Amu continuou andando, aparentemente sem destino e por caminhos desconhecidos. Quando tudo no cenário ao seu redor estava começando a parecer igual e ela começava a se sentir perdida, ouviu uma cantoria mais adiante. Esperançosa, Amu acelerou o passo, indo em direção às vozes estranhamente familiares, até que chegou a uma enorme mesa, bem comprida, e também bagunçada, com várias cadeiras brancas ao redor da mesma, quase todas vazias, exceto por duas cadeiras muito próximas uma da outra no final da mesa, sendo que uma era ocupada por um rapaz mais velho que ela, e a outra pro uma menina mais nova.

O rapaz era bem alto, tinha olhos verde-esmeralda, e vestia uma camisa branca com um colete roxo por cima, e uma gravata vermelha frouxamente amarrada em seu pescoço. Usava calça e sapatos cinzas, e uma cartola roxa com um trevo sob seus cabelos ruivos e espetados.

Já a menina usava um vestido rosa claro, que ia até um pouco acima dos joelhos e tinha mangas curtas e fofas, e calçava botas de cano curto por cima da meia-calça que usava. O vestido todo era decorado com muitas fitas, rendas e babados brancos, que combinavam perfeitamente com suas luvas de renda, sem falar nas duas grandes e pontudas orelhas que saíam do topo de sua cabeça, que Amu reconheceu imediatamente como sendo orelhas de coelho.

Não havia a menor dúvida de que aqueles dois eram o Ex-Valete Souma Kukai e a atual Às Yuiki Yaya. Tirando as roupas diferentes, era como se estivessem em mais uma tarde tranquila no Royal Garden, durante uma das muitas reuniões dos Guardiões, na época em que Kukai ainda era o Valete. Amu ficou feliz em encontrar os amigos, já estava ficando cansada de andar por aí sozinha sem ninguém pra conversar, mas sabia que os dois provavelmente não a reconheceriam. Mesmo assim, resolveu se aproximar da mesa, e quando ia sentar-se em uma cadeira ao lado de Yaya, a mesma levandou num pulo e gritou:

- Não pode sentar aí, não tem mais lugares!!
- O que?! - indagou Amu confusa - Como assim, ainda tem muitos luga...
- Não, não, não pode se sentar, os lugares acabaram!! - repetiu Yaya
- E não foram só os lugares que acabaram... o chá também acabou de acabar - anunciou Kukai
- O queeee?! O chá acabou?? Que tragédia!! Isso é ruim, precisamos mudar de lugar, depressa!!

Os dois arrastaram Amu até a outra ponta da mesa, onde havia mais bules de chá, e os três se sentaram.

- Aceita uma xícara de chá? - ofereceu Kukai
- Ah... sim, claro - respondeu Amu, ainda meio apreensiva por conta da última experiência que tivera com bebidas daquele mundo estranho. Mas se Kukai e Yaya estavam bebendo o tal chá sem encolher, nem crescer, nem nada disso, então provavelmente era só um chá normal mesmo.
- Ahh, não pode dar esse chá pra ela! Não tá vendo que o copo tá sujo, sua besta?! - exclamou Yaya, literalmente arrancando o copo de chá das mãos de Amu e atirando-o pra longe
- Aff... escutem, eu tenho uma pergunta pra fazer... - começou Amu, tentando ignorar o fato de ter tido seu copo arrancado violentamente de suas mãos, mas Kukai a interrompeu
- Sim, sim, uma pergunta! Qual a semelhança entre um corvo e uma escrivaninha?
- Semelhança entre... ahh, é uma charada né? - exclamou Amu empolgada - Vamos ver... corvo... escrivaninha... humm... será que... não, não pode ser isso... então... bem... ah, desisto, eu não sei
- Não sabe o que? - perguntou Kukai
- Qual a semelhança entre um corvo e uma escrivaninha? - indagou Amu
- E eu que sei?! - exclamou o garoto
- M-Mas foi você quem disse!! - protestou Amu irritada, sacudindo um dedo na cara de Kukai - Você falou isso antes, então responda, qual a semelhança entre um corvo e uma escrivaninha?? Vamos, quero saber a resposta da charada!!
- Sabe, você não devia fazer charadas das quais não sabe a resposta, as pessoas podem se zangar - comentou Kukai, tomando seu chá tranquilamente, enquanto fazia Yaya ter um ataque de risadas com o comentário
- Mas foi você quem... ahhh esquece... - murmurou Amu cansada
- Aceita mais chá? - ofereceu Kukai, mudando drasticamente o rumo da conversa
- Como posso tomar mais chá se ainda não tomei nenhum?! - indagou Amu zangada
- Isso quer dizer que não pode tomar menos! - riu-se Yaya, devorando uma fatia de bolo em seguida
- Aaaarrghh céus!! Vocês estão me cansando mais do que o normal!! - bufou Amu nervosamente - Eu só quero saber como posso sair desse mundo de doidos!! Será que não tem ninguém aqui normal que possa me dizer?!
- Ah, isso é impossível, todo mundo aqui é doido - comentou Kukai com um sorrisinho
- Mas não quero falar com gente maluca! - protetou Amu
- Mas somos todos doidos. Eu, por exemplo, sou o Chapeleiro Louco. E essa aqui ao meu lado é a Lebre Maluca - disse Kukai, apontando para si mesmo e em seguida para Yaya
- Lebre de Março é meu nome oficial, mas sou só a Lebre Maluca pros amigos íntimos - sorriu Yaya dando uma piscadela - Mais chá?
- Não, eu não quero mais chá!! - bufou Amu perdendo o restinho da pouca paciência que lhe restava
- Tá bem, tá bem, não precisa se zangar! - exclamou Yaya - Puxa vida, e pensar que lhe oferecemos nosso precioso "Chá de Desaniversário"...
- Chá de Desaniversário?! - repetiu Amu confusa - E o que raios é isso?!
- Ora, você não sabe? - comentou ela convencida - Um chá de desaniversário é... bem... 30 dias tem setembro, então... hãn... um desaniversário é quando... err... hihihi ela não sabe o que é um desaniversário... - riu-se Yaya por fim, ao mesmo tempo em que tentava desconversar
- Eu te explico, minha cara - disse Kukai pomposamente - As pessoas têm apenas um único mísero aniversário por ano, apenas unzinho... mas existem 364 desaniversários pelo resto do ano todo! Portanto, podemos tomar muito chá!
- Sério?! Então hoje é meu desaniversário! - exclamou Amu empolgada
- Oh, mesmo? - exclamou Kukai - Nesse caso...

Kukai e Yaya fizeram uma roda ao redor de Amu e começaram a cantar:

- Um bom desaniversário
          - Pra mim? - indagou Amu
         - Sim, sim!
         - Um bom desaniversário
        - Pra mim? - indagou Amu
       - Sim, sim!

Kukai tira a cartola da cabelça numa reverência, e debaixo dela havia surpreendentemente um bolo de anivérsário (ou desaniversário nesse caso) com velinhas e tudo.

- Agora assopre as velas mas não queimes o nariz! - cantou Kukai
- Um bom desaniversário... feeeliiiiiiz!!! - cantaram Kukai e Yaya juntos, encerrando a canção, enquanto Amu assoprava as velas.

http://www.youtube.com/watch?v=csC2gxCX03s&feature=related

Porém,  por algum motivo, foi como se ela tivesse assoprado fogos de artifício: O bolo literalmente explodiu, jogando glacê pra tudo que é lado, inclusive no rosto e no cabelo de Amu.

- Oh céus e agora?! Meu cabelo está todo sujo! - exclamou Amu, examinando o estrago
- Ora não fique assim, isso não é nada... - disse Kukai dando de ombros
- Como que não é nada?! Você sabe quanto condicionador eu vou ter que gastar pra fazer meu cabelo voltar ao normal?? Esse seu bolo maluco arruinou meu lindo cabelinho!! - gritou Amu zangada
- Calma, calma, não precisa se exaltar! - exclamou Yaya - Quer um pouco de chá?
- Não, eu não quero mais chá! - gritou Amu histericamente - Eu só quero saber como sair daqui, vocês sabem ou não??
- Sabemos, é claro. Mas não temos acesso à saída - respondeu Kukai
- Apenas Sua Majestade controla as entradas e as saídas desse mundo, você terá que ir até ela se quiser sair daqui - explicou Yaya
- "Sua Majestade", é? Ah sim, acho que tinha algo assim no final... droga, é a parte da história que eu menos gosto - resmungou Amu - Tudo bem, como faço para encontrá-la?
- Só quem possui acesso ao Castelo de Sua Majestade é o Gato de Cheshire. Você terá que falar com ele se quiser visitar Sua Majestade - falou Kukai, tomando outro gole de chá
- Tá, e onde raios eu encontro esse gato afinal?? - perguntou Amu impaciente
- Ah, é moleza, ele vive dando bobeira nas árvores do jardim aí em frente - falou Yaya, apontando para as árvores depois da saída do jardim em que estavam
- Humm certo... então acho vou procurar esse tal gato, não tem outro jeito mesmo... - murmurou Amu conformada
- Haaai~! Tchauzinho Alice! Boa sorte, vá pela sombra, e tome cuidado para a Kayako, nem a Samara, nem o Freddy¹ pegarem você, hein?! - exclamou Yaya sorridente
- Ai credo, vira essa boca pra lá!! - gritou Amu, irritada e assustada ao mesmo tempo - Bom, de qualquer forma, obrigada pela aju... - Amu ia agradecer, mas tanto Kukai quanto Yaya já haviam recomeçado sua cantoria, ignorando-a por completo, então Amu foi embora sem dizer mais nada.

À medida que avançada, as árvores pareciam ficar mais altas, e a crescer mais juntas, tornando cada vez mais difícil de ver o céu entre as folhagens, o que tornava o lugar bem mais escuro, fazendo parecer que já era noite. Amu já estava começando a ficar com medo, quando uma voz às suas costas a chamou.

- Então finalmente nos encontramos... minha perdida Alice
- Quem está... ah, é você - disse Amu ao reconhecer o dono da voz.

Um garoto mais velho e consideravelmente mais alto a observava de cima do galho de uma das árvores mais altas. Vestia uma camisa listrada em roxo e azul, uma calça de couro preta, meio caída por falta de cinto, tinha uma coleira com guizo dourado no pescoço, e calçava algo que lembrava pantufas em forma de patas de gato. Também usava luvas do mesmo estilo, que combinavam perfeitamente com a cauda que possuía e com as orelhas felinas no topo de sua cabeça.

- Ikuto... até você veio parar nesse mundo de bizarrices, é?! - exclamou Amu - E que roupa mais esquisita pra um gato, hein, fala sério...
- Por favor, me chame de Gato de Cheshire enquanto estivermos aqui. E por que a surpresa? Você já tinha me visto antes, não é? - disse Ikuto se espreguiçando em cima do galho
- Ah sim, você é o gato de estimação da Duquesa... é bem a cara da Utau fazer uma coisa dessas com você hahahahahaha! Só não sei como você foi entrar no jogo dela... mas ainda assim, é engraçado hahahahaha!! - Amu conseguiu rir pela primeira vez desde que chegara àquele mundo insano
- Se vai ficar aí parada rindo da minha cara, eu vou embora - anunciou Ikuto, começando a desaparecer a ponto de ficar transparente
- Não, espere!! Por favor, não vá!! - exclamou Amu, com medo de ficar sozinha de novo naquela floresta escura e assustadora. Para sua surpresa, Ikuto desapareceu por completo, mas reapareceu instantaneamente atrás dela, envolvendo-a num embaraçoso e sufocante abraço
- Humm seu cabelo tem um cheiro tão gostoso, Alice... - comentou Ikuto, cheirando o cabelo dela -  Parece até... chá de hortelã?!
- D-Deve ser por causa do chá que a Yaya me fez derramar quando arrancou o copo da minha mão... e vê se me solta seu neko hentai!!! - exclamou Amu, corando furiosamente e pisando no pé (ou seria pata?) dele com força e forçando o homem-gato a soltá-la
- Miaaaau!! - Puxa vida, essa doeu ~nya!! - exclamou Ikuto pulando num pé só enquanto segurava o pé machucado
- Ahh não, não começa a falar que nem o Yoru, por favor - resmungou a garota - Olha só, eu preciso chegar ao Castelo de Sua Majestade o mais rápido possível, você sabe como eu chego lá?? Porque, se não sabe, não tem motivo pra eu ficar aqui perdendo tempo com você
- Mas como você é cara de pau... pedindo ajuda pra um pobre gato inocente que você mesma acabou de pisotear... - comentou Ikuto fingindo-se de vítima
- Olha, gato até pode ser, pisotear é exagero mas ainda vai, agora inocente?! Você não é inocente nem no meu mundo original, nem aqui em Wonderland, nem... nem... nem em Soul Society!!!² - exclamou Amu, dizendo a primeira coisa que veio à sua cabeça
- Uau! Nem em Soul Society?! - repetiu Ikuto com espanto - Isso é incrível! Não sabia que minha fama de pervertido tinha chegado até lá...
- Você parece estranhamente feliz com isso - comentou Amu com uma gota na cabeça
- Bem, é claro! Todo mundo gosta de ficar famoso, não é? - argumentou ele com entusiasmo - Mas agora, voltando à sua pergunta... eu sei como chegar ao Castelo sim, mas por que quer ir até lá? Sua Majestade é completamente pirada! - avisou Ikuto
- Ehhh?! Mas eu não quero falar com pessoas piradas! - reclamou ela
- Ahh mas você não pode evitar... todo mundo aqui é pirado. Eu sou pirado. E você é pirada, se considerar o fato de que está falando com um gato - acrescentou ele sorrindo, e deixando Amu sem argumentos
- B-Bem, que seja... eu só quero sair desse mundo insano, você vai me dizer como chegar ao Castelo sim ou não?! - perguntou Amu impaciente
- Claro que digo... se em troca você me der um beijo - disse ele, alargando seu sorriso pervertido
- O queeee??? Sem chance, não vou beijar você! Nem agora, nem nunca, ouviu seu gato pervertido?! - exclamou Amu, enrubescendo até a raiz dos cabelos
- Gato pervertido não, é Gato de Cheshire, minha querida - corrigiu ele, ignorando por completo o constrangimento da menina - E o que é que tem? É só um beijinho... não se faça de difícil! Você tem é sorte, aposto que várias pessoas adorariam estar no seu lugar, sabia?  Devia aproveitar a oportunidade
- Já disse que não, deixa de ser teimoso!! - gritou ela, fingindo irritação para disfarçar seu embaraço
- Bom, já que você não quer me beijar em troca da informação... então vamos fazer um Pactio!³ - exclamou o neko com entusiasmo
- O que?! Isso aqui não é Negima, seu lesado!! - gritou Amu irritada
- Nesse caso, tenho um segredo pra te contar - anunciou Ikuto de um jeito misterioso
- O que?! Segredo? E o que você poderia saber que eu não saiba? Algum jeito de sair de Wonderland ou seja lá que lugar for esse, por acaso, é?? - indagou Amu começando a ficar curiosa
- Nada disso, minha querida Alice - disse Ikuto, sacudindo um dedo na cara dela - Mas já que você quer tanto saber, eu te conto.

Ikuto aproxima sua boca do ouvido de Amu, que começa a corar instantaneamente. A garota realmente esperava por algum grande e revelador segredo, mas só o que o neko sussurrou em seu ouvido foi:
- Eu vejo gente morta...*
- É o que??? - indagou ela
- Todo o tempo... não sabem que estão mortos... - continuou ele, por fim, assoprando o pescoço de Amu, causando-lhe fortes arrepios
- P-Pára com isso, não é hora pra brincadeiras de mal-gosto, seu imbecil!! - exclamou Amu nervosamente, se afastando vários passos do neko - Olha aqui, se não vai me dizer como chegar ao Castelo por bem, então eu vou embora e pergunto pra outra pesso...
- Tá bem, tá em, eu desisto - interrompeu Ikuto - Se quer tanto assim visitar Sua Majestade, eu ajudo você
- Mesmo?! - exclamou Amu ainda um tanto duvidosa - Então... como eu chego até o Castelo afinal??
- Bom... uns vão por aqui - disse ele apontando para a direita - Outros vão por ali - ele apontou para a esquerda - Mas eu, pessoalmente, prefiro esse atalho aqui.

Ikuto puxou um galho particularmente fino de uma árvore próxima e, como se o mesmo fosse uma alavanca, fez um estranho barulho de rangido, abrindo uma porta secreta no tronco da árvore, que levava para fora da floresta escura em que estavam

- Uau isso foi incrível! - admirou-se Amu - Como fez is... Ikuto? - ao olhar para o lugar em que Ikuto estivera segundos atrás, Amu se deu conta de que ele havia desaparecido por completo novamente, e dessa vez não parecia que iria voltar. Sem outra opção, Amu entrou pela porta secreta que surgira no tronco da árvore, mais uma vez rumando para o desconhecido e rezando pra que esse pesadelo acabasse logo.

¹  Referência aos filmes de terror O Grito, O Chamado e A Hora do Pesadelo, respectivamente

² Soul Society é o nome dado para o Mundo dos Shinigamis no anime/mangá Bleach

³ Referência ao anime/mangá Negima, onde onde o mago sela um contrato mágico (Pactio) através de um beijo

* Referência ao filme O Sexto Sentido

*** Próximo Capitulo : Chegando no Castelo de Copas ***