Psicopatia Dos Sentidos escrita por Thaty Soares


Capítulo 4
Paladar


Notas iniciais do capítulo

Amargo e inesperadamente delicioso



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Paladar

- Não ouse tentar fugir novamente. – Ele disse com aquela voz fria, a repreendendo contra a parede.

Mas mesmo assim, ele não a tocava, sequer um dedo, apenas colocava suas mãos na parede de forma que ela ficasse entre seus braços. Olhava-a firme, como se a repreendesse. De certo modo, um sentimento de culpa a atingiu; tinha funcionado. Ele a havia deixado sozinha por míseros minutos e ela tentara fugir.

Se ele ao menos a castigasse, segurasse-a pelo braço, nem que fosse uma simples agressão física. Tinha certeza que seria melhor do que do jeito que a repreendia. Dominando pelo medo, pela proximidade que seus olhos estavam dos seus, sendo seu único foco. De certa forma, uma vontade de que ele tivesse orgulho crescia dentro dela, uma vontade imensa de ter aquele olhar como um olhar de satisfação. Abaixou o olhar até sua boca, observando cada contorno, devaneando o gosto de seus lábios, tão finos, tão dela.

Entreabriu os lábios inconscientemente, mas repreendeu-se, fechando-os novamente. O que tinha em sua mente de se deixar apaixonar por esse assassino? Apesar de tanta repreensão, não reparar em seus traços seria pura crueldade comparada à distância que ele se encontrava dela.  

Pareceu uma transmissão de pensamentos quando ele sentiu sua pele arrepiar-se no momento em que ela entreabriu os lábios, mas em seguida voltou a fechá-los. Mesmo assim, ele se mantinha na postura, não pelo fato de esconder seus sentimentos, mas sim porque cada vez que se lembrava da imagem da ruiva correndo em direção à porta, uma imensa raiva ocupava o lugar de qualquer sentimento, seja ele ciúmes, tristeza, solidão, desejo.

“Quem ela pensa que é? Ela é minha!” A raiva fazia essa frase repetir-se em sua mente incontáveis vezes, por mais que tentasse apagar. Quanto então a notou fitar seus lábios quase se aproximou por impulso. Aqueles segundos se contendo, mais pareciam horas dentro do fogo, com sua carne em chamas, queimando. Mas aquilo tudo era mais do que necessário, pensava ele.

Mas o gosto de seus lábios parecia tão irresistível...

- Como se atreveu? – Disse algo, finalmente, mas ela não ousou responder - Não entendeu que não pode fugir daqui? Não notou que esse é o propósito de manter portas e janelas trancadas, como não notou?

Não era aquela voz macia que acariciava seus ouvidos. Era autoritário, repreendedor. Um nó formou em sua garganta, impedindo-a de falar. Tremia da cabeça aos pés e sua mente lhe pregava a peça de lhe mostrar a cena que ele cortava o pescoço daquela mulher.

- Também, aposto que lá fora ninguém sente sua falta. Sem emprego, família, amigos, nenhum vínculo próximo de você, e ainda quer fugir para aquele mundo? – Os olhos dela marejaram, aquelas palavras tinham a atingido em cheio – Ninguém para estar junto a você, desfrutar as alegrias e dividir as mágoas. E ainda quer fugir para lá? Acha mesmo que aquele mundo é menos perigoso do que eu?

A este ponto, ele gritava com a real intenção de magoá-la. As lágrimas dela finalmente rolaram por toda a extensão do seu rosto, algumas caindo pelo seu queixo e marcando o chão com perfeitos círculos, outras chegando apenas a sua boca. Tinham um gosto salgado, molhado, triste.

- Se sente assim também? – Disse ela finalmente, vagarosamente, alternando entre um suspiro e outro, tentando conter o choro – Para descrever com tanta eficácia, deve se sentir assim. Se prendendo ao único vínculo que conseguiu formar porque uma curiosa percebeu que o acidente do metrô fora proposital.

Ele arregalou os olhos com sua perspicácia de dedução. Seria exatamente assim que se sentia? Estava tão preso ao brilho daqueles olhos? Não, ela tinha algo diferente, não era pelo fato de ter vínculos sociais parecidos. Ou melhor, a ausência deles.

Ele sabia que ela se sentia do mesmo jeito que ele, que ela era diferente. A única que bate de frente com ele, mesmo morrendo de medo, com tanto desse sentimento que quase se tornava palpável.

Ele não respondeu e se afastou. Mandou-a de volta para o quarto, onde a chave girou duas vezes e guardou-a consigo. Esperou alguns segundos na frente da porta e ouviu o choro da garota aumentar de suspiros para soluços contidos, provavelmente pelo travesseiro.

~*~

Ela tinha que sair dali o mais rápido possível. Passara a noite toda chorando e relembrando do que havia acontecido. A proximidade dos dois era extremamente pequena, quase como quando ele invadiu seu flat e sussurrou seu nome.

Ele não era alguém apaixonável, era um assassino, uma pessoa louca que precisava ser presa, até mesmo morta se fosse fazer uma fria análise das pessoas que matara. Uma por uma, todo o sangue frio, com cortes na garganta, afogamentos e cortadas ao meio por metrôs.  Nunca se ousou imaginar um numero de vítimas, mas sabia que eram muitas devido ao profissionalismo da limpeza do porão. 

Não havia nenhum resquício de sangue ou de morte naquele lugar, menos pelo fato de que às vezes tinha a sensação de que aqueles brilhos que deixavam os olhos das vitimas simplesmente pairavam sobre o ar, pesando o ambiente.

Não gostava de lá, definitivamente não.

Havia perdido a conta dos dias que estava presa e realmente cogitou a idéia de que ninguém sentira a sua falta. Aquelas palavras a atingiram como um soco no estomago, amargas.

Tinha uma concepção diferente para coisas amargas, pensava que elas davam certo tempero à vida, pois coisas doces podiam ser demasiadamente deliciosas e diretamente proporcionais ao enjôo que causavam.

Uma musica um tanto agitada, dançante podia ser ouvida de seu quarto. Curiosa, tentou abrir a porta. Para sua surpresa, ao girar a maçaneta a porta estalou e se abriu. Novamente se deparou com aquele corredor escuro e degrade, mas o medo de atravessá-lo foi muito menor. Seus passos estavam mais seguros, até chegar á cozinha e ver Peter com uma taça cheia de vinho e fondue.

- Resolvi te dar um voto de confiança – Disse ele, fazendo movimentos circulares com a taça – Sente-se, temos que comemorar sua segunda chance. Não se preocupe, não tem veneno.

Se antes não tinha intenção de comer, agora muito menos. Porém, seu estomago roncava a cada poucos segundos, mas se limitou ao vinho que ele colocou em sua taça. A levou à boca, deixando o líquido entrar e explorar, refrescando, mas deixando aquele gosto forte, um tanto encorpado e extremamente delicioso. Queimava sua garganta ao descer, devido ao álcool. Não era doce, era um vinho tinto seco, provavelmente vindo de Portugal.

- O que achou? – Perguntou ao vê-la depositar a taça vazia em cima da mesa.

- Gostoso. – Ela tomara a taça de uma vez e ele aproveitou a chance para encher novamente. – Então, se tenho mais uma chance, por favor, me deixe ir!

Ela implorou enquanto seus olhos marejavam. Talvez pelo estômago vazio e o vinho, sua cabeça começara a rodar, e como de costume, tudo o que estava preso na garganta era expulso. As lágrimas salgadas escorriam sem nenhuma resistência, percorrendo seu rosto alvo, um tanto rosado pelo choro e a bebida.

- Eu... Eu juro que não falo nada para ninguém, nunca saberão, nem mesmo com as maiores evidências, eu nego! Retiro todas as queixas, queimo as provas, minto para a polícia, te deixo em paz para assassinar, esquartejar qualquer pessoa... Mas eu imploro... – A esta altura, ela chorava copiosamente.

Peter, ao ouvir essas palavras, encheu-se de ira, segurou a taça com força e, como instinto, jogou-a para a parede, manchando-a. Ao mesmo tempo, antes que as gotas de vinho atingissem o chão, a mesa foi tombada. A garota levantou-se depressa, recuando até a parede enquanto aquele homem, agora irreconhecível num acesso de raiva, respirou fundo e passou a mão em seu cabelo negro.

Fitou-a e se aproximou, não tendo mais para onde recuar, ela olhava-o com olhos chorosos, implorando clemência, mas ao mesmo tempo feliz por ele não ter apenas a olhado com a mesma repreensão de antes.

- Por que você sempre estraga tudo? – Ele sussurrou, agora estranhamente calmo, um pouco magoado talvez.

Ela não chorava mais, era estranho porque ás vezes não chorava por medo, mas agora toda aquela vontade de chorar, havia sumido. Apenas restava aquele moreno na sua frente, cujo não tinha cara de assassino por mais que fosse.

Sabia que era proibido, mas cada vez que ele se aproximava desse jeito, um desejo extremamente grande a invadia, por mais que soubesse daquela raiva que ele continha em seu interior e o modo que a expressava pressionando um lábio contra o outro, aumentava quaisquer que sejam aqueles sentimentos que afloravam dentro de si.

-Desculpe... – Sussurrou de volta.

Estavam tão próximos que fora inevitável, os lábios se roçaram e um arrepio percorreu os dois ao mesmo tempo. Aquela raiva havia se esvaído, a partir daquele momento ele sabia que ela não iria mais tentar fugir. Por que tudo isso estava acontecendo? Ela era testemunha de um de seus assassinatos, como de costume ela teria que morrer.

Mas não tinha coragem de fazer com que o brilho daqueles olhos se apagasse, tão verdes, vivos.

Todos aqueles devaneios de qual seria o gosto do beijo de Peter foram alimentados naquele momento, quando o beijo se aprofundou e o gosto meio amargo, muito parecido com o vinho que tomavam invadira sua boca. Era extremamente delicioso, melhor do que o melhor pensamento que tivera, melhor que tudo que havia provado.

Tinha aquele gosto de álcool no fundo, misturado com medo, aquele toque de travessura proibida, alimentada pela tentação. Por alguns segundos se separaram em busca de ar, mas a mão do moreno afundou em seus cabelos ruivos, trazendo-a de volta para aquela deliciosa sobremesa.

Ainda estava um pouco atordoada pela bebida, mas foi isso que a deu coragem para continuar com tudo aquilo que tanto repreendia dentro de si, aumentando cada vez mais as tentações, desejos e imaginação – coisas que pensava que nunca aconteceriam enquanto sentia mais uma vez o cheiro daquele cobertor que era usado por ele.

Até que, enfim, se soltaram mais uma vez, bem devagar, cada um com seus pensamentos sobre o que realmente havia acontecido. Culparia o vinho, ela tentava se convencer. Porém, ao cair em si, não esperou mais, apenas desvencilhou dos braços dele e entrou no corredor, andando como se nada tivesse acontecido.

Podia ouvi-lo arrumando a cozinha, enquanto escorregava pela porta do quarto até o chão, juntando os joelhos ao corpo e levando as mãos a boca. O gosto daquele beijo ainda estava em evidência, principalmente quando se lembrava de quando seus lábios se tocaram. A lembrança estava tão forte que podia revivê-la vividamente e, por mais que fosse estranho, desta vez não estava se repreendendo por pensamentos tão proibidos.

~*~

Segunda madrugada sem mesmo conseguir fechar os olhos. Olhou no relógio que ele deixara na cabeceira da cama, onde o número três piscava incessantemente, sendo a única luz do recinto.

Desistira de dormir e abriu a porta o mais silenciosamente possível. Não iria tentar fugir, pois se tentasse poderia acabar morta e amor pela vida era algo que sempre carregara consigo – ou talvez fosse apenas medo da morte, mas para ela o que realmente importava é que aquilo ainda a mantinha viva.

Chegou á cozinha onde finalmente podia acender a luz sem medo de acordá-lo. Enquanto enchia um copo com água na esperança que aquilo a fizesse dormir, olhava aquela grande mancha vermelha na parede causada pela noite do jantar. O beijo a invadiu sua mente, assim como quando encostava a cabeça no travesseiro, o beijo que fora o grande vilão de suas perdas de sono.

Fechou os olhos e tentou tirar aquela lembrança de sua mente, mas mesmo duas noites mal dormidas, aquilo ainda impregnava sua mente como um vírus letal, contaminando todos os sentidos.

Quando, como num passe de mágica aquela lembrança fora esquecida temporariamente, conseqüência de um barulho suspeito que escutara. Ficou imóvel imaginando de onde viria aquele som que não conseguira definir. Repousou o copo na pia, parcialmente cheio na visão de otimistas e seguiu em direção de onde pensara ter vindo o barulho.

Estava em pé, diante a porta do porão. Uma voz da consciência mandava-a sair dali, voltar para o quarto e ficar olhado o relógio piscar os minutos da noite, porém um pequeno sussurro de sua mente conseguiu ser mais alto, e este a mandava girar a maçaneta – e assim o fez.

Desceu as escadas cuidadosamente, por mais que a luz estivesse acesa, até que ao virar da escada para dentro do cômodo vira outra mulher, dessa vez ruiva, vendada, amordaçada, viva e tentando desvencilhar-se das cordas que a mantinham presa firmemente.

Talvez fossem as mesmas cordas da mulher loira. Será que estas teriam os mesmos nomes? Por que uma ruiva? Estaria Peter tentando conter a vontade de matá-la e a direcionando para outras pessoas? Era inevitável conter as perguntas.

Sem pensar, pegou a faca com o intuito de libertá-la dali, mas ao se aproximar o brilho da lâmina estava muito tentador. Estava parada diante de uma mulher que tentava em vão perguntar quem estava ali. Mal sabia ela que não era seu assassino devido à venda sobre seus olhos, mas naquele nível de pânico, ela não se importava. Amordaçada e vendada qualquer um era o mais temível dos pesadelos, eram exatamente aqueles monstros das histórias que sua mãe contava quando era menor, que falavam para ser uma boa menina, uma boa filha.

Mal sabia ela também que estava completamente certa.

Melissa ainda observava a faca, sem entender o que acontecia. Visto de outros olhos, quando ela aproximou a parte mais afiada no pescoço da vítima, iria parecer algo habitual com tamanha naturalidade que ela o fizera.

Ela queria sentir aquilo que ele havia mencionado, o gosto de ter o controle sobre a vida de uma pessoa, todas as lembranças dela segundos antes de se apagarem, o brilho dos olhos sendo arrancados violentamente do corpo.

Ah, é mesmo, o brilho dos olhos. A parte mais importante. Com a outra mão delicadamente tirou a venda dos olhos da ruiva. A vítima observou a mulher á frente dela, com aquela arma na mão, quase encostando a lâmina em seu pescoço. Tentou gritar, mas a mordaça a impedia, o pânico a engasgava e o medo a paralisava.

Finalmente Melissa encostou a faca no pescoço dela, vendo sua circulação fazendo-a pulsar. O coração dela estava acelerado, o que aumentou ainda mais sua adrenalina, mas o bom senso estava começando a falar mais alto e fez menção de tirar a faca dali e libertá-la, quando um real sussurro adentrou em seus ouvidos.

- Mate-a.

Reconhecera aquela voz, era de Peter, afinal de quem mais seria? Porém ela balançou a cabeça negativamente, enfim tomada pelo medo que ele causava.

- Chegara até aqui sozinha, agora a mate. – Ele deslizou suas mãos pelo braço de Melissa, até juntamente com ela segurar a faca cada vez mais firme contra o pescoço da vítima. Suas mãos estavam juntas, com os dedos entrelaçados sobre uma arma.

Ele começou deslizar a faca com a maior calma do mundo, cortando superficialmente a pele da vítima. Melissa olhou tudo aquilo horrorizada, mas completamente intrigada. Percebendo isso, ele aprofundara o corte, acertando fluxos sanguíneos mais importantes até que, no fim do corte, a mulher se encontrava morta.

Melissa vira exatamente o momento em que a vida deixara o corpo dela, quando os olhos ficaram opacos. Conseguia imaginar também um sorriso nos lábios de Peter, aquele orgulho que tanto ansiava sentir agora era realizado, e sua mente de tão lotada em pensamentos, parecia completamente vazia.

Apenas, porém, com o mais forte de todos os pensamentos e de todos os sentidos, havia dentro de si algo que nunca imaginava que sentiria.

Sentira então, qual era o delicioso gosto de matar.

~*~


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Notas finais do capítulo

Desculpem-me a demora! Realmente aconteceram muitos imprevistos essa semana, junto com a semana de provas na escola e depois informaram que a escola estava falindo e enfim. Foi uma confusão... Mas eu ainda mereço meu comentário né? *-*



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