Eles estão aqui escrita por Lyn


Capítulo 2
Danny




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Danny Torrance possuía um raro dom. Algo dentro dele brilhava e contrariando a lógica, esse seu brilho interno se tornava ainda mais intenso em meio à escuridão. Isso era uma dádiva e uma maldição, como de praxe. Preso naquele antigo hotel, agindo de forma absurdamente altruísta no auge de seus sete anos de idade, o garotinho tentava ignorar o perigo ao qual se submetia ao permanecer naquele lugar, apoiando seu pai no novo emprego. Jack, seu pai, era um alcoólatra em recuperação que conseguira aquele ótimo emprego, tomando conta do desabitado Overlook Hotel em seu período fora de temporada. Todos os anos durante o rigoroso inverno, o hotel de veraneio fechava suas portas, devido ao local de difícil acesso por conta das nevascas.

Ignorando os perigos que ainda rondavam aquele antigo hotel, cheio de histórias trágicas provindas de um passado sangrento, os pais de Danny concordaram em ali permanecer por vários meses a fio, completamente isolados, cuidando da manutenção do lugar. Longe da civilização e sem possibilidades de pedir qualquer auxilio, exceto por um velho rádio, eles não faziam idéia do perigo monstruoso ao qual se submetiam e, principalmente submetiam seu filho, o incomum Danny. O garotinho com fortes poderes paranormais era constantemente atormentado pelas coisas que ainda pareciam, mais que habitar, fazer literalmente parte daquele hotel. Cada parede, cada detalhe, cada quarto trancado parecia guardar uma sórdida e horripilante história, que com a presença de Danny deixavam de ser apenas vislumbres e marcas, tornando-se mais fortes e perceptíveis ao canalizar os poderes do pequeno menino.

E aquele Hotel parecia ficar cada vez mais insistente, clamando e chamando por Danny. Faziam questão de amedrontá-lo, mas o pequeno insistia em manter as visões para si mesmo. Usando o conselho do simpático cozinheiro que os recepcionara ali meses atrás e parecia entender muito bem a situação de Danny, sem que esse nada lhe dissesse, o garotinho tentava solucionar o problema por conta própria. Dick, que percebera o potencial especial do menino e possuía, ele próprio, uma pequena e nada comparável parcela desse estranho dom, pedira para que Danny ignorasse qualquer coisa assustadora que aparecesse pelo Hotel e que, principalmente, as evitasse. Assim elas desapareceriam e o garotinho estaria seguro.

Mas Danny estava cansado de tudo aquilo. Dos sonhos, das visões, das vozes. Ele realmente acreditava que se pudesse enfrentar aquelas coisas, venceria e o deixariam em paz. Foi por isso que por uma segunda vez, desobedecendo a seu pai, pegou a chave mestra do segundo andar no escritório principal e aproximou-se cautelosamente da porta do quarto que Dick o fizera prometer evitar. Danny não sabia dizer por que seu amigo se preocupava com aquele quarto em especial, visto que o garotinho tinha uma péssima sensação quanto a todo o hotel. De todos os cantos algo maligno e cruel parecia impor-se.

Danny girou a chave e a tranca se abriu com um discreto barulho metálico. Girou a maçaneta ignorando a apreensão que tomava conta de seu ser e empurrou a porta para que se abrisse de uma só vez. A visão daquele quarto vazio ao contrario de acalmá-lo, fez com que ele tivesse que ignorar o impulso de correr na direção oposta. Adentrou no recinto com passos cautelosos. Não olhou a sua volta, pois de alguma forma, como se sonhasse acordado, sabia que deveria seguir diretamente para o banheiro. O caminho até a porta pareceu interminável, desnecessariamente árduo, apesar do piso acarpetado e plano. Danny não percebeu a porta à suas costas fechar-se lentamente com um pequeno ranger, como se manuseada por uma mão invisível.

-Junte-se a nós, Danny. – um sussurro feminino ecoou pelo requintado quarto, fazendo com que o garotinho parasse próximo a uma poltrona de veludo vermelho.

-Não. – Danny respondeu em voz comedida.

-Sim, Danny. Sim... – a voz insistiu em um murmúrio excitado.

O garotinho olhou a sua volta com olhos muito abertos, voltando a caminhar lentamente. Nada daquilo tinha poder para feri-lo. Eram como Dick, o cozinheiro, dissera: apenas figuras em um livro. E se Danny virasse o rosto as ignorando por alguns segundos, desapareceriam.

-Olhe, Danny... Olhe! – a voz sussurrante de um homem se juntou a primeira que se ria. –Junte-se a nós...

-Nada aqui pode me machucar. – o garoto tapou os próprios ouvidos com as mãos, fechando os olhos com força. – São apenas figuras em um livro.

Quando baixou as mãos, olhando a sua volta, as vozes e gargalhadas já haviam se extinguido. Danny voltou a caminhar, murmurando uma canção infantil para confortar-se. Chegando frente a porta de madeira do banheiro, o menino espalmou suas mãos sobre a superfície, abrindo-a de uma só vez, como fizera com a primeira. O som de água pingando lentamente ecoava pelos azulejos brancos. Danny tentou ignorar aquele som desconcertante, enquanto se aproximava lentamente da banheira oculta por uma cortina branca. Ele parou ao perceber uma sombra através da cortina. Alguém parecia estar deitado dentro da banheira.

-Um, dois, três, quatro, cinco... – Danny contou rapidamente, atropelando as próprias palavras com os olhos fechados e as mãos apertadas fortemente em punho. – Seis, sete, oito, nove, dez!

Quando abriu os olhos, procurou, ansioso, pela sombra na banheira há poucos metros de si, mas ela havia sumido. Aproximou-se da banheira vazia, ainda incerto e amedrontado.

-Não há nada aqui. Não há nada aqui. – repetia para si mesmo, o coração martelando em seu peito.

O gotejar continuava a ecoar pelo banheiro, quando Danny levou a mão a cortina branca, puxando-a com força. Ao desvelar a banheira, sufocou um grito se deparando com a figura de uma mulher ali deitada. Contudo, ela já não parecia uma mulher. Sua pele era esverdeada, cheia de veios e extremamente enrugada. Seus cabelos pareciam palha molhada e quando abriu as pálpebras, olhos brancos e sem vida encararam Danny. Um sorriso de dentes podres, lábios roxos e ressequidos tomou conta daquela boca putrefata.

-Olá, Danny. Estive esperando por você. – sua voz arrastada pronunciou-se ecoante como o rosnado de um animal faminto. – Nós todos estivemos.

Danny deu as costas, gritando, enquanto corria para longe. Não eram figuras em um livro, eram reais. Eram reais e o queriam. O garoto deu de encontro com a porta de saída do quarto. O caminho que percorrera tão demoradamente fora feito em apenas alguns segundos. Tentou girar a maçaneta, mas a porta não se abria. Em seu desespero, Danny olhava por sobre o ombro, ouvindo os passos molhados da mulher aproximando-se. Ele lutava com a maçaneta de modo feroz, grunhidos infantis deixando seus lábios por conta do esforço. A mulher da banheira começou a cantarolar a mesma canção que Danny estivera cantando para se acalmar alguns minutos antes.

- Um, dois, três, quatro... – o menino contou o mais rápido que pode, lutando com a maçaneta da porta, mas a voz na mulher não se extinguiu. Pelo contrário, Danny conseguia sentir o cheiro de podridão logo atrás de si. Tinha a impressão de que algo se aproximava de seu ombro. – Não existe. NÃO EXISTE. NÃO EXISTE!

A porta finalmente abriu-se, deixando que o garotinho corresse para fora do quarto, aliviado em rever aquele corredor ricamente decorado. Sua respiração estava pesada e suas pernas sem forças. Suor escorria por seu pescoço, resfriando a pele trêmula. Quando colocou a mão sobre o próprio coração, tentando se acalmar para que os pais não fizessem perguntas, o par de mãos úmidas e esverdeadas saiu de dentro do quarto, agarrando-o pelos pequenos ombros.


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Notas finais do capítulo

Essa é a introdução da personagem Danny. A cena foi inspirada pela do filme mais recente, adaptação de "O Iluminado".



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