O Circo Mágico escrita por Auriam


Capítulo 7
Objetivos


Notas iniciais do capítulo

Ainda não revizado



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E com vocês agora, senhor e senhor, Lisandra, na corda bamba!

Liz olhou com ceticismo para a plateia, apenas dois homens assistiam à apresentação na imensa arquibancada. Mesmo assim, os outros artistas pareciam animados (e animados para os padrões do Circo significava pouco além de uma economia nos suspiros), pois acostumaram-se com a tenda vazia ou com apenas um telespectador. Depois que o fotografo Heath começou sua campanha de publicidade, o público dobrou, e tudo indicava que continuaria a crescer.

Acabou não se tornando atriz, não levava jeito para a coisa quando tinha que declamar falas escritas por outra pessoa. O tempo de ladra havia feito dela uma garota ágil e com um bom senso de equilíbrio, somava-se isso a sua coragem nata, aprender a andar na corda bamba havia sido moleza, de tão fácil era até sem graça.

A sombrinha que usava era toda toda cheia de rosas bordadas em cor negra. Rasgada em alguns trechos e meio quebrada, era difícil abri-la sem danificá-la ainda mais e a cada apresentação ela estava pior. Vestia um vestido simples, branco com detalhes em preto, reto, mas que aderia aos movimentos do seu corpo. As mangas esvoaçantes desciam até o seu cotovelo e a barra batia, com recato, até um pouco abaixo do seu joelho.

Não havia perdido seu aspecto rebelde. O cabelo agora estava curto como o de um homem, e ela se recusava a usar maquiagem. As vezes, seus colegas de circo faziam-lhe uma grinalda de flores meio mortas sobre a cabeça, dando-lhe um aspecto um pouco mais feminino. Tratavam-na com algum cuidado por que ela ainda era jovem, mas Liz ainda não era uma criança afável. Tinha um olhar agressivo, estava sempre séria e nunca perdia a concentração.

Passou a dormir nas barracas ao redor da principal, junto das duas gêmeas. Ambas criaturas adoráveis e inocentes que se acomodavam perto da fogueira, aninhando-se uma a outras. A apresentação delas era uma mais reconhecidas, elas tinham sincronia, além de serem muito elásticas e leves.

Ambas eram mudas, e por causa disso ninguém sabia como haviam morrido ou que necessidades tinham, o que era desconcertante, pois, por tradição, todos compartilhavam sua história. Liz inclusive foi convidada a fazê-lo no início do treinamento na corda bamba.

Não chegava muita gente nova no Circo Mágico, eles contaram. Contaram que quando Liz veio um outro homem veio junto, era a primeira vez que algo assim acontecia. Depois deles o habitante mais recente tinha chegado no ano dois mil, dez anos atrás. Tinham curiosidade sobre como as coisas estavam entre os humanos, ninguém do Circo tinha acesso ao mundo de fora. Ela não soube trazer informações relevantes, seu conhecimento de mundo na época em que vivia era extremamente superficial.

O ordenado do Circo Mágico correspondia àquilo que arrecadaram em uma apresentação dividido entre todos os artistas com diferenciação entre os mais importantes e os menos importantes. Dado o fato de que diariamente, quando muito, recebiam duas pessoas, não é de se surpreender que boa parte dos artistas fosse pobre. Liz recebeu em seu primeiro mês de apresentações algo que equivaleria, no plano de onde ela havia vindo, a dez centavos.

Dinheiro, porém, não era importante o bastante para se tornar um problema. Estavam todos mortos, não havia necessidades vitais a serem satisfeitas, todos podiam, na verdade, viver com nada. Essa era a magia do Circo Mágico, no fim das contas. Boa parte dos artistas que para lá foram sabiam pouco além da própria arte e por esse motivo fracassaram em vida. Na morte, aquele lugar permitia a eles serem exatamente aquilo que eram, sem que para tanto tivessem de sofrer privações.

Em compensação, ninguém ali colhia o próprio sucesso. Pelo contrário, lá era lugar dos foram mal sucedidos. Liz não compreendia porque havia ido parar ali, aprendera malabarismo para pedir esmola no asfalta, mas essa certamente não fora a paixão da sua vida. Pelo contrário, pouco tempo havia depositado no domínio daquela arte.

Diziam que era assim, boa parte dos que para lá eram artistas, mas havia ainda o caso dos que simplesmente estavam no Circo porque o Circo quis, não tinham nenhum grande justificativa para tanto. O caso do locutor, cuja boa voz se mostrou de excelente uso, mas que em vida nada fizera além de trabalhar em um escritório. Caso também de Cornélia, que contava orgulhosa que em vida não fora nada além de uma prostituta francesa. Depois de dominar a feitiçaria criou alguns truques banais para apresentar no palco apenas para poder pagar sua cota no Circo Mágico.

Ainda que não precisasse de dinheiro para sobreviver, Liz ressentiu profundamente com o ordenado. Queria desesperadamente mais dinheiro porque estava determinada a recuperar o apreço de Chemoth, e para tanto fez um plano que para dar certo requeria muito dinheiro. Liz pretendia comprar um espelho bem melhor que o quebrado e devolver ao não mais pai na tentativa de se desculpar.

Desenvolveu uma obsessão por espelhos tão profunda quanto a de Chemoth. Todos os dias procurava entre os vendedores ambulantes aqueles que possuíam espelhos e já havia feito uma lista dos que possivelmente compraria. O triste era que qualquer espelho bom custava pelo menos dez mil vezes mais do que ganhava. Naquele ritmo teria de trabalhar tantos anos para conseguir o que queria que até lá Chemoth a esqueceria!

Pediu o aconselhamento de Cornélia dizendo apenas que queria mais dinheiro. A feiticeira foi categórica:

O Circo Mágico não dá o bastante para ninguém se tornar algo realmente valoroso. Você precisa trabalhar por fora com algo que seja realmente boa. Quando cheguei tive de continuar me prostituindo para conseguir o necessário para me tornar uma feiticeira.

A fala colocava Liz em uma situação delicada. Suas qualificações integravam um universo restrito e envolviam roubo e mendigagem. Como se tornar uma ladra quando não sabia diferenciar um simples fantasma de um demônio perigoso? E, sem sombras de dúvidas, nenhuma daquelas criaturas estavam interessadas em ajudar uma criancinha, ela não despertava tanta pena quanto em vida. Liz não precisava de alimento, não precisava de roupas, não precisava de nada. Dinheiro nas mãos dela certamente seria usado em luxos.

Por aquela época começou a cogitar criar seus próprios meus, assim como o notório Heath havia feito. Reparou que o Circo Mágico se mantinha com um intenso companheirismo entre os integrantes. Dentre desse companheirismo diversos desejos acabaram abafados. Um dos palhaços, por exemplo, sonhava em por as mãos nas duas pequenas gêmeas, protegidas pelos integrantes do grupo. Se ela aproveitasse a proximidade com as gêmeas, por exemplo, para fazê-lo lhe entregar um bom espelho, conseguiria chegar em seu objetivo.

Naturalmente aquilo apenas havia sido cogitado. Muita coisa ruim pensa-se simplesmente, sem jamais colocar em prática. Um fenômeno estranho acontecia naquele plano, porém, conforme aquele tipo de pensamento mesquinho (por desespero) fermentava em sua mente pequenas alterações em seu corpo eram notadas. O corpo estava se desenvolvendo e se aproximando à imagem sorridente vista no espelho de Chemoth, apesar de sua morte, supostamente, ter interrompido seu envelhecimento.

Estava se tornando algo belo, era verdade, mas todos sabiam também o que aquilo significava. Liz se tornava maliciosa, perigosa, havia perdido sua inocência. Cornélia ria da situação da pupila, dizia com desdém:

Jamais terá Chemoth de volta, almas como a sua são entretenimento para ele, nada além.

Cornélia certamente dizia isso porque ela mesma havia estabilizado naquele belo corpo de mulher. Mais que isso, a máscara branca aderida a sua pele não era pintada, surgira lá e era um claro sinal de que confiança alguma podia ser depositada em sua pessoa. Na vida pós a morte não existia um corpo falso para encobrir a verdade da alma, as pessoas tinham a aparência que antes encobriam em suas peles vivas.

A”, por exemplo, havia chegado com dezoito anos, mas já aparentava um velho cansado. Diana mudou pouco, sua alma era um santuário. Demônios como Kaiho e Auriam, por outro lado, tinham um outro corpo cobrindo a alma, um corpo morto, mas que ainda assim escondiam seus verdadeiros aspectos e permitia a eles viajar para o mundo dos vivos. Entidades como Chemoth não tinham alma e não mudavam. Continuavam da forma como um dia haviam sido concebidas.

A fala de Cornélia encheu Liz de desespero, mas mesmo assim seu corpo continuava evoluindo para o retrato da malícia feminina. Certa vez o locutor lhe recitou:

— ”Uma vez perdida a inocência, não há nada mais a ser feito”. É uma verdade conhecida.

O que faria? Liz tinha vontade de chorar, tamanha sua angústia. As lágrimas custavam a sair, e nunca vinham do olho novo. Eram lágrimas de ódio, na maior parte das vezes. Ódio contra o que, exatamente, ela não saberia dizer.

Insistia consigo mesma. Teria um espelho, era seu objetivo e não iria desistir. Cheia de convicção começou suas andanças pela feita ao redor da tenda principal tentando descobrir o que poderia comercializar, de que forma poderia obter seu espelho. Em certa ocasião, conheceu Heath.

Ele andava com sua câmera fotográfica pendurada no pescoço, se achava. Liz o reconheceu através da descrição tipicamente feita dele, e sem hesitar se aproximou:

Com licença.

Olá, o que deseja?

Meu nome é Lisandra, eu vim para esse mundo na mesma época que você...

Ele pareceu curioso.

É mesmo? Morreu de que?

Acidente de carro. Mas não vamos falar disso, eu preciso de ajuda!

Que tipo de ajuda?

Quero arrumar dinheiro também, me contaram que você se tornou um homem rico...

Ele suspirou:

Para que você precisa de dinheiro?

Preciso comprar um espelho para dar a Chemoth.

Chemoth? O dono da casa dos espelhos? Não acha que ele tem espelhos o bastante?

É uma longa história... — Ela parecia desesperada e impaciente.

Nós já estamos mortos, não estamos? Tempo nos sobra.

E puxou Liz para uma barraca e lhe pagou um refresco. Ela não tomava nenhum tipo de líquido desde quando havia deixado a tenda de Chemoth e ficou profundamente agradecida pro aquele agrado, embora tivesse preferido ganhar o dinheiro pago no refresco, e não o refresco (ele custava cinco vezes mais que tudo que ela tinha conseguido juntar em meses).

Liz contou da sua história com Chemoth. Heath deixou claro que não lhe entregaria um espelho, espelhos eram caros e ele não desperdiçaria recursos que pudessem lhe ajudar a alcançar o seu objetivo de alcançar Diana.

Então eu serei sua aliada! Eu posso ajudar a você...

Como?

Não sei...

Se você me trouxer qualquer informação que me leve até Diana ou consiga me levar até ela, eu lhe pagarei uma quantia generosa — E entregou a ela seu cartão, levantando-se em seguida.

Bom, foi um prazer conhecê-la, e eu sinto pela sua perda.

Ela fitou sem esperanças o cartão de Heath:

Certo, obrigada...

Sem um espelho para contemplar-se, Liz desconhecia sua aparência e como seus gestos infantis caiam mal naquele corpo adulto. Heath, por outro lado, já a via cm a malícia que sua aparência emanava, não reconheceu ali nenhuma graça infantil e interpretou aquela história de pai e filha como algum tipo de fetiche estranho entre amantes. Ainda assim, ela lutava por amor, da mesma forma fazia ele. Esse ponto em comum permitiu a ele ser um pouco mais receptivo.


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