Curada Para Ferir escrita por thedreamer


Capítulo 14
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal, ainda estão por aí? Desculpem, fiquei sem internet por quase dois meses, mas enfim recuperei. Enquanto estava offline, escrevi até o capítulo dezoito, e tomei um rumo na história, e receio que não gostem, comofaz? Espero que gostem desse capítulo.



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14    As lembranças são perfeitas. Sejam elas boas ou ruins. Tem algo melhor do que poder lembrar de cada detalhe de algo que já passou há muito? E... Já pensou o quanto seria ruim não poder se lembrar de um amor?


 Depois de perder sete vezes seguida resolvi desistir, entregando a Belinda a vitória que já era dela. Olhei para o relógio que marcava doze horas e quarenta e sete minutos. Coloquei a mão sob a barriga que já roncava. Pela janela já avistávamos uma quarta cidade, reparei que o motorista fugia da linha que devia seguir, e fiquei feliz ao ver que ele parava em um restaurante.

 Descemos em fila e seguimos para o restaurante. Belinda estava sempre ao meu lado, mas assim que entramos no restaurante ela me deixou na mesa e sumiu. Já ia me servir sem esperá-la quando ela apareceu.

 - Você tem que chamá-lo. – Olhei para ela desentendida enquanto me levantava. – O Bernardo, aquela chatinha chamou ele pra sentar com ela no almoço, e se você não o convidar para se sentar conosco, ele vai sentar com ela. – Ela concluiu e me guiou até o self-service, já que eu estava parecendo uma estátua.

 - Quando você disse chatinha, quis dizer a Callie? – Ela fez que sim e meu coração disparou. Ele não pode sentar com ela, basta passar toda a viagem ao lado dela.

 Procurei Callie por todo o restaurante e não a vi. Ela deve estar no banheiro, dei mais uma olhada e encontrei Bernardo já se servindo. Peguei um prato e me apressei em chegar perto dele, que não me viu, pois estava de costas.

 - Bernardo? – Ele se virou e ergueu as sobrancelhas quando viu quem era, me fazendo corar. Fiquei sem ação, até lembrar com quem ele ficaria junto no almoço. – Porque não se senta comigo e com Belinda para almoçar? – Ele desviou o olhar e vi que procurava Belinda, que colocava salada sem eu prato.

 - Belinda quem disse para você vir falar comigo?

 - Não! – Respondi rápido demais entregando tudo. Ele balançou a cabeça negativamente e se virou para continuar seu prato. – Bernardo eu só... Senta com agente. – Ele parou, mas não se voltou para mim.

 - Eu já tenho companhia, desculpa...

 - Foi o acidente Bernardo, desculpa. – Eu disse quase chorando, sem saber o porque da minha reação. Ele se virou com um olhar desentendido. – Eu bati a cabeça, é essa a explicação por eu não me lembrar de você. – Ele focou seu olhar em mim, franzindo o cenho algumas vezes.

 - O acidente... – ele disse quase inaudível. Concordei desesperada para que ele aceitasse. Ele olhou para mim novamente e sorriu, pela primeira vez. – Mel, eu... – Esperei ainda com o prato vazio nas mãos, sem nenhum apetite. – É verdade, eu já fui convidado para almoçar.

 - Com a Callie? Você quer mesmo almoçar com ela? – Enfatizei nervosa. Ele alargou o sorriso.

 - O que tem ela? – Funguei e me virei para preencher meu prato tentando ignorá-lo, se ele prefere se sentar com ela, que seja. – É uma garota bonita. – Terminei de acrescentar carne em meu prato e caminhei para o outro lado, deixando-o com seus pensamentos sobre Callie.

 Depois de terminar meu prato peguei um refrigerante e segui para a mesa onde Belinda já me esperava. Sentei de frente a ela e comecei a comer enquanto ela me olhava. Ela abriu a boca para falar algo, mas olhou por cima da minha cabeça e sorriu para mim. Ia olhar para trás quando Bernardo se sentou ao meu lado. O encarei sem entender o que ele fazia aqui.

 - Que foi? – Ele perguntou. Olhei para Belinda que sorria, depois de volta para ele.

 - Pensei que preferisse a adorável companhia da Callie. – Voltei-me para o meu prato, mastigando calmamente e fingindo concentração na televisão que estava ligada.

 - Não, prefiro a companhia da minha adorável irmã. – Corei com a resposta. – E claro, com a sua Melina. – Por pouco não engasguei, mas sem dúvida meus olhos ficaram vermelhos, bebi meu refrigerante e aliviei. – Então você julga a companhia da Callie agradável? Bom, porque eu a achei bem chatinha. – Sorri de lado, mas por dentro quase soltei fogos. Fiquei curiosa com as reações que ele causava em mim, e mais curiosa ainda para lembrar dele de vez.

 Continuei em silêncio, assim como Belinda e Bernardo. Terminei meu almoço e continuei a fingir interesse pela televisão, sem saber o que dizer. Bernardo se levantou e foi seguido por meu olhar até o outro lado onde ele parou perto da mesa de sobremesas.

 - Eu sabia que você conseguiria. – Virei-me para Belinda e não me contive, sorri de volta. – Já está quase na hora de voltarmos para o ônibus, não vai querer sobremesa? – Pensei um pouco.

 - Acho que vou querer um picolé. – Disse me levantando junto com ela.

 - Picolé? Ainda não saímos do sul, e ainda está frio! – Ela disse espantada.

 - Eu gosto. – Disse dando de ombros e indo até o freezer. Peguei um corneto e voltei para onde Belinda estava, e depois de volta à mesa, onde Bernardo estava sentado com uma tigela de salada de frutas.

 - Sorvete? – Ele perguntou e eu só acenei concordando.

 - Ela é doente, a batida não fez bem para ela. – Disse Belinda e eu corei, lembrando de que graças a isso não me lembrava de Bernardo. Percebi que ele também não se sentiu à vontade com isto. – Foi uma brincadeira gente. – Ela disse dramatizando. – Vamos Melina, é para voltar ao ônibus.

 Olhei uma última vez para os olhos de mel do Bernardo que olhavam para mim e voltei desanimada para o ônibus. Ainda faltavam horas e horas de viagem, e ele passaria todas essas horas ao lado de Callie. Dei tapas na minha cabeça para tirá-lo dali. Droga, porque tenho que pensar tanto nele? Ele é só Bernardo, o irmão da minha mais nova amiga, Belinda. Só. Isso.

 Voltamos ao nosso acento e jogamos cartas, desta vez eu ganhei cinco vezes seguida, já que ela desistiu mais depressa que eu. Depois de mais quatro horas de viagem, paramos em mais um restaurante onde jantamos e logo em seguida voltamos à viagem. Pouco tempo depois de regressarmos ao ônibus dormi, assim como todos os outros adolescentes ali.

 Acordei com o sol no meu rosto, olhei no relógio e vi que já eram dez e meia. Bocejei e levantei para pegar meu nécessaire. A peguei e caminhei para o banheiro onde escovei os dentes e penteei o cabelo. Voltei para meu lugar quando Belinda acordou.

 - Que droga de sol é esse? – Disse ela puxando a cortina. – Bem, não estamos mais no sul, não é mesmo? – Concordei.

 - Acho que se não tivesse sido o sol eu ainda estaria dormindo, mas agora que acordei, já era. – Disse guardando meu nécessaire e me sentando.

 - É, vamos ter de nos acostumar com o senhor sol. – Ela abriu um pouco a cortina eu pude ver que passávamos por muitas matas. – Acho que já estamos chegando. – Ela fechou de novo a cortina. – Vou lavar o rosto, e já volto, me espera aqui. – Começamos a rir.

 Depois de uma hora chegamos em uma grande casa localizada perto de uma mata. Uma fazenda isolada, mas bastante luxuosa. O ônibus estacionou e descemos todos exaustos e curiosos pelo que viria a seguir. Todos já haviam despido seus casacos e eu usava a blusa de frio até a metade do braço, morrendo de calor. Devia estar fazendo uns 25 ºC, bem distantes dos 3ºC que fazia em Carmo.

 - Garotas no setor direito e garotos no esquerdo. – Aurélio, o instrutor, indicou para dois casarões. – Juntos somente em reuniões propostas pela nossa equipe, nada de garotas no setor esquerdo e garotos no direito. Entendido? – Ouviram-se alguns muxoxos de desaprovação e depois houve a concordância. – Hoje não teremos nenhuma atividade fora daqui, pois acredito que estejam todos exaustos. Poderão tomar banho, descansar, à vontade, e se quiseram, a piscina está liberada. – Ele apontou para o canto esquerdo extremo. – Aqui. – Ele apontou para trás - É onde haverá as refeições e todos os encontros em que ficaremos todos juntos. E, por hora, estão todos liberados, nos divertiremos bastante nesse mês garotada. – Ele se despediu e se retirou. Assim como nós.

 Caminhei até o local indicado, que continha uma grande porta dupla e várias janelas de madeira. Uma mulher vestida com short e uma blusa rosa em que havia um símbolo escoteiro e a palavra ‘monitora’ estava parada na porta aguardando todas as garotas.

 - Bom dia meninas! – Ela disse com sotaque. – Sejam bem vindas. Bom, sou Emily e serei a monitora de vocês, tudo o que precisarem estou aqui, ao seu dispor. – Ela fez uma reverência teatral. – Essa é o dormitório feminino, portanto não tem separação, todas as garotas dormem aqui. No canto oposto do quarto – ela apontou para trás – há exatos quinze armários, cada um com um nome referente ao dono, para que possam guardar as coisas de vocês. Por enquanto é só, sintam-se à vontade. – Ela saiu da frente da porta abrindo-a e dando-nos acesso ao nosso ‘cantinho de ninar’. Sorri com meu pensamento.

 O dormitório é bem grande e os armários são portas compridas na parede oposta à porta. Há quinze camas, todas forradas com lençol branco e colcha rosa. No canto esquerdo há uma porta que dá acesso a um espaçoso banheiro. Acomodei-me na terceira cama, ao lado da segunda onde Belinda tomou posse. Callie ficou na sétima cama do outro lado, para minha pura felicidade.

 O armário de Belinda ficou ao lado do de Callie, o que ela aceitou com pesar, depois de dizer por horas que odeia o fato de seu nome começar com a letra ‘B’. Guardei minhas coisas e peguei algo mais fresco, pois já estava agoniada com tanta roupa. Enquanto eu usava blusa e sandália preta, e um jeans de lavagem escura, Belinda optou por uma blusa com estampa florida de azul, laranjada e rosa, uma sandália azul e short jeans de lavagem clara. Tudo combinando, assim como seu cabelo loiro que ela prendeu em uma trança frouxa. O meu estava em um tradicional rabo-de-cavalo.

 Seguimos para o refeitório onde grande parte das pessoas já estava, passei os olhos por todo o refeitório antes de me sentar com Belinda. Estou bastante receosa em relação ao meu short, ainda há marcas roxas nas minhas pernas, mas o calor aqui é impressionante.

- Você ta linda Melina! – Disse Belinda enquanto prepara o prato, e repara que não tiro os olhos das marcas. Não pude evitar corar. – Não sei se percebeu, mas vários garotos já olharam.

 - Quem não repara essas marcas? – Coloquei arroz em meu prato, enquanto olhava no cardápio ao lado que o almoço seria totalmente típico.

 - Não foi isso que olharam, tenho certeza. Você tem pernas lindas Melina. – Balancei a cabeça em negativa desistindo desta discussão. Fui abraçada pela cintura de repente e virei pronta para argumentar quando vi aqueles olhos.

 - Boa tarde! – Ele disse sorrindo deixando-me meio fora de mim. Corei quando percebi que já fazia minutos que eu o estava encarando. Virei para as panelas pensando se deveria ou não pegar ‘frango com pequi’. – É gostoso. – Ele disse e colocou um pouco no meu prato, depois no dele. – Você vai adorar. – Ele tem o sorriso mais lindo que já vi! Coloquei salada e voltei para o lado de Belinda que já degustava seu prato.

 - Você sabe a história do pequi né? – Olhei para o meu prato envergonhada e neguei. – Não pode morder, pois tem espinhos que ‘pregam’ na sua língua com uma simples dentada. Recomendo raspar ele com o seu garfo, ou uma colher, se preferir, é mais seguro já que nunca comeu. – Concordei e fiz o que ela disse, adorando o gosto do fruto.

 - Sabia que ia gostar! – Engasguei com a aparição repentina de Bernardo. – Epa, vai com calma. – Ele me passou o copo de refrigerante para eu me recuperar.

 - Obrigado. – Disse com olhos marejados e o rosto vermelho, com certeza.

 - Vocês vão para a piscina? – Ele disse alternando o olhar entre mim e sua irmã, que olhava despreocupada para as unhas.

 - Não sei, você quer ir Melina? – Dei de ombros, eu não sentia um pingo de vontade de expor meu corpo, mas se ela fosse eu ia, para não ficar e nem deixá-la sozinha. – Tanto faz, para você? – concordei. – Bom, então não vamos Bernardo, estou cansada dessa viagem preciso me recuperar primeiro. – Ele revirou os olhos de mel e se virou para mim.

 - Vamos Mel... – ‘VAMOS!’ Gritou uma voz interior que silenciei rapidamente.

 - Desculpe, mas também estou cansada. – Ele suspirou e se recostou na cadeira, empinando nas pernas traseiras dela.

 - Bom, já vou. – Ele se levantou depois de um longo tempo de silêncio em nossa mesa e passou a mão no meu cabelo antes de sair.

“- Porque não usa o cabelo solto? – ele perguntou tirando-me dos meus pensamentos tenebrosos, sorri com a súbita mudança de assunto”.

 Recuperei o fôlego e olhei para trás, para onde Bernardo seguia tranqüilamente. Minha respiração descompassada foi percebida por Belinda.

 - O que foi? – Perguntou. Olhei para trás novamente e voltei-me para ela.

 - Eu tive um flash comigo e com o Bernardo conversando, e não foi por agora foi meio que uma...

 - Lembrança! – Ela completou exaltada. – Ai, que bom, isso significa que você está se recuperando. – Sorri com a idéia de poder me lembrar logo.

 - Tomara. – Disse animada; os olhos de Belinda brilhando. – Vamos para o quarto? – Chamei levantando-me a fim de deitar-me e poder descansar.

 - Vamos. – Ela se levantou e me acompanhou.

 Olho no relógio. São duas e meia. Jogo-me na cama, tirando o chinelo e ajeitando o travesseiro de um modo confortável. As únicas pessoas no quarto é Belinda e eu. Solto meu cabelo para mais conforto e enfim encontro uma posição boa. Depois de alguns minutos olhando para o teto, durmo.

Tive o mesmo sonho de quase um mês atrás onde eu estava cortando meus pulsos e alguém, que não consegui ver o rosto, passou as mãos sobre eles, fazendo desaparecer o sangue, não deixando nem ao menos cicatrizes. Esse alguém se dissipou em uma fumaça onde pairaram as seguintes palavras: “Não se destrua, por favor! Você é tão perfeita desse seu jeito”, e ouvi uma melodia de piano muito bonita. De repente, tudo desapareceu, tornando uma escuridão onde eu me encontrava sozinha, e então ouvi a voz da Marina junto com a de Callie. “Você é ridícula”, “Baixa e sem sal”, “Olhos sem cor”, “cabelo cor de pinche”, “pobretona”, “que garoto ia gostar de alguém com essa aparência” e então passou um flash do rosto sorridente de Bernardo, e o rosto perfeito de Marina sorrindo para mim com desdém, seguida pelo de Callie, e depois pelo da moça loira bonita, beijando Bernardo; Acordei com um nó na garganta, e o cabelo pregado no rosto pelo suor.

 Balancei a cabeça pensando o quanto é impossível Belinda e Bernardo se beijarem, mas da primeira vez que tive esse sonho pareceu muito provável, porque...? Fiquei furiosa em não lembrar logo como conheci o Bernardo e porque sinto essa droga de frio na barriga quando o vejo. Olho para a cama ao lado e não vejo Belinda, pela janela vejo que já escureceu, olho no relógio e vejo que são sete e cinqüenta e dois. Vou até o armário pegar minha roupa, pois pretendo tomar um longo banho antes de ir para o jantar, que tenho certeza que já vai ser servido.

 Ouço o chuveiro desligar, enquanto escolho uma blusinha de manga vermelha, uma bermuda jeans e havaianas vermelhas. O trinco se abre e Callie sai do banheiro, para minha total tristeza.

 - Olha só, cadê a guarda-costas? Tirou folga? Ah, não, não, no mínimo se demitiu por falta de salário, ou só porque enjoou de você mesmo. – Me esforço para não ser intimidada mais uma vez por ela, porém mais uma vez fracasso. Ela gargalha com a própria piada – Aonde você arranjou aquela garota Melina? Ou melhor, de onde tirou dinheiro para pagá-la para ser sua amiga? – Engulo seco. – E você está toda alegre com a idéia de ter uma amiguinha, não é? Acorda Melina, você nunca vai ter uma amiga, já se olhou no espelho? Você é magrela, branquela, esses seus olhos sem cor, esse cabelo sem corte, urgh! Vou até sair de perto, vai que contagia. Só, não fica muito perto, e faz um favor a sua amiguinha, sai de perto dela, ela deve estar com pena de te dispensar, por isso te agüenta. – Forma-se um nó na minha garganta. Ela se dirige até o espelho, passa um gloss e se retira, depois de me enviar um sorriso desdenhoso.

 Cinco minutos e ela acabou com a animação de todo o meu dia e da minha noite que nem havia começado. Entrei correndo no banheiro, assim que ela saiu e tranquei a porta. E então o nó se desmanchou trazendo cachoeiras em meus olhos. Apesar de intensidade, chorei silenciosamente para não correr o risco de ser ouvida. A dor em meu peito crescia mais e mais a cada lágrima. Callie deve ter razão, Belinda só fala comigo por ter pena, como não pensei nisso antes? Ah é! Eu estava toda alegre com a idéia de ter uma amiga. Minhas entranhas se retorcem, minha cabeça gira e uma dor nauseante percorre todo o meu corpo. A dor da rejeição, da inferioridade, da falta de carinho, de amigos, de uma irmã. Passo os olhos embaçados por todo o banheiro e paro no armário sob a pia, caminho até ele e abro a porta menor, onde há algumas escovas de dente fechadas e sabonetes de todas as cores. Abro outra e encontro o que queria: barbeadores. Pego um e sem mais delongas o passo sem piedade em meu pulso, sentindo um alívio seguido pelo sangue que escorre pela pia, faço o mesmo no outro pulso e largo o barbeador na pia enquanto me agacho rente à parede e choro por mais alguns minutos.

 Paro de chorar e começo a limpar o que está sujo com meu sangue. Levo alguns segundos, fazendo tudo com muita pressa, a qualquer momento pode aparecer alguém. Tiro a roupa e entro embaixo do chuveiro, deixando-o levar a dor do momento, assim como acontece quando a água quente bate nos cortes, fazendo-os arder bastante. Lavei o cabelo e saí;

 Vesti minha roupa, penteei os cabelo e olhei no espelho para ver se meus olhos ainda estavam muito vermelhos. Como demorei no banho, eles não estavam mais, só um pouquinho que eu poderia dizer que foi devido ao xampu. Olhei no relógio para ver se ainda estava em horário de jantar, mas mesmo ainda havendo tempo de eu ir, preferi ficar deitada. Troquei minha bermuda por um short de tecido leve antes das meninas começarem a chegar e deitei.

 Ouvi a voz familiar da Belinda mais fingi estar dormindo, o que se concretizou pouco tempo depois.

 - Acordando garotas, o café já está servido e vamos ter atividade daqui a pouco, vamos, vamos! – Acordo com a luz do sol no meu rosto e com a voz de Emily ecoando pelo quarto. Levanto de imediato e sigo até o armário. – Calcem tênis, queridas. – Calço meu ‘macboot’, minha bermuda jeans e troco a blusa vermelha por uma regata preta, mas então lembro dos ferimentos e pego uma de manga.

 Há uma grande fila no banheiro, onde sou a quinta a entrar, escovo os dentes, lavo o rosto e faço um rabo-de-cavalo, sem nem ao menos me olhar no espelho, para não me decepcionar logo de manhã.

 - Bom diaaa! – Diz Belinda em meio a um bocejo. Fico sem saber o que dizer, querendo falar com ela normalmente, mas as palavras de Callie vêm e voltam em minha cabeça.

 - Bom dia. – Respondo sem olhar em seus olhos. Abro minha bolsa e pego meu mp3, depois sigo para o refeitório enquanto Belinda está no banheiro, para evitar perguntas.

 O dia está claro, mas não muito quente, ainda bem. Coloco na música ‘Welcome to my Life’ que é como um desabafo para mim, e sigo para a mesa de café. Escolho um pão francês com queijo e presunto, e leite com achocolatado, e depois uma salada de frutas. Estou quase terminando meu café quando Belinda chega com um short de lavagem verde escura, blusa e tênis pretos e um rabo-de-cavalo. Ela franze o cenho e se senta de frente para mim.

  - Porque não me esperou, ou me avisou que já estava vindo? – Dei de ombros, preferindo ficar em silêncio. Percorri os olhos pelas mesas mais próximas e meu estômago saltou quando vi Bernardo conversando com Callie. Baixei os olhos para minha salada e tentei ignorar a música que passava ‘Never say never’.

 - Rapel. – Olhei para frente e o vi se sentando ao lado de Belinda, voltei os olhos para a minha salada.

 - O que? – Disse Belinda.

 - Vamos fazer rapel hoje, por isso temos que calçar tênis e pá... – Senti vontade de me matar quando o ouvi. O que vai ser de mim em um rapel?

 - Ai que máximo! Logo no segundo dia, estou começando a amar isso aqui! – Ela disse voltando ao seu tom de euforia.

 - Eu estou gostando desde que cheguei aqui, bom, na verdade desde a hora em que pegamos o ônibus. – Ergui o olhar na hora errada, no momento em que Bernardo me olhou, e nossos olhares se cruzaram.

 - Tinha algum bichinho no dormitório ontem, sabe... – Não percebi ser uma indireta para mim e então ela completou. – O que aconteceu Melina? – Engoli seco, ela não deveria ter percebido. Odiei-me no minuto em que senti o olhar dela e de Bernardo em mim, e senti meu rosto queimar.

 - Nada. – Menti.

 - E eu sou a branca de neve. – Ergui meu olhar e vi que Bernardo tinha curiosidade no olhar e Belinda sarcasmo e dúvida.

 - Não sabia que você é sarcástica.

 - Não foge do assunto Melina. A questão é: Ontem você dormiu a tarde toda, não jantou, e hoje acordou toda esquisita. E, se fosse o caso de querer ficar sozinha, sei que não seria assim. O que houve? Trocaram-te enquanto saí? Quem é você e cadê a Melina? – Revirei os olhos e me silenciei. – Argh! – Ela disse, levantou-se e se retirou.

 Minha garganta ficou seca com a sensação de perda. Gosto tanto dela, como pude deixar isso acontecer de novo?

 - Ela desiste fácil. – Coloquei a tigela em cima da mesa e olhei nos olhos do Bernardo, que estavam serenos. – Eu percebi que não jantou ontem, é preocupação o que ela disse, não quer dividir? – Quase disse que sim, e contei tudo o que havia acontecido, mas me controlei e só sacudi a cabeça negativamente. Ele concordou e esticou as mãos pegando as minhas.

 Fiquei sem reação, congelei. Ele as apertou, tentei me desvencilhar sem ser grosseira, mas deu tudo errado. O movimento que fiz acabou subindo a manga da minha blusa deixando meus pulsos à mostra e à vista dele.

 - O que é isso Melina? – Ele questionou e tentou passar os dedos, mas fui mais rápida e soltei meus braços.

 - Bom pessoal! Quero todos reunidos ali fora, agora! – Disse a voz grossa do primeiro dia, do primeiro anúncio. Aproveitei e me afastei do Bernardo enquanto todos se dirigiam para fora dali.

 Estou suando frio, como pôde acontecer isso? Se o Bernardo contar isso para alguém estou perdida. Mordo o lábio e fecho os olhos pensando em que desculpa será melhor. Posso dizer que caí, ou... Não sei o que fazer. Agora já era, vão me internar em uma clínica de loucos ou algo assim. Tento controlar minha respiração, mas é em vão. Olho para trás e vejo Bernardo com braços cruzados sob o peito e com o olhar sério que se foca em mim assim que me viro.

 - Hoje faremos uma atividade divertida, e não muito longe daqui, portanto não irá demorar muito. Mas, vocês só vão descobrir o que é quando chegarmos lá. Espero que todos se comportem e tomem os devidos cuidados, ok? – Todos concordaram - Sigamos então para o ônibus.

 Esperei para que ele entrasse primeiro, mas percebi que ele fazia o mesmo, então entrei e sentei ao lado de um garoto loiro com sardas e de olhos verdes, que pareceu nem perceber minha presença. Bernardo passou por mim e se sentou três cadeiras atrás, e Belinda duas à frente.

Inspira. Expira. Inspira. Expira. Chegamos dez minutos depois em um lugar rodeado por matas. Descemos e passamos por uma entrada. É uma reserva ambiental, onde se faz visitas e pode-se doar dinheiro, tornar-se sócio e contribuir mensalmente. Mas não consegui ouvir muito da palestra, minha cabeça girava, ouvi até a parte em que o monitor disse que subiríamos até a cachoeira, que está a vinte metros, iremos subir por escadas pedrarias, a trilha que leva até lá.

 Dei um jeito de me manter distante de Belinda e Bernardo, subindo com dificuldade. Há poucas partes com escadas, nas outras temos de desviar e por vezes nos apoiar em pedras grandes e algumas pontiagudas. Minha respiração está ofegante, uma mistura de medo e cansaço pela caminhada. A cada cinco passos olho para trás e vejo o quão alto já estamos Depois de cinco minutos de caminhada, já da para se ouvir o som da cachoeira, que me traz calma, e me deixa um pouco mais tranqüila.

 Assim que chegamos no que parece ser o topo, a subida tornasse uma descida bem inclinada, e devemos ter muito cuidado, pois as pedras são ainda mais pontiagudas. Apoio me no corrimão de madeira para não deslizar e pagar um mico. Depois de um minuto de descida chegamos na cachoeira.

 Estou de frente a ela, e estou simplesmente muda, sem nenhuma palavra que possa descrever o quanto é lindo aqui. A queda d’água é muito grande e a água lá embaixo é calma e cristalina. Lado a lado da cachoeira há somente mato, árvores de todos os tipos, entre o barulho quase ensurdecedor da cachoeira pode-se ouvir pássaros, e sou levada pela maravilha que é a natureza.

 Sou retirada de meus devaneios por um cutuque no ombro. Mordo o lábio inferior com força ao ver o rosto sério imutável de Bernardo. Viro-me de volta para a cachoeira, tentando ignorá-lo, mas ele segura meus ombros e me faz ficar cara a cara com ele.

 - Porque está fugindo de mim? – Ele indaga e eu fico muda, desvio o olhar, mas ele segura meu queixo delicadamente, forçando me a olhá-lo. – Olha...

 - Me deixa Bernardo... – As palavras morrem quando olho em seus olhos e passo a desejar que ele não me deixe.

 - Melina, não sei se você se lembra, mas sou seu amigo, e se está acontecendo algo com você, eu vou querer saber, vou querer te ajudar, então, por favor... – Ele tem uma olhar suplicante.

 - Obrigado, fico feliz em saber. Quando precisar, eu falo com você. – Desvencilho-me de suas mãos que estavam ainda em meus ombros, facilmente, já que ele afrouxou o aperto.

 - E eu fico triste em saber que não confia em mim. – Ele me envia um último olhar, cansado e insatisfeito e caminha para, não sei aonde, pois me viro ignorando o que acabou de acontecer.

 É impossível descer pela cachoeira, portanto desceremos ao lado dela. Subimos mais dez metros para podermos nos preparar para descer de rapel. Os alunos que descem, podem se refrescar no rio, enquanto os seguintes vão descendo. Para minha grande felicidade será por ordem alfabética, o que significa que serei quase a última.

 Belinda é a terceira a descer, depois de Giselle e Alice, gêmeas que gritaram daqui até lá embaixo. Como eu esperava, Belinda não gritou nem por um minuto, desceu como se fizesse isso diariamente, sem nenhum receio e com velocidade. Meu medo de que a corda se parta é tão grande que não olhei metade de sua descida, e nenhum pedaço sequer da descida de Bernardo. Depois da metade da galera ter ido, chegou minha vez. Minhas mãos estavam suadas e trêmulas, e havia um grito sufocado em minha garganta, mas me fiz uma promessa de que não vou gritar como as gêmeas, pois achei infantil e patético, mas agora entendo muito bem elas.

 Levei cinco minutos para chegar lá embaixo, e menos de dez segundo para retirar as cordas de mim e sair de perto do paredão. Minha blusa e meu cabelo estão encharcados entes mesmo de eu entrar na água, devido à brisa. Retiro o tênis e o deixo aqui na beirada, para que possa pegar depois. Mergulho sentindo um imenso prazer com a água gelada molhando meu corpo junto com um arrepio. Nadei até a margem oposta e emergi, passando os olhos por todos os lados até pararem em Belinda que não estava muito longe, fora da água de frente para Callie. Eu teria ficado triste por ela estar com Callie, se não tivesse visto sua sobrancelhas arqueadas e sua bochechas vermelhas, enquanto ela parecia cuspir palavras.

 Elas estão discutindo? Minha vontade é ir até lá e ver o que está acontecendo, mas há algo mais forte que me prende aqui. O medo de estar enganada. Depois de algum tempo Belinda virou com a cara fechada e com o rosto vermelho. Ela parou por um instante e percorreu os olhos por todos os lados, como eu, até pararem sobre mim, e então ela caminhou até mim. Diferente de mim, ela havia tirado a roupa, deixando a mostra seu corpo branco e esguio, com um biquíni azul com bolinhas amarelas.

 - Melina, preciso falar com você, vai sair da água, ou quer que eu entre? – Ela cruzou os braços e ergueu a sobrancelhas esquerda. Saí da água e me encolhi com o frio que faz aqui fora.

 Ela acenou para que eu a seguisse e caminhou a uma distância onde ninguém poderia nos ouvir. Ela sentou em uma rocha grande o suficiente para nós duas, mas preferi não sentar, e fiquei em pé, olhando-a, e esperando.

 - Então, não vai me falar o porque de você estar tão estranha? – Abaixei a cabeça e fingi estar interessada em meus pés que agora estão roxos de frio. – Bom, então eu digo: A asquerosa da Callie foi lá no dormitório ontem, te encheu a cabeça de bobagens e você caiu como uma patinha! – Ergui o olhar, mas abaixei rapidamente. – Olha para mim Melina! – Engulo seco e olho no fundo daqueles olhos tão castanhos e vejo uma mistura de raiva, desapontamento e sinceridade.

 Ela se levanta e me olha com desapontamento, o que me causa um bolo na garganta.

 - Quer dizer que você acreditou que eu estava com você por pena? Que eu não te suporto, mas que falo com você por pena de te dispensar? – Ela coloca uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.

 - Belinda, eu... Eu só achei que...

 - Que o que Melina? Olha para mim e vê se eu tenho cara de quem fica perto de alguém, por pena! – Ela aponta para si.

 - Belinda, eu só acreditei porque...

 - Porque quis! Porque foi idiota o suficiente para acreditar nas coisas que aquela ridícula dz. Logo nela Melina, logo nela. Nossa! – Ela passa a mão na testa.

 - Escuta...

 - Não eu não vou escutar! – Ela altera o tom, me fazendo afastar um passo. – Quer saber, preciso de um tempo, ou talvez você precise, não é mesmo? Para que você quer ficar perto de alguém que tem pena de você? – Ela ironiza e caminha de volta ao rio, deixando-me abalada e com dificuldade para respirar.

 Ótimo! Agora perdi de vez a única amiga que tive. Ela tem razão, como pude acreditar em Callie? Logo na pessoa que faz de tudo para me destruir e me fazer mal, como pude? Coloco a mão no pescoço na tentativa de que melhore a dor que esse nó causa, mas a única maneira é chorando. Sento na rocha e deixo as lágrimas rolarem, abraço meus joelhos e deixo a dor escapar pelos olhos enquanto remôo a dor que sempre sinto. De não ter. Foi-se a minha única chance de ter um mês divertido.

 Minha cabeça começa a latejar, e a dor aumenta a cada minuto. Ad ro se torna insuportável, a ponto de eu colocar as mãos na cabeça, tentando fazer parar, mas só aumenta, sinto um gosto de metal na boca e começo a ficar tonta. Tento-me levantar, mas caio de joelho e solto um pequeno grito, sentindo os cortes. Abro e fecho os olhos várias vezes e vejo tudo girando, me apoio na rocha antes de ver tudo preto e apagar.


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Notas finais do capítulo

Mereço reviews? Obrigado por lerem, de verdade.



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