Take My Heart -Em suas mãos tudo começou escrita por M Iashmine M


Capítulo 15
Capítulo 14 – Infância ruída


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo demorou bastante porque trás informações importantes sobre o passado do detetive Henry. Melhor fazer com calma e direitinho para não se arrepender de informações e detalhes ruins no futuro.
Enfim, desculpe a demora. Espero que gostem ;)



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Infância ruída: “A mão que se estende”

Darell sentou-se com Catherine no jardim, para que sua conversa não fosse ouvida, e serviu-lhes chá.

— Já lhe contei a história de como conheci o senhor Henry, então agora fica mais fácil de explicar o que aconteceu nestes últimos cinco anos. Isso lhe explicará muitas das coisas que a senhorita não compreende ainda e possivelmente gerará mais dúvidas, mas talvez possa compreender melhor a natureza do senhor Henry.

Remich, distrito de Grevenmacher, 10 anos antes...

A chuva era torrencial e o céu estava negro, apesar de ainda não ser meio dia.

A tenda sobre o jazigo ainda aberto era açoitada com violência embora a brisa fosse leve. O público aguardou as últimas palavras do vigário enquanto o caixão era descido lentamente pela abertura da qual nunca mais sairia. Sem demora o grupo de preto começou a se dispersar quando a tampa de granito começou a ser colocada em seu lugar.

Em questão de segundos restavam apenas duas pessoas no cemitério (até os coveiros haviam debandado por causa da torrente de água que insistia em castigar o lugar, levando consigo a tenda): um menino e um homem.

A criança estava de cabeça baixa e próxima do túmulo, silenciosa e imóvel. Se chorava não era possível distinguir em meio à água que já lhe encharcava todo o corpo sem proteção alguma além do terno preto que vestia.

O homem se aproximou com seu guarda-chuva e parou ao lado do pequeno, olhando para túmulo.

— Meus pêsames, Henry. Sei o quanto vocês eram próximos.

O menino não respondeu nem levantou a cabeça.

— Eu sei que você é muito forte, mas pode chorar se quiser. Não vou julgá-lo. Não precisa se segurar na minha frente.

Desta vez o pequenino estremeceu de frio e soluçou.

— Ele era seu tio, mas foi como um pai para você. Sempre esteve presente.

— Foi o único que tive na vida – soluçou baixinho e deu um passo na direção do jazigo. O homem acompanhou com o guarda-chuva. Suas pernas tremeram e seu corpo desabou de joelhos sobre um pequeno degrau ao lado da estrutura. Cruzando os bracinhos sobre o tampo, deitou sua cabeça ali e começou a chorar copiosamente. Seu desespero foi abafado pela chuva, de modo que seu pranto não podia ser ouvido, embora o homem soubesse o que se passava.

— Minha mãe – lamuriou entre soluços -, e agora meu tio. Não tenho mais nada. Não tenho mais ninguém.

O homem parecia compartilhar do sofrimento do menino, mas em menor grau.

— Escute, Henry – disse, colocando a mão sobre as pequenas costas à sua frente -, posso tentar localizar seu pai, se você quiser...

— Eu não tenho pai! – gritou com todo fôlego que tinha. – Ele era o único pai que eu tinha! Ninguém mais!

O homem suspirou e calou-se por um instante. Depois de um minuto, fez uma nova tentativa.

— Sei que este não é o momento mais apropriado, devido às circunstâncias – disse calmamente –, mas tenho em minha posse uma carta e o testamento de seu tio.

O pequeno torceu o pescoço para trás na direção do homem e esperou.

— Eu deixarei ambos com você e o levarei para casa para que leia e decida com calma o que achar melhor. Por hora, vamos sair desta tempestade. Seu tio zelava muito por sua saúde.

O menino aceitou a proposta e se levantou, lançando um último olhar de adeus ao túmulo. Depois se virou para o homem e tentou secar o rosto para enxergar melhor.

— Quem é o senhor? Era amigo do meu tio?

O homem deu um sorriso complacente e respondeu:

— Eu sou um velho amigo do seu tio e da sua mãe. Pode me chamar de Linus.

 

Meu caro Henry...

Se esta carta chegou às suas mãos, devo lhe pedir desculpas por ter partido e tê-lo deixado sozinho. Não sou bom em palavras para descrever o quanto lamento não estar mais com você. Mas acredito que o criei bem e sei que será um grande homem, pois tem muitos princípios pessoais e éticos. É um rapaz forte, coerente e justo. E escrevo esta carta para que sempre se lembre das coisas que lhe ensinei. Mas creio ter falhado em outros aspectos de sua criação.

Minha amada irmã, sua mãe, foi a maior perda que já tive na vida. Não posso descrever a dor que senti quando ela faleceu. Você não a conheceu bem, pois era muito pequeno quando ela se foi, e talvez isso tenha sido a parte mais difícil na vida de nós dois: ela deveria ter sido a fonte de amor e carinho que você merecia e que não fui capaz de proporcionar devidamente, pois nunca me casei e tive filhos. Nada substitui o afeto materno; por isso me esforcei para dar-te a melhor educação que estivesse ao meu alcance. Por muitas vezes você deve ter achado que estive em falta com você, e é provável que tenha razão. Lamento por isso, mas ainda agora me esforçarei para lhe compensar.

Certamente você recebeu esta carta de um homem chamado Linus, um velho amigo de anos mais prósperos. Ele trabalhou comigo em muitas missões e investigações, mas não é minha relação com ele que importa agora. O que importa é que ele foi amigo dos seus pais e ajudou a proteger a vida dos dois... Uma vida antes de você nascer, muito mais difícil e até mesmo perigosa. Ele conheceu melhor o casamento dos seus pais do que eu mesmo. Antes de desaparecer, seu pai deixou tudo para sua mãe e Linus inventariou tudo, guardando todos os registros consigo. Eu o procurei recentemente para lhe pedir um favor devido ao meu estado debilitado de saúde e minha idade razoavelmente avançada. Em segredo eu já havia deixado preparado meu testamento para quaisquer eventualidades e o deixei nas mãos de Linus com uma missão: que ele lhe procurasse após minha morte para lhe entregar pessoalmente o documento e ficasse com sua guarda se assim você o desejasse. Em todo caso, ele deve seguir como seu tutor profissional. Ele é mentor de uma organização de alto nível de inteligência que trabalha com casos em vários países do continente. É um homem de confiança, lhe garanto. Por fim, leia com atenção meu testamento, bem como o de sua mãe que está em posse de Linus (ele também já foi informado a respeito disso e o deixará a par de tudo).

Você sabe que não sou bom com palavras, mas desejo-lhe o melhor que a vida possa lhe dar, meu rapaz: um bom e digno emprego, uma esposa amorosa e dedicada, uma família forte e feliz, um lar repleto de saúde e esperança. Seja forte, seja honrado, seja honesto, proteja os mais fracos e não se deixe levar pelas crueldades deste mundo.

 Tio George

 

 — Vou deixá-lo decidir com calma o que fazer a respeito – disse Linus, após deixar o menino terminar de ler a carta de seu falecido tio e lhe entregar dois envelopes, um contendo o testamente de seu tio e o outro o de sua mãe. – Tenho recomendações de seu tio para lhe assessorar da melhor forma que eu puder, mas isso cabe a você.

O jovem acreditou porque seu tio também dissera aquilo, mas será que poderia confiar seu segredo a Linus? O segredo que carregava dentro de seu corpo e do qual apenas seu tio tinha conhecimento? Como se lesse os pensamentos de Henry, Linus fez-lhe uma confissão.

— Se tem dúvidas quanto a mim, quero que saiba que eu sei a verdade a seu respeito, sobre a peculiaridade de seu organismo – disse calmamente, observando o menino se retesar e arregalar os olhos. – Seu tio me contou. Ele confiava em mim e espero que você o possa também. Nenhum segredo confiado a mim é revelado a menos que a pessoa que o confiou me permita fazê-lo.

Levantando-se para ir embora, Linus colocou seu chapéu na cabeça e olhou para Henry.

— Como eu disse antes, vou deixá-lo pensar com calma. Em uma semana lhe enviarei um mensageiro, caso tenha decidido o que fazer e tenha uma carta ou um recado para me enviar. Até lá, desejo seu melhor, meu jovem.

Depois de uma semana sozinho na velha casa de seu tio, organizando o ambiente já impecavelmente arrumado e vagando pelos cômodos com seus pensamentos, Henry analisou cuidadosamente suas opções. Leu e releu inúmeras vezes a carta de seu tio, embora não tivesse tocado no testamento de sua mãe – ainda não criara coragem. Não poderia ficar como estava, parar não era uma opção. Como seu tio lhe dissera, deveria seguir em frente e viver sua vida dignamente. Isso o orgulharia, pensou Henry para si. Não queria decepcioná-lo antes, e tampouco quero agora. Era verdade que ainda não confiava plenamente em Linus, mas ele se mostrara sua melhor oportunidade. O homem o conhecia, conhecera também seu tio e seus pais, logo seria o mais indicado para ajudá-lo no que precisasse, embora não quisesse admitir isso. Naquela mesma tarde, decidiu escrever para Linus, informando sua decisão e, assim como o homem havia lhe prometido, encontrou o mensageiro que ficara encarregado de levar sua mensagem. A princípio, não acreditou que o homem de fato ficara aguardando incansavelmente pela decisão do menino, mas decidiu guardar suas dúvidas e suas suspeitas para tratá-las com o próprio Linus.

Dois dias depois, como que por mágica, um Cadillac Suburban de 1921 surgiu na frente da casa do falecido detetive de Remich logo cedo de manhã. Estava ali para buscar o garoto. Sonolento e sem compreender muito bem o que se sucedia, o condutor do veículo informou que estava ali para leva-lo ao seu patrão. Como Henry ficou chocado com o retorno tão repentino, demorou um instante para processar a informação. Não havia arrumado nada para levar consigo, então um segundo homem desceu do veículo e foi ajuda-lo a buscar suas coisas rapidamente. Como tinha organizado e reorganizado tudo tantas vezes naquela última semana, bastou Henry pensar no que precisava – seu tio lhe ensinara a pensar rapidamente em situações que exigissem ações imediatas – e sem demora providenciou algumas malas. Não sabia se deveria, e tampouco achou sensato, levar todos seus pertences pessoais, pois a situação poderia se reverter em algum momento e ele poderia ser obrigado a retornar; não ter mais nada de reserva em uma emergência seria imprudente. Deixou um terço de suas roupas para trás, pegou todos seus diários e livros e seguiu para a condução que o aguardava.

Seguiram em um ritmo tranquilo, chegando perto do meio dia no local de trabalho de Linus, em Luxemburgo. Lá foi recebido cordialmente como havia lhe sido prometido. Após o almoço, reuniram-se no escritório pessoal de Linus e discutiram muitos assuntos. Um foi alvo de maior pauta.

— Sua mãe preparou um testamento quando percebeu que sua doença estava se agravando, pois temia pelo pior e não queria deixa-lo desamparado. Seu tio assumiu sua tutela e não exigiu nada presente no testamento como auxílio para cria-lo.

— Ele era um homem muito competente em tudo que fazia. Ensinou-me humildade e responsabilidade. Não precisávamos de mais nada.

— Certamente, ele era um homem de caráter inquestionável, embora fosse um pouco orgulhoso. Ele não queria nada do testamento porque tudo nele registrado por sua mãe foram bens adquiridos por seu pai biológico – Linus julgou sensato adicionar aquela palavra final à frase depois de presenciar a reação do menino na primeira vez que mencionara o pai do pequeno.

Henry apenas ouvia calado, então Linus prosseguiu.

— Este testamento ficou sobre minha guarda por escolha de sua mãe e seu tio conjuntamente. Agora é tudo seu por direito.

— Não quero nada do homem que supostamente deveria ser meu pai e que abandonou a família.

— Isso não vem ao caso. Tudo registrado aqui – disse, indicando o documento oficial que tinha em mãos – está no nome da sua mãe e, por sequência, no seu.

Henry ergueu a cabeça e prestou atenção em tudo que Linus disse, pois talvez aquele testamento pudesse ser sua última ligação mais forte com sua mãe, afinal acabara de perder a última pessoa ligada diretamente a ela. Linus começou a ler: uma propriedade de aproximadamente dez hectares nos limites de Clervaux, uma mansão com adega, uma estufa, um celeiro, uma carruagem Landau, animais, um estabelecimento no centro da cidade e uma conta bancária. Ouvir a citação de cada tópico não rendeu ao menino as expectativas que esperava de fortalecer seus laços com a falecida mãe. Mesmo assim, acenou com a cabeça, concordando com tudo.

Naquela tarde, Linus mostrou um pouco do seu local de trabalho e informou que no dia seguinte mandaria o menino à mansão onde iria morar. Até o fim do dia proporcionou um passeio ao pequeno pela capital.

Na manhã seguinte, quando o Cadillac chegou a Clervaux e adentrou na propriedade, o menino ficou estarrecido. Colou seu rosto à janela para observar cada detalhe e, quando o veículo parou em frente àquela que seria sua nova casa, Henry ficou letárgico. Desceu pela porta aberta e deu alguns passos lentos na direção da imponente construção que se apresentava à sua frente. Kassandra desceu pela porta, deu algumas instruções ao motorista, chamou um criado e se parou ao lado do menino.

— Está preparado? – perguntou, colocando uma mão sobre o ombro do menino.

Henry engoliu em seco e deu um leve aceno de cabeça, concordando.

— Então vamos.

Kassandra mostrou grande parte da propriedade ao menino enquanto a luz do dia permitiu. À noite preparou alguns quartos de hóspedes para todos descansarem, mas o quarto original de Henry ainda continha os móveis de quando era um recém-nascido (do breve período que passou naquela casa), então Kassandra tentou acomodá-lo no grande aposento que pertencera à sua mãe. Aparentemente ele parecia disposto a descansar ali, mas não conseguiu pregar os olhos. Ventava muito naquela noite e as janelas eram açoitadas violentamente, fazendo sons sinistros. Sentia-se assombrado pelas presenças que já não existiam naquele lugar: sua amada mãe, provavelmente um número razoável de criados e... seu pai. Calafrios percorriam seu corpo até que ele não suportou mais e saiu correndo até o saguão de entrada. Ofegava mais por medo do que pela corrida. Quando olhou para a janela curva de vidro que dava para o vale, percebeu que a lua estava cheia e caminhou até ela.

Na manhã seguinte, Kassandra encontrou o menino deitado enrodilhado em torno do próprio corpo com um velho casaco de seu tio sobre o pequeno corpo. Percebendo a situação, a assistente de Linus decidiu levar o menino até seu patrão para que ele pudesse ajuda-lo a enfrentar a situação.

— Tive medo. Imaginei minha mãe no quarto, fantasmas de pessoas pela casa, parecia que havia alguém sussurrando e chorando – descreveu o rapaz em frente à mesa de Linus. – Sei que minha mãe deixou tudo aquilo para mim, mas aquela não é minha casa. Parece um mausoléu.

Linus esfregou o queixo, imaginando que provavelmente o pequeno tinha razão quanto às condições não muito convidativas de uma casa havia muito estava esquecida, mas tinha sido encarregado de ajuda-lo no que o jovem precisasse.

— Acredito em você, Henry. Vamos pensar nas nossas opções.

Antes que Linus continuasse, o menino se levantou ansiosamente e sugeriu:

— O senhor poderia me dar algum trabalho, por favor?

Pego de surpresa, Linus ergueu uma sobrancelha e se recostou em sua cadeira.

— Um trabalho?

— Sim, senhor. Por favor, eu aprendi muito com meu tio e sou muito responsável. Serei muito útil ao senhor.

— Ora, isso é bem inusitado...

— Por favor, senhor. Preciso disso. Preciso de algo para ocupar minha cabeça – respondeu Henry rapidamente, por fim fechando os olhos e estremecendo.

— Quer ocupar sua mente com qualquer coisa que não o leve a pensar em tudo que aconteceu – concluiu o homem, ao ver a insistência do jovem.

Henry concordou com a cabeça.

— Não sei se conseguirei viver naquela casa...

Kassandra e Linus se entreolharam com entendimento mútuo e logo perceberam que o menino queria companhia, queria um lugar para ficar.

— Acho que podemos fazer algo a respeito – começou Linus, percebendo a reação imediata de Henry quando este ergueu a cabeça e olhou-o atentamente. – Imagino que esta não seja a melhor hora para você se adaptar à sua nova moradia, e muito menos ficar sozinho.

Henry sentou-se e ouviu atentamente cada palavra que lhe era dirigida.

— Seu tio me contou da sua aptidão para resolver casos policiais. Mesmo sendo tão jovem, é muito inteligente e tem a perspicácia de um futuro profissional.

O menino se empertigou na cadeira e abriu um leve sorriso, tentando transparecer confiança e dar credibilidade às palavras que o precediam.

— Contudo – disse Linus abruptamente, deixando seu tom de voz muito sério -, me parece que falta-lhe algo que futuramente será indispensável...

Henry ficou curioso com as palavras de Linus, pois parecia que este queria dizer algo além do que estava sendo realmente dito, contudo manteve-se em silêncio e aguardou.

— Falta-lhe malícia, ousadia – respondeu o homem, inclinando-se para frente e pousando o queixo sobre as mãos cruzadas, os cotovelos apoiados na mesa.

— Farei o que for preciso para...

— Falta-lhe coragem – finalizou Linus, interrompendo Henry. – Falta-lhe coragem para enfrentar essas dúvidas e medos que o assombram. Se conseguir se moldar da forma correta, conseguirá não apenas se tornar um excelente profissional como também conseguirá tornar esse lugar que você chama de mausoléu em um lar. Não permita que assombrações se apossem da sua mente e do seu coração e impeçam você de conseguir o que você quer e o que precisa.

 Henry inspirou profundamente como se tivesse se esquecido de respirar enquanto Linus falava. Absorvera aquelas palavras como se elas fossem leis, embora não compreendesse plenamente porque elas tinham sido tão importantes. Depois de expirar lentamente, ergueu o rosto com a convicção que seu tio lhe ensinara a ter e respondeu com calma:

— Farei tudo que estiver ao meu alcance e além. Peço que me aceite como seu aprendiz e me oriente para que eu possa me moldar da forma correta e vire o homem que certamente orgulharia meu tio e minha mãe – disse, levantando-se e fazendo uma mesura.

Kassandra sorriu diante do gesto e da resposta do menino. Linus não pareceu menos satisfeito com o que ouviu.

— Certamente me orgulhará também, meu jovem. Bem-vindo à nossa casa.

Durante meses Henry foi treinado no trabalho interno e aprendeu sobre a magnitude dos casos em que a organização de Linus trabalhava. Teve que resolver casos internos sozinho e alguns outros em parceria com diversos membros da organização. Com o passar do tempo, foi percebendo que cada pessoa daquele lugar tinha certa peculiaridade, o que não conseguia explicar nem para si mesmo, mas sentia como certeza. Tal como Linus havia dito, ele conhecia seu segredo e ajudou a prover os meios de manter o organismo do jovem em constante manutenção, muitos dos quais Henry se envergonhava em ter que cumprir para continuar saudável.

— Sei que provavelmente detesta isso, mas não pode negar sua natureza biológica – disse Linus, em uma das ocasiões em que precisou ajudar o menino em uma de suas manutenções. Fazia isso com frequência para se aproximar do garoto e conquistar sua confiança.

— Detesto isso. Sinto-me um monstro – respondeu, olhando de esguelha para o copo em que Linus derramava um líquido levemente espesso e rubro.

O homem suspirou e sentou ao lado do menino no sofá de seu escritório.

— Seria tolo de minha parte fingir que não sei que você já percebeu algo diferente neste lugar e nas pessoas que trabalham aqui...

— Só algumas me parecem “normais”.

— De fato, e você sabe por quê? – perguntou, recebendo um balanço de cabeça em troca. – Porque quase todas as pessoas que trabalham para mim são especiais, tem algo de diferente, assim como você.

Naquele dia, Linus explicou que sabia exatamente sobre a origem das condições peculiares do corpo do menino e contou-lhe o que de fato era aquele lugar e que tipos de pessoas trabalhavam ali. Henry ficou tão chocado com tudo que não soube o que responder. Apenas se desculpou e pediu o resto do dia de folga para pensar.

— Sem problemas, rapaz. Mas vou lhe dar uma tarefa... – disse o homem, caminhando até uma porta afastada em um canto de seu escritório.

Linus adentrou o que parecia uma pequena sala escura, e retornou de lá depois de alguns instantes com um pergaminho nas mãos. Era fino, amarelado e comprido, enrolado em torno de um fino cilindro de ouro, amarrado por uma fita aveludada cuja cor oscilava entre vermelho e púrpura. Quando se aproximou de Henry, o garoto pode ver que o cilindro central de ouro tinha uma pequena tampa de rubi lapidada em brilhante.

— O que é isso, senhor?

— Isso, meu jovem, é algo que você deve proteger com sua vida, pois, em algum momento futuro, este objeto também poderá salvá-lo. Isso é um contrato – respondeu Linus, depositando o objeto nas mãos do menino.

Quando fez isso, o papel e o cilindro chiaram e começaram a se contrair dentro das palmas abertas de Henry. Surpreso, arregalou os olhos e estremeceu as mãos, mas não deixou o objeto cair. O tubo que teria antes quase meio metro de comprimento, agora tinha pouco menos de trinta centímetros.

— Agora abra o lacre do tubo – instruiu o homem.

Henry removeu a ponta cristalina que antes chamara sua atenção e aguardou mais instruções.

— Agora não se assuste e não deixe cair – continuou Linus, abaixando-se na frente do menino e espetando-lhe o dedão da mão que segurava a gema vermelha com um alfinete que tirara do bolso. - Seja rápido e coloque o dedo na abertura para que o sangue pingue lá dentro. Espere um pouco e depois recoloque o lacre.

Sem entender nada, Henry obedeceu, mas achava que Linus estava lhe escondendo algo e que talvez não lhe fosse revelado naquele momento. Entretanto foi surpreendido com mais informação do que supunha receber.

— Este pergaminho contém um contrato especial.

— Que tipo de contrato? E por que precisa do meu sangue?

— Porque isso determina que este pergaminho pertence a você e a você somente. Mesmo que alguém venha a roubá-lo, não poderá utilizá-lo.

— Utilizá-lo? - o menino ficava confuso a cada nova informação.

— Ouça com atenção o que vou lhe dizer, Henry… A partir do momento em que você começou a trabalhar para mim e eu lhe entreguei este contrato, você deixou de ser uma criança.

— Não sou mais criança desde que meu tio morreu. Minha infância já não era algo definido antes e agora, mais do que nunca, deixou de ter limiares com minha vida adulta.

— Imagino que sua infância tenha sido algo incomum, o que foi agravado pela ausência de sua mãe, mas o que lhe espera é algo que uma criança não pode suportar.

— Como eu disse, senhor, não sou mais uma criança.

— Pois bem – disse Linus sério. - Então preste muita atenção. O que vou lhe dizer agora é algo de extrema importância e a partir daqui pode não haver volta. Você terá de fazer uma escolha. Está pronto?

Henry engoliu em seco ao ouvir aquilo, como se estivesse sob ameaça. Embora estivesse liberado para descansar e pensar a respeito de tudo que tinha ouvido até então, imaginou que algo muito maior (e talvez pior) poderia estar a caminho. Ainda assim, reuniu toda coragem que possuía e acenou com a cabeça, permitindo a Linus que prosseguisse.

Afinal, não tenho nada a perder, pensou por fim.


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Notas finais do capítulo

E então? Gostou?
Faz um agradinho e deixa um comentário *-*
Beijão e até o próximo capítulo.



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