas espalhadas em um ambiente noturno. Os tons escuros do lugar conferiam discreta elegância a sua residência. Mesmo o piano, cuja presença era explicada pela necessidade, não pela estética, que repousava no centro da sala parecia conferir certa sofisticação ao espaço que ocupava. Meu apartamento, organizado, mas vazio, parecia completamente apático, comparado ao dele.

Pude ouvir a Forlane preencher a sala. Era Gilbert que tocava? Não, realizei cedo que a música provinha de um prateado aparelho de som que discretamente ocupava a sala. Ao lado dele, como se também fosse um móvel ocupando um espaço, Gilbert, sentado no carpete, lia atenciosamente a partitura da composição, enquanto a escutava. Ao seu lado, havia duas latas vazias de cerveja e o livro, aberto em uma página aleatória, sobre Ravel, que ele estava lendo, durante a manhã. Seu estado de compenetração não permitiu que ele noticiasse minha entrada.

Quem me cumprimentou foi Antonio que estava sentado sobre o sofá vermelho, tomando uma taça de vinho, enquanto uma partitura repousava sobre seus joelhos.

– Senhor Roderich! - ele exclamou. Seus olhos verdes brilhavam alegremente - É tão bom vê-lo! Você quer ser nosso amigo? Eu adoraria ser seu amigo! Sou sinceramente grato pelos seus cuidados com o nosso Gil! Ele é um tanto irresponsável, mas é um bom garoto!

Ele falava isso como um pai afetuoso, que conhecia bem as qualidades e defeitos de seu pequeno filho.

Eu era tratado como a mãe de Gilbert. Antonio agia como seu pai. O que Francis era? Seu tio? Por que Gilbert, um adulto, permitia que tantos o tratassem como uma criança?

Antonio sorria com sincera alegria para mim, aguardando, com ansiedade, minha resposta. Correspondi serenamente seu sorriso e olhei de relance para Gilbert, perguntando-me quando ele perceberia minha presença.

– Você gostaria de vinho? O Francis sempre possui ótimos vinhos! O Gil gosta mais de cerveja, mas, normalmente, bebemos vinho! Eu não gosto muito de nenhum dos dois! Gosto de churros e tomates! Do que você gosta, senhor Roderich? Do quê? Do quê?

Ele disse que não gostava de vinho, nem de cerveja, mas que gostava de churros e tomates. Eu não via qualquer coerência semântica nessa colocação. No entanto, não tive vontade de corrigi-lo. Dentre os dois amigos de Gilbert, Antonio me parecia o mais inocente e tive alguma simpatia por ele. Eu me perguntava se ele havia sido dragado acidentalmente para aquele grupo bizarro.

– Eu gosto de doces... - respondi, depois de pensar um pouco - Quanto a bebidas, confesso minha preferência pelo vinho.

A Forlane acabou. Talvez tenha sido impressão minha, mas o corpo de Gilbert aparentou ter sofrido um pequeno espasmo com a conclusão da música, como se fosse uma máquina posta para funcionar, após um grande período de abandono. Ele finalmente realizou minha presença. Voltou seu olhar para mim e ergueu uma sobrancelha:

– Rod?

Ele disse meu apelido, como se estivesse se certificando da minha identidade. Quem mais poderia ser, seu tolo?

– Conforme sua solicitação, dirigi-me a este recinto. - declarei, dignamente, deixando evidente em meu tom, meu desagrado em cumprir o que ele havia me pedido.

Meu aborrecimento não incomodou Gilbert, que apenas riu.

– Quem você quer enganar, jovem mestre?! Pare de agir como se estivesse cumprindo um dever cívico! A verdade é que você sentiu saudades do incrível eu e não pôde aguentar a solidão de permanecer em nosso apartamento, sem a minha incrível presença!

Estranhamente, seu comentário implicante provocou, em mim, grande nervosismo, ainda que ele não fosse exatamente desrespeitoso.

– Não seja arrogante. - respondi, rispidamente - Eu não sinto sua falta. Apenas quis garantir minhas noites de sono apropriado. Caso seu comportamento pudesse ser controlado com maior facilidade, eu não me daria ao trabalho de realizar essa visita.

Kesesese! Como se eu pudesse acreditar nisso!

– Vocês não devem brigar! - recriminou Antonio, com as mãos depositadas sobre sua cintura - Somos todos amigos, não somos? Roderich, você não deve ficar tão mal-humorado com o Gilbert! Vamos nos animar! Fusososo!

"Fusososo?"

A Forlane começou a tocar novamente. Gilbert havia voltado a escutá-la.

Enquanto meu colega de quarto se ocupava, reparei que havia três estantes de considerável tamanho no apartamento de Francis.

Uma delas possuía diversos livros. A maioria deles sobre música, arte e história, mas também havia algumas obras da literatura inglesa, principalmente, Jane Austen. A segunda estante possuía discos. Diversos discos. Uma quantidade que vi apenas em lojas. Quase todos de música clássica, embora também houvesse alguns discos de bandas de rock britânicas como Beatles e U2. Francis era um admirador da cultura do Reino Unido? A terceira estante possuía uma vasta quantidade de partituras de diversos compositores. As partituras eram organizadas por compositor, em ordem alfabética. Havia Bach, Beethoven, Liszt, Holst, Brahms, Paganini, Wagner...

– É um enorme acervo, não acha? - surpreendeu-me Francis, por trás de mim, usando seu braço para me prender contra a estante. Apenas a veracidade das suas más intenções poderia justificar como ele se aproximou tão sorrateiramente.

Acostumado com os ataques de Gilbert, esse nível de proximidade, embora incômodo, não mais me abalava.

– É uma notória coleção. - confirmei - Você possui alguma admiração pela cultura britânica?

– Hã???

Ele abriu um pouco sua boca e franziu as sobrancelhas, deixando evidente o quanto estava enojado com minha pergunta.

– Você não pode estar falando sério! - ele disse, com certa indignação - Quem gostaria de um país de baderneiros, bebedores de chá?! A cultura desse povo terrível nunca poderia ser apreciada por mim, que nasci no país do amor e da beleza!

– Apesar de dizer isso, há vários livros da Jane Austen e diversos discos de rock britânico em suas estantes...

– Nada disso me pertence! - ele afirmou, energicamente - Essas três estantes foram preenchidas pelo meu irritante colega de quarto! Francamente! Não cometa um engano como esse, novamente! É trágico ter minhas preferências confundidas com as daquele maldito bebedor de chá!

Aparentemente, a convivência de Francis com seu colega de quarto não era melhor do que a que eu tinha com Gilbert.

Provavelmente, eu me daria bem com seu colega de quarto.

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Minhas previsões diziam que o encontro dos três seria algo parecido com as festas dedicadas a Baco, durante o império Romano. Homens e mulheres se envolveriam, sem qualquer pudor, enquanto todos se afundariam em vinho e cerveja. Por ter esse terrível pressentimento, não pude deixar de me surpreender ao ver o que realmente eram esses encontros.

Sim, Gilbert bebia cerveja. Francis e Antonio bebiam vinho. Entretanto, nenhum deles se embriagava completamente. Gilbert estava em sua terceira lata, enquanto Francis e Antonio se serviam de uma segunda taça. Nenhum deles consumiu um galão inteiro, enquanto os outros gritavam "Vira, vira!", como eu havia imaginado que aconteceria.

Depois de minha entrada, não chegou qualquer outro convidado. Apesar de suas relações com homens e mulheres serem os principais temas da conversa entre eles, não houve qualquer insinuação que eles chamariam pessoas para uma grande orgia, na sala de Francis.

Talvez Gilbert tivesse razão, quando me chamasse de exagerado.

A única ação que poderia ser considerada digna de alguma censura era a mão de Francis que passeava, sem qualquer pudor, por baixo da blusa de Antonio. No entanto, como a suposta vítima não reclamava - na verdade, ele parecia nem noticiar o assédio - e apenas sorria, decidi não me intrometer.

O encontro dos três se consistia em uma conversa sobre casualidades e relacionamentos, enquanto os três bebiam moderadamente e, descontraidamente, liam partituras.

– ...Eu não entendi por que a Anne ficou tão indignada ao descobrir que eu havia dormido com seu melhor amigo! Eu tentei argumentar que minha ação indicava que eu aprovava seu gosto por amigos, mas ela me deu um tapa! Argh! Não havia a necessidade de tamanho drama!

– Eu entendo o que ela sentiu, Francis. Um homem deve se dedicar exclusivamente à pessoa que ama! Eu nunca traí o Romano!

Kesesese! Como você poderia trair alguém com quem você sequer possui um relacionamento, Tonio?! Devo declarar, então, que nunca traí a Carla Bruni!

– Não sejam tão maus! - brigou Antonio - O meu relacionamento com o Romano está melhorando gradativamente!

– Sim, sim. Está. Quem sabe, em dez, doze anos, os sentimentos do Romano mudem do ódio profundo para o ódio parcial? - implicou meu colega de quarto, com seu irônico sorriso.

– Eu já disse que o seu problema é a sua falta de noção, Tonio. - disse Francis, um tanto preocupado, enquanto descaradamente começava a subir a blusa de Antonio - Se você, simplesmente, jogasse-o sobre a cama e trancasse o quarto, os conflitos entre vocês seriam facilmente resolvidos.

– Falta de noção? - indagou Antonio, arregalando ligeiramente seus olhos, com sua camisa quase inteiramente retirada - Como assim?

Kesesese! Apesar de tentar argumentar grandiosamente, Francis, será que você teria coragem de jogar o Arthie na cama e trancar o quarto para resolver seus conflitos com ele?

– Por que eu faria isso?! - perguntou Francis, escandalizado com a solução que ele mesmo havia proposto - Eu não tenho qualquer intenção de interromper meus conflitos com ele! Ele merece todos os meus insultos! Aquele punk!

Gilbert, Francis e Antonio conversavam animadamente sobre assuntos próprios de seu grupo. Os três se conheciam bem. Eram íntimos. Riam, implicavam-se mutuamente, discutiam sobre assuntos pessoais. Pareciam imersos em um mundo que não permitia minha entrada.

Minha presença era insignificante, naquela sala. Eu me perguntava se sequer perceberiam minha ausência.

Francis e Antonio não eram meus amigos. Eu pouco os conhecia, portanto, achava natural que eles me ignorassem. Entretanto, sempre que percebia a invisível distância de Gilbert, eu não podia evitar que uma dor aguda atravessasse meu peito.

Nossa convivência era mediada por acordos, mas ela era tão insignificante para ele? Era evidente que ele havia deixado de me enxergar. Minha falta não faria diferença a Gilbert, tão absorto em seu diálogo.

Eu não o conhecia como eles. Não podia, confortavelmente, fazer perguntas a Gilbert, nem aconselhá-lo. Raramente, encontrava uma oportunidade em que pudéssemos rir juntos. Nós estávamos sempre brigando e discutindo sobre música. Seria patético conferir tamanha importância ao relacionamento que possuíamos. Éramos meramente colegas de quarto. A relevância de nossa convivência era praticamente inexistente, quando comparada com o valor que ele atribuía aos seus verdadeiros amigos.

A sensação do isolamento era tão fria quanto o vento noturno.

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Após findar sua taça, Francis se levantou do sofá e apanhou uma garrafa de vinho tinto, em sua cozinha. Enquanto se servia, ele me perguntou se eu não gostaria de acompanhá-lo em seu drinque. O riso que seus lábios tentavam deter sugeria que ele não imaginava que eu aceitaria tal proposta e que havia a lançado, simplesmente para se divertir com a minha negativa.

Ele estava enganado.

Aceitei, de bom grado, o vinho. Não apenas isso. Tomei a taça em um único gole e solicitei outra dose.

Meu comportamento gerou uma escandalosa risada em Francis, um olhar preocupado de Antonio e uma reação de susto em Gilbert, que parecia ter acabado de se confrontar com um ser mitológico.

Originalmente, eu não pretendia beber, por julgar que seria imprudente atingir um estado de torpor, diante de pessoas que eu pouco conhecia. Entretanto, naquele momento, eu não me importei com meus planos originais, com a minha prudência ou com os meus modos. Estava severamente chateado e queria tomar vinho para lidar com meus sentimentos tumultuosos.

Eu estava depositando a bebida, pela terceira vez, em minha taça, quando a exclamação de uma voz desconhecida interrompeu meu gesto.

Bloody hell!

A figura que havia acabado de entrar no apartamento e dito essa frase em um característico inglês britânico era um cavalheiro de olhos verdes, que continham evidente fúria, e espessas sobrancelhas, franzidas pela raiva.

– Francis, seu desgraçado! - ele berrou, dessa vez, em francês - Eu avisei a você para limitar os horários das suas reuniões, não disse, maldito bebedor de vinho?! São dez horas da noite! Por que esses parasitas ainda estão no meu apartamento?!

"Parasitas?"

Minha momentânea paralisia persistiu, pois eu desconhecia qual seria a reação daquele britânico, caso eu prosseguisse a beber vinho. Não gostaria que sua agressividade se voltasse para mim.

– Oras, meu caro Arthur! Não é como se você pudesse reclamar! Eu não estou comentando sobre o fato de você ter retornado tarde para casa, devido ao seu encontro promíscuo com o Al, então, não seja rabugento!

As faces de Arthur atingiram uma intensa tonalidade escarlate, mas era impossível dizer se isso se devia a sua raiva ou ao seu constrangimento.

– Eu não estava desperdiçando meu tempo, com esse tipo de atividade imprópria, seu estúpido! Um cavalheiro, como eu, não faria algo tão inadequado! Pare de achar que todos possuem a sua mentalidade doentia, seu bêbado!

– Quem você está chamando de bêbado, maldito bebedor de chá?! - exclamou Francis, agarrando a gravata de Arthur.

Aquela cena me parecia vagamente familiar.

Pensei nisso, enquanto preenchia mais uma taça de vinho.

– Ah, vocês começarão novamente com isso? - perguntou, brandamente, Antonio, com um fraco sorriso que expressava certo desconforto. - Nós temos um convidado. Adiem um pouco os seus conflitos.

Francis e Arthur interromperam sua briga para me fitarem com surpresa. A minha presença não era mais significante do que a dos móveis que adornavam o apartamento e não teria sido noticiada, caso Antonio não tivesse a recordado.

– Quem é você? - perguntou o colega de quarto de Francis, aproximando-se de mim. Seus olhos verdes acompanhavam meus movimentos, com alguma curiosidade.

– Meu nome é Roderich. Sou o colega de quarto de Gilbert. É um prazer conhecê-lo. Perdoe-me, se minha visita parece inconveniente. Minha vinda deve-se ao convite que recebi...

– Eu entendo, eu entendo. - ele disse, com um rápido e repetitivo meneio de seu rosto. Minha breve e incompleta explicação parecia suficiente para seu pleno entendimento - Em resumo, eles o arrastaram para cá, não é?

– Pode-se colocar dessa forma. - acabei confessando.

– Desculpe-me pela cena desagradável de poucos segundos atrás. - ele pediu, lamentando sinceramente o ocorrido. Havia, em seu semblante, a preocupação esperada de uma pessoa sensata - Gilbert e Antonio são parasitas que vêm ao meu apartamento para usufruírem das minhas partituras, discos e bebidas, portanto, estou acostumado a desprezar a presença de ambos. Entretanto, não gostaria de ter me comportado de modo tão inadequado em sua frente. - dito isso, seu pesar foi rapidamente dissipado e seu rosto foi preenchido com um cordial, embora um pouco contido, sorriso - Meu nome é Arthur Kirkland. - ele declarou, com algum orgulho, estendendo sua mão - Como você deve ter percebido, sem muito esforço, eu sou o colega de quarto de Francis.

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Após, educadamente, apresentar-se para mim, Arthur autorizou-me a continuar a beber minha taça - embora o vinho não pertencesse a ele, e sim, a Francis - e pediu, enquanto se dirigia a sua geladeira, para apanhar uma ale, que eu permanecesse algum tempo em seu apartamento, pois precisava desesperadamente da companhia de alguém mais racional do que "o bebedor de vinho e os dois parasitas". Antes que eu pudesse aceitar ou refutar sua proposta, ele enrubesceu e declarou, agitado e nervoso, que não estava fazendo isso por mim. Apenas estava entediado. Não era como se quisesse que nos tornássemos amigos. Concluiu, dizendo que eu não deveria ter ideias estranhas.

"O que, exatamente, ele quer dizer com isso?" - perguntei-me, finalmente entendendo que alguém capaz de morar com Francis, não poderia ter uma personalidade absolutamente comum.

– Gilbert, seu idiota!

Algo na geladeira havia provocado imensa e direcionada fúria, em Arthur. Recebi com certo susto sua enérgica reação colérica. Ele parecia alguém tão composto há poucos segundos que eu apenas poderia me chocar com aquela súbita mudança de comportamento. Tentei compreender qual seria a origem de tamanha raiva, mas Arthur falava em um disparado inglês, enquanto apontava acusatoriamente para meu colega de quarto, de modo que apenas consegui extrair palavras como "git", "prat", "bloody idiot", dentre outros variados insultos.

– Não há necessidade de tamanha irritação, apenas porque bebi suas ale, Arthie! - respondeu Gilbert, não parecendo incomodado, mas lisonjeado com a vasta quantidade de insultos que recebera de Arthur. Ele exibia seu sorriso canalha como se tivesse orgulho de suas culpas - Elas não são tão incríveis quanto as minhas cervejas! Além disso, se não estou enganado, você não é um cavalheiro? Kesesese!

– Não é óbvio que sou, seu alcoólatra estúpido?! - ele berrou, fechando, com força, a porta da geladeira.

Não, não era tão óbvio.

– De qualquer modo, Arthie - falou Gilbert, insensível a ira do colega de quarto de Francis, como se essa fosse muito habitual para receber qualquer importância - você sabe algo sobre a Forlane?

– Maurice Ravel, Le Tombeau de Coperin? - perguntou Arthur. Aparentemente, toda sua raiva havia sido convertida em interesse.

– Exatamente! - confirmou Gilbert, animadamente, finalmente, erguendo os olhos da partitura que lia.

– É lógico que a conheço, seu idiota. - ele respondeu, imponentemente, com os braços cruzados sobre o peito - Não subestime um futuro maestro, seu tolo. - após essa colocação, seu orgulho perdeu sua força e o interesse voltou a predominar em seu semblante - Você irá tocá-la em alguma apresentação? Mostre-me a sua execução.

Gilbert, com apreensão, lançou um rápido relance para Arthur e para o piano, antes de pousar seu olhar pesadamente sobre mim. Havia uma semente de angústia no modo como ele me encarava intensamente. Desviei meu rosto, nervosamente. A mágoa que eu havia vivenciado, anteriormente, tornou uma parte do meu coração especificamente sensível ao olhar de Gilbert e eu não podia evitar meu desconforto em recebê-lo.

"Por que você está me encarando, dessa forma, seu tolo? Há poucos minutos, você sequer se importava com a minha presença."

Arthur, por sua vez, compreendeu facilmente o que ocorria.

– O quê? Você está com vergonha de tocar, na frente dele?

A falta de uma negativa imediata a essa pergunta provocou um espanto coletivo entre todos os presentes, incluindo Gilbert, que parecia despreparado para aquela indagação.

– Sério?! -exclamou Arthur, parecendo chocado - Você?! Você está com vergonha de algo?! O incrivelmente arrogante Gilbert?!

– Eu pensava que você era incapaz de possuir algum sentimento de vergonha! - foi o comentário do igualmente surpreso Francis.

– Eu não sabia que você tinha esse lado tímido, Gil! - sorriu Antonio, cujo espanto foi rapidamente substituído por alegria.

A necessidade de reação finalmente veio a Gilbert que, até o momento, limitava-se a me encarar como se estivesse completamente perdido. Essa se deu em forma de um riso distorcido que pretendia transmitir algum desdém:

– Hmpf. Como se alguém incrível como eu, pudesse ter vergonha de tocar, perante esse aristocrata que parece a reencarnação de Schubert! - ele tentou dizer isso com confiança, mas sua voz parecia estranha e forçada.

"Não faça, desnecessariamente, comparações injustas, seu tolo!"

Arthur pôs a mão sobre o próprio rosto, parecendo cansado.

– Então, essa é a explicação para o retorno dos seus treinos, durante a madrugada... - ele murmurou, esgotado - Você é idiota? É tão importante deixar de exibir seus erros para ele?

– Obviamente.

A resposta de Gilbert foi tão imediata e firme que Arthur, Francis e Antonio sequer conseguiram ter outra reação a ela, além de um pasmo silêncio. Não consegui, no momento, refletir sobre o significado das palavras de Arthur. Meu rosto ardia intensamente, como se tomado por uma súbita febre. Meu olhar havia afundado no interior de minha taça, ainda repleta de líquido escarlate.

O silêncio mortal foi rompido por Arthur que fez um som com a garganta, antes de falar a Gilbert, com forçada naturalidade:

– Não há necessidade de tamanha preocupação. O seu piano é realmente bom. Essa é a razão pela qual permito a sua intrusão em meu apartamento. D-De qualquer modo, se você não deseja tocar, perante o Roderich, e-eu não o obrigarei...N-Não é como se eu estivesse fazendo isso por você! N-Não me interprete mal!

Gilbert lançou-me mais um olhar significativo, mas, novamente, desviei o meu.

Voltei a encarar minha taça, como se essa fosse o objeto mais interessante que já vira.

Gilbert tornou a falar com Arthur. Ambos expulsaram Antonio e Francis do sofá para que pudessem ocupá-lo. Após se sentaram, iniciaram um efervescente diálogo sobre Ravel e sobre a Forlane, que não permitia qualquer interrupção.

Eu não deveria ter rancor de Gilbert, por esse discutir sobre seu piano entusiasticamente com o colega de quarto de Francis, enquanto, em meu caso, não tinha vontade de exibi-lo. Não deveria me chatear com o modo como ele facilmente desviou sua atenção de mim e a cedeu a alguém. Não deveria me sentir sozinho, quando Francis e Antonio tentavam, entusiasticamente, conversar comigo e me convencer a participar de um jogo de cartas que eles haviam iniciado. Nenhuma dessas emoções faria qualquer sentido. Eu e Gilbert sequer éramos amigos. Ele deveria dar sua atenção a quem quisesse e eu deveria permanecer indiferente quanto a sua escolha.

No entanto, eram esses amargos sentimentos que, precisamente, se acumulavam em mim. Meu péssimo humor, inclusive, impediu-me de acolher as tentativas de aproximação de Francis e Antonio.

Por fim, eu não deveria beber mais uma taça de vinho, todavia, tomei-a em um único gole.

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Desejando engolir meu ressentimento com uma dose aquecedora de álcool, minha negligência resultou em um grande constrangimento para mim. Em algum momento, perdi o controle sobre a quantidade de bebida que consumia. Não me recordo precisamente desse instante, pois minhas memórias sobre esse evento são confusas.

Minhas lembranças voltam apenas ao momento em que meu rosto estava encostado na bancada, ardendo levemente com o frio contato do mármore, enquanto Gilbert, a minha frente, observava-me, franzindo as sobrancelhas, como se tentasse entender a natureza de uma forma de vida desconhecida.

Tonto e confuso, eu não conseguia fazer nada, além de pronunciar sons lamuriosos e incompreensíveis.

– Rod?

A forma como Gilbert me encarava sugeria maior apreensão do que propriamente preocupação. Ele parecia ligeiramente assustado.

– Você está bem?

Eu não estava bem. Há dias, eu não estava bem. Sim, era parcialmente minha culpa que Gilbert desconhecesse a origem de minha perturbação, visto que me recusei a explicá-la, quando ele solicitou, mas isso não era relevante! Se ele não tivesse desprezado minha presença e a absurda quantidade de taças que eu havia sorvido, eu não estaria naquele estado! Aquele tolo!

–...Não. - embora Gilbert merecesse alguns insultos, essa foi a única resposta que consegui dar, em minha letargia. Ela foi suficiente para incitar alguma responsabilidade nele.

– Eu levarei esse nobre aristocrata ao nosso apartamento. - disse Gilbert, resoluto, enquanto tomava meu braço, sem qualquer delicadeza. Depois, lançou um olhar severo a Francis, antes de acrescentar - Seria perigoso deixá-lo tão vulnerável, quando você está por perto...

– Que insulto absurdo! - reagiu Francis.

– Na verdade, essa foi uma das raras vezes que percebi alguma sensatez em Gilbert. - falou, sarcasticamente, Arthur. Sua frase era, antes, uma ofensa a Francis do que um elogio ao meu colega de quarto. - Sua ação está correta. Leve Roderich, antes que seja tarde.

– Não me trate como um animal descontrolado! - exigiu Francis.

A minha visão tornou-se embaçada por um momento, forçando Gilbert a apanhar-me pela cintura, para garantir meu equilíbrio.

– Pensando melhor, não gostaria que eu o levasse para casa, Gil? - propôs Francis, com uma expressão perigosa - Eu cuidarei muito bem dele. Eu o carregarei até seu quarto, trocarei sua roupa, deitarei seu corpo na cama e... - ele deu uma pequena risada maligna -...bem...

– Estamos indo. - declarou, imediatamente, Gilbert, exercendo maior pressão em minha cintura.

– Espere um pouco, Gil! - Antonio exclamou, interrompendo nossa apressada saída - Nós temos que fazer as apresentações de conclusão do encontro! Não foi para assisti-las que você o convidou?

"Hã?"

– É verdade, mas... - Gilbert, desconfortável, voltou-se para mim. Presumi que o restante de sua frase fosse algo como linhas similares a "Ele aguentaria?".

Antonio saiu da mesa em que estava, deixando, nela, sua partitura e segurou minhas mãos, enquanto sorria animadamente para mim:

– A melhor parte de nosso encontro ocorre, nesse momento, Roderich. Não estaria interessado em assisti-la? Compreendo que o senhor não se sente bem, mas valerá a pena! É muito divertido!

– Eu devo concordar com o segundo parasita, Roderich. - opinou Arthur - Essa parte do encontro deles é o único motivo, pelo qual, eu permito que esses idiotas continuem a vir. Imagino que Gilbert não deva tê-lo informado quanto à tradição deles, pois ele é negligente a esse ponto...

– Em resumo, no início de cada encontro, nós sorteamos uma composição para apresentarmos, ao término desse. - explicou Francis, impaciente.

– Não interrompa as minhas falas, maldito bebedor de vinho!

– O que eu deveria fazer? O Roderich estava quase desmaiando com a monotonia do seu monólogo!

– Oras, seu...!

– O Gilbert também participará?

Minha pergunta surpreendeu os presentes, principalmente, meu colega de quarto que me encarava com o mesmo espanto que expressaria, caso descobrisse que eu estava morto há dez anos.

– Claro que sim! - respondeu Antonio, cuja surpresa com a minha pergunta foi acompanhada por evidente deleite. - Ele sempre participa! Está interessado em ver? Fusososo!

– Entendo... - comentei, abaixando meu olhar - Nesse caso, devo concordar em permanecer por algum tempo...

– Jovem mestre, - interpelou-me, Gilbert, receoso com a minha decisão - eu entendo o quanto você deve estar desesperado para ouvir minha incrível performance, mas...

– Eu estou um pouco tonto, todavia, isso não impedirá de assisti-la. - afirmei, interrompendo-o. Depois, com o firme olhar de uma pessoa que não quer ter seus desejos negados por alguém de quem guarda rancor, declarei, absoluto - Eu irei assistir à execução dos três.

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O primeiro a tocar seria Antonio e sentamo-nos ao seu redor para observarmos sua apresentação. Ele havia se sentado em um pequeno banco, no centro da sala. O instrumento que tocaria seria um violoncelo que pertencia a Arthur, assim como o piano.

Francis estava sentado no sofá, ao lado de Arthur, com um excessivo espaço entre eles. Essa disposição de lugares devia-se a Gilbert, que disse que era incrível demais para permitir que um inocente nobre como eu, ficasse próximo a Francis, e aproximou duas cadeiras da mesa da sala, para que nos sentássemos nelas.

Ele propôs, enquanto ria malignamente, que eu deitasse minha cabeça em seu ombro. Recusei sua proposta, declarando que eu precisaria de uma quantidade infinitamente superior de álcool, antes de aceitar um pedido infame como esse. Meu colega de quarto, como o habitual, apenas se divertiu com a minha reação, não parecendo me levar a sério.

Enfim, quando estávamos acomodados, Antonio finalmente revelou a composição que tocaria:

– Eu tocarei a Flamenco. Essa noite, o Gil foi mais implicante do que o usual, então, espero derrotá-lo! - ele sorriu.

Kesesese! Como se fosse possível! - Gilbert riu intensamente, ridicularizando completamente a declaração de Antonio.

– Não seja tão rude! - pedi, envergonhado com o seu comportamento.

O sorriso de Antonio ganhou um toque de irritação, mas essa foi sua única reação.

Depois disso, seus dedos tocaram as cordas do violoncelo e a Flamenco começou a ser tocada.

Esquecendo qualquer pensamento anterior, fui imediatamente dragado por aquela composição.

Ela era rápida. Forte. Vívida.

As notas deslizavam como se dançassem. Antonio, de algum modo, conseguia trazer a composição, um ardente elemento latino. Era inacreditável que aquele instrumento fosse o mesmo que tocasse "O cisne" de Camille Saint-Saens. Eu via Madrid e quase podia sentir o calor de seu verão. Eu via as touradas. As mulheres dançando em vestidos vermelhos. Eu percebia aquela imagem com tanta clareza, quanto veria um quadro.

A rica quantidade de sons de Antonio era impressionante. Aquele era um solo para violoncelo, mas não parecia, de qualquer modo, que apenas um instrumento estivesse sendo tocado. Havia momentos em que sequer parecia que um violoncelo estivesse sendo tocado! Eu poderia jurar que ouvia uma guitarra espanhola! Como ele fazia isso?!

Ao fim de sua apresentação, eu estava boquiaberto.

Aparentemente, sua ameaça de derrotar Gilbert era mais palpável do que eu previa.

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Antonio recebeu diversos elogios de seus amigos, aos quais recebeu com um sorriso constrangido. Apesar desses cumprimentos serem de estranha natureza - Francis pediu para ir ao seu quarto com ele, para demonstrar o seu entusiasmo com sua apresentação; Gilbert disse que sua execução havia sido incrível, no entanto, nunca seria tão incrível quanto a dele; Arthur disse que não havia sido uma má apresentação e que Antonio não deveria ter ideias estranhas quanto ao seu elogio - Antonio alegremente os recebeu, parecendo se sentir lisonjeado. Ele era notoriamente distraído.

O segundo a tocar seria Francis, que apanhou seu violino, dirigiu-se ao local, anteriormente, ocupado por Antonio e riu, enquanto nos observava, como se achasse graça de nossa inferioridade. Seu sorriso dotado de maligna diversão era bastante similar ao de um velho pervertido que confia que seu dinheiro será suficiente para convencer uma jovem a dormir com ele.

– Eu tocarei a L'amour est un oiseau rebelle.– ele disse isso, como se sussurrasse uma jura de amor a uma donzela - A habanera de Bizet. Por favor, apreciem a beleza dessa encantadora obra, cuja letra não poderia ser mais sábia.

– Ei, ei! O que é isso?! - protestou Gilbert, levantando-se da cadeira - O Tonio pegou a Flamenco e você pegou essa?! Não duvidem da minha incrível capacidade de percepção! É óbvio que vocês trapacearam!

– Não. Isso não ocorreu. - replicou, calmamente, Francis - O que há com você, Gil? Mesmo que trapaceássemos, teríamos alguma chance de derrotar você?

– É claro que não! - exclamou Gilbert, empolgado com a própria confiança - Há, há, há! Nenhuma trapaça os tornaria capazes de superar a minha incrível execução! Eu rio de uma ideia tão absurda!

Ainda rindo, Gilbert sentou-se novamente em sua cadeira, completamente satisfeito com aquela conclusão. O sorriso maligno de Francis pareceu se tornar ainda maior.

"É evidente que eles trapacearam, seu tolo." - pensei, constatando que o ego de Gilbert, constantemente, era sua maior fraqueza.

Quando todos estavam quietos e atentos, Francis começou.

Compreendi perfeitamente por que Gilbert suspeitou de uma possível fraude no sorteio. Era assustador perceber o quanto o violino de Francis era compatível com aquela composição.

. Uma das árias do primeiro ato da ópera Carmen. A habanera que introduz a sedutora protagonista da obra. É uma ária de elogio ao amor livre que torna evidente a inconstância de Carmen. Característica que provoca a ruína de um dos homens que se apaixona por ela, Don José, e a morte da própria personagem que prefere ser assassinada por ele, a perder sua liberdade para amar quem quiser e como convir.

Ela, definitivamente, combinava com Francis.

O apreço dele pela beleza era evidente no modo como ele tocava. Ela estava presente em cada uma de suas notas, acompanhadas por tamanho sentimento que pareciam emitidas por uma soprano. No entanto, não pude conter certo desconforto com sua condução. O modo como o violino se expressava o fazia parecer que ele se insinuava para todos nós! Essa era a cena em que Carmen roubava o coração de Don José, portanto, havia sentido em tocar a habanera, dessa forma, mas...

"A intensidade realística da sua execução me deixa completamente apreensivo!" - esse foi meu pensamento. Julgando o assombro e perturbação, delatados no rosto de Arthur, posso concluir que ele pensou o mesmo.

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O último seria Gilbert.

Era um alívio que sua vez, finalmente, tivesse chegado, pois minha indisposição crescia a cada instante. Minha cabeça doía, eu sentia náuseas e, por vezes, minha tontura aumentava tanto que eu via os objetos do apartamento se duplicarem.

Quando já estava sentado ao piano, ele perguntou se não seria melhor terminar o encontro imediatamente, alegando que, pelo que vira, quando estudara a história da Roma antiga, podia afirmar que era difícil lidar com nobres embriagados.

– Não, eu não desejo voltar, nesse momento! Apenas toque, seu tolo!

Meu comportamento intolerável apenas pode ser justificado como um dos efeitos do álcool combinado com o meu acumulado rancor contra Gilbert. Ele chocou Arthur, Francis e Antonio, embora o mesmo não pudesse ser dito de meu colega de quarto.

Kesesese! Conforme queira, jovem mestre! - ele disse, permitindo que um sorriso dotado de arrogância escapasse por seus lábios.

Em trêmula ansiedade, aguardei que Gilbert tocasse as primeiras notas da composição que ele não havia anunciado. Por alguma razão, meu coração já estava acelerado, ainda que ele nem tivesse começado a tocar.

Ele tocou as primeiras notas.

A atmosfera cuidadosamente construída pelas execuções de Francis e Antonio foi imediatamente apagada.

A Watermark de Gilbert não possuía o calor da Flamenco e da habanera. Ela continha uma emoção diferente. A forma como ele a transmitia, capturou todo o meu fôlego. Ela ressoava na sala de Francis, como nenhum outro som existisse.

Eu não compreendia, racionalmente, o sentimento que Gilbert expressava, mas esse fazia meu peito insuportavelmente apertado. Essa peculiar emoção era acompanhada pela imagem do suave mover das brandas águas de uma lagoa.

Era um piano gentil e acalentador, mas algo nele me trazia uma ânsia de choro, por motivos que eu não compreendia. Não estava triste, embora meu coração parecesse comprimido. Não estava feliz, embora meu corpo estivesse leve, como se a qualquer momento pudesse se desprender do solo. Mesclavam-se, em mim, essas emoções antagônicas.

A execução de Gilbert tinha esse poder. Ela não apenas mostrava uma imagem ou a beleza de um conjunto de notas. Ela propiciava a vivência de emoções vivas e indecifráveis, que não poderiam ser expressas, de outro modo, senão através da música.

Gilbert, novamente, havia me capturado.

Escutando sua execução, minha respiração gradativamente se tornava profunda.

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O fim da Watermark de Gilbert iniciou um absoluto silêncio.

Não pude ouvir nenhum som, além do pulsar constante de meu coração.

Estávamos tão estupefatos que não conseguíamos encontrar qualquer palavra a dizer.

– Gilbert, seu tolo! - berrei, rompendo o silêncio, enquanto lágrimas corriam por meu rosto, sem que eu conseguisse impedi-las - Como você pôde tocar, dessa forma, durante um encontro completamente casual?! Como pôde tocar assim, após ter ingerido quatro latas de bebida?! Faz ideia do quanto isso é ofensivo?!

– Hã? Jovem mestre, eu não estou entendendo do que você está...

– Eu me esforço tanto...! Tanto...! - cobri minha boca, com meu braço, em uma tentativa de disfarçar meus soluços - Por que eu preciso perder de alguém como você...?! Isso é tão injusto...!

Instintivamente, levantei-me para confrontar Gilbert, no entanto, minhas pernas bambearam e ele se apressou em minha direção, amparando-me e impedindo minha queda. Por reflexo, agarrei seus ombros. Meu rosto ardeu de vergonha. Era humilhante receber ajuda daquele que era fervorosamente ofendido por mim. Aborrecido, abaixei meus olhos e prossegui, mais calmo, porém ainda dotado de confusa revolta:

– Você é tão cruel...

Mesmo dizendo isso, não tirei minhas mãos dos ombros de Gilbert.

– O que há com ele? - perguntou Francis, parecendo confuso com as minhas repentinas ações. - Eu não imaginava que o Roderich pudesse ter uma reação tão forte ao seu piano, Gil... Ele parece uma pessoa completamente diferente!

Kesesese! Como posso dizer...? - Gilbert, sorriu, enquanto me fitava - O Roderich é bastante sensível!

– Pare de conferir um sentido inapropriado a essa palavra! - pedi, puxando ligeiramente seus ombros, para que ele percebesse meu aborrecimento.

– Do que você está falando, jovem mestre? Esse é apenas o sentido mais óbvio. Veja. Francis, para você o que significa a palavra "sensibilidade"?

– Oh, Gilbert... – Francis deu um pequeno riso, um tanto perverso, enquanto, lentamente, agitava seu rosto – Você não espera que eu responda algo assim, espera?

– Por favor, permaneça em silêncio. – solicitei, rispidamente, prevendo que tipo de resposta ele me daria. Era errado que Gilbert fizesse aquela pergunta logo a Francis, quando ele poderia tê-la feito a Arthur ou Antonio, mas não tive forças para protestar contra aquela injustiça. Minha cabeça latejava dolorosamente. Por vezes, com tamanha força que me obrigava a, momentaneamente, fechar meus olhos.

Eu queria ir embora.

– Aristocrata, eu terei que carregá-lo em minhas costas, pois, honestamente, não me parece que você conseguirá andar por conta própria. – sorriu Gilbert, com seu habitual deboche, que foi perfeitamente justificado por sua frase seguinte - Aceite a minha incrível proposta ou permita que o Francis o leve...

– Eu irei com você. – decidi, imediatamente.

Enquanto me colocava em suas costas, Gilbert ria intensamente. Aparentemente, além de previsível, eu havia me tornado manipulável.


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A brisa noturna era o gélido prenúncio do inverno. Ela me abordava com incômoda persistência, provocando alguns arrepios em minha pele. Entretanto, não me incomodava tanto quanto o usual. O suave calor, que Gilbert emanava, aquecia meu peito, enquanto passávamos pelas estradas vazias e escuras que ligavam o bloco de Francis ao nosso apartamento.

Não havia uma disparidade tão grande entre nossas alturas e qualquer um que me visse, daquele modo, gargalharia de uma cena bizarra como aquela. Gilbert, evidentemente, não tinha a capacidade de me carregar como uma mochila, então o máximo que podia fazer era me suspender ligeiramente no ar, praticamente arrastando-me consigo, enquanto andava. Ele não considerava aquilo ridículo? Ele já deveria ter desistido de sua ideia de me levar nas costas. Nós chegaríamos ao nosso destino, muito mais cedo, se ele o fizesse.

Apesar de pensar, dessa forma, eu não emiti qualquer uma de minhas opiniões a Gilbert. Na verdade, eu não gostaria que ele as realizasse.

Eu estava muito acomodado para reclamar, afinal, pela primeira vez, desde o início daquela tortuosa manhã, eu me sentia aquecido. Não queria perder aquela sensação de conforto, ainda que ela fosse propiciada de um modo constrangedor como esse.

Além disso, eu tinha outras reclamações a fazer.

– Você é um estúpido, Gilbert... Por que você toca dessa forma, quando eu nunca o vejo treinar? Eu não consigo entendê-lo. Você está sempre bebendo, deitando-se com vários homens e mulheres, implicando comigo... O seu piano deveria ser tão reprimível quanto a sua personalidade.

Eu resmungava aborrecidamente, com a minha cabeça pousada no ombro de Gilbert. Meus olhos estavam fechados e eu não poderia afirmar a sua expressão, no entanto, o tom brando e complacente de suas respostas não denotava qualquer raiva ou impaciência quanto a mim.

– Sim, sim, jovem mestre.

Era inquietante perceber a sua calma. Sua suavidade frustrava-me honestamente. Ele estava me subestimando? Por que ele não se incomodava com as minhas reclamações? Certamente, eram as reclamações de alguém que havia consumido várias taças de vinho, mas, ainda assim...

"Ainda assim, o quê?"

Por que eu sentia a necessidade de perceber alguma perturbação em Gilbert? Por que eu insistia em minhas ofensas desconexas, esperando que, em algum momento, ele respondesse a elas? Uma porção minha, esperava que Gilbert perdesse sua paciência, que ele replicasse-me, que fosse franco em seu desagrado.

Por que eu queria algo assim?

Talvez apenas para perceber que eu tinha algum poder de influenciar seus sentimentos.

Ainda que essa influência não fosse positiva, nem digna de grande consideração, era preferível tê-la do que simplesmente ser ignorado.

– Eu odeio isso... – declarei, em uma voz mais espremida e dolorosa, tão baixa que nunca teria sido escutada, não fosse a absurda proximidade física que me unia a Gilbert.

– O quê, jovem mes...?

– Eu odeio a forma como o meu coração dispara, quando eu escuto o seu piano... Realmente, detesto isso. O seu piano... Ele realmente move meus sentimentos. De um modo que nenhuma pessoa ou evento conseguiu mover. – enquanto eu dizia essas sentenças, o ar parecia ter se tornado rarefeito, provocando a necessidade que minha respiração se tornasse mais rápida e profunda. Eu tive que reunir forças, antes de prosseguir - No entanto, sempre que eu o escuto, sinto-me inseguro. Mesmo que eu me esforce tanto, a minha música é tão diferente da sua. Ela é tão apática e vazia... Eu queria ter a capacidade de transmitir emoções através do meu piano. Queria tocar o coração das pessoas que me escutam, como você toca o meu, mas... Eu não consigo. Eu não tenho facilidade em vivenciar as emoções, tampouco, expressá-las.

– Rod.

– O meu piano... – procurei uma palavra para defini-lo e encontrei uma. Completei a frase, com tamanha dor, que apertei o corpo de Gilbert, instintivamente -... é oco.

– Rod, eu acho que...

– Eu também odeio o quanto você é próximo dos seus amigos.

– Hã?

– Vocês parecem tão íntimos... Quando percebo essa proximidade entre vocês, eu realizo a distância entre nós e ela me magoa. Eu detesto ser magoado por um motivo tão irracional. – tomei fôlego, antes de prosseguir, mas o ar, em meus pulmões, permaneceu insuficiente para a minha necessidade. O calor, em meu corpo, estava completamente mal distribuído. O meu peito e o meu rosto ardiam, em uma adocicada febre, mas as minhas mãos estavam frias - Nós somos apenas colegas de quarto. Eu estou ciente disso. Não é patético que eu fique transtornado, desse modo, apenas por ver que existem pessoas que são muito mais importantes para você do que eu sou? Eu não gostaria de me sentir dessa forma. Eu odeio isso! Entretanto, eu não posso evitar... Eu não consigo evitar esses sentimentos desagradáveis.

– Rod, você está dizendo linhas incrivelmente constrangedoras, sabia? – Gilbert riu, nervosamente. Meus olhos permaneciam fechados, então não pude perceber alguma mudança em seu semblante, mas noticiei facilmente a insegurança em sua voz, embora ele tentasse disfarçá-la, fazendo suas frases soarem como brincadeiras. – Se você estivesse sóbrio, não diria metade do que está me dizendo, jovem mestre. Admitindo a superioridade do meu incrível piano e agindo como se tivesse ciúmes de mim...

– Talvez, seja realmente isso.

– O quê? O meu piano é superior e incrível? Eu sei disso, mas não sabia que você era capaz de admitir algo assim, Rod. Pensei que seu orgulho como aristocrata...

– Esse ponto também é verdade, mas eu não me referia a isso. O que eu queria dizer é que talvez eu realmente esteja sentindo dessa forma...

– Ao que você se refere, prolixo aristocrata? Vamos, Rod! Esqueça esse assunto. Amanhã, você se arrependerá de cada frase que está dizendo ao incrível eu...

– Com ciúmes. Talvez eu realmente sinta ciúmes, quanto a você.

Um profundo silêncio seguiu-se a essa afirmação.

Gilbert permaneceu em uma quieta ausência de qualquer resposta ou reação, com exceção a súbita tensão que seus movimentos adquiriram. Se minhas pálpebras não estivessem tão pesadas, eu poderia ver a expressão em seu rosto.

– O ciúme que sentimos por um amigo.

Por alguma razão, senti a necessidade de complementar minha frase, ainda que essa parte fosse óbvia. Um clima completamente estranho havia surgido e esse era meu breve esforço para dissipá-lo.

Com essa última sentença, senti os ombros de Gilbert descerem e percebi que a naturalidade havia retornado aos seus movimentos.

– Devo deduzir, então, jovem mestre, que você me considera como um amigo? – ele me perguntou, sem qualquer intenção de implicância em sua indagação.

Infelizmente.

Houve outro silêncio. Mais breve e ameno do que o anterior.

Dessa vez, foi Gilbert a rompê-lo.

– Sabe, aristocrata – ele disse, passivamente – eu não acho que você deveria menosprezar tanto o seu piano. As suas técnicas são muito boas. Você consegue tocar partes rápidas com facilidade e tocar partes difíceis como se elas fossem demasiadamente simples. Além disso, é um erro afirmar que o seu piano é desprovido de emoções. Ele possui emoções, mas as emoções erradas, expressadas de uma forma confusa.

– Eu deveria me sentir lisonjeado? – perguntei, com alguma ironia. De que me adiantava expressar as emoções no piano, se elas não fossem expressas corretamente? Se aquele era um consolo, definitivamente, não estava me confortando.

– Claro que deve, Rod! – ele exclamou, animadamente – Ser elogiado pela minha incrível pessoa é uma honra que poucos recebem, então a valorize! – ele retornou ao seu tom professoral – Como eu dizia, o seu piano apresenta um grande potencial. O seu grande erro, jovem mestre, foi tentar comparar o seu piano ao meu. O meu piano é incrível demais para servir como comparação para outras pessoas. Se todos decidissem comparar seus pianos ao meu, viveriam inseguros e frustrados. Milhares de pessoas chorariam em desespero, jovem mestre. Seria um evento terrível. A confiança deles estaria tão abalada, que muitos não poderiam continuar a tocar o piano.

– Exibir sua arrogância, não irá melhorar o meu humor! – reclamei.

– Ah, sei disso, jovem mestre. Entretanto, minha proposta certamente o empolgará. Ela é incrível, portanto, prepare-se para não tremer de emoção, jovem mestre. – ele deu um pequeno riso, antes de prosseguir – A minha incrível pessoa irá ajudá-lo a transmitir as emoções apropriadas ao piano. Em resumo, você estará sob as minhas incríveis instruções.

Havia certo triunfo no modo como ele exibia sua oferta.

–...

– Incrível, não acha? Mostre seu entusiasmo, jovem mestre! Elogie-me! Elogie-me! Ajoelhe-se, perante a minha incrível pessoa!

–... Como você fará isso? – perguntei, desconfiado daquela repentina generosidade.

– Não se preocupe! Os meus métodos serão incríveis e tudo será resolvido! - com intensa empolgação, ele deu essa resposta extremamente vaga – Kesesese! Não será difícil ajudá-lo, Rod! Você é bastante sensível, então...

– Eu estou disposto a tirar essa palavra de meu vocabulário, então, retire-a do seu também. – eu o recriminei, percebendo o prazer quase sádico com o qual ele havia dito sua última frase.

– Estamos em acordo, jovem mestre? – ele me ignorou e, animadamente, fez essa pergunta.

Confiar a melhoria de minhas habilidades nas mãos de alguém tão irresponsável era um movimento arriscado. Gilbert certamente esqueceria essa promessa em poucos dias. Ele não teria paciência para mantê-la. No entanto, eu não via opções melhores. Apesar de saber que ele, provavelmente, apenas faria algumas reclamações, desistiria de mim e iria entreter-se com outra atividade, eu não via uma razão para não aceitar a proposta de Gilbert. No pior dos casos, eu não perderia nada, com exceção a uma considerável porção da minha consideração por ele. O que me parecia razoável.

– Sinto-me propenso a aceitar sua oferta. – murmurei, afundando meu rosto em seu ombro.

Ele não me respondeu, mas eu sabia que ele estava sorrindo. Meus olhos não estavam abertos, mas eu sabia disso.

A noite estava absolutamente fria, mas o calor havia retornado as minhas mãos. Na verdade, todo o meu corpo parecia leve e morno. Eu me sentia tão calmo... As emoções ruins que meu peito acumulava haviam sido expelidas e, como consequência, minha respiração adquiriu uma suavidade que não possuía há vários dias.

Uma súbita dúvida veio a mim e acabei a externando, sem ponderar sobre ela:

– Como você me ajudará, quando disse que passará todos esses dias com Francis, Antonio e Arthur? – perguntei. Minha voz soou com maior irritação do que eu esperava.

– Bem... – Gilbert pareceu um tanto desconcertado com a minha pergunta – Eu darei um jeito. Não se preocupe com isso, jovem mestre... Não há necessidade de tamanha rispidez. – o seu riso nervoso retornou, nesse momento – Eu entendo o seu desejo de monopolizar o incrível eu, Rod, mas eu não seria tão incrível, se abandonasse os meus amigos...

– Eu sei.

Novamente, minha frase soou com inesperada raiva.

O silêncio retornou. Embora não houvesse suspense nele, havia alguma agitação. Gilbert apressou seus passos. Eu desloquei ligeiramente meu corpo, acomodando-o de maneira mais confortável sobre suas costas. Estava cansado e queria dormir.

O que percebi pode ter sido impressão minha. Eu estava bastante tonto, afinal. Não posso afirmar, com absoluta certeza, que isso ocorreu, mas, enquanto era levado por Gilbert, em sua apressada marcha, senti que seu coração havia acelerado, em comparação há alguns minutos atrás.

Deve ter sido apenas uma impressão, pensei.

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L'amour est un oiseau rebelle


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Notas finais do capítulo

Vamos começar os avisos, sim?^_^
Devo informá-los, a esse altura, que essa fic, na verdade, fará parte de uma série. Sim, uma série. Vocês irão ler sobre música clássica até enjoar!XD
Serão quatro fics, sendo que uma terá um tamanho menor e será incluída dentro da linha temporal da segunda. Essas histórias estão todas relacionadas e obedecem uma progressão temporal, no entanto, você não precisa obrigatoriamente ler uma para entender as outras, embora seja interessante perceber a relação entre essas fics e verificar o destino dos casais formados.
A segunda fic será uma "USUK", na qual o Alfie será o narrador. Dentro dela, haverá quatro capítulos de "SUFIN", narrados pelo Tino. A terceira fic será uma "SPAMANO", narrada até certo ponto pelo Antonio e após um certo momento, pelo Romano. Caso não gostem de um dos casais, eu sinto muito. Eu gosto deles e eles são bastante populares. Gomen, gomen.-__-º
Haverá alguns toques de "FRUK", principalmente nessa fic, e na segunda. O motivo? Eu também me simpatizo relativamente com "FRUK", mas, definitivamente, não está em meus planos que eles fiquem juntos nessa série. ^^º
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Segundo aviso:
É um pouco óbvio, mas preciso dizer que grande parte do comportamento mais direto do Rod foi provocado pela bebida. Apenas aguardem o fatídico dia seguinte. Kol, kol.
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http://4.bp.blogspot.com/-mZ5UsHXxEcg/TZcDeGzO3WI/AAAAAAAAAbA/ji58cLe6Lrs/s1600/schubert1.jpg
Esse é o retrato do Schubert-san. Embora o Rod seja infinitamente mais atraente, é inegável que existem algumas similaridades entre os dois, o que justifica - parcialmente - a comparação do Gil.
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Eu realmente me apeguei a "Hetalia". Quando você sonha com o Gilbert e o Rod dançando valsa e seu pensamento quando lê a notícia que o Brasil virou a 5º economia do mundo é "Desse jeito, o autor de 'Hetalia' terá que criar a Brasil, cedo ou tarde!:3", o vício é denunciado. Nyoron. -__-
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Eu agradeço pelos comentários! Eles sempre são tão longos e agradáveis! Motivam verdadeiramente os meus esforços! Por favor, continuem a fazê-los! Adiantadamente, desejo um excelente ano-novo a todos vocês!: )
Até breve!:3