Bleeding escrita por caiquedelbuono


Capítulo 32
Reunião.




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As sombras que podiam ser vistas por detrás das pálpebras de Logan se transformaram em uma claridade irritante quando vozes entraram pelos seus ouvidos, o despertando de um sono profundo. Por alguns momentos, ele se esquecia de que agora dormia em um ambiente no qual dividia com três pessoas e ouvir vozes antes de despertar era algo praticamente comum.

— Levante logo antes que cheguemos atrasados. — disse uma voz que ele ainda não conseguia identificar devido à sonolência — Temos uma missão importante a fazer já agora na hora do café da manhã.

Ainda com imagens não nítidas do dormitório, ele sentou-se sobre o colchão e esfregou os olhos com o dorso das mãos. Sua cabeça latejava quando se lembrava dos acontecimentos da noite anterior, principalmente da lágrima sangrenta escorrendo dos seus olhos. O que aquilo poderia significar? Será que tudo o que estava acontecendo alterara sua sanidade mental a ponto de fazê-lo ter alucinações? Será que era sua esquizofrenia mostrando ser mais poderosa do que simplesmente ser capaz de fazê-lo ter crises de fúrias? Não, não podia ser isso. Talvez aquilo houvesse sido algo sem importância, o qual ele deveria esquecer, afinal, todo mundo já vira algo que não era real em algum momento da vida.

— É sério mesmo que toda vez que ele acorda ele fica sentado na cama com uma cara de bobo? — agora Logan conseguiu reconhecer a voz de Helena — Mas que coisa! Ande, Logan! Levanta logo desse colchão!

Ele olhou em volta e percebeu que Sophia, Tommy e Helena estavam em pé diante deles, completamente vestidos e o olhando com impaciência. Mesmo por debaixo da blusa, Logan podia ver que havia uma cinta envolvendo o ferimento de Sophia.

— Onde você arranjou essa cinta? — ele perguntou, levantando-se do colchão ainda cambaleando de sono e segurando sobre a escada do beliche para não cair.

Ele percebeu que Sophia o olhou com olhares repreensivos.

— Mesmo com você tendo se disposto a cuidar de mim daquele jeito, achei que tinha algo errado simplesmente porque o ferimento não parava de doer.

— E eu disse para o Tommy ir atrás de você porque era impossível que você demorasse todo aquele tempo apenas para pegar uma foto na sala de Kofuf. — completou Helena — Levei Sophia até a enfermaria e colocaram essa cinta envolta por gazes e ataduras na qual foi aplicado um remédio especial para a cicatrização de ferimentos causados por facas metálicas. Sabia que você poderia ter a matado ao simplesmente dar um anti-inflamatório e envolver o machucado com esparadrapo?

Logan puxou no fundo da memória e lembrou-se que era exatamente isso que a mãe fazia quando ele se machucava com algo, mas ele deveria ter pensado que nunca havia levado uma facada e talvez não fosse desse mesmo modo que tratassem ambos os ferimentos.

— O que queria que eu fizesse? — ele deu de ombros, indo em direção ao armário e pegando uma troca de roupas — Estava em um momento de desespero e essa foi a única coisa que eu pensei em fazer. Queria ver se fosse o Tommy quem tivesse levado a facada...

— Eu o levaria para a enfermaria e não tentaria bancar a heroína apenas para impressioná-lo.

Logan revirou os olhos e abriu a porta do banheiro.

— E Helena, a dona da verdade, vence novamente. — disse ironicamente antes de entrar no cômodo úmido.

— Ainda bem que você admite. — ele pôde ouvir a voz abafada da garota ruiva entrando por entre as pequenas frestas que existiam entre a porta e a parede. Logan pensou em responder à provocação, mas achou melhor ficar quieto e trocar de roupa antes que chegassem à cantina mais atrasados do que estavam.

Naquela manhã de quarta-feira eles tentariam convencer o colégio todo de que havia um zumbi comandando-o e não havia nenhum horário melhor além das refeições para isso, que era o único momento no qual todos os alunos se reuniam e permaneciam juntos até começarem as aulas e cada um se dirigir para as próprias classes, apesar do novo regime de Kofuf estar mudando isso ao propor que cada tempo devesse ser preenchido com apenas uma matéria.

Depois de o pijama ser trocado por uma camiseta de mangas longas completamente cinza, uma calça jeans com alguns rasgos na altura do joelho e um All Star, Logan saiu do banheiro e os amigos já o estavam esperando na porta do dormitório, completamente impacientes.

— Podemos ir agora que a moça está pronta? — perguntou Helena, dando um sorriso sarcástico e fazendo uma pequena reverência para que Logan pudesse passar. Ele percebeu que Tommy emitiu uma leve risadinha e sua cara imediatamente se amarrou.

— Sem zoação hoje, pode ser? — ele perguntou quando já estavam diante do primeiro lance de escadas que os levariam até o segundo andar do colégio.

Logan percebeu que Sophia ainda caminhava com dificuldade e ela aproximou-se dele para que suas mãos pudessem se entrelaçar. Era bom saber que ela ainda estava viva apesar da facada, ainda mais depois do seu ato de desespero quase ter a deixado ainda pior. Ele olhou para trás para certificar-se de que Helena e Tommy estavam longe o suficiente para não ouvirem o que Logan sussurrou para Sophia naquele instante:

— Desculpe. Não quero que pense que eu estava me exibindo para você. Apenas queria cuidar de você do meu jeito.

Sophia deu um sorriso que veio acompanhado de um ruído que poderia ser uma risadinha.

— Eu sei, seu bobo. Não acredito que está ligando para o que a Helena disse.

Logan soltou um suspiro.

— Ela sempre faz com que tudo que ela diga seja sempre o correto.

— E isso não significa que ela tenha a certeza sobre tudo. — disse Sophia em um tom melancólico — As pessoas erram, Logan. E não deveriam se martirizar quando fazem isso por uma boa causa.

Logan sentiu um ar quente atrás de sua nuca e logo ouviu a voz irritante de Helena percorrer seus ouvidos.

— Ouvi meu nome. — ela disse com uma voz ligeiramente baixa, como se estivesse imitando Logan sussurrando — O que o casal vinte do colégio tem a dizer a meu respeito?

A porta da cantina ficou nítida diante os olhos de Logan e ele rapidamente comemorou o fato de não ter que responder àquela pergunta. Talvez eles fossem os últimos alunos do colégio a entrarem naquele ambiente, o que podia ser evidenciado pelo fato de quase todas as mesas estarem ocupadas e por ruídos irritantes de vozes entrarem o tempo todo pelos seus ouvidos.

Os amigos se entreolharam antes de qualquer coisa e ao invés de se dirigirem a uma das poucas mesas que ainda estavam vazias, andaram vagarosamente até ficarem em frente à bancada com as comidas, onde poderiam ser vistos sem dificuldade por todos os alunos.

Logan tinha que confessar que estavam parecendo idiotas e ele teve certeza disso quando um silêncio repentino tomou conta da cantina e as vozes cessaram. Todos estavam olhando para eles, enquanto se mantinham calados. Uma última entreolhada antes de um menino que estava usando uma touca para cobrir os cabelos negros falar:

— Vocês são malucos?

Logan engoliu em seco e olhou diretamente nos olhos de cada pessoa que estava sentada na mesa.

— Estamos aqui porque queremos compartilhar com vocês uma coisa que está acontecendo nesse colégio. Uma coisa relacionada à morte de três pessoas sob o teto de Shavely.

Ele parou de falar quando percebeu que as pessoas estavam franzindo a sobrancelha e torcendo o nariz como se ele fosse um débil mental. Murmúrios de conversas entre eles podiam ser ouvidos e provavelmente estariam questionando a sanidade mental das pessoas que estavam em pé naquela cantina.

Uma menina pequena de cabelos loiros presos em um rabo de cavalo se pronunciou.

— Três mortes? Pelo o que eu sei até agora só duas pessoas morreram: Brian e Ashley, não é isso? Eu até tinha um leve contato com a Ashley. — ela disse com tristeza em sua voz — Ficava na mesma classe que ela nas aulas de geografia e ela sempre me ajudava a estudar. Menina inteligente.

— Há mais coisas além do que vocês sabem. — disse Tommy — E estamos aqui para que vocês tenham conhecimento de tudo.

Uma risada gélida percorreu a cantina e Logan percebeu que escapara dos lábios do menino de touca.

— E quem são vocês mesmo? E por que devemos acreditar no que vocês têm a dizer?

— Nós somos estudantes assim como você que presenciaram coisas grotescas e sobrenaturais acontecendo debaixo desse colégio. — disse Helena com a raiva escapando juntamente com as palavras — Mas, se você é um idiota que prefere não acreditar sem nem ao menos ouvir o que temos a dizer... eu já não posso fazer nada.

O garoto elevou as sobrancelhas como se aquela resposta tivesse o interessado em saber algo mais.

— Tudo bem. — ele disse em tom de deboche. — Surpreenda-nos, então.

Helena abriu a boca para rebater aquilo, mas Sophia logo colocou a mão na frente e deu um sorriso.

— Desde que a primeira morte aconteceu, sempre desconfiamos de que poderia ter sido causada por algo sobrenatural. Alguma coisa sombria que se ocultava em meio a algo ou alguém. Afinal, que tipo de pessoa comum mataria uma pessoa, abriria seu peito, arrancaria o coração e deixaria o corpo exposto?

Uma voz interrompeu o discurso de Sophia.

— Algo sobrenatural? Mas o culpado das mortes não é esse menino aí do seu lado, Logan o nome dele?

A essa altura, ele já pensava que as desconfianças sobre ele haviam sido extinguidas. Mas, pelo visto, ele podia ver que ainda estavam bem vivas entre os alunos envenenados por Janeth.

— É claro que Logan não tem culpa de nada! — a voz de Sophia era urgente — Todos vocês foram envenenados por Janeth, que acreditava piamente que ele havia matado o seu filho. Ela é uma sádica. — ela apontou para o joelho de Logan e para as pernas de Helena — Olhem o que já foi capaz de fazer com eles durante uma punição infeliz.

Logan arregaçou as calças até a altura dos joelhos e algumas cicatrizes dos machucados ficaram à mostra. As pernas de Helena estavam descobertas e alguns vergões ainda podiam ser vistos.

— Isso não prova nada. — disse o menino de touca — Eles podem ter se machucado ou alguma coisa parecida.

— Vocês acham que estamos nos dando ao trabalho de estar aqui apenas para zoar com a cara de vocês? — perguntou Helena — Acham que estaríamos nos matando para fazer vocês acreditarem que tem algo sobrenatural causando a morte de pessoas se isso não fosse verdade? Vocês por um acaso se lembram de que sempre andávamos com outro garoto chamado Mark, não lembram? — Helena fez um pausa enquanto alguns alunos afirmavam afirmativamente com a cabeça — Ele se revelou um zumbi e confessou para Logan que foi o responsável pela morte de Brian, Ashley e... Janeth.

Exclamações de espanto saíram da boca de todas as pessoas na cantina e eles começaram a falar ao mesmo tempo. Tommy bateu com a mão duas vezes sobre a bancada e eles ficaram em silêncio, fazendo com que a única voz que pudesse ser ouvida fosse a da garota loira:

— Janeth morta? Eu não acredito em vocês. Eu a cumprimentei antes de vir para a cantina.

Uma expressão de desafio percorreu o rosto de Helena quando ela enfiou a mão dentro do seu sutiã e retirou um pedaço de papel dobrado. Ela esticou a mão e começou a desdobrá-lo na frente dos alunos até que a foto de Janeth morta pudesse ser vista.

— Pesquisamos muito em livros e descobrimos que existe uma raça de zumbis denominada de antropomórficos — a menina ruiva continuou a falar quando percebeu que eles estavam boquiabertos — os quais absorvem a energia vital de um ser que matou ao comer seu coração. Assim, eles podem se transformar em tal pessoa. Com a posse dessa foto e com um mínimo de inteligência, vocês podem deduzir que o zumbi matou Janeth e agora está assumindo a identidade dela.

Helena parecia estar se sentindo triunfante consigo mesma, mas Logan percebeu que os alunos não estavam convencidos.

— Isso não explica o fato do zumbi ser Mark. — disse o menino de touca — E muito menos prova que as outras mortes foram causadas por esse suposto zumbi.

Tommy suspirou.

— Que tal pensar um pouco? Você não percebe que os corpos de Brian e Ashley foram encontrados na mesma condição que o corpo de Janeth? Isso não é novidade para ninguém! E agora olhe para os lados. Você está vendo Mark agora? Você consegue se lembrar do último dia que o viu estudando dentro desse colégio?

— E daí que ele não está mais aqui? — retrucou o garoto — Ele pode ter pedido transferência.

— Estou me controlando para não mandar você para aquele lugar. — disse Helena — Se você não quer acreditar, então você deveria entregar seu corpo para que o zumbi lhe mate. Não fará diferença para ninguém. — ela desviou a atenção do menino de touca como se ele fosse um verme e transportou o olhar para os outros alunos da cantina — Espero que haja mais pessoas inteligentes aqui nessa cantina que acreditem que estamos falando a verdade e nos ajudem a lutar contra esse zumbi. Precisamos da união de todos vocês para que possamos destruir esse mal que nos atormenta.

Agora foi a vez de uma menina de cabelos castanhos se pronunciar. Ela estava sentada no fundo da cantina e sua voz era fina e baixa.

— O menino aí de cabelos negros me convenceu, mas ainda não entendi o que poderíamos fazer para ajudá-los. Isso apenas está me deixando apavorada.

Um coro de pessoas dizendo “eu também” ecoou pela cantina e Logan começou a ficar desesperado.

— Ainda não sabemos como matá-lo. — ele disse sem um pingo de esperança — Mas achamos que vocês tinham o direito de saber para poderem pelo menos tentar se defender de um mal que até ontem vocês nem sabiam da existência.

— Estão se achando os heróis. — resmungou o menino de touca e Helena se mexeu rapidamente na intenção de ir até ele, mas Tommy a segurou. Vai saber o que ela seria capaz de fazer ao ficar irritada por desmentirem-na.

O sinal para que as aulas se iniciassem ecoou por todos os cantos e aquele seria o fim da conversa. Muitos alunos foram até Logan, Sophia, Helena e Tommy para cumprimentá-los e dizer que estariam do lado deles para tudo que estivesse por vir. Era bom saber que agora o colégio todo estaria unido na luta contra Kofuf e mesmo que tivessem omitido alguns detalhes, como a carta escrita por aquele estudioso e a sala sinistra que o zumbi havia criado depois que assumira a diretoria, eles ainda não sabiam se isso poderia ajudar realmente em alguma coisa. Logan queria saber se aqueles alunos podiam realmente ajudar. Talvez o menino de touca pudesse ir contar para Janeth tudo o que havia acabado de acontecer naquela cantina. Mas aquilo foi apenas um pensamento infeliz que logo sumiu à medida que o dia ia correndo normalmente.



A única coisa que Logan queria quando a noite havia chegado era deitar na cama e cair em um sono longo e profundo. Depois da hora do jantar, o resto do pessoal havia se dirigido à sala de estar enquanto Logan saiu de fininho e subiu as escadas em direção ao dormitório.

Sua cabeça pensava na reunião que ocorrera mais cedo. Estava achando que tudo aquilo tinha sido inútil e apenas servira para que assinasse de uma vez por todas a sua sentença de morte. Com certeza, Kofuf tinha descoberto que a foto de Janeth morta havia sumido e nenhum dos amigos teve coragem de voltar na sala para devolvê-la. Ele sabia que agora seria tarde demais para isso e provavelmente o zumbi rodara o colégio todo procurando por tal objeto. Não queria que o dia de amanhã chegasse para descobrir quais foram as consequências de tal ato impensado.

Os alunos de Shavely não pareceram tão convencidos da existência de Kofuf e talvez ignorassem aquela reunião e considerassem Logan e os amigos como insanos. Ele via aquilo como uma boa ação e sua consciência estava limpa caso algo acontecesse. Avisado eles foram.

Ele abriu a porta do dormitório e logo em seguida acendeu o interruptor para que o quarto se iluminasse com a luz que emanava da lâmpada pendurada no lustre. Notou de imediato que quatro pessoas dormindo juntas eram propícias para que a bagunça rapidamente tomasse conta do quarto. Havia roupas espalhadas por todos os cantos, toalhas molhadas jogadas sobre os colchões dos meninos, armários abertos e camas desarrumadas, sem falar nas roupas íntimas femininas penduradas na ponta da cama do beliche. Logan sempre pensara que essas peças de roupas elas mantinham em ordem...

Uma coisa sobre a cama de Helena lhe chamou a atenção. Ele se aproximou e percebeu que havia um papel mal dobrado em meio ao edredom amassado. Logan o pegou, o desdobrou cuidadosamente e viu que nele estavam escritas as mesmas palavras expressas no trecho da carta do estudioso estadunidense. Tommy havia pedido para que alguém anotasse e tal trabalho foi feito por Helena.

Logan conhecia bem a amiga e sabia que ela estava tentando decifrar sozinha o que aquele trecho da carta poderia significar. Ela provavelmente havia desistido e largado o pedaço de papel sobre a cama.

E assim a essência do zumbi será consumida.

Aquelas palavras estavam pulsando dentro da mente de Logan. Ele abandonou o papel de volta à cama da garota e deitou sobre o seu colchão, cobrindo o corpo com um edredom e abraçando o travesseiro.

Até que ponto esse trecho poderia ser útil para que descobrisse como destruir Kofuf? As palavras eram tão vazias e não mostravam nenhum significado aparente. A única coisa que ele poderia tirar proveito é que o zumbi seria consumido, mas por o quê?

O que seria capaz de consumir um zumbi? Deveria ser algo bastante poderoso e que causasse impactos indescritíveis. Algo imponente e ao mesmo tempo natural, que pudesse ser capaz de acabar com a vida infeliz de uma criatura podre por dentro e por fora. Algo grandioso e repleto de mistérios, que seria tudo o que teria para que essa tormenta acabasse.

E foi com esses pensamentos que Logan adormeceu.


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