Take My Heart -Em suas mãos tudo começou escrita por M Iashmine M


Capítulo 16
Capítulo 15 - Presença insubstituível


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus queridos leitores e leitoras!
Sei que o lançamento dos capítulos é demorado, mas estou me dedicando a muitas coisas (faculdade, projetos, outras histórias...). Sei que entendem que existem momentos na vida que exigem nossa atenção mais do que outros - responsabilidades e obrigações.
Apesar de tudo, peço a compreensão de todos e agradeço desde já por acompanharem essa história. Isso significa muito para mim.
Muito obrigada e aproveitem o capítulo!
Abraços *-*



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Presença insubstituível: “Ganhos e perdas que transformam”

Novembro de 1924...

Henry arfava deitado no chão, esgotado. Seu corpo fora atingido tantas vezes que sua regeneração acelerada não estava mais ajudando e sua energia estava quase exaurida, o que significava que em breve retornaria à sua forma humana novamente. Se isso acontecesse, poderia ser seu fim.

De todas as missões até ali, nunca enfrentara alguém tão forte e sempre tivera êxito no fim das contas. Linus o permitira sair em missões solo depois que se mostrou capaz de defender a si e seus companheiros nos treinos e nas missões em grupo. Mas aquilo estava longe de ser parecido com qualquer coisa que já tivesse enfrentado, e não era algo que existia em qualquer livro ou manual que tivesse lido.

Estava sangrando muito, mas ainda conseguia parar suas hemorragias – pelo menos as externas. Não fazia ideia dos estragos que teriam seus órgãos, mas sentia dores lancinantes. Tentou se mover, mas viu que era inútil, devia estar com uma meia dúzia de ossos quebrados.

— Não achei que aquele imortal velhote me subestimaria tanto assim ao mandar um fedelho como você. Ou talvez ele tenha superestimado você, garoto – disse o homem-besta. Seu corpo era coberto de uma couraça marrom grossa, cheia de espinhos longos e largos. Henry conseguira arrancar alguns com suas mãos em investidas rápidas e fortes, mas cada uma delas fora seguida de um pequeno empalamento doloroso. Não podia tentar mais isso.

Aquela criatura parecia um porco-espinho, lançando periodicamente seus dardos gigantes na direção do garoto, e cada espaço de onde um espinho saía brotava outro no lugar, para manter a couraça inteira. Os únicos que não se regeneravam eram aqueles que o garoto havia arrancado de pontos específicos, como nas juntas do corpo da besta.

As coordenadas de Kassandra foram certeiras: a criatura estava escondida em um vilarejo abandonado na divisa com a França, então a missão deveria ser executada rápida e discretamente, pois não deveria chamar atenção dos militares franceses na fronteira. Embora as casas estivessem abandonadas, aquilo só deixava os sons da batalha mais realçados e o garoto precisava terminar logo com aquilo, mas não tinha mais forças para isso.

Henry tentou se reerguer, mas foi chutado novamente, o que o fez rolar e colidir com a parede de uma das casas em ruinas. Com a colisão, tossiu sangue e ouviu algo cair no chão. O cilindro que Linus lhe dera meses antes.

— Francamente, por que não fica quieto e morre de uma vez, vermezinho? – provocou a criatura bestial, nem se dando o trabalho de se aproximar do pequeno.

Henry agarrou o objeto com a mão trêmula e o encarou através das pálpebras inchadas. Lembrou-se das palavras de Linus: “Isso, meu jovem, é algo que você deve proteger com sua vida, pois, em algum momento futuro, este objeto também poderá salvá-lo”, dissera ele. Por favor, seja o que for, ajude-me, pensou. Em seguida, puxou a aba de papel e seguiu as instruções sobre como deveria proceder, assinando seu nome com sangue sobre a página.

— Chega de brincar, estou com pressa – avisou a criatura, caminhando na direção de Henry.

Entretanto, antes de dar muitos passos, a assinatura em sangue começou a brilhar e o pergaminho explodiu, erguendo uma parede de fumaça entre os dois duelistas.

— Fedelho miserável, o que pensa que está fazendo? Fumaça faz mal às minhas narinas – xingou.

Contudo Henry também estava sendo afetado pelo seu olfato sensível, então se debruçou no chão e deixou seu corpo retornar ao estado natural. Não aguentava mais. Sentia-se fraco demais para continuar. Pelos olhos lacrimejantes, viu dois pares de pernas com botas surgirem através da fumaça, mas a criatura não usava sapatos, pois seus pés eram enormes e com garras. Tentou se concentrar mais para entender o que via, mas ouviu um silvo cortando o ar, indicando uma nova rajada de espinhos da besta. Entretanto, não sentiu nenhum golpe, mas ouviu um estrondo de algo colidindo contra metal.

A fumaça se dissipou um pouco mais, revelando um corpo com armadura prateada. Em suas costas, Henry viu um arco e uma aljava com flechas, em seu sinto havia uma espada longa embainhada e uma adaga curva, mas o mais impressionante era o que se escondia por detrás de um escudo erguido: um rosto delicado e feminino, com cabelos castanhos brilhosos presos em rabo de cavalo que balançavam com o movimento e a brisa gélida que varria o lugar.

— De onde saiu essa rata de armadura?

— Você está bem? - a guerreira perguntou sem se mover, ignorando a criatura.

A voz era jovial e muito viva, o que fez Henry achar que estava delirando ou sonhando.

— Consegue se levantar? – insistiu a jovem.

O garoto testou as pernas e os braços, mas fraquejou e inspirou com força.

— Não – respondeu, arquejando.

— Tudo bem, não precisa se preocupar. Você ficará bem – disse a moça. – Eu vou te proteger com a minha vida, custe o que custar.

Henry deduziu que estava, de fato, delirando. Então sua visão ficou turva e tudo desapareceu.

O cheiro do ar fresco e morno de uma manhã ensolarada invadiu o quarto e penetrou as narinas do garoto, fazendo-o despertar.

— Olha, parece que nosso amiguinho acordou – comentou a voz de Linus.

— Graças aos céus! – exclamou uma voz feminina. A mesma voz que Henry ouvira durante a batalha contra o porco-espinho.

Alguém tocou a mão do garoto e, enquanto seus olhos se habituavam à claridade do ambiente, os contornos e detalhes da pessoa entravam em foco. Era a guerreira que surgira em meio à cortina de fumaça. Ainda estava de armadura, mas parecia um tanto abatida e seu cabelo estava solto, caindo em cascata pelos ombros e fazendo cócegas no rosto de Henry.

— Onde estou? – perguntou grogue.

— Você está a salvo, na guilda – respondeu Linus. – Achei que você não voltaria vivo para casa, menino.

Henry ignorou o tratamento infantil e fixou seus olhos na figura feminina angelical de armadura que ainda segurava sua mão.

— Quem é você? – perguntou.

— Sou sua familiar – disse simplesmente, com os olhos prateados brilhando pelas lágrimas que ela segurava. O sorriso em seu rosto demonstrava um claro alívio, mas parecia exausta. Estava de joelhos perto da cama.

— Familiar? O que... – indagou Henry, agora olhando para Linus.

— Você a invocou através do contrato que lhe dei. Eu lhe disse que isso poderia salvar sua vida, só não imaginei que demoraria tanto para fecha-lo.

— Era para isso que servia o contrato então – comentou com a voz arrastada. – Achei que fosse morrer – comentou, colocando o braço livre sobre os olhos.

— Familiares são conjurados em situações extremas, onde a vida do invocador fica ameaçada por um alto nível de perigo.

— Então você sabia que eu ia apanhar feio – grunhiu o garoto, olhando torto para Linus. - Precisava tudo isso?

— Sim, precisava, mas você esperou tempo demais.

Henry ficou em silêncio, pois não queria admitir ter se esquecido do contrato e não pensara que ele poderia ser utilizado naquela missão. O que importava é que tinha dado certo no final... graças a ela. Levantando o braço do rosto, olhou novamente para o rosto de traços suaves da moça.

— Qual é o seu nome? – perguntou.

A expressão no rosto dela ficou confusa, como se aquela pergunta algo muito difícil de compreender.

— Eu não sei. Acho que não tenho nome – respondeu simplesmente.

— O que? Como assim? – perguntou ele, voltando-se novamente a Linus.

— Todo familiar nasce sem nenhum nome. Quem deve nomeá-lo é a pessoa que o invocou – explicou o homem. – Isso finaliza o contrato, ligando o familiar ao seu conjurador. A partir daí, a existência do familiar se concretiza de fato. Já houve casos de o familiar desaparecer por seu invocador não nomeá-lo devidamente.

Este último comentário deixou Henry muito alerta, embora ele mesmo não entendesse sua recém-gerada ligação com a moça à sua frente, mas sentia que não poderia perdê-la. Olhou com urgência para ela e perguntou:

— Qual nome você gostaria de ter?

Ela piscou algumas vezes, parecendo confusa, mas depois sentou sobre os calcanhares e olhou para cima, parecendo ponderar suas opções. Depois olhou na direção de Henry, sorriu e deu de ombros.

— Qualquer nome que escolher para mim está ótimo – disse.

Henry ruborizou um pouco com a resposta, então olhou para o teto e começou a listar alguns nomes femininos na cabeça, mas nenhum lhe parecia adequado; considerou que todos eram comuns demais para ela. Depois de alguns instantes, tornou a olhá-la e se viu encarando as profundas íris prateadas da moça. Percebeu que seu cabelo solto parecia quase selvagem, mas emoldurava perfeitamente seu rosto fino e delicado, enquanto suas sobrancelhas castanhas destacavam o olhar penetrante. Percebeu a luz do sol batendo na armadura prateada e refletindo por todo o ambiente. Ela parece uma mulher frágil e delicada, mas ainda é uma guerreira, pensou. Então algo lhe ocorreu e ele sugeriu:

— Que tal Ártemis?

— Ártemis?

— Claro! Seus olhos são prateados como a luz da lua, você é bem feminina, mas é uma amazona de armadura e tudo! – exclamou, empolgado com a ideia. – É equivalente a deusa grega da lua, Ártemis.

Linus e a moça ficaram observando o jovem, ponderando a ideia.

— Parece que alguém realmente se empolgou com as alternativas – comentou Linus, cruzando os braços sobre o peito com um ar de divertimento.

Henry ruborizou novamente, pensando no quanto parecia tolo com aquela proposta de nomear alguém como se fosse uma deusa grega. Começou a repensar rapidamente. A jovem sorriu ao ver sua dedicação.

— Pode batizá-la como quiser, mas imagino que Ártemis seja um pouco extravagante; seria mais adequado a ela como codinome nas missões de vocês.

Henry considerou aquela sugestão, concordando que serviria como codinome, mas ainda precisava pensar em outra opção. Depois de alguns instantes, repassou mais algumas alternativas distintas em sua mente.

— E... se fosse... Selene? – sugeriu, acanhado.

Os olhos da moça pareceram brilhar como se ele tivesse adivinhado algo que ninguém mais sabia. Ela abriu um sorriso largo e segurou a mão de Henry entre as suas.

— Eu adoraria! – exclamou com sinceridade.

O garoto tentou controlar a vermelhidão do rosto. Era a primeira vez que tinha um contato tão próximo de uma mulher, ainda mais uma que parecia ter uma idade pouco maior que a sua. Linus sorriu de forma afetuosa e pareceu satisfeito.

— Parece que chegamos a um consenso – disse. – Parece também, que de uma forma ou outra, teremos uma “deusa da lua” em nossa equipe a partir de agora – brincou, enfatizando a ideia trazida pelo nome.

Então ele percebeu o comparativo, pensou Henry. Não havia como não associar ela à luz do luar com aqueles olhos, de qualquer forma.

Henry se recuperou rapidamente graças a um elixir de Linus e, depois de uma reunião com o mesmo, foi orientado a retornar à casa que vinha evitando há muito tempo, principalmente agora que estaria bem acompanhado e precisaria se adaptar a mudanças. Não gostou muito da ideia, mas acabou cedendo.

Kassandra orientou seu motorista a levar Henry e Selene para a mansão. Quando os dois desceram do veículo, o garoto disse que não precisaria de mais nada e o motorista retornou pelo caminho de onde viera. Selene ficou parada observando a enorme fachada do lugar, admirada. Henry ficou olhando-a por alguns minutos, inspirando e expirando lentamente o ar frio da manhã, como se estivesse se preparando para tomar uma grande decisão. Depois chamou:

— Venha – convidou, adiantando-se alguns passos com sua mala em mãos.

Selene sorriu com o convite e pareceu empolgada como uma criança, embora começasse a parecer mais velha que ele.

Quando entraram para o grande saguão, Henry parou como se estivesse apreensivo de continuar. Selene percebeu e parou também, esperando.

— Esta casa enorme era da minha mãe, mas ela se foi há muitos anos e acabou deixando-a para mim.

— Você não gosta dela? – perguntou a jovem.

— Não é isso...

— Então por que não mora aqui? – questionou com suavidade.

— É que... é complicado. A última pessoa que esteve aqui foi minha mãe e alguns criados, mas eu ainda não era nascido. Ela faleceu ao me dar a luz e fiquei sob a guarda de meu tio, irmão dela – explicou. – Então conheço este lugar muito pouco. Como meu tio também faleceu recentemente, eu acabei ficando sem família e o testamento de minha mãe foi lido. Esta casa estava inclusa nele e eu deveria ficar com ela, mas...

— Você estaria sozinho em um lugar grande demais... – sugeriu.

Henry acenou com a cabeça, afirmando.

— Você não está mais sozinho – continuou Selene, colocando uma mão sobre o ombro do menino.

Ele olhou na sua direção e viu um sorriso sincero em seu rosto.

— Não importa como as coisas acontecerão de agora em diante, o que importa é que você nunca mais estará sozinho – disse, pegando a mala de Henry para coloca-la no chão. Em seguida pegou as duas pequenas mãos nas suas. – Estarei com você para sempre!

Henry roborizou violentamente ao ouvir aquelas palavras, logo baixando a cabeça para não ser percebido.

— Não faça uma promessa tão grande como essa, sua boba – respondeu, não reconhecendo a si mesmo.

Selene sorriu, deu de ombros e apenas acenou positivamente com a cabeça.

— Vamos. Essa casa tem mais quartos do que o necessário, temos que escolher um para você – respondeu Henry, pegando sua mala e puxando Selene pela escadaria.

Depois de verificar alguns quartos, Selene escolheu um quarto na extremidade sul da casa, pois achou tão linda a vista para o vale quanto a que via através da janela curva no saguão de entrada. Henry decidiu ficar nos aposentos que outrora foram de sua mãe. Arriscaria mais uma vez, embora não estivesse certo se conseguiria aguentaria mais uma noite ali. Seja homem, pensou. Agora há uma dama na casa. Afinal, não quer que ela pense que você é um fraco.

Selene não tinha nada além de sua armadura e suas armas. Logo que Henry percebeu que ela precisaria de roupas novas, pois vestia apenas uma malha metálica sobre peças feitas de couro, tudo sob as várias camadas sobrepostas de placas prateadas moldadas no formato certo para proteger seu corpo. Também não havia muitos mantimentos na casa, então Henry precisou pensar nas opções. Lembrou-se da ocasião em que Linus ordenara a Kassandra que deixasse dois cavalos dispostos para uso do garoto na primeira vez em que estiveram na mansão. Será que ainda estariam por ali? Não, não havia como, pois ele estivera distante durante os últimos meses e não havia ninguém para cuidar dos animais. Ainda assim, achou melhor verificar.

Afinal os animais – uma fêmea cinza e um macho castanho - estavam no estábulo para a surpresa do garoto, que também percebeu os cochos bem abastecidos. Será que Linus contratou um caseiro para cuidar de tudo até que eu voltasse ou simplesmente trouxe os animais um pouco antes de chegarmos? Bem, não importava desde que ele pudesse ir à cidade para comprar suprimentos para os dois.

Henry procurou pela moça para avisar que estaria indo comprar mantimentos para abastecer um pouco a despensa da casa e retornaria em breve, que ela poderia explorar a casa se desejasse. Selene propôs-se a ir junto, mas o garoto garantiu que não seria necessário – embora não quisesse admitir em voz alta que a jovem chamaria muita atenção vestida em uma armadura em meio a uma pequena multidão de curiosos e possíveis fofoqueiros.

Como prometera, apressou-se em comprar o que julgou necessário para alguns dias, embora não fizesse muita ideia de como procederia dali em diante. Desejou também ter comprado algum vestido para Selene, mas desconhecia a maioria dos detalhes de trajes femininos; escreveria uma carta pedindo a ajuda de Kassandra sobre o assunto logo que retornasse. Estando de volta, com o lombo do cavalo carregado dos mais diversos embrulhos de comidas, bebidas e alguns utilitários gerais, procurou por Selene, mas não a encontrou logo. Por fim adentrou o velho quarto de sua mãe e surpreendeu-se ao encontrar a moça usando um vestido longo rosa-claro. Ela analisava sua imagem diante de um espelho, alisando alguns babados rebeldes que insistiam em se curvar para as mais diversas direções que não a certa, a armadura organizada sobre uma poltrona ao lado do espelho.

— Selene? – chamou o garoto em dúvida.

A moça se assustou e virou na direção da porta abraçando o próprio corpo.

— Henry, desculpe me intrometer assim. Como disse que eu poderia conhecer a casa, imaginei que não haveria problema se encontrasse algo para vestir – explicou.

O garoto se aproximou um pouco, observando-a. Na verdade analisava o vestido, constatando sua origem.

— Ficou bem em você – respondeu apenas, um sorriso amigável abrindo-se. – Eu estava mesmo preocupado em comprar algo adequado para você vestir, mas não sabia como escolher. Que bom que encontrou algum que lhe sirva.

— Obrigada – agradeceu a jovem, mas parecia arrependida. – Ainda assim, eu deveria ter esperado seu retorno antes de tomar a liberdade de sair remexendo suas coisas.

— Não precisa pedir desculpas. Isso não é meu de qualquer forma – riu o garoto, apontando para a peça que Selene vestia. – Tenho certeza de que eles serão mais úteis para você do que guardados e esquecidos dentro do guarda-roupa.

A jovem alisou um babado da saia novamente, sem saber o que responder.

— Obrigada – disse por fim.

Henry sorriu novamente, sentindo uma enorme satisfação em seu subconsciente, mas preferiu não externalizar.

— Só não me peça ajuda com essas roupas porque vou ser completamente ineficiente. Pedirei à Kassandra para vir aqui ou enviar alguém o mais rápido possível para ajuda-la com essas coisas – respondeu, gesticulando do vestido para o restante do guarda-roupa. – Venha, vamos almoçar.

Nos meses que se seguiram, Selene mostrou-se incrivelmente sociável e acabou conquistando a simpatia de todos na guilda. Conseguia criar assunto para conversar com qualquer um. Era a menina dos olhos. Henry não dizia em voz alta, mas estava muito orgulhoso de sua parceira. Apesar de ser ainda muito jovem, sentia vontade de protegê-la agora que era o que tinha de mais próximo a uma família. Ela também cuidava dele e aprendera a cozinhar com algumas mulheres da guilda.

Quando não tinham tarefas profissionais, cuidavam da casa e da propriedade. Passeios eram frequentes, tanto à cidade quanto ao campo. Selene restaurou e começou a tratar da estufa abandonada da mãe de Henry, tornando esse seu espaço particular. Quando não cuidava de suas plantas, ensaiava violino dentro de casa (ficara encantada ao assistir uma apresentação de violino de Joseph com Jullian em um anfiteatro havia algumas semanas), o que Henry apreciava com grande gosto.

Eram apenas os dois, mas não sentiam falta de nada, pois iam à guilda com certa frequência; a deficiência de experiência de ambos foi compensada rapidamente, pois se mostraram uma dupla eficiente para trabalhos pesados. Logo Henry completaria doze anos e, apesar de não ser o convencional, a dupla estaria assumindo missões de níveis mais elevados.

Para celebrar o aniversário do garoto, resolveram comemorar no salão da guilda. Selene decidira preparar o bolo de aniversário para seu companheiro, mas não imaginava que Henry também preparara uma surpresa para ela. Era de costume determinar o aniversário do familiar de alguém na data em que o mesmo fora evocado, mas Henry não ligava para tradições: convenceu Linus a preparar um novo registro para Selene na guilda onde deveria constar sua nova data de invocação, isto é, no mesmo dia do aniversário do garoto. Henry era muito grato pela nova vida que levava e queria demonstrar isso a Selene comemorando junto com ela. As festividades não poderiam ser mais animadas. O mundo estava em paz e inteiro novamente para Henry.

Agosto de 1927...

A armadura de Selene estava suja e tinha pequenas reentrâncias sobre quase toda superfície. Henry estava coberto por hematomas, aranhado e suas roupas pendiam em farrapos. Um apoiado no ombro do outro ao chegar às portas da guilda. Atrás da dupla vinham mais dois colegas da guilda dando apoio a Jullian, que apresentava apenas algumas escoriações. Linus e Kassandra desceram a escadaria para tomar conhecimento das notícias. O velho músico da guilda, Joseph, estava morto, mas seu familiar fora salvo e agora carregava os poderes de seu patrono. Jullian mostrava abertamente seu abatimento; ainda não sabia, mas nunca estaria sozinho, embora pensasse isso.

Henry sentia-se frustrado por não conseguir salvar seu veterano da morte, mas Selene tentou consolá-lo, embora também estivesse desolada. Era de conhecimento geral que o sequestrador dificilmente o deixaria com vida, mas eles foram capazes de salvar Jullian, que era basicamente a essência de seu mestre. Agora o familiar se tornara um irmão de todos na guilda.

Foi difícil para todos os membros da associação, pois o músico fora um dos primeiros membros a se agregar à filial de Luxemburgo. A princípio não se envolvia em missões de grande porte, mas desenvolveu habilidades admiráveis com o passar dos anos. Joseph ensinara muito a Henry quando ele chegara, tanto sobre as atividades do grupo quanto sobre os distintos clientes e suas excêntricas requisições. O jovem fora acompanhado pelo veterano em suas missões iniciais. Sentia-se muito grato, mas nunca mais poderia retribuir diretamente tudo que recebera. Tinha apenas quatorze anos e sentia-se mais inexperiente do que nunca. Acreditava que parte da responsabilidade pela morte de Joseph era sua, apesar de todos dizerem o contrário. Era impossível ver Jullian e não pensar nas alternativas que poderiam ter salvado a vida do homem. Só o que poderia fazer agora era estar a disposição de Jullian para tudo que estivesse ao seu alcance.

A atmosfera estava pesada sobre todos, mas Henry sentia-se esmagado, quase sufocado por ela, embora não compreendesse o motivo exato. Sua incompreensão foi esclarecida quando, em um dado momento na semana seguinte ao falecimento de Joseph, ouviu o som de violino ecoando tristemente pela casa. Selene voltara a ensaiar, apesar de sua melancolia. Henry encontrou-a na sala de leitura no andar superior. Estava de frente para a janela curva, como se tocasse para a paisagem além da vidraça, para um público invisível, etéreo... Como se tocasse para Joseph e Jullian. Observando-a da porta, Henry compreendeu seu sentimento incômodo que vinha experimentando. Medo. Sentia um profundo medo de que algo parecido lhe acontecesse, que Selene lhe fosse tirada assim como Joseph fora tirado de Jullian.

Sem poder se conter mais, Henry entrou na sala e abraçou sua familiar por trás. Surpresa, Selene parou sua melodia e tentou virar-se para encarar o garoto, mas ele enrijeceu os braços ao redor de sua cintura.

— Henry, o que aconteceu?

A jovem sentiu os braços que a apertavam tremerem e um soluço escapar da garganta de Henry, então forçou seu corpo a girar para trás. Quando conseguiu ficar de frente para o garoto - que já estava quase da sua altura - abraçou-o em retorno.

— O que houve?

— Isso não pode acontecer comigo...

— O que não pode acontecer? – perguntou, acariciando as mechas loiras que tocavam seu rosto.

— Não posso perder você... não posso perder você como Jullian perdeu Joseph.

A resposta pegou Selene de surpresa e, apesar de sua tristeza, sorriu e sentiu o coração aquecer com o desejo de Henry.

— Você não vai me perder e eu não vou perder você – respondeu, apertando o garoto um pouco mais entre os braços. – O que aconteceu foi uma fatalidade. Estou aqui cuidando de você, assim como você me cuida.

— Já perdi minha mãe e meu tio. Não posso perder você também.

Pela primeira vez desde que estavam na vida um do outro, Selene viu Henry ceder às lágrimas como uma criança pequena que estava machucada e precisava dos cuidados de uma mãe. Mais do que nunca, a jovem desejou dedicar-se a cuidar daquela vida em seus braços. Não havia dúvidas de que a vida de um havia se tornado insubstituível para o outro.


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Notas finais do capítulo

Espero que o capítulo esteja do seu agrado. Novamente, obrigada por acompanhar minha história!
Até o próximo capítulo! :*D



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