Curada Para Ferir escrita por thedreamer


Capítulo 13
Capítulo 13


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem, escrevi bastante.



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Sinto uma dor terrível no abdome e na cabeça. Na verdade todo o meu corpo dói, mas essas partes estão tão doloridas que parecem que vão explodir a qualquer segundo. Ouço algumas vozes cochichando e tenho vontade de abrir os olhos para saber quem é, mas minha cabeça dói tanto que me recuso. Passam-se minutos pelo que pude contar, numa tentativa de distração, e as vozes não cessam, então me esforço para abrir os olhos.

 De início enxergo tudo embaçado, mas tudo vai se encaixando aos poucos. Estou em uma sala muito clara com um cheiro irritante de álcool. Pisco rapidamente várias vezes até poder ver direito. Há uma mulher loira conversando com um casal, ambos com rostos preocupados, os observo até que eles se viram para mim e reconheço-os. Papai, mamãe e Helena vem até mim com rostos sorridentes.

 - Mel, meu amor, que bom ver você acordada, ah, eu estava tão preocupada, como está se sentindo? – Ela disse tão rápida, segurando minha mão que levei algum tempo para compreender o que ela havia dito.

 - Deixa-a respirar Violet. – Disse papai com um sorriso calmante. Sorri de volta para ele, e então olhei para mamãe tentando enviar um olhar que transmitisse tudo o que eu estava sentindo sem eu precisar falar, mas ela não entendeu.

 - Eu estou bem. – Minha voz saiu rouca, fazendo-me pigarrear e levar a mão ao pescoço.

 - Ah Melina... Sinto tanto querida! – Vire-me para Helena ela tinha um olhar culpado, e eu quis rapidamente tirar a culpa deles.

 - Não aconteceu nada demais dona Helena, eu estou ótima, veja só. – Apontei para mim, sem ter muita certeza se eu aparentava estar bem, mas ela sorriu em resposta.

 - Você está sentindo dor, filha? – Perguntou papai, com uma voz também preocupada, mas com o olhar calmo.

 - Minha cabeça e meu abdome estão latejando, está insuportável. – Resolvi falar a verdade porque estava muito dolorido.

 - Vou pedir a enfermeira pra te medicar, já volto. – Ele apertou a mãe da mamãe e saiu.

 Sorri para as duas mulheres tão preocupadas na minha frente. Eu sabia que estava em um hospital, e sabia um dos motivos, até porque era impossível não perceber esta dor, mas eu não sabia o que havia causado ela, tentei lembrar, mas minha cabeça doía mais. Então resolvi perguntar de uma vez.

 - Mamãe... Porque eu estou aqui? – Ela ergueu as sobrancelhas.

 - Você não se lembra Mel? – Fiquei um pouco irritada. Se eu perguntei era óbvio que eu não sabia.

 - Não mamãe, eu não me lembro. – Tentei arrumar um jeito mais confortável de deitar, mas isso só provocou mais dor e eu deixei escapar um gemido.

 - Mel, tudo bem? – Acenei tentando acalmá-la.

 - Calma mamãe, eu já disse que estou bem, então... O que aconteceu? – Ela olhou para Helena e depois se voltou para mim.

 - Você lembra onde estava antes de estar aqui Melina? – Franzi o cenho quando ela disse meu nome.

 - Lembro que estávamos no Heels Club com a família do namorado da Marina – Olhei para Helena – E que íamos esquiar. Só isso. – Ela expirou, parecendo mais calma.

 - Ah, pois bem. Esquiamos, mas quando você desceu com a Belinda foi interceptada por um esquiador que se desequilibrou e acabou batendo em você, e então você capotou, descendo ladeira abaixo. Parou comente quando bateu em uma pedra de gelo que tinha no caminho, que na verdade não deveria estar lá, mas que evitou algo bem maior. – Ela segurou minha mão enquanto eu lembrava de tudo o que havia acontecido.

 - Agora me lembro... Obrigado mamãe. – Alisei sua mão, e olhei com ternura para Helena. – E não precisa ficar preocupada dona Helena, eu estou ótima, de verdade. – Papai entrou acompanhado por uma moça aparentando ter a idade de Marina, mas ela tinha um rosto bem sereno. Cabelos castanhos e enrolados e olhos bem castanhos.

 - Bom dia Melina, como se sente? O seu pai me disse que estava sentindo muita dor, pode me dizer aonde? – Concordei.

 - Na cabeça e no abdome. – Ela concordou com um aceno e pegou uma seringa, crispei os lábios sabendo o que viria a seguir.

 - Vai ser bem rápido, preciso que me ajude, tenho que injetar na sua veia. – Concordei e estiquei meu braço enquanto ela amarrava um elástico. – Isso... – Ela conferiu o líquido dentro da seringa e injetou. Senti uma picada, mas foi só. O líquido não causou dor, pelo contrário estava deixando-me mais leve.

 - Melina, não quero incomodar, só tenho que lhe dar um breve recado. – Concordei e ela continuou. – A Belinda queria muito estar aqui, mas assim que a mãe dela ficou sabendo de tudo a obrigou a ir para casa, dizendo que ela não esquiaria mais, etc. E ela ficou muito sentida por não poder vir ver você, disse que assim que puder virá aqui, mas acho que não será necessário, não é mesmo? – Ela se virou para a enfermeira.

 - Acredito que não. Ela não teve ferimentos graves, e nenhuma quebra de ossos, o que foi muita sorte. Serão necessárias no mínimo vinte e quatro horas de observação e se ela não apresentar nenhuma reação será liberada. – Ela sorriu para mim.

 - Bom, então, quem sabe você não a visita? – Concordei olhando para mamãe, que foi rápida na resposta.

 - Mas a Mel tem compromisso essa semana. Claro se ela melhorar até lá. – Fechei os olhos desejando que ela tivesse esquecido esta história do acampamento.

 - Ah, bem, vocês quem sabem, qualquer coisa, liga para ela Melina, ela realmente ficou preocupada com você, vou anotar o número e deixar com sua mãe, ok? – Fiz que sim.

 - Obrigada dona Helena.

 - Ah, por favor, me chame de Helena querida. – Sorri com tamanha a gentileza dela. – Bom, eu não queria, mas tenho de ir agora, você se importa querida? – Ela olhou para mim.

 - Não, não. Obrigado por vir aqui, fez mais que o necessário...

 - Ah não diga isso, foi um prazer. E foi um prazer maior ainda conhecer uma pessoa como você. Tão linda, gentil e educada. – Corei com os adjetivos que ela usou e desviei o olhar. – Agora realmente tenho de ir, espero vê-la em breve. – Ela beijou minha testa e se retirou, depois de cumprimentar mamãe e papai.

 - Você vai melhorar logo, logo Mel. – Disse mamãe enquanto passava a mão em meu rosto. – E poderá ir ao acampamento. – Concordei fechando os olhos novamente, reparando que as dores haviam cessado, finalmente.

 - Não se preocupe mamãe, não vou te desapontar, eu vou nesse acampamento. – Ela corou, ficando tão vermelha quanto o suéter que ela usava.

 - Não é por mim Mel, é por você. Sabe, vai ser muito bom, sempre quis te mandar, você sabe disso, só que você era muito nova para ir, agora não. E você não sabe o melhor: a viagem será para Minas Gerais...

 - Minas Gerais? – Perguntei um pouco alterada, mas saiu sem que eu percebesse.

 - Sim, lá não neva, bom, na verdade não neva em nenhum estado, só aqui, mas lá é quente nesta época do ano, e o acampamento será mais divertido, vocês irão visitar cachoeiras, e lá há matas diversificadas. – Suspirei.

 - Certo. – Disse não querendo pensar nesse assunto. Quero evitá-lo ao máximo. Mamãe, graças a Deus, percebeu e se distanciou, silenciando-se.

 - Vamos deixá-la descansar querida, te amamos. – Disse papai e saiu puxando mamãe pela mão. Corei quando ele disse que me amava.

 Fechei os olhos tentando ignorar o cheiro de álcool e a minha ânsia com esse cheiro. Comecei a pensar em como seria viajar para Minas, um estado que nunca cheguei a conhecer, a não ser por estudo, ou imagens. Eu gosto de nadar, gosto do calor, mas nunca nadei em rios ou cachoeiras. E se eu caísse nas pedras que rodeiam o rio? Pagar mico em meio a tantos adolescentes, que sem dúvida, irão me julgar até o último minuto. Minha mente trabalhou a mil por hora até eu pegar no sono.

 Recebi alta assim que completaram doze horas, pois não tive nenhuma má reação. As dores não haviam passado por completo, mas estavam quase imperceptíveis não doía tanto, por isso receitaram um remédio para eu tomar de seis em seis horas.

 Seguimos para casa, onde Marina estava. Assim que entrei a avistei no sofá com Fernando ao seu lado. Eles se levantaram quando a porta se abriu.

 - Enfim chegaram! – Disse Fernando com aquele mesmo sorriso maroto. – Como está Melina? – Ele olhou para mim.

 - Estou muito bem, obrigado. – Olhei esperançosa para Marina, mas ela só deu uma olhadela e se concentrou em suas cutículas. – Bom, vou para o meu quarto arrumar minhas malas e descansar um pouco, até mais tarde, e, até breve Fernando, desculpe ter estragado tudo ontem...

 - Que isso Melina, não tem que pedir desculpa ‘coisíssima’ nenhuma. – Ele deu um peteleco no ar. – Sorri para ele, enviei, mas um olhar esperançoso para Marina, mas desisti e fui logo para o meu quarto.

 Peguei a maior mala que tinha, que era bem grande e comecei a colocar todo tipo de roupa de verão que eu tinha, apesar de ser inverno. Mas como bem sabemos, a única região que respeita as estações no Brasil, é a do sul. Peguei vários biquínis, cada um de uma cor ou estampa; shorts, bermudas e calças jeans; blusas regatas, também cada uma de uma cor; blusas finas de frio; uma jaqueta mais quente caso faça frio; tênis, meias e uma ‘havaiana’ preta; toalha, pente, prendedores de cabelo, boné; Dobrei todos e guardei na mala, separando alguns em uma ‘nécessaire’.

 Depois de terminado coloquei a mala no canto do quarto, ao lado da porta. Caminho exausta para o banheiro para tirar todo a sujeira do hospital, que eu já deveria ter feito há muito. Despi-me e reparei que meu abdome que tanto doera tinha várias marcas rochas, assim como na minha perna e nos meus braços. Franzo o nariz. Tomara que não haja banho de cachoeira nos primeiros dias, não quero de jeito algum que vejam essa pele branca cheia de roxos. Nunca gostei muito da cor da minha pele, é sempre um problema. Quando fico envergonhada, nota-se de longe, pois a bochecha fica como um pimentão; quando machuco, ta aí, não é necessário grande esforço para deixar minha pele arroxeada. Suspiro e entro no Box a fim de terminar logo esse banho e ir deitar.

 Ensabôo e enxáguo meu cabelo três vezes para não correr o risco de ter resíduos hospitalares, assim como no meu corpo. Saio e seco-me cautelosamente. Assim que termino visto meu amado moletom, penteio meu cabelo que agora bate quase na altura dos quadris e sigo para a cozinha para comera algo.

 Vejo mamãe no fogão e olho para o relógio. Já são oito e meia, está entendido o porque dos roncos do meu estômago. Na como nada desde o almoço. Olho para a sala e vejo que Fernando ainda está aqui, e percebo também que ele está muito atento ao jornal, assim como papai, enquanto Marina tenta chamar sua atenção, falhando a cada tentativa.

 - Olá querida! – Mamãe disse e os olhares de todos recaíram sobre mim. Corei na mesma hora.

 - Ah, oi mamãe. – Fico sem saber o que fazer e opto por fingir interesse no jornal. Caminho até o sofá onde papai está sentado e me sento ao seu lado.

 Tento entender as notícias que vazam a cada minuto, mas não consigo, então me dedico a pensar na tarde de ontem. Pela primeira vez percebo que não agradeci por Callie não estar lá, e sim uma pessoa tão cativante como Belinda. Belinda! Levanto e vou até mamãe, que ainda está concentrado em seu feito culinário.

 - Mamãe? – Paro próxima a mesa e espero que ela responda.

 - Fala meu bem...

 - Você tem o número da Belinda anotado não é mesmo? – Ela solta um ‘ah’ e se vira para mim.

 - Está dentro da gaveta do criado mudo lá no meu quarto, anotado na minha agenda de telefones. – Aceno e sigo até o caminho indicado.

 Encontro a agenda rapidamente e sigo os olhos pelas letrinhas até o ‘B’ e até o número dela, encontrando depois de alguns segundos. Levo a agenda para o meu quarto, pego meu celular e disco. O celular chama seis vezes e uma voz alegre atende.

 - Hello? – Sorrio com o modo de ela atender.

 - Belinda? É a Melina...

 - MELINA! – Ela grita do outro lado da linha. – Ah Melina que bom ouvir tua voz garota, não sabe como eu estava preocupada, você está melhor? A Tia Helena disse que sim, mas nunca se sabe né? E então, como está? – Ela fala tudo tão rápido que não sei como não ficou sem fôlego.

 - Sua tia tinha razão, eu estou melhor. Não foi nada grave, como ela também deve ter dito. Foi só mais um dos desastres que costuma acontecer comigo. – Ela sorri.

 - Pois então dá um jeito desses desastres não acontecerem perto de mim, senão vou ficar louca. – É incrível como é impossível não sorrir ao lado dela.

 - Desculpa, prometo tentar me controlar.  – Começo a olhar minhas unhas e percebo o quanto elas estão descuidadas.

 - Humpf! Espero que sim senhorita. Que bom que você ligou, esse é o seu celular? – Tiro minha atenção das unhas.

 - É sim.

 - Bom, muito bom, já vai ficar salvo, assim te perturbarei diariamente, ‘MUAHAHA’. – Gargalhei da imitação de uma risada maléfica, dela. – Sou ótima com isso, não é mesmo? – Ouço uma voz masculina no fundo e alguma reclamação dela. – Argh! Vou ter que desligar.  Melina te ligo quando puder. Beeeeeeijos. – Ela alongou a última palavra.

 - Beijos. – Ela desliga e eu resolvo dar um jeito nas minhas unhas.

 Fico pasma de não ter notado antes. Elas estão muito grandes, além do que costumavam ser, precisando ser cortadas e lixadas. Vasculhei o armário até encontrar os materiais de unha da Marina. Corto uma por uma com um cuidado extremo. Deixo-as bem curtinhas e lixadas, pois acampar com unha grande não vai dar nada certo. Depois de terminar guardo tudo e vou para a cozinha jantar.

 Mamãe está cada dia melhor, hoje o jantar foi arroz, feijão e ovos cozidos (ela ainda não aprendeu como fazer carnes sejam elas brancas ou não). Fernando recebeu uma ligação e foi embora meia hora antes do jantar ser servido, para o alívio de mamãe que estava nervosa por ele ser acostumado com comidas refinadas.

 Assim que terminei segui para o banheiro, escovei os dentes, desejei boa noite a todos e me deitei. São nove e quarenta e sete e ainda não consegui dormir. Reviro de um lado para o outro, fechando os olhos, comprimindo-os cada vez mais na tentativa de dormir, mas o sono simplesmente não vem. Desisto dessa tática e resolvo contar carneirinhos, porém, está nunca funciona, posso contar um bilhão de carneirinhos, vaquinhas, peixinhos que o sono não me vem. Então me lembro do que me faz dormir rápido. Levanto e vou até a escrivaninha tateando até encontrar meu celular. Coloco no ‘mp3’ e pesquiso a música ‘Offering’ que apesar de me causar arrepios e uma estranha sensação de tristeza me deixa calma e traz o sono rapidamente.

- Melina você está bem? – Olho para trás e vejo um garoto alto, cabelo castanho, olhos cor-de-mel e uma expressão preocupada. Tenho a impressão de que o conheço, mas não consigo recordar, e ele parece cada vez mais preocupado com meu silêncio, então mesmo sem conhecê-lo respondo.

 - Eu estou bem. – Mas minhas palavras parecem surtir um efeito contrário e sinto um forte dor no pulso que jorram sangue. Fico pasma com o tanto de sangue que sai de finos riscos que há nele.

 - Melina, porque? – Olho para ele que parece sofrer com os meus machucados. Balanço a cabeça em negativa.

 - O que está acontecendo, o que é isso? Quem é você? – Ele tem olhos cansados e uma expressão de agonia. – FALA! – Gritei desesperada para saber, ele se aproximou de mim e eu instintivamente me afastei.

 - Mel, me deixe...

 - Não me chame de Mel, meu nome é Melina, ME-LI-NA! – Continuou gritando e me afastando cada vez que ele se aproxima. Mas cada vez que ele se aproxima a dor parece diminuir.

 - Não fale assim Mel... Ina, Melina. – Ele corrigiu assim que viu minha expressão. – Deixe eu te ajudar.

 - Quem. É. Você? – Pergunto sedenta por uma resposta.

 - Eu posso te ajudar... – Ele se aproxima, mas dessa vez fico parada e sou tomada por uma calma indescritível. A dor passa e ele segura meu braço, fazendo com que o sangue desapareça e restem apenas pequenas cicatrizes. Olho mais assustada ainda para ele, que apenas dá um sorriso estonteante e cansado, e me envolve em um abraço sem que eu possa impedir.

 E de repente tudo o que estava escuro em volta de nós desaparece, ficando tão claro como um dia ensolarado e me entrego de vez naquele abraço que é quente e reconfortante. É algo tão calmante que me desinteressa saber quem ele é, o nome dele ou como ele fez com que os ferimentos estranhos desaparecessem. Apenas me aninho naqueles braços.

 - Acorda querida, você vai se atrasar! – Pulo da cama assim que percebo que é a voz da mamãe e que não se trata de um sonho.

 - Meu Deus, que horas são mamãe? – Ela se aproxima da minha cama para dobrar as cobertas enquanto eu troco de roupa com desespero.

 - São sete e meia. – Ergo as sobrancelhas.

 - Que horas tenho que estar lá? – Ela tenta arrumar a colcha sem que fique torta, puxando de um lado e de outro. – Mamãe?

 - Oito e meia. O ônibus sai às nove horas. – Passo a blusa pela cabeça, depois de vestir uma calça skinny bem colada e calçar minha bota de cadarço, meio parecida com um all star de cano longo. Pego o cachecol e minha trench coach e sigo atrás da mamãe para a cozinha, onde papai toma café e lê o jornal.

 - Bom dia! – Ele diz num ato comum, dobrando o jornal ao meio e me olhando por cima do jornal, de cima a baixo. – Que linda! – Coro e sento, pigarreando.

 - Estou atrasada, não vai dar para tomar o café direito. – Coloco suco de soja sabor morango enquanto pego algumas torradas.

 - Não prefere um chocolate quente meu bem? – Perguntou papai. Olhei para frente e vi que tinha uma garrafa com chocolate quente e uma com água para o chá de aloe Vera.

 - Ah, eu não vi! – Olhei para o meu copo de suco.

 - Deixa aí, e toma algo mais quentinho. – Coloquei o copo de lado e peguei uma caneca adicionando chá. – Olha, coloquei chocolate quente em uma garrafa térmica para você levar. – Ela colocou uma garrafa prata ao lado da minha caneca enquanto eu agradecia com um olhar por estar de boca cheia. Mastiguei apressada e engoli quase me engasgando se não fosse pelo chocolate que tomei logo em seguida.

 - Obrigada mamãe. – Levantei e a abracei bem forte, com a certeza de estar surpreendendo-a. – Vou sentir tanta saudade... – Ela retribuiu o abraço.

 - Eu também meu bebê. – Ela acariciou meu cabelo antes de eu me afastar e deu um beijo na minha testa. – Se cuida. – Concordei impossibilitada de falar com o bolo que tinha em minha garganta.

 - Vamos papai? – Disse meio embargada. Ele se levantou, deu um beijo na mamãe e pegou minha mala enquanto seguíamos para o carro.

 Ele sintonizou em uma rádio que passava ‘Someone like you’ que fez o bolo em minha garganta aumentar. Segurei até o último segundo, mas depois de cinco minutos dentro do carro não consegui agüentar mais e me debulhei em lágrimas silenciosas, encostei a testa no vidro da janela e chorei. Pensei estar despercebida até sentir uma mão afagar minhas costas.

 - Vai passar rápido Mel, você vai ver. Quando você piscar já está de volta em casa. E... Se você não se acostumar e não conseguir se sentir bem, você liga pra casa que eu te busco. – Olhei para ele com o rosto molhado e a vista embaçada pelas lágrimas.

 - Não vai precisar papai, eu estou bem, eu só... – Passei o dorso da mão nos olhos para secá-los e controlei o choro.

 - Tudo bem, tudo bem. – Ele continuava afagando minhas costas. Estiquei meu dedo trêmulo e desliguei o som para não correr o risco de começar outra música que me fizesse chorar novamente.

 Permanecemos em silencio e fiquei grata por papai ser um homem que sabe respeitar a quietude alheia. Chegamos no ponto de partida do ônibus e desci do carro meio constrangida por ter chorado, pois sei que meus olhos ainda devem estar vermelhos assim como a ponto do meu nariz. Olho em volta e vejo que muitas pessoas já chegaram, pois há muitos carros. Suspiro e vou até o porta-malas, mas papai já havia pegado minha bagagem.

 - Vou com você até lá dentro, certo? – Concordei e segui abraçada com ele.

 Entramos em um largo salão onde vários adolescentes riam alegres por viajarem em um acampamento, nenhum deles tinha o olhar triste que estampava meu rosto. Papai apertou minha mãe e eu me aclamei um pouco, feliz e grata por ele estar ali.

 - Obrigado! – Sussurrei em seu ouvido, me esticando na ponta dos pés. Sua resposta foi um abraço forte, me deixando um pouco sem ar.

 - Eu te amo. – Ele disse e eu tive de usar todo o meu autocontrole para não deixar escapar as lágrimas teimosas.

 - Eu te amo mais. Agora... Pode ir, vou ficar bem. Senão o senhor vai acabar se atrasando, e isso não vai ficar bem já que o senhor já pediu para chegar um pouco mais tarde...

 - Tudo bem! Entendi. – Ele ergueu as mãos em rendição, me fazendo corar.

 - Não é isso papai é...

 - Eu sei meu amor. Sei que você nunca faria algo do tipo. – Sorri para ele que me deu mais um abraço antes de partir e me deixar aqui perdida e meio a pessoas, algumas desconhecidas, mas alguns rostos já vistos na escola.

 Sentei em um banco que havia perto esperando até a hora de sair, quando vejo a pessoa mais indesejada. Callie. Reviro os olhos assim que a vejo caminhar em minha direção.

 - Ora, ora... Veja quem está por aqui... – Ela joga uma mecha do cabelo para trás exibindo as longas unhas pintadas de rosa. – Então teve mesmo a petulância de vir guria? – Ergui o olhar para ela, nem um pouco a fim de discutir.

 - Callie, porque você perde seu tempo me atormentando, ahn?  - Ela olha para cima e tamborila o dedo no queixo.

 - Vejamos... Por um lado você está certa: você é uma perca de tempo. – Coro odiando-me por essa timidez idiota – Mas te atormentar torna o meu dia melhor, sabe? – Balanço a cabeça em negativa. – Mas você realmente é corajosa, mesmo eu tendo dito que ia te atormentar durante todo o mês você veio. – Ela sorriu com escárnio. – Você é ridícula Melina!

 - Como? – Inclinei a cabeça tentando ver quem havia dito aquilo e minhas entranhas saltaram quando vi um cabelo loiro e curto contrastando com lábios rosas e uma trench coach vermelha.

 Callie se virou no mesmo instante em que me inclinei, com uma expressão de desdém no rosto maquiado.

 - E você, quem é? – Ela disse encarando Belinda, que sorriu simpaticamente.

 - Belinda. E certamente teria prazer em conhecê-la se não tivesse menosprezado minha amiga segundos atrás. – Callie gargalhou enquanto Belinda continuava com seu sorriso simpático. Callie se recompôs e olho de mim para Belinda

 - Quer dizer que a pobretona arrumou amigos? Sem dúvidas da mesma laia. – Ela gargalhou novamente, agora acompanhada por Belina o que me deixou constrangida.

 - Pobretona é você! – Ela disse parando de rir de repente, e então percebi que seu sorriso era sarcasmo, mais um teatro dela. – E, ridícula também. Vem Melina, vamos sair daqui, está muito mal freqüentado, cruzes! – Ela me puxou pela mão enquanto eu tentava arrastar a mala.

 Ela me guiou até o outro lado do salão onde havia duas malas tão grandes quanto a minha, que ela colocou ao lado. Ela se sentou no banco e cruzou as longas pernas com calça preta e uma bota da cor do casaco.

 - Quem é aquela garota? – Ela disse enquanto dava tapinhas ao seu lado para que eu sentasse. Sentei e cruzei minhas pernas bem menores que a dela.

 - Callie. Uma aluna da Carnegie...

 - Da sua turma?

 - Sim, e provavelmente estudará comigo ano que vem. Estudamos juntas desde o jardim... – Ela fez cara de nojo.

 - Cruzes, desde o jardim estudando com aquele metida? Coitadinha de você Melina. Enfim, você não me disse que viria acampar! – Ela bateu a palma das mãos nas pernas.

 - E nem você! – Disse sorrindo. Fiquei tão feliz quando te vi. – Ela alargou o sorriso mostrando uma covinha na bochecha esquerda.

 - Eu também! Não conheço ninguém aqui a não ser o chato do meu irmão, ah não, lá vem ele...

 Virei e vi um garoto tão alto quanto ela, mas com a aparência bem diferente. Ele tem a pele bronzeada, olhos cor-de-mel e um sorriso maroto nos lábios. O garoto do meu sonho! Seus olhos se tornam dois riscos olhando para mim, até que ele se aproxima mais e sorri largamente.

 - Mel! – Me arrepiei quando ele pronunciou meu nome. Olhei para Belinda confusa, tentando saber como ele sabia meu nome, como ele podia ser o garoto do meu sonho. Cheguei à conclusão silenciosa de que ela deve ter falado de mim.

 - Oi. – Ele fechou o sorriso, cruzou os braços e olhou para o rosto despreocupado de Belinda.

 - Já está corrompendo a menina, Belinda? – Ela revirou os olhos.

 - Como se as garotas precisassem ser corrompidas para não se sentirem à vontade ao seu lado, Bernardo. – Ela balançou a cabeça negativamente. Ele se virou para mim novamente, e eu estremeci olhando para ele e vendo que ele realmente era o garoto do meu sonho, e estremeci mais ainda ao ouvir o nome dele, não me era estranho, mas não lembrei de ninguém.

 - O que foi Mel? – Sacudi a cabeça. Como ele pode saber meu nome? Corei, tomei coragem e soltei.

 - Desculpa, mas... Eu não te conheço... – Me encolhi com o olhar assustado dele, e da Belinda.

 - Como? – Perguntou Belinda. Olhei para ela ficando mais vermelha ainda, enquanto Bernardo me encarava.

 - Eu... – ‘Não sei o que dizer’! Quis completar, mas não saiu.

 - Você não lembra de mim Melina? – Eu deveria lembrar dele? Sentei no banco querendo cavar um buraco e me esconder.

 - Não. – Saiu quase inaudível, mas sei que ele escutou. Nego-me a olhar para ele, mas o vejo se distanciando.

 - Bernardo... – Belinda fala, mas ele se vira e caminha para o outro lado, bem distante. Ela senta ao meu lado e coloca as mãos nas minhas costas. – Melina... Você realmente não se lembra dele? – Olho para ela suplicante, tentando saber o porque que eu deveria lembrar dele.

 - Porque eu mentiria Belinda? - Olhei para o outro lado onde ele olhava por uma janela.

 - Nossa... Mas como...? – Ela parou o encarando. Olhei para ela mais uma vez suplicante.

 - Eu o conheço Belinda? – Ela abre a boca para dizer algo, mas a fecha e me encara profundamente, fazendo-me abaixar a cabeça.

 - TODOS AQUI! O ÔNIBUS VAI PARTIR EM VINTE MINUTOS, VAMOS, VAMOS! – Disse uma voz grossa e autoritária, levantei e fui pegar a mala no instante em que o Bernardo pegou a dele que estava ao lado. Nossas mãos se tocaram e eu senti um arrepio. Olhei para ele, para aqueles olhos de mel no mesmo momento em que ele olhou para os meus, corei a abaixei a cabeça, caminhando rápido para alcançar Belinda que já estava quase dentro do ônibus.

 Sigo-a até o penúltimo acento, onde me sento ao seu lado. Não longe de seu normal, Belinda está eufórica. Acabamos de sair do estacionamento, ainda estamos na cidade enquanto ela vibra.

 - É a primeira vez que vou ao acampamento, estou tão animada. Já imaginou? Minas Gerais é bem longe né? Estou louca com as atividades que iremos fazer... – Ela bate palmas animadas.

 Concordo com tudo o que ela diz, e também estaria bem animada por viajar não fosse pela minha curiosidade pelo rapaz, Bernardo. Ele se sentou em um dos primeiros acentos, bem longe de nós duas. Eu estava começando a me sentir mal, o ânimo dele pareceu despencar quando eu disse que não me lembrava dele. Olho para Belinda e travo um conflito interno: Devo ou não devo perguntar? Volto meu olhar para ele. Lá na frente sou capaz de ver somente sua cabeça, me esticando um pouco por causa da minha altura. Belinda ainda tagarela, e decido que assim que ela silenciar vou perguntar.

 Já estamos saindo de Carmo quando ela se cala. Suspiro, tomando fôlego e me preparando psicologicamente.

 - Belinda? – Ela tira os olhos da janela e se vira para mim. Preparo-me e solto de uma vez. – De onde conheço seu irmão? – O rosa de seus lábios parece sumir. Ela olha para frente, para o mesmo lugar que estou de olho desde a saída.

 - É uma longa história...

 - Você não quer contar. – Digo sem rodeios, pois conheço essa desculpa de ‘longa história’. Ela se volta mais uma vez para mim e suspira.

 - Quer mesmo saber? – Concordo e ela continua. – Eu fiquei sabendo de você através dele, você o conheceu antes de mim, e juro que até agora estou boquiaberta de você não se lembrar dele. Não que ele fosse muito importante para você, não sei, vai ver até era, a questão é que: Como você se lembra de mim, e não se lembra dele? Não faz tanto tempo que não vê ele... – Ela olha para frente de novo, recuperando o rosa de sua boca.

 Minha cabeça rodopia. Então eu já conhecia o irmão dela antes de conhecê-la... Eu lembro do dia que nos conhecemos. Lembro que sempre a achei cativante, mas tinha algum receio em relação à ela... Porque eu não me lembro dele?

 -... Ele gosta de você Melina. – Saí de meu novo conflito interno e a encarei. – E tenho certeza de que ele ficou muito mal quando você não o reconheceu. – Ela suspirou. – Isto é complicado. Talvez você se lembre de... Sei lá, você não lembra de nadinha em relação a ele. – Balanço a cabeça enquanto desce um nó pela minha garganta.

 - Eu também não entendo... – Olho para baixo, para as minhas mãos que estão suadas dentro das grossas luvas.

 - O esqui! – Ela disse exaltada, e a olho desentendida. – O acidente no esqui Melina, é por isso que não se lembra dele, você bateu a cabeça. Claro, como não pensei nisso antes? – Ela deu um tapa na própria testa.

 - Mas eu me lembro de tudo. – Olho para frente. – Bem, de quase tudo. – Coro. E ela continua, não se contendo com minhas afirmações de lembranças.

 - Mas isso pode acontecer Melina, não sei que parte da neurologia explica, mas sei que pode se apagar só algumas lembranças, e como vocês não são tão próximos e fazia tempo que não se viam... É, é isso. Tenho certeza. E ele vai ficar melhor sabendo disso, que foi tudo culpa do acidente, tenho que contar pra ele. – Ela olha para frente e para mim, alternando o olhar rapidamente. – Como vou contar? – Dou de ombros e sigo seu olhar, reparando pela primeira vez quem está sentado ao lado dele. Vejo cabelos castanhos brilhando enquanto mãos com unhas rosas o acariciam. Callie.

 De repente sinto um ódio maior por ela, maior do que o que sempre senti. Observo ela sorrir de tempos em tempos para ele, seu modo tão comum e repetitivo de se jogar para cima dos garotos. Sinto minhas bochechas rosas, mas agora não de vergonha, e sim de raiva. Quem ela pensa que é para dar em cima dele? ‘Quem você pensa que é para vigiar quem fala ou não com ele?’ Minha consciência grita. Agito a cabeça e sento com desleixo, escondendo tudo o que tem à frente.

 - Xadrez? – Olho para Belinda que segura um Ipad com um jogo de xadrez na tela. Sorrio para ela.

 - Moderna você. – Digo me endireitando para poder jogar.

 - É a vida. – Ela diz de um modo dramático e começo a sorrir. – Sou o preto. – Ela fala assim que posiciona o jogo entre nossos bancos.

 Belinda sem dúvida é o tipo de companhia que preciso. Tristeza não existe perto dela. Dá sempre um jeitinho de arrancar sorrisos. Adora tentar aumentar minha auto-estima me deixando corada de tempos em tempos, e ama fazer dramatizações. Terá sucesso se optar pela carreira de atriz. É competitiva, mas sabe perder. E o mais interessante é que me aceitou do jeito que sou, e isso fez toda a diferença, mostrou que além de sua beleza exterior, que é muita, tem uma tão grade, senão maior, por dentro. Movo meu cavalo capturando-lhe um peão e sorrio da cara que ela faz ao perceber que o entregou de bandeja. Olho para a janela e fico feliz por ela estar aqui. O acampamento será divertido e nem verei o tempo passar.


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Notas finais do capítulo

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