Haviam se passado vinte e nove dias desde que havia visitado aquela cliente. Entenda, meu turno se passa apenas em noites de lua cheia e isso significa que os restos dos dias são incrivelmente tediosos e, poderia ousar dizer, monocromáticos.

 Saltava despreocupadamente, ouvindo o Big Ban indicar a meia-noite, o badalar do antigo relógio já me soava como um velho amigo que me dava às saudações. A lua se encontrava na sua forma completa, seu misterioso brilho cinza me dava forças e ela iluminava o meu caminho, como a minha mais antiga amiga, e cúmplice de milênios.

  Não há nada que me interesse mais nos humanos que os seus olhos, é como costumam dizer ao redor desse mundo: “Os olhos são a janela da alma”, se não me engano, seria isso certo? Pode acreditar em cada palavra dessa frase. Estava especialmente interessado nos dessa dama, eram tão cheios de brilho... ela tinha um olhar cheio de sonhos, esperanças e expectativas, por certo, essa pessoa teria um futuro brilhante.

 Cheguei ao meu destino e, como de costume, debrucei-me sob o parapeito da janela, apenas para fitar uma bela jovem com o rosto corado e os orbes surpresos, percebi que, como na última visita, a garota estava usando uma fina camisola de seda.

 -Posso entrar?-Perguntei polidamente, alargando o sorriso, apesar de que já estava adentrando no recinto de qualquer maneira.

 A senhorita sentou-se sobre a própria cama, batendo suavemente com a mão no lugar ao lado dela, indicando que eu deveria sentar-me ali, e assim o fiz.

 -E os seus incômodos se foram?- Indaguei pelos seus pesadelos, aparentando estar interessado a respeito, mas sabia qual era a resposta... Era sempre a mesma resposta.

 -Sim! Oh! Isso é tão maravilhoso! Como fazes tal coisa?-Respondeu exaltada, enquanto seus olhos pareciam completamente tomados por deslumbramento. Esse era o momento perfeito.

 -Então... meus serviços foram de seu agrado?-E assim, segurei as suas mãos, fitando seus olhos mais intensamente. Ela tinha olhos lindos, quase que hipnotizantes.

 -Oh!Sim... Muito! Eu... bem...gostaria de saber se...-Não era capaz de formular a frase com sucesso, seu rosto atingia etapas cada vez mais elevadas de tons de vermelho e ela abaixou a cabeça tentando disfarçar sem muito sucesso, os fios azuis de seu cabelo lhe caiam à face de modo adorável . Humanos são verdadeiramente interessantes.

 -Estás querendo dizer que tem outro favor a pedir-me?-Indaguei, enquanto segurava seu queixo delicadamente, forçando-a a me olhar nos olhos.

 Nesse momento, ficou tão incrivelmente desconcertada que se levantou bruscamente da cama, subitamente interessada nos tons pastéis da parede de seu quarto, eu também me levantei, me colocando em frente a ela, indicando que eu esperava a resposta... Ah! Mas eu já sabia qual a resposta que me seria dada.

 -Sim, eu gostaria de pedir-te mais um favor!-Declarou, com hesitação aparente na pronúncia.

 -E... O que seria?-Meu sorriso se abriu de uma forma genuinamente sarcástica.

 -Bem... como conseguistes fazer com não tivesse mais pesadelos...Eu achei que talvez pudesses me fazer sonhar um pouco mais! Eu realmente aprecio que não tenha mais aqueles horríveis pesadelos, mas eu sonho com tão pouca freqüência! E são tão agradáveis!-Respondeu-me, sorrindo com honestidade, enquanto me encarava com expectativa. E pensar que nem precisei plantar a idéia em seus pensamentos. Maravilhosa.

 Curvei-me em uma pequena mesura, com uma das minhas mãos sobre o peito:

 -Eu não recusarei, já que isto me faz verdadeiramente feliz!

 Ela juntou suas mãos em sinal de satisfação, e seu olhar foi dominado pelo sentimento de felicidade.

  Para esse tipo de acordo, eu tinha um procedimento mais complexo, contudo, era bem mais prazeroso.

 -Nesse caso... Vamos fazer uma promessa com nossos lábios!

 Tendo dito isso, empurrei de leve o seu corpo, para que caísse sobre a cama. Era uma cama espaçosa, tinha travesseiros por todos os lados e tinha os lençóis bagunçados; mais uma evidência de que ela estava dormindo pouco antes da minha pequena visita.

 Posicionei minhas mãos; uma de cada lado do seu corpo e próximas à cabeça, seus orbes azuis cintilavam de emoção, ela fechou os olhos (o que eu achei uma pena, pois eram olhos muito belos para que se fechassem sem necessidade) aguardando que eu a beijasse, admirei aquela inocente figura que se entregava totalmente a um estranho que havia entrado pela sua janela, sorri com o pensamento e encostei meus lábios nos dela, uma onda de prazer percorreu pelo meu corpo, seus lábios... eram ...doces! Lábios quase tão doces quanto sonhos, eu precisava provar mais daquele sabor, então aprofundei o beijo, minha língua pediu passagem e essa foi concedida, eu explorava cada milimétrico canto de sua boca, infelizmente, ela é um ser humano e precisava de ar, parei o movimento quando percebi que sentia falta desse e me deixei cair ao seu lado na cama. Ótimo, pois eu não estava com muito ânimo em parar no beijo e o que eu começaria a fazer no momento a seguir não seria cavalheirismo de forma alguma. Além do que, talvez eu tivesse me empolgado um pouco, havia descarregado uma grande quantidade de sonhos naquela garota, isso poderia ser perigoso para uma mortal, eu até me sentia um pouco cansado, como nunca me sentira em tempos.

 Olhei para o rosto dela, um pouco receoso por nunca ter feito tal coisa... seria horrível se aqueles olhos se apagassem por descuido meu e de forma tão inútil, seu rosto estava corado e seus lábios avermelhados pelo beijo, sua boca entreaberta recobrava o oxigênio com certa dificuldade, mais importante, seus lindos orbes azuis estavam ainda mais belos e me fitavam intensamente, ao meu ver, eram como feitos da mais pura fantasia, era possível enxergar os sonhos dançando em ondas de maravilha nas faíscas do seu olhar. Sim, ela já estava totalmente perdida em ilusões.

 Belas histórias, apetitosas e perversas fantasias... Que ela as consuma até que fique totalmente satisfeita.

   Brinquei com os fios de seu cabelo com os dedos e toquei o seu rosto com delicadeza, seu rosto era tão suave quanto o de uma boneca de porcelana, consigo me recordar perfeitamente de sua face. Aquela jovem era realmente memorável. Não havia me dito uma palavra, mas estas haviam se tornado desnecessárias nesse momento, esperei que adormecesse e fui embora na calada da noite com um sentimento melancólico percorrendo por todo meu corpo.

 Em breve voltaria para a terceira noite... Ela me chamaria novamente.