Depois de percorrermos, literalmente, mais de cem mil lojas, Kat acabou por se decidir entre as centenas de opções de vestidos curtos para a festa de noite, na praia.

- Mas o roxo tem aqueles folhos tão fofinhos... E o preto ? O preto é tão sexy ! O vermelho é fenomenal... Mas se calhar com aqueles sapatos era melhor... Ai Emma ! Ajuda-me, estou a ficar aflita ! - dizia ela, enquanto caminhávamos pelas ruas, de loja em loja, à procura dos vestidos perfeitos. Embora eu não estivesse com metade do entusiasmo dela.

Mas Katlyn era assim. Entusiasmava-se com tudo, mesmo.

- Sapatos ? Não vamos estar na praia ? Não é suposto andarmos descalças ? - perguntei.

Ela parou de caminhar, segurou-me nas mãos e obrigou-me a virar-me para ela.

- Emma, Emma. É claro que vamos andar na areia, descalças. Mas quando sairmos da praia, como vamos andar calçadas ? - exclareceu-me, movimentando as mãos pelo ar.

- Com chinelos de praia ? - atrevi-me a perguntar.

- Não, não, não! Nem pensar. Saltos altos. Tem de ser ! Vá ! Por favor, vais ter um vestido perfeito e uns sapatos perfeitos, okay ? Por mim ... ? - suplicou-me, fazendo beicinho.

Arrgh. Eu queria que Ryan olhasse para mim, não para os meus pés.

Mas ela estava ali com aquele olhar de um pobre cachorrinho, a fazer beicinho. Eu nunca conseguia resistir.

- Aii, tabém !

Ela sorriu e continuou a andar, a grandes passos.

Bem, passadas 2 horas, Kat finalmente acabou a escolha.

Tínhamos voltado a casa para arranjar o cabelo, estragado pelo dia na praia, e a maquilhagem.

Caminhavamos agora em direcção à festa:

Kat com o seu corpo perfeito metido dentro de um vestido curto e justinho e uns sapatos altos enormes, que a faziam parecer ainda mais gigante do que ela já era.

Eu, ao seu lado, não tinha aceite usar um vestido que delimitasse cada parte do meu corpo, e, optara por um vestido mais solto: bege na parte de cima e preto na parte de baixo. Tinha calçado uns saltos nude, os quais me começavam já a causar dor, e ainda não tínhamos sequer chegado à festa.

O silêncio das ruas era interrompido pela música da festa, que já se ouvia, e claro, pelos guinchos de Kat, que não se cansara de repetir o quanto ela estava entusiasmada e como ia ser inesquecível.

Quando nos começámos a aproximar da praia, conseguia ver o pôr do Sol, a iluminar toda a superfície de um tom de cor-de-laranja quente.

A praia estava cheíssima e, pelos vistos, havia uma banda a tocar ao vivo.

Descemos as escadarias até ao areal e finalmente descalcei-me, agradecendo a Deus pelo fim da dor que aqueles malditos saltos me estavam a causar.

Matt, Kyle, Susan, Kelly e outros amigos nossos aproximaram-se, também todos entusiasmados.

- Woow ! Vocês estão fabulosas!

- Onde compraste o vestidos? E os sapatos ?

Alheia a todos os comentários, os meus olhos percorriam toda a praia à procura dele. Em todos os grupinhos de amigos, toda a multidão, eu não conseguia distingui-lo.

A praia estava cheia de tochas das quais as chamas saíam, e iluminavam toda a extensão da praia.

Haviam inúmeras pequenas cabanas de madeira velha, juntas umas às outras, com artesanato, roupas, jóias, exposições, pulseiras da sorte. As pessoas passavam por elas, comprando uma coisa aqui e outra coisa ali.

E mais uma vez, Ryan não era uma dessas pessoas.

- Cocktails ?! - exclamou Kat, entre risos.

Num grande alarido, todos concordaram e, rapidamente puseram-se a correr para o bar da praia que ficava mesmo ali, ao subir das escadas.

Não tencionava ficar ali sentada, no meio da multidão toda que dançava alegre com os seus amigos, solitária. Não tive outro remédio senão, ir atrás deles, com passos pesados a enterrarem-se na areia até finalmente chegar à mesa onde eles se encontravam.

Entre gargalhadas e bebidas, os meus amigos estavam a divertir-se como se aquele fosse o último dia da vida deles. E era, visto que, mais do que para mim, o começo da escola significava a morte para eles.

Ao olhar para além da esplanada do bar, que tinha um aspecto moderno e inovador, com puffs coloridos e mesas baixas a condizer, a praia começava a ficar cada vez mais cheia, e tornara-se difícil distinguir os rostos.

- Emma o que se passa ? - perguntou Kyle, abstraindo-se da conversa deles e dando-me alguma da sua atenção e preocupação.

Desloquei os meus olhos para ele.

- Nada. - respondi.

O problema era que aquele " nada " era mais um "tudo" . Tudo.

Ryan não gostava de mim. E eu não era a sereia perfeitinha, que o podia conquistar apenas ao passar à sua frente.

Mesmo que eu desse o primeiro passo e tentasse ter algum tipo de " amizade ", ele nunca olharia para mim da mesma maneira que eu olhava para ele.

E não se aprende a gostar de alguém. Se ele algum dia gostasse de mim, já teria acontecido.

- Então porque não aproveitas a festa ? É o último dia de férias, anda lá ! Só tens de aproveitar ao máximo. Tu sabes fazer isso! - disse-me ele, em tom encorajador, aproximando a palhinha do seu cocktail, para eu beber.

Tossi. Cocktail com alcóol. Obviamente, eu não estava habituada.

Ele riu-se.

- Sabem o que me apetece fazer ?! - gritou Kat, que ainda não tinha perdido uma pontinha da energia desde manhã.

Ela pegou nas extremidades do seu vestido, puxando-o para cima, exibindo as suas curvas, que já se faziam notar quando ela estava vestida, então agora...

Estava com o seu biquini novo, também comprado propositadamente para a Sunset Party.

Os rapazes na esplanada não se conteram em assobiar, e a aplaudir, não que isso incomodasse Kat.

Sorri por ela.

Todos se levantaram e correram em direcção ao mar, tencionando tomar banho, de noite.

Pensava ter ficado sozinha, quando avistei Kyle, ao meu lado.

- Não vais ? - perguntou.

Abanei a cabeça.

- Não...

- Porquê ?

Porque não tenho todas aquelas curvas como a Kat, a Susan, a Kelly... - pensei, mas acabei por dizer:

- Vou ver as cabanas ali ao fundo. - forcei um sorriso.

- Tens a certeza? - insistiu.

- Sim.

- Okay então...

E também ele se pôs a correr , pelo areal, retirando a sua t-shirt, até alcançar a água.

Dirigi-me então às tais pequenas cabanas de madeira.

Cabanas com gomas, com bugigangas, pulseiras, anéis, colares, outras com algodão doce... A verdade era que as pessoas que passavam por ali, não eram poucas, tornando-se um bocado difícil a circulação.

A minha intenção não era comprar, realmente alguma coisa. Era apenas passar o tempo.

Olhei para o relógio. Eram apenas 9 horas. A noite estava a passar demasiado lentamente.

Sentei-me num banco de madeira, sozinha, observando o que me rodeava.

Seria impossível não o reconhecer.

Com os seus olhos de um verde profundo e o seu cabelo castanho despenteado. As suas feições perfeitas, quase pareciam surreais.

Quase suspirei quando o vi. Olhei-o de cima a baixo.

Estava com roupa informal. T-shirt lisa, calções de banho e chinelos de dedo.

De todas as formas, continuava perfeito.

Voltei os meus olhos novamente para o seu rosto e o meu coração quase parou quando percebi que ele também estava a olhar para mim.

Até que vi o seu sobrolho franzir-se, e a confusão expressar-se na sua cara.

Tinha a noção de que tinha estado a olhá-lo fixamente... demais.

Senti a minha cara ferver e obviamente que estava mais do que corada.

Levantei-me e dirigi-me para o meio da multidão, para ele me perder de vista, passando por ele, pois não havia outra hipótese.

Porém, ouvi a sua voz.

- Desculpa, será que te posso ajudar em alguma coisa ?

Desta vez, deixei de sentir o meu coração e obriguei-me a ignorá-lo, mergulhando por entre aquela maré de gente.

Quando senti que finalmente estava suficientemente longe da vista dele, parei de caminhar tão depressa para respirar.

Voltei a relembrar a cena que acabara de se passar.

- Sou mesmo estúpida. - pensei.

Uma mulher de idade apareceu à minha frente.

Estava vestida com uns trajes pretos que lhe tapavam toda a pele, apenas exibindo a sua cara marcada pelas rugas vincadas e o seu nariz extremamente comprido. Alguns cabelos brancos, fugiam-lhe do carapuço.

Desta vez fui eu a franzir o sobrolho. O que é que alguém como ela fazia ali ?

- Minha menina... - disse ela, num múrmurio, com voz rouca e trémula.

Senti um aperto no coração. Estaria ela a falar para mim ? Não consegui deixar de sentir compaixão.

- Sim ? - perguntei desconfiada.

- Não quer pedir um desejo ?

Ela retirou uma esfera de vidro debaixo das suas mantas negras.

Um desejo como assim ? Ah, uma bola de cristal ? Ahahhahaha.

Esforcei-me por conter o riso.

- Desculpe ?

- Peça um desejo. É grátis. É o último desejo desta bola de cristal. Mas peça com cuidado, porque realiza-se mesmo !

Deixei um breve riso escapar-se-me. Com que então... ? Seria possível haverem ainda pessoas a acreditar em poderes mágicos, em cartas, e bolas de cristal ? Para além do dinheiro ? O que é que ela queria então ? Grátis ?

- Tenho de ir. - desculpei-me, virando-lhe costas.

- Menina ! - chamou-me ela, com a sua voz que parecia ser forçada, e fraca.

Queria virar-lhe costas e ir-me embora. Afinal, nunca mais a veria, e aquilo não passaria de uma piada para contar, mais tarde.

Mas havia algo na sua figura que me impedia de o fazer.

Voltei-me novamente para ela e esperei que ela dissesse alguma coisa.

- Aproveite. Peça com cuidado.

Ela aproximou-se de mim, estendendo a bola em frente aos meus olhos.

Uma simples bola de vidro, não ia resolver os meus problemas.

Avistei Ryan.

O meu coração sobressaltou-se.

Olhei uma última vez para a mulher, que me continuava a observar com os seus pequenos e escuros olhos castanhos.

- Sabe ? Neste momento, eu desejava ser invisível.

E desatei numa corrida, para fugir dele.