Anne Bergerac: As Portas Da Contradição escrita por Ana Barbieri


Capítulo 4
Capítulo 4




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Capítulo 4

 O fato de que talvez haja um criminoso atrás de mim, me deixa totalmente assustada. Não sou uma mulher que se assusta facilmente, mas, nunca na minha vida alguém estava pagando outra pessoa para me seguir. Outro fato intrigante... Holmes não falou nada sobre isso comigo. Estranho. Estou no mundo da lua, preciso de alguma coisa para fazer, se não vou ficar louca.

        _ Posso entrar? – já entrou não acha?

        _ Entre Holmes. – ele entrou, com uma bandeja. Agora me lembrei que não desci para o café. Ele trouxe para mim, realmente gentil. Isso me lembra que ele tem sentimentos humanos. – Ora, quanta gentileza. Obrigada.

        _ Não precisa ser sarcástica comigo. Só... Estava preocupado, não desceu para o café hoje. Nunca perdeu nada nesta casa, nem nenhum caso. – claro... O que? Como disse?

        _ Como disse? Quem...?

        _ Contei ao Watson que você participaria do nosso próximo caso. Ele me contou que tem sido seu informante sobre os últimos, explica muita coisa.

        _ Agora devo supor que está furioso conosco?

        _ Não. Furioso não. Surpreso sim. – o que? – Intrigado por você ter ignorado uma ordem direta da minha parte, convencendo o pobre Watson para seus fins ardis. Me surpreende a cada dia Anne Bergerac. Manipuladora e ardilosa, isso é o que você é.

        _ Um momento, eu não manipulei ninguém. Estava roendo as unhas de curiosidade para saber sobre seus casos e Watson se ofereceu para me deixar a par de tudo. Se não fosse por ele, eu não conseguiria ter lhe dado a dica de quem era o chantagista do seu antepenúltimo caso. – ele se cala mais uma vez. Já é a segunda vez que faço com que ele se cale. Estou gostando disso. Contudo, como ele pode ser tão ingrato? Eu só fiz isso para poder ajudá-lo. Não sou tão inútil quanto eu acho que ele pensa que sou.

        _ Sim e agradeço, mas...

        _ O desagrada o fato de que sou a única pessoa nessa casa, capaz de desobedecê-lo. Bem, acostume-se Sherlock Holmes. Pode me dar um teto, pode ser o que for comigo. Mas não pode me impedir de fazer o que acho ser certo.

        _ Me desobedecer é certo para você?

        _ Não me refiro a isso. Ajudar os amigos, é a isso que me refiro. Enfim, não quero mais discutir com o senhor. Obrigada pela bandeja, agora, peço que se retire dos meus aposentos. – ele não se mexeu. Na verdade, ele se sentou. O que diabos ele pretende? Me enlouquecer?

        _ Vim aqui com o fim de ter uma conversa civilizada com você. Porém, tem o talento de me fazer discutir com você. Vou me aproveitar que não quer mais discutir e terei essa conversa com você. – bufei. Estou bufando. Só não vou sair desse quarto, pois se alguém sair, será ele. Está bem, vamos ter essa conversa. Me sentei de frente para ele na beira da minha cama e estou esperando.

        _ Queria falar sobre o que aquele homem disse. Sobre alguém mandar vigiá-la. A minha única certeza é a de que está correndo perigo Anne. E repensei sobre...

        _ NÃO! NEM ME VENHA COM DESCULPAS! EU NÃO VOU DESITIR DE ACOMPANHÁ-LOS NO PRÓXIMO CASO! – o olhei suplicante. – Holmes... Você prometeu... – eu pareço uma criança indefesa. Totalmente vulnerável e com lágrimas nos olhos. Quero acompanhá-los mais do que tudo no mundo, nada parecia contra... Até agora. Choro, soluço, me humilho na frente dele. Sinto como se ele pudesse rir de mim e eu não ligaria. Contudo, ele não está rindo, ao contrário, está me encarando sério. Fechei os olhos. De repente, senti alguma coisa me envolver em um abraço. Abri os olhos. Holmes estava me abraçando, com tamanho carinho que não consegui lutar, apenas deixei. Agora... Alguém pode me explicar porque me senti pior quando ele me soltou?

         _ Sinto muito Anne.

         _ Não sinta. Não precisa. Apenas me deixe acompanhá-los... Eu lhe suplico. – ele continua a me encarar. Com uma pitada de pena nos olhos agora. Se ajoelhando, ele me disse:

         _ Se eu permitir promete me obedecer? Fazer tudo o que eu pedir para fazer? Se eu mandar você correr, correrá. Se eu mandar você atirar, atirará. Se eu mandar você e Watson fugirem para se salvarem, fará isso? – eu deixei uma última lágrima escapar e o abracei.

         _ Farei. – não tenho certeza quanto à última, mas, melhor ficar calada. – Só me deixe ir com vocês.

         _ Está bem. Você irá. – eu o apertei mais. Que alegria, estou realmente feliz agora. Permaneço nos braços dele, incapaz de me soltar, com medo que ele mude de ideia. De repente, a porta abriu. Watson está parado ali, observando com vontade de rir.

         _ Watson – disse me soltando de Holmes – que surpresa. Sentiu nossa falta?

         _ Um pouco Anne. Subi para ver se ainda estavam vivos, afinal, o arsenal do Holmes é aqui ao lado. Vejo que estavam se entendendo.

         _ Meu caro Watson... Não deve pensar que...?

         _ Eu não pensei nada meu amigo. Essa foi por sua conta. – não pude reprimir o riso agora. – Bem, gostaria de saber se não poderiam me acompanhar até uma consulta inesperada. Lord Stanpleton me pediu para ir até sua mansão, ver como está à esposa... Pelo visto tem andado muito doente e nenhum médico conseguiu dar o diagnostico.

         _ Supõe-se que ele espera que eu vá. Por que outra razão pediria que o melhor amigo de um detetive desse o diagnóstico de uma doença misteriosa?

         _ E com isso ele não está desmerecendo sua fama ou trabalho, querido Watson.

         _ Com certeza não Anne. – ele piscou para mim. Melhor ficarmos quietos e falarmos sobre a modéstia de Holmes mais tarde.

         _ Vai nos acompanhar Anne?

         _ Com o maior prazer. Agora que sabe do meu segredo, não tem porque continuar a conseguir os fatos de Watson, quando posso ver tudo com meus próprios olhos. – assim, segundos depois já estávamos longe de Baker Street e tomando um coche para a mansão de Lord Stanpleton.

        O lugar parecia ser mal assombrado. Uma aparência que Poe dava a suas casas nos livros. Lugares em que tudo poderia acontecer, incluindo um assassinato... Mas, não devo pensar no pior. Sentada de frente para Holmes, com Watson ao meu lado, não conseguia parar de pensar no que senti quando o abracei. Por que diabos me senti pior quando nos soltamos? Claro que Holmes vinha sendo como um pai para mim desde a morte do meu pai, mas, não era como eu me sentia em relação a ele realmente. Não o via como um pai. Era quase o irmão mais velho chato... Sim, isso mesmo. Mas, não somos irmãos... Realmente não somos.

         _ Seu primeiro caso. Como se sente? – Watson sempre gentil.

         _ Ansiosa. Esperando que tudo aconteça... Menos algum de nós morrer.

         _ Não devemos pensar nisso mesmo.

         Quando descemos da carruagem, fomos recebidos por um lacaio que me pareceu ser um dos mais velhos da casa. Tinha aparência de um morto vivo e estava sério demais. Nada parecido com a maioria dos lacaios aos quais estou acostumada. A casa por dentro é mais assustadora do que por fora. Cheia de armaduras e decorações excêntricas. Acho que a mulher dele não tomou partido ao decorar a casa, pobrezinha. Deveria ser muito infeliz, seria um bom motivo para ficar doente. Eu ficaria só de morar aqui.

        _ O senhor John Watson, o senhor Sherlock Holmes e a senhorita Anne Bergerac, Lord Stanpleton. – anunciando assim, até parece que somos um número grande de pessoas, para visitar uma enferma.

        _ Doutor Watson, graças ao bom Deus. Estou realmente preocupado com minha esposa, ajude-a por favor. – ele pode estar tudo, menos preocupado. O tom mais fingido e frio do mundo. Em casos assim eu tenho que me segurar para não ser irônica e acabar sendo expulsa de uma casa. Mas, o tom seco que usou para falar da esposa já me deixou bem claro uma coisa. Ele não ama lady Stanpleton.

        _ Farei o possível. Bem, estes são dois grandes amigos, Sherlock Holmes, acho que já ouviu falar dele. E esta é Anne Bergerac, nossa amiga e protegida.

        _ Oh sim, é claro que o que aconteceu com a família Bergerac chegou até esta mansão. Meus pêsames senhorita. Uma perda realmente muito grande.

        _ Sim, realmente. – a noticia da morte dos meus pais chegar aos ouvidos de alguém importante como Lord Stanpleton me deixa intrigada. Não sabia que alguém na posição dele, dava atenção a pessoas como eu.

        _ Podemos subir para ver Lady Stanpleton?

        _ Mas é claro. – e ele saiu na nossa frente. Quando estava subindo, fui segurada pelo braço por Holmes.

        _ Fique perto de mim. Não gosto do clima dessa casa e algo me diz que nosso anfitrião não é boa gente.

        _ Já sabe que sei me cuidar muito bem, por que isso agora? Está com medo Holmes?

        _ E eu disse que você deveria me obedecer. Pela primeira vez na vida Bergerac, não discuta comigo. - Após um breve revirar de olhos, me calei e juntos nos unimos aos dois.

        Ao chegarmos ao quarto de Lady Stanpleton, tive uma visão de partir qualquer coração. Uma mulher, que um dia fora muito bonita, deitada na cama. O rosto está mal tratado, com uma pele branca mórbida, um cabelo loiro que chega ao branco, com uma expressão nítida de sofrimento. Quando o marido anunciou Watson, ela abriu os olhos que estavam fechados. Tudo se confirmou para mim. Sua doença, qualquer que fosse, era alimentada por um enorme sofrimento.

        _ Ele a examinará querida. Não se preocupe. – um tom ainda frio. Não sei o que acontece comigo, mas, sinto uma vontade de chorar e dizer o quanto sinto por ela. Caminhei até Watson e parei ao seu lado. Fiquei fitando aquela mulher, que me olhou por um momento também. Acabou por sorrir de lado para mim e eu retribui.

        _ Anne, minha cara, pode pegar...? – ele apontou para o estetoscópio e eu o entreguei. Lady Stanpleton continuava a sorrir para mim.

        _ É sua esposa doutor? – o que? Eu e Watson? Absurdo!

        _ Não. - ele respondeu com determinação. – Uma amiga. Apenas. Quase irmã.

        _ Pobre Watson, se fosse meu marido. – consegui arrancar um breve riso dela. Olhei para trás e vi Holmes olhando sério para a cômoda da nossa Senhora. Segui seu olhar e notei uma caixinha preta, entreaberta. Parecia ser algum tipo de remédio.

        _ Tem tomado alguma medicação milady? – obrigado por fazer a perguntar Watson.

        _ Não. Nenhuma. – mentira. Mentira porque aquela caixa só podia conter remédio. Por que ela estava mentindo? Olhando para o lado de soslaio, pude perceber o olhar que o marido dava para ela. Como se a ameaçasse. Uma onda de ódio por esse homem, invadiu meu corpo. Holmes estava certo, como sempre, ele não é flor que se cheire.

        Ao término de sua examinação, Watson não conseguira diagnosticar uma doença. Contudo, ele receitou uma pequena dose de um elixir, de nome bastante complicado, para Lady Stanpleton tomar todas as noites. Me pergunto se misturar o tal elixir com o que continha naquela caixinha preta, não a mataria mais rápido. Deixamos a mansão, cheios de dúvidas. Holmes e eu, porque Watson não compartilhara das nossas observações e eu reconheço o olhar pensativo de Sherlock, ele estava com ele agora.

       Chegamos a Baker Street e ao entrar, demos de cara com uma mulher de capa sentada na sala. Não era uma mulher da sociedade, disso eu tenho certeza. Não se parecia com uma e não se vestia como uma. Parecia mais uma prostituta, mas, eu prefiro ficar calada a julgar previamente. Estava tomando um gole de chá, quando viu Holmes entrar na sala, parou subitamente.

        _ Senhor Sherlock Holmes?

        _ Ele mesmo. – se existisse outro eu pulava da ponte de Londres.

        _ Preciso de sua ajuda. Minha amiga, Roxanne de Gautier, foi encontrada morta esta manhã. O quarto estava cheio de sangue, molhado de sangue. Preciso que investigue quem a matou... Por favor.

        _ Contenha-se madame, percebo que foi uma perda terrível, mas, porque tamanho desespero? – eu responderia, mas, isso é um novo caso e não vou perder a chance de participar.

        _ Porque tenho a estranha sensação de que... Seja quem for... Era cliente de Roxanne e vai atacar novamente. – cliente?... AHA! EU SABIA! PONTO PARA ANNE! E COM APENAS SEGUNDOS DE TRABALHO!

        Holmes olhou dela para mim e Watson. Este último, com um olhar preocupado. Eu com um olhar deliciado e encorajador. Voltou a olhar para a estranha.

        _ Nos leve até o local onde ocorreu o crime madame. – ela fez que sim freneticamente, quase me fazendo rir. Saímos em disparada com a carruagem, parecia uma perseguição ao bandido. Eu pularia de alegria, mas, é melhor deixar isso para depois. Quando ninguém estiver olhando.

       Chegamos a um dos bordeis mais visitados da cidade. Nome? É francês, e eu abomino qualquer coisa do gênero. Subimos até um dos quartos em um dos últimos andares creio eu. Assim que ela abriu a porta, eu gritei. Holmes me olhou com censura, então eu parei, mas, ainda tremia. Acha que é frescura? Você não consegue imaginar o que eu vejo. Mas, vou tentar proporcionar-lhe a sensação. Imagine um quarto espaçoso, com uma cama de casal perto de uma janela, uma cômoda e uma penteadeira, com um pequeno banheiro ao canto. Agora, recubra esta imagem de vermelho.

        Isso é o que eu estou vendo agora. Paredes ensanguentadas, cheias de mãos. Uma cama recheada de sangue. Como se ele tivesse esguichado, como uma fonte, como chuva que cai sem remorso. As cortinas, os bancos, a penteadeira, tudo banhado em vermelho. E consciente disso me responda, é frescura minha? Ou esta imagem não lhe causa horror e desespero?

       _ Bem meus caros amigos, parece que temos um novo caso em mãos. – disse Sherlock Holmes, deleitado.


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