Take My Heart -Em suas mãos tudo começou escrita por M Iashmine M


Capítulo 14
Capítulo 13 – Intrincada revelação - Parte 3


Notas iniciais do capítulo

Atrasou bastante e devo minhas sinceras desculpas a todos.
Abraços e espero que gostem ;)



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Intrincada revelação: “A verdadeira forma das coisas” - Parte 3

“Passem a noite aqui e deixem que eu resolvo os pormenores. Amanhã providenciaremos novos documentos para Catherine e, assim como Darell, ela também estará sob nossa proteção. ”

Naquela noite, Catherine não conseguiu dormir. Sua mente estava incansavelmente repassando tudo que havia acontecido naquele dia e mesmo antes, desde que o senhor Henry a encontrara. Sentia-se exausta fisicamente, pois parecia que os efeitos do crescimento repentino ainda não haviam cessado. Depois de rolar pela milésima vez na cama do quarto de hóspedes que haviam lhe emprestado, decidiu levantar e ir procurar seu tio.

Ao quebrar o selo, algumas memórias que haviam se perdido dentro de sua cabeça agora vinham em ondas. Uma delas lhe dizia que poderia procurar seu tio a qualquer momento que ele a receberia, embora ela não tivesse certeza do porquê. Talvez ela ainda não lembrasse de tudo, mas naquele ritmo isso não a preocupava, pois sua mente continuava a ser atacada com novas (ou melhor, antigas) informações a cada instante.

Subiu dois lances de escada para chegar ao escritório de Linus. Quando parou em frente à porta, hesitou em bater, sem ter certeza do que realmente queria ali.

— Pode entrar – convidou a voz de Linus de dentro da sala.

Um pouco mais confiante, Catherine entrou e se deparou com o homem deitado no sofá.

— Tio?

— Não consegue dormir, querida?

— Não. Minha cabeça não descansa. Não consigo me acalmar.

— Imaginei que isso pudesse acontecer, embora muita coisa tenha sido surpreendente até mesmo para mim – comentou Linus em um tom suave. – Aproxime-se, venha. Pode ficar à vontade – convidou com um aceno de mão.

— E o senhor? Como se sente por nunca dormir? Deve ser um fardo ser quem você é.

— Ah - o comentário fez Linus sentar-se para conversar. – Então você se lembra disso?

— Sim, e isso é só uma parte. A cada segundo chega mais informação.

— Sinto muito por isso. Nem esperava que você fosse esquecer estas coisas quando o selo foi colocado – confessou, oferecendo a mão para ajudar a jovem a se sentar na poltrona ao seu lado.

— Acho que mamãe e papai acharam mais conveniente, pois nunca comentaram nada sobre as coisas de que me lembro agora.

— Acredito que sim, principalmente sua mãe, por mais que ela amasse de verdade seu pai.

— Acha que vou ficar como ele, tio? Ou mesmo como o senhor? Não conseguirei dormir e tudo mais?

— Não, acho que não. Metade do seu sangue é dele, mas metade é da sua mãe. Talvez você desenvolva algumas características semelhantes, mas duvido que elas sejam muito acentuadas.

— Como meu crescimento? Isso é natural ou foi um caso particular?

— Não é tão comum, mas já vi casos semelhantes.

— Não achei que essas uniões fossem tão frequentes.

— E não são. Mas já vivi muitos anos, como você sabe.

— Sim, é verdade. Mas, e o que nasceu comigo? A entidade? Acha que ela é uma dessas características que o senhor citou?

— Não. Seu pai e eu não possuímos nada parecido com isso, embora descendentes da nossa espécie desenvolvam as mais diversas habilidades, além das características físicas.

— Então por que nasci com deficiência pulmonar? Não deveria ser um organismo mais forte?

— Não, você nasceu bem. Sua deficiência surgiu quando o selo foi colocado, como se fosse um efeito colateral. Por este motivo, você recebia doação de sangue do seu pai eventualmente, para reintegrar seu tecido pulmonar.

— Entendo. Lembro-me de não compreender a razão de apenas o sangue do meu pai ser eficaz para meu problema, mas eu simplesmente aceitava isso como um fato, uma verdade em minha vida.

— Provavelmente essa deficiência está resolvida agora. Caso contrário, se resolverá no decorrer do tempo agora que seu sangue original está em circulação pelo seu corpo.

Com a fraca luz do abajur e de um castiçal, Catherine olhava para o tapete sob seus pés sem de fato prestar atenção nele e começou a brincar com uma longa mecha de cabelo que havia se soltado de sua trança.

— Tio, falando em circulação de sangue, algo me intriga.

— O que?

— Agora me lembro perfeitamente do acidente de carro.

— Lembra-se de todos os detalhes?

— Sim, embora alguns deles sejam um pouco macabros até mesmo para mim.

— O que quer dizer?

— Primeiro, quando eu caí daquela encosta, fiquei com lesões e fraturas que poderiam ter me matado. Sem falar na enorme quantidade de sangue que perdi.

Linus estava em silêncio, muito sério ao ouvir aquelas palavras.

— Naquele dia, eu basicamente corri para o abraço da morte.

— Não diga isso tão inconsequentemente, Catherine. Consegue imaginar minha reação quando descobri o que tinha acontecido? Consegue pensar no que seu pai sentiria?

— Mas o mais incrível foi o que aconteceu depois – prosseguiu a jovem, ignorando a contestação de seu tio. – No hospital, o que me salvou foi o mais inesperado...

— Se refere ao sangue do rapaz? – sugeriu Linus, concluindo o pensamento de Catherine.

— Exatamente – concordou, tomando as mãos do homem nas suas. – Tio Lionel, como isso foi possível?

Linus não respondeu, mas a moça insistiu no raciocínio.

— Apenas o sangue de papai era capaz de sanar as falhas do meu organismo. Tendo perdido tanto sangue, receber doação de outra pessoa que não tenha as mesmas propriedades regenerativas não poderia ter dado certo.

Linus permaneceu em silêncio. Não intimidada, Catherine persistiu, pois desconfiava que o tio guardava algum segredo muito importante do senhor di Castle, algo que talvez lhe dissesse respeito devido aos acontecimentos.

— O médico disse que o senhor Henry não tinha muito sangue no próprio corpo, o que já era algo muito estranho para um adulto normal do porte dele. Ele me doou muito do que tinha para eu me recuperar com êxito. Tio – disse, apertando as mãos que segurava –, como isso aconteceu? O que eu não sei? – Linus ainda hesitou em falar, então fez mais uma tentativa. – Tio Lionel, quem é o senhor Henry? Diga-me a verdade, por favor! Sabe que pode confiar em mim!

As súplicas da jovem fizeram o homem ceder e apertar as mãos dela em retorno.

— Minha querida Catherine, como você sabe, existem pessoas especiais e peculiares no mundo. Seu pai e eu somos duas delas. Mas existe um grupo muito maior, com características muito mais estranhas e extraordinárias do que você pode imaginar – respondeu Linus, observando a concentração da menina. Como se aquilo fosse muito difícil de explicar, suspirou e esperou alguns segundos antes de prosseguir. – Como você já deve ter percebido, eu sou o chefe, o líder, o mestre - ou como quiser chamar – de um grupo de pessoas com estas características especiais. Este grupo é chamado de Guilda das Sombras.

— Por que tem este nome?

— Na Idade Média, em certos países aqui da Europa, existiam as guildas, que eram associações que agregavam pessoas que possuíam interesses comuns com o propósito de oferecer assistência e segurança aos seus membros. Naquela época, as guildas eram compostas por comerciantes, artistas, artesãos, entre outros. Como sou dos antigos, também tive minhas guildas.

— Tio, você está querendo dizer que...

— Sim – respondeu Linus com uma pequena risada e um sorriso envergonhado –, talvez eu seja ainda mais velho do que você imagina, minha criança.

— E você teve mais de uma guilda?

— Sim. Houve décadas em que algumas guildas tinham problemas e eram fechadas ou seus membros eram forçados a abandoná-las por alguma razão. Às vezes até por perseguição.

Catherine estava tanto espantada como admirada com o que ouvia, então não ousou interromper.

— As minhas guildas já foram compostas por pessoas normais, com interesses gerais e bem naturais para cada época. Mas quando acontecia de alguém com habilidades especiais entrar para uma guilda minha, eu ajudava a pessoa a se manter discreta em meio a todos os outros membros, pois era como ajudar a um semelhante.

— Foi como conheceu papai?

— Como você... – a pergunta da jovem pegou Linus de surpresa, deixando-o desconfortável.

— Tudo bem, tio. Certa vez perguntei a papai o porquê de vocês dois serem tão diferentes fisicamente e em personalidade, e ele não conseguiu me convencer com a desculpa que me deu inicialmente. Quando insisti, ele me disse que na verdade vocês eram como irmãos adotados, unidos fraternalmente mesmo que sem relação sanguínea – respondeu Catherine.

— Está decepcionada por saber disso? Que não sou seu tio biológico?

— Não, pelo contrário. Fico muito feliz que vocês tenham essa relação e o senhor cuide de mim de forma tão paternal. Não me importo se somos parentes de sangue ou não. Sei que sou especial para o senhor como o senhor é especial para mim.

 Muito satisfeito com a resposta da jovem, Linus prosseguiu sua narrativa de forma mais confiante e aberta.

— Fico feliz em saber disso, e sim, foi assim que conheci seu pai – confirmou. – Com o avanço do tempo, as guildas ficaram completamente extintas e eu segui meu rumo por outros caminhos. Mas depois de um tempo percebi que algumas pessoas com habilidades extraordinárias que eu conhecera ao longo dos anos vinham sendo caçadas e mortas. As pessoas normais tinham medo do que não conheciam e acabavam julgando que se tratava de bruxaria.

— Mas a caça às bruxas atingiu seu apogeu entre os séculos XVI e XVII! Está dizendo que de fato não eram pessoas normais que eram julgadas e executadas?

— O que você considera normal, minha cara Catherine? Assim como você, eu e seu pai somos pessoas diferentes. Como já deve ter percebido, o jovem Henry também é. Isso faz de nós pessoas más, pessoas que querem fazer o mal ou trazer caos ao mundo?

— Nunca! Eu não quero fazer mal a ninguém! E o senhor Henry é uma pessoa incrível que me salvou duas vezes! Ele cuida de mim!

— Então não é uma questão de serem pessoas normais, boas ou más, mas de pessoas que eram desprezadas por serem diferentes. Infelizmente, tanto humanos comuns quanto especiais sofreram essa perseguição. Isso me moveu a reerguer o sistema de guildas. Claro que se tornou um negócio do submundo e clandestino, mas era melhor do que morrer pelas mãos daqueles que regiam as regras do mundo.

— Então, esta Guilda das Sombras é algo assim?

— Sim e não. Com o fim daqueles séculos sombrios e com o avanço da ciência, minha guilda se fixou e nunca mais deixou de existir. Protegi muitos durantes os últimos séculos e a guilda cresceu a proporções tais que gerou filiais. Na verdade, a sede original fica em Londres, onde eu a fundei. Esta em Luxemburgo é apenas uma das filiais.

— E por que o senhor não permaneceu em Londres, na sua sede? Afinal foi o mentor que deu origem ao grupo atual, não?

Linus não respondeu à pergunta; apenas olhou para o chão sem focar nada e ficou refletindo. Depois de alguns minutos, o silêncio deixou Catherine inquieta.

— Tio?

— Há vários motivos que fizeram eu me afastar da sede, embora a maior parte das decisões tomadas dentro de toda a guilda precisem da minha aprovação.

— Quais motivos?

— Sua curiosidade cresceu diretamente proporcional ao seu tamanho, não é?! – brincou Linus, erguendo os olhos para a sobrinha.

— Desculpe-me, não era minha intenção ser tão intrometida – acanhou-se a jovem, baixando a cabeça envergonhada e cruzando as mãos sobre o colo.

— De forma alguma – riu o homem. – Pode me perguntar o que quiser; se estiver ao meu alcance, responderei.

Catherine se remexeu, desconfortável por sua indiscrição, e Linus tornou a voltar o olhar para o chão.

— Como posso dizer... minha presença, minha própria existência, se tornou muito grande e chamativa para os olhos de muitos inimigos. A guilda começou a receber ameaças de todos os tipos, e a maioria solicitando que eu deixasse o grupo ou todo ele iria sofrer por minha causa. Como desde o início minha intenção era proteger a todos, eu garanti que iria me retirar, desde que as ameaças também fossem retiradas.

— Mas então, como...

— A guilda se tornou uma enorme família, e os membros não permitiram minha saída, pois diziam que eu era como um pai para eles; afinal muitos eram sozinhos na vida, por abandono ou outros infortúnios. Eles deram a sugestão de criar uma nova filial, em um lugar discreto, mas bem localizado, de onde eu dirigiria a guilda secretamente.

— Luxemburgo.

— Exatamente.

— Mas isso não fez seus inimigos desconfiarem de algo? Quero dizer, exigir uma nova filial não é algo suspeito para a retirada de alguém tão importante do comando da casa principal?

— A nova filial foi uma exigência em troca da “perda” do líder principal da casa. Eles acharam que se cortassem a cabeça da guilda – no caso, eu – eles conseguiriam desmantela-la. Mas a guilda já estava forte demais para ser atingida de forma tão imprudente.

— Mas como conseguiu fazer tudo isso sem eles perceberem que você viria para cá? Eles não queriam você completamente fora? Como conseguiu ficar sem ser percebido?

— Kassandra.

— Kassandra?

— Sim. Ela está comigo há anos e me conhecia melhor do que ninguém dentro da guilda. Quando eu disse que iria sair e me entregar para que nada de pior acontecesse, ela surgiu com uma ideia que não parecia ser muito promissora, mas conseguiu contornar a gentalha que queria nos derrubar.

— Que ideia era essa?

— Eu deveria mudar meu nome e desaparecer...

— De fato não parece muito inteligente, principalmente se seus inimigos o conheciam também.

— Sim, parecia loucura, mas eles não conheciam Kassandra. Ela já dominava naquela época, quando muito jovem, habilidades especiais e de alto nível, algumas das quais continuam a me impressionar ainda hoje.

Linus fez uma pausa e olhou para a jovem para ver a curiosidade que cruzava seu rosto. Satisfeito, continuou.

— Kassandra se fez passar por mim diante de um tribunal que foi montado por aqueles ratos inescrupulosos. Ela tem habilidades que a permitem recriar, através da manipulação de sombras e espectros, a imagem de outra pessoa. O único problema foi a voz, mas conseguimos resolver. Então, o falso “eu” foi receber o julgamento no parlamento inglês e de lá foi banido para o litoral norte de Quebec, onde supostamente passei o resto de minha vida em uma cidadezinha sem muitos recursos – disse, rindo ao se lembrar do plano meticulosamente elaborado muitos anos antes. – Ingênuos, isso foi em 1864. Acham que Lionel O’Hanson morreu na virada do século.

— Mas e quanto à Kassandra? O que houve com ela?

— Ela está muito bem. Pode perguntar pessoalmente quando encontrá-la, se quiser. Foi ela quem escolheu e vestiu em você a roupa que estava usando quando acordou.

Catherine estava encantada com tudo aquilo; e agora sentia uma imensa vontade de conhecer aquela mulher que parecia ser tão incrível e tinha salvo a vida de seu tio.

Depois de conversarem mais um pouco, Linus conseguiu convencer Catherine a ir dormir. Antes de abrir a porta, tocou o ombro da jovem e a segurou por mais alguns segundos.

— E não se esqueça, minha querida – avisou Linus –, entre essas paredes, sou seu tio Lionel O’Hanson, um homem que conheceu durante toda sua vida. Lá fora sou Linus, o chefe de toda esta organização e do homem que a salvou.

A leve menção de Henry fez os lábios de Catherine se curvarem num sutil sorriso e seus olhos brilharem. Se Linus percebeu, não demonstrou.

— Todas as pessoas aqui, na sede e nas outras filiais são meus protegidos. Eu sou um pai de muitos filhos. E por isso ainda tenho muitos inimigos. Não posso me manifestar da mesma forma que já fiz antigamente, e por isso tenho porta-vozes como Kassandra. Ela leva minha voz a todos os lugares que precisam dela. E todos respeitam isso, pois somos uma família, entende?

— Sim, senhor – confirmou Catherine, percebendo a seriedade daquelas palavras.

— Ainda há muito a conversar, mas teremos tempo para isso – disse Linus, finalizando o momento. – Só não posso aceitar que minha querida sobrinha seja envolvida em nada arriscado. Não posso permitir que eles tenham conhecimento sobre você.

— Não precisa se limitar tanto, tio. Apenas oculte nosso parentesco, por mais que ele também não seja sanguíneo.

— Ele é mais real para mim do que qualquer laço de sangue, querida – respondeu Linus sorrindo.

Com um beijo na testa da jovem, despediu-se dela.

— Boa noite, minha querida Cathie.

— Boa noite, tio Lionel.

No dia seguinte, a pequena comitiva de Henry se preparou para retornar a Clervaux. Catherine não mencionou sua conversa da noite anterior com Linus a nenhum dos cavalheiros, mas percebeu que afinal não obtivera algumas informações que tanto desejava: o senhor Henry ainda era um mistério para a jovem, um enigma que sua mente implorava para desvendar. Inquieta e insatisfeita, Catherine decidiu silenciosamente que na próxima vez que encontrasse o tio, arrancar-lhe-ia as respostas que tanto desejava, caso não as descobrisse por conta própria.

Henry e Darell já esperavam no saguão térreo quando a jovem desceu. Junto deles estava Jullian, que se remexia ansioso para finalmente conhecer a nova protegida do amigo, a qual havia causado tanta comoção desde que chegara. Quando avistaram-na descendo a escadaria principal, Darell adiantou-se e foi estender-lhe a mão para recepciona-la.

— Bom dia, senhorita – saudou-a com um largo sorriso.

— Bom dia, senhor Darell – retribuiu a jovem com um sorriso acanhado ao ver que era aguardada por mais pessoas.

Segurando a mão de Darell, desceu os últimos degraus e foi abordada por Jullian, que lhe tomou a mão e logo se apresentou.

— Creio que seja a senhorita Catherine Duran, a nova protegida de Henry. Permita-me dizer que é uma honra finalmente conhece-la – disse sorrindo e depositando um beijo muito cortês na mão da jovem. – Meu nome é Jullian Thierry, a seu completo dispor – apresentou-se, fazendo uma mesura muito cortês.

— Que sutil – resmungou Henry, logo atrás. – Não saia se engraçando com quem acabou de conhecer – avisou de cara amarrada.

Jullian ignorou o amigo, enquanto Catherine enrubescia com a situação, sem saber o que lhe deixava mais envergonhada: o jeito galante e despreocupado do rapaz ou o comentário reprobatório de Henry. Era como se ela própria tivesse sido censurada, mas não sabia o porquê.

— Ignore os comentários rabugentos deste meu amigo, minha cara – disse, divertindo-se. – Ele parece mais carrancudo por fora do que realmente é por dentro.

Catherine não pode evitar um sorrisinho pela brincadeira e logo pareceu se sentir mais à vontade que um instante antes.

— Muito prazer, senhor Thierry.

— Ah, por favor! Me chame apenas de Jullian. Eu insisto – pediu de forma calorosa, dando outro beijo na mão de Catherine, que enrubesceu ainda mais que antes.

— Ei, Jullian! Pare de deixa-la constrangida – disse Darell sorrindo, enquanto fingia repreender o rapaz.

— Não posso evitar. A jovem senhorita é muito bonita – elogiou. Em seguida, olhou para Henry para ver como este estava reagindo ao momento e se divertiu ao percebê-lo incomodado. – A senhorita não gostaria de trocar de protetor? Seria um desperdício tê-la atada a um rabugento como ele.

— Er... eu... – Catherine não sabia o que dizer àquela investida e começou a se atrapalhar quando Henry, muito provocado, resolveu intervir.

— Chega disso, seu folgado! – ralhou, enquanto pegava a mão de Catherine na sua e a puxava para perto de si.

— Ora, Henry, não seja tão rígido – respondeu Jullian, erguendo as mãos como se estivesse se rendendo. – Sabe que eu estava apenas brincando.

Antes que qualquer um deles dissesse mais alguma coisa, algumas pessoas da guilda se aproximaram do pequeno grupo, demonstrando muito interesse na jovem misteriosa que nunca haviam visto. Antes que Catherine pudesse compreender qualquer coisa, Henry a puxou para trás de si, escondendo-a do público curioso que se aglomerava.

— Meu rapaz – cumprimentou um senhor alto, de cabelos negros, pele branca e nariz adunco com óculos. – Acaba de retornar de missão, não é?!

— Di Castle, há quanto tempo! – saudou outro homem, este mais baixo e de cabelos ruivos. – Parece que foi bem-sucedido novamente! – disse, apertando a mão livre de Henry, enquanto a outra segurava a jovem às suas costas.

— Henry, meu jovem – acenou uma mulher de meia idade de cabelos castanhos mesclados por fios brancos. – Está mais pálido que antes. Tem se alimentado direito?

Catherine estava admirada. Todas aquelas pessoas tinham interesse no seu protetor, mas ela não sabia se aquele alvoroço era natural, pois parecia que havia algo de muito estranho em toda aquela atenção. Henry tentava responder cordialmente todos os cumprimentos e investidas, mas parecia agitado. Antes que Cathie pudesse perceber, um menino pequeno de pele muito clara com sardas e cabelos negros se aproximou dela e puxou a barra de seu vestido novo, chamando-lhe a atenção.

— Moça, a senhorita é o novo familiar do mestre Henry? – perguntou de forma inocente, balançando-se envergonhado e mordiscando o dedão da mãozinha livre.

Antes que ela pudesse sequer compreender aquela pergunta ou pensar em uma resposta, Henry assustou-se com a abordagem do pequeno e virou-se, a tempo de vê-lo sendo pego no colo por uma mulher com as mesmas características físicas.

— Perdoe Michael, senhor di Castle, mas até ele está curioso para saber as novidades – respondeu a mulher sorridentemente.

Uma cacofonia de vozes começou quase imediatamente em seguida, todos curiosos e fazendo muitas perguntas.

— Que maravilhoso, meu jovem – disse um dos mais velhos. – Você conseguiu uma nova parceira!

— É raro, mas suponho que não seja impossível, afinal!

— E ela é tão bela quanto a anterior, não acha?!

— Certamente, mas nunca imaginei que ele teria mais um depois do que aconteceu com a primeira...

— Mas ela parece assustada, não acham?! Normalmente eles nascem com um ar tão pacífico e despreocupado.

— Agora que você mencionou, ela não está me parecendo um familiar, embora muitos se pareçam tanto conosco.

— Verdade. Dificilmente algum não parece humano...

— O que será que ela faz? Será que tem uma habilidade natural como a anterior, ou esta terá algum poder?

Catherine estava ficando zonza tentando entender tudo o que estavam falando. “Familiar”, “nascer”, “humano”, “poder”... O que tudo aquilo significava? O que estava acontecendo afinal?

Num rompante, Henry esbravejou, assustando a todos:

— Chega! – seu rosto estava vermelho e suas mãos tremiam.

Catherine percebeu que algo estava muito errado e tentou acalma-lo, pegando a mão que a escondia entre as suas, acariciando-a. Henry percebeu e olhou para trás, focando o rosto da jovem, que lhe sorriu de forma gentil. Quase imediatamente aquilo o acalmou, mas ele parecia acuado e frustrado.

— Que bando de desinformados – comentou Jullian, tomando a frente do grupo e abrindo os braços para separá-los dos amigos. – Antes de assaltar o pobre coitado desse jeito com enxurradas de perguntas, deviam se informar previamente! Parecem um enxame de abelhas!

Henry, Catherine e Darell - que também estivera tentando esconder a jovem atrás de si - ficaram estarrecidos. Jullian continuou:

— Esta jovem é tão normal quanto qualquer um de vocês aqui – disse, gesticulando entre Cathie e o grupo. – Ela é a nova protegida de Henry, assim como Darell. Ele a trouxe da última missão por motivos de força maior. Tenham um pingo de respeito pelo rapaz e parem de fazer tantas perguntas.

Como se aquilo tivesse sido uma ordem, todos se calaram. Depois começaram a se entreolhar e tentaram vislumbrar novamente Catherine por detrás deles.

— Tenho certeza de que o mestre Linus irá esclarecer tudo se perguntarem a ele – finalizou, gesticulando para os andares superiores.

Todos se remexeram desconfortáveis e muitos pediram desculpas.

— Não fazíamos ideia...

— Sentimos muito, não era nossa intenção tocar num assunto tão delicado...

— Imaginamos que poderia ser uma nova companheira...

— Sinto muito.

— Perdão, foi muito indelicado.

O grupo se dispersou aos poucos e uma aura constrangedora tomou conta do lugar. Todos pareciam desconfortáveis. Até mesmo Jullian suspirou e colocou as mãos na cintura como se tivesse sido muito difícil ter feito o que fez.

Novamente, antes que qualquer um percebesse, o menino puxou novamente a barra do vestido da jovem.

— Sinto muito, moça – disse de cabecinha baixa. – Não quero que o mestre Henry fique bravo comigo.

A mãe do pequeno percebeu tarde que ele havia se aproximado novamente e tentou se desculpar:

— Michael, por favor! Não importune mais a jovem senhorita.

Darell, Henry e Jullian se voltaram para ver a cena. Catherine se antecipou, agachou-se diante do menino e pegou suas mãozinhas, cujo tamanho lembrava tanto as dela dias antes. Aquilo deixou-a meio letárgica, mas ela logo se recuperou e sorriu para o pequeno.

— Não precisa me pedir desculpas – disse carinhosamente. – O senhor Henry também não ficará bravo, não precisa se preocupar – respondeu, embora não tivesse certeza do quão verdadeiras poderiam ser aquelas palavras. – Está tudo bem.

Por fim, deu um beijo na bochecha de Michael e sorriu novamente. Feliz com as palavras da jovem, o menino se sacudiu encabulado. A mãe suspirou aliviada.

— Como se responde para a senhorita querida, meu bem?!

— Obrigado, moça – disse sorrindo e retribuindo o beijo na bochecha de Catherine.

Darell e Jullian sorriram com a cena, mas Henry estava com uma expressão indecifrável.

— Vamos embora – disse apenas.

Chegaram ainda naquela tarde à mansão e Henry disse que estava sem fome e que iria para seu quarto. Catherine e Darell se olharam, mas, enquanto ela ainda estava muito confusa com tudo que havia acontecido naquela manhã, Darell parecia conformado com a atitude do amigo. Ele foi até a cozinha e convidou-a para ir junto.

— Ainda não almoçamos e não será bom a senhorita descuidar seu corpo depois de todas essas mudanças.

Ela apenas assentiu com a cabeça, mas estava ansiosa por respostas, e decidiu que não sossegaria até consegui-las.

Quando chegaram à cozinha, ela fez sua tentativa:

— Senhor Darell, o que é um “familiar”? – indagou o mais rápido que pode para não deixar a oportunidade esfriar.

O rapaz indiano estava de costas para ela e paralisou onde estava, diante de um grande balcão com utensílios para cozinhar.

— Senhor Darell, por favor, não me deixe no escuro – pediu antes de esperar uma resposta. – Quero fazer parte desta família, quero conhece-los, quero saber mais sobre o senhor Henry também, e não quero cometer nenhum deslize perto dele que possa machucá-lo.

Darell virou a cabeça para o lado, observando-a com o canto dos olhos. Percebendo a expressão em seu rosto, decidiu virar-se de frente para ela.

— Por favor! Não me deixe no escuro.

Darell suspirou, largou uma vasilha metálica sobre o balcão e apoiou-se nele.

— Isso é um assunto que eu evito tocar sempre que possível – disse, olhando para a expressão de súplica da jovem. – Mas não há como tentar encobrir o Sol com um crivo, ainda mais depois de tudo que aconteceu hoje de manhã. Venha, vou lhe contar uma história.


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Notas finais do capítulo

Foi comprido, eu sei, mas espero que tenham gostado. ^^
O próximo promete muito, mas pode demorar também porque ele vai ser especial (de certa forma).
Até breve, meus queridos!



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