Psicopatia Dos Sentidos escrita por Thaty Soares


Capítulo 5
Tato


Notas iniciais do capítulo

Aquele toque, tão quente e tão poderoso, capaz de alterar a sanidade.



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O sangue ainda gotejava sobre o chão e Melissa o encarava como se contasse o número de vezes que isso ocorria, por mais que nada se projetasse em sua mente naquele momento. Era uma mente vazia, sem qualquer resquício de consciência, estava completamente atordoada.

A gravidade fora mais forte que a força de seus dedos perante a faca, fazendo-a deslizar e cair. Chegou até mesmo a subir mais uma vez, para apenas depois repousar definitivamente sobre o chão.

Estava assustada. O que fizera? Como tivera tamanha coragem? Matara uma pessoa, com completa frieza, desumana. Nem conseguia mais estabelecer diferença entre si e Peter. Era uma assassina repugnante semelhante a ele, apenas para sentir aquele gosto – ah, aquele mesmo, tão indescritível – de matar.

Sentira os dedos dele ainda entrelaçados com seus, o que a fez deixar aquelas perguntas de lado para prestar a devida atenção àquele contato. Pusera-se para pensar desde quando desejava aquelas mãos nas suas. Talvez quisesse aquele contato - não apenas em sua mão, mas em toda a extensão de seu corpo – desde que aqueles olhos repousaram sobre os seus na estação do metrô. Tudo nele era intenso, sua pele era quente, diferente, como há muito tempo não sentia, desde os tempos de menina onde namorar estava entre suas prioridades.

Sentira o corpo dele mais próximo do seu, encostando-se como uma presença esmagadora, pois sóbrios o único contato que tiveram fora um leve roçar das vestes quando ele estivera em seu flat.

E seus dedos, antes entre os dela, agora deslizavam sobre seu braço acima até seu ombro. Aquele arrepio percorria seu corpo conforme a mão dele subia. Estava com medo daquela sensação, mas era tão quente naquele ambiente tão gélido. Era um choque que ela não podia controlar, mas ainda ansiava que pudesse fugir dali.

Aliás, ainda queria fugir?

Ele então, como um golpe de mestre, aproximou sua boca do pescoço dela, que estava tão convidativo. Os pêlos da nuca eriçaram sem nenhuma resistência, enquanto sua cabeça tombava para trás, entregando-se para aquela umidade entre as pernas.

Peter ao perceber a entrega, virou-a se frente para si, entrelaçando-a entre seus braços e encostando a testa na sua. Ela fitava os lábios de Peter como se estivesse com sede deles, uma droga não antes percebida, mas depois de experimentada, necessária.

Fora mútua a aproximação dos rostos, ambos com saudade daquele contato inexplicável. Roçaram os lábios, como se relutassem contra aquele desejo, julgado, até mesmo por Peter, insano, porém agora era tarde. Sentiram um choque em seus corpos, quando por fim selaram o beijo. Estava mais intenso, mais delicioso do que antes.

Quando perceberam, já estavam esbarrando entre os degraus da escada, depois entre móveis da cozinha, as paredes do corredor e a cômoda do quarto. Apenas lapsos de consciência entre os tropeços ou beijos. Ou quando caíram juntos sobre a cama, sobre a coberta de pêlos marrons.

As roupas, uma em cada cômodo que passaram, como uma trilha direto para a casa de doces. Os dedos habilidosos de Peter passeavam pela pele dela, fazendo-a delirar, e ela nem mesmo se encontrava completamente nua, quando os corpos se uniram.

Respirações fortes, gemidos interrompidos por beijos, uma das mãos de Peter afundaram sobre os cabelos da ruiva, fechando o punho, puxando todos os fios de uma só vez obrigando-a a deixar a cabeça para trás, deitando-a sobre a cama, alojando-se entre suas pernas que o enlaçaram com destreza, as unhas se cravaram nas costas do moreno, o que mais serviu de incentivo.

Tão eufóricos, tão jovens, frios. Na psicopatia, na dor, nos sentidos, no prazer desmedido estavam os dois corpos entre os lençóis, no ápice da luxúria.

~*~

Ela acorda, ainda com lampejos das memórias da noite anterior. Estava tudo tão confuso, drogada pelos fatos, da visão do moreno na sua frente, aquele cheiro irresistível, o gosto de fazer o errado, seu nome sendo sussurrado em seu ouvido. E o melhor de tudo: Aquele toque que a fazia derreter, em todos os sentidos. Fora a melhor noite de sua vida, isso ela tinha absoluta certeza.

Porém, todas aquelas lembranças feitas com a pessoa errada, assim pensava.

Seus olhos ainda grudavam ao piscar, pesadas pálpebras que a impediam de acordar totalmente. Desistira então de abri-las naquele momento, enquanto respirava fundo e erguia seus braços o máximo possível, até um estranho corpo ao seu lado.

Agora sim, tinha um motivo real para abrir os olhos. O susto a fez girar seu corpo para o moreno ao seu lado, e estanhar os olhos ainda cansados, como se ao estarem mais abertos mudaria aquela visão ao seu lado.

Porém começara a admirar o seu foco. De como o lençol repousava suavemente sobre seu corpo de lado, completamente adormecido sobre um braço e o outro sobre seu peitoral desnudo até quase o travesseiro dela. Dessa forma, ele não parecia ser perigoso, quase arriscaria dizer que estava apenas assustado, arrumando uma forma de se esquivar do mundo.

Até que a imagem do sangue gotejante invadiu sua mente.

Sentou-se e apoiou a cabeça entre as mãos. Queria que aquela imagem simplesmente desaparecesse, mas era inevitável ver aquele corpo inerte, ainda sangrando. Ainda fresco.

Aquilo não deixou sua mente até que tomasse coragem para descer até o porão. Era notável cada passo, cada um deles sendo um martírio sufocante, porém ela era movida por ele. Precisava se lembrar quem era aquele monstro que residia aquela casa, que pouco a pouco estava a seduzindo até que na noite anterior estavam sobre a mesma cama, unidos como Adão e Eva.

 E lá estava ele, o corpo daquela mulher tão nova. Olhava-a com tal admiração, ou medo, que por olhos de terceiros parecia procurar um mísero movimento, algo que denunciasse que estivera apenas fingindo a morte.

Mas aquele movimento não veio.

Um arrepio percorreu sua espinha, além do sentimento de arrependimento que a atropelou com mais eficácia que qualquer carro. Suas pernas cederam e seus joelhos foram de encontro ao chão frio, parcialmente manchado de escarlate.

As lágrimas então vieram à tona, chorando sobre aquela alma. Como tivera coragem? Mas ao lembrar-se do momento que a matara, toda aquela adrenalina correndo o seu corpo...

- Não, não, não! Não se lembre disso sua idiota! – Gritava para si mesma – Quem sou eu? Não posso ser uma assassina...

- Não mesmo? – Virou os olhos em direção àquela voz – Certamente ao sentir novamente aquela navalha nas mãos, a mataria novamente sem pestanejar.

Seu coração disparou, seu rosto avermelhou-se e esquentou. Sentia seu peito doer como nunca sentira, mas não era uma dor física. Sabia que se ao menos o abraçasse como na noite anterior, toda aquela dor desapareceria.

- Você é igual a mim Melissa. Isso realmente é algo que nunca esperaria que acontecesse.

E então, ao procurar a fera, Melissa encontrou o espelho. E este, preencheu seu ímpeto de busca.

Peter estava vendo a transformação daquela simples professora, desabrochando em seus mais profundos desejos, escondidos dela mesma. Sabia que assim como ele, ela sentira a vida da refém em suas veias, revigorando a cada último suspiro, como se a roubasse para si.

E quem poderia imaginar que dentro de uma cidade daquelas, entre tantas outras, ele acharia uma ruiva como ela, um amor como aquele.

Aproximou-se, no caminho enlaçou uma navalha com os dedos, até chegar à garota perdida ajoelhada no chão frio. Ajoelhou-se junto a ela, segurou sua mão como fizera quando ajudara a matar. Novamente sentia aquela pele quente junto a sua, tão desejada.

Lentamente ele fez um corte em seu braço, juntamente com ela, exatamente como cortaram a garganta daquela mulher agora inerte. O sangue começou timidamente dar o ar da graça, ele por um instante tentou recuar o braço, mas sentira firmeza no pulso de Melissa e não ousou mexer-se.

- O sangue te encanta? – Aquela voz saíra pesada por conta da dor, mas para ela ainda estava de forma aveludada. Ah, como garotas apaixonadas são bobas.

Melissa finalmente acordara de seu transe com o gotejar do sangue de Peter. Novamente aquele cheiro de ferro em suas narinas, como num lapso de sanidade, voltou-se ao seu estado que considerava normal. Via-se então com a mão entre uma navalha e o assassino.

Segurou firmemente aquela arma, desvencilhou-se das mãos do moreno, levantando-se e recuando um ou dois passos. Apontava a lâmina como se fosse um revólver, seu corpo tremia, a sua alma gritava e sua mente só tinha foco para apenas uma coisa.

Precisou das duas mãos para manter-se firme. Ele aparentava estar assustado, não esperava tal atitude da ruiva, porém isso não o deixou com raiva ou até mesmo traído. Transpareceu esse sentimento com uma pequena risada de canto – tão sedutora quanto o dono – o qual deixou claro a semelhança entre aqueles dois.

Não, não, ela não podia deixar-se vencer! Há quantos dias estava presa ali? Ah, perdera a noção do tempo, nem mesmo sabia onde estava, mas sabia que não teria outra chance daquelas.

Ela sabia o que precisava fazer.

Avançou uma, duas, três, incontáveis vezes, provocando pequenos arranhões ou até mesmo cortes mais fundos naquela pele alva do assassino que agora era a vítima. Ele tentou segurar seu pulso, mas ela teve a proeza de cortar a palma de sua mão e a dor o impedira de continuar a sua defesa.

Estava entrando em pânico, com a outra mão tentou segurar o braço da moça, porém ela também desviou e sentiu aqueles dedos agarrarem sua roupa, puxando-a.

Tanto Peter quanto Melissa não percebeu aquelas gotas de sangue fresco, causada pelos cortes que ela fez nele. Num momento de descuido, ambos escorregaram de frente para uma estante que havia ali ao lado. A estante em que Peter guardava alguns livros, vidros, navalhas e lâminas de todos os tipos.

Peter sentiu todas aquelas armas perfurando sua pele, arranhando, cortando aos poucos, antes da estante em si desabar em suas costas. Em milésimos de segundos, ainda teve a oportunidade de empurrar Melissa dali. Ela, meio cambaleante, caíra em cima da mulher morta, derrubando-a da cadeira, caindo ambas para trás.

Segundos se passaram, mas que mais pareciam horas. Os estilhaços de vidro estavam em toda parte, inclusive um deles ricocheteou para o rosto de melissa, cortando-a um pouco abaixo da linha do olho esquerdo.

Depois de um tempo, Melissa finalmente levantou-se do chão ao lado do cadáver e foi cautelosa em direção aquela estante. Arrastou-a até descobrir o corpo fraco de Peter, onde ainda dava para perceber sua respiração, porém fraca. Por todo seu corpo haviam cortes fundos, o sangue exalava um cheiro muito forte, mais do que Melissa já sentira.

Sentiu um aperto no peito ao vê-lo daquele jeito, mas sabia o que teria de ser feito. Virou o corpo que antes jazia de bruços, despertando-o de alguma forma. Ele abriu os olhos e a viu sobre si, com a navalha muito próxima de seu pescoço, balbuciou algo que parecia uma risada seguida de uma tosse de dor, devido aos estilhaços e lâminas que entraram em seu corpo, próximo ao estômago. Havia um pouco acima da linha da cintura um corte considerável feito por uma faca. Praticamente todo o sangue que sujara o chão viera dali.

Ela sabia que se o deixasse ali provavelmente sangraria até a morte, mas ainda tinha um pouco de compaixão, assim tentava se convencer. Ainda não sabia se queria matá-lo pela adrenalina que sentira aquela vez, por compaixão, ou pela razão de sair viva dali e pedir ajuda.

- Você é... – Ele falava lentamente pela dor – Idêntica a mim... Idêntica a como eu era antes...

Os olhos dela marejaram, seu peito apertou, sua barriga gelou. Naquele instante tudo que queria era abraçá-lo com todas as forças, tirá-lo daquele lugar mórbido, salvá-lo do sangramento. Fechou os olhos, deixou que as lágrimas caíssem sobre ele, procurou dentro de si a raiva que precisava, ou a adrenalina de ter a vida de uma pessoa em suas mãos.

Ao ter esses pensamentos, parou de chorar instantaneamente dando lugar a um olhar impiedoso e um sorriso de canto.

- Você sabe que irei matá-lo – Disse sem pestanejar, mas a voz ainda tremulava. – Quer dizer suas ultimas palavras?

- Seja rápida... Amor. – Respirou fundo - Assim como... Ensinei-lhe...

Em apenas um golpe, cortou-lhe a garganta com a mesma eficácia que ele fazia. Até mesmo mais rápida, dando-lhe uma morte menos angustiante. Ficou observando-o até o brilho de seus olhos negros desaparecesse. Agora, tão opacos, pareciam ainda mais profundos e misteriosos.

Ela fechou-lhe os olhos com as mãos, dando um fim aquela história sanguinária que ele proporcionou a muitas vítimas. Ainda o observava, até que caiu em lágrimas.

 Levantou-se e cambaleou entre soluços até a escada, onde sentou e chorou. Chorou de medo, de felicidade, de tristeza, de amor, de todos os motivos que encontrara até agora. Ao acalmar-se notou que teria que sair dali, deixaria tudo como estava. Um dia alguém os encontraria. Sabia que a sepultura certa seria aquele porão, com aquela aura tão pesada das pessoas que já morreram ali.

Saiu de lá, encerrando de vez a história daquele assassino tão sedutor.

~*~

Aproximadamente um mês depois, Melissa estava sentada em sua cama, de um novo apartamento. Os acontecimentos do mês anterior a assombravam naquele antigo apartamento, então resolveu se mudar. Até porque ela não era mais a mesma pessoa.

Zapeando os canais, encontrou o jornal de sua região dizendo algo sobre cachorros. Informação inútil, mas resolveu deixar ali enquanto terminava de desempacotar algumas coisas, e separando algumas que iriam ser guardadas no porão.

Uma coisa então chamou sua atenção, fazendo-a sorrir de canto.

“- Estamos ao vivo numa casa de campo, aparentemente reforçada para o frio, atrás dos policiais em busca de um assassino em série que aparentemente está morto. A investigação da polícia que havia começado a aproximadamente um mês atrás com o aquele acidente que provavelmente todos lembram, quando um homem foi morto na estação”

Ela riu baixo, mas foi o suficiente para acordar a pessoa que estava em seu porão. Pegou certa lâmina que repousava sobre uma das coisas que mais tarde seriam levadas para lá, mas naquele momento apenas levou aquilo consigo.

- Ah, então você finalmente acordou. – Disse, para uma garota amarrada na cadeira, amordaçada e com aquela mesma expressão de medo pela qual estava acostumada – Viu as notícias querida? A pessoa que me ensinou tudo que sei, finalmente foi encontrada. Ah, será que ele terá um enterro decente?

Levemente cortou o rosto dela, exatamente onde havia ficado uma singela cicatriz, uma lembrança evidente daquele fatídico dia. Aquela seria sua forma de assinatura, dessa forma poderia transpassar o que sentira aquele dia, na sua pele aquele corte fino, dolorido, que a marcaria pra sempre, marcaria todas as suas vítimas.

Também era uma forma de homenagem, pois assim como ele, matar era sua nova profissão.  

- Agora que acordou, por onde vamos começar? 



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Notas finais do capítulo

Enfim acabou, espero que tenham gostado ^^
Eu quero meu review ok? eu dediquei bastante tempo a essa história, eu mereço né? KK
Obrigada por acompanharem *-*