Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 6
Companhias das Mais Diversas


Notas iniciais do capítulo

Peço desculpas pela demora! Tive pouquíssimo tempo para escrever essa semana.
Mas aqui está o sexto capítulo!
Boa leitura!



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Localização: Rota 52

3 dias após o Surto.


O sol intenso castigava violentamente a pele alva do rapaz. Um incômodo ardor repousava em seus ombros já avermelhados e acima de seu nariz fino, e gotas brilhantes de suor brotavam de sua testa, percorrendo a extensão de seu pescoço esguio. Seus cabelos loiros estavam cobertos por sua camiseta, com as mangas amarradas atrás de sua cabeça, em uma espécie de touca. Era uma larga camisa que ele pegara do supermercado, nos poucos momentos nos quais teve oportunidade para abastecer sua mochila. A camisa de anteriormente, a laranja, estava devidamente guardada na mochila. Seria vestida apenas em último caso, já que ele preferia não ser visto a grandes distâncias.

A barra de sua bermuda estava enrolada até acima de seus joelhos e o elástico preto de sua cueca estava visível, repousando sob seus quadris sutilmente salientes. Seu abdômen e peito expostos dispunham de uma coleção de gotículas salpicando em sua pele. Podia sentir a transpiração também em suas costas, levemente retesadas pela sensação arrepiante do passeio das gotas. Seus olhos estavam semicerrados por conta da intensa luz do sol a pino, e se repreendeu por esquecer-se de pegar algum óculos escuro do supermercado.

Perdera a noção de quanto tempo estava caminhando pela beira da estrada e muito menos sabia onde exatamente se encontrava. Sabia que devia estar em uma tal de Rota 52 - mas não se importava muito com sua localização. Contanto que encontrasse água e abrigo, estaria satisfeito. Seu cantil estava cheio, mas a água dentro dele não duraria para sempre. “Também seria muito bom se alguém vivo passasse por aqui”, pensou ele, com um grande suspiro. A estrada estava absolutamente deserta, sem qualquer sinal de pessoas, zumbis ou animais.

À sua direita, pôde avistar ao longe uma larga floresta, que se estendia até o horizonte. No entanto, paralelamente à estrada, ela logo era substituída novamente por pastos e gramados infindáveis. O verde vivo das grandes árvores destoava com o restante da paisagem, esta amarelada e rasteira. Certamente encontraria algum rio ou lago lá dentro, mas concluiu que seria no mínimo insano se aventurar sozinho naquele lugar. Especialmente por estar perigosamente próximo da cidade em que acabara de deixar para trás – repleta de mortos-vivos, como pudera comprovar pessoalmente.

Desistiu rapidamente da ideia de seguir para a floresta; continuaria, então, seu trajeto pela estrada. Voltou seu olhar novamente para os gramados ao redor da Rota, ponderando que provavelmente pertenciam a enormes fazendas - e onde há fazendas, há pessoas, concluiu ele. Esperava, então, que a algum momento aparecesse no horizonte alguma propriedade rural com a casa de seus donos. E assim se fez.

Ao lado esquerdo da estrada podia ser vista uma baixa cerca de arame, delimitando a área de alguma das fazendas. Para o lado interior da cerca se iniciava uma plantação de milho, raquítica e sem vida. Mais ao fundo da plantação estava o que aparentava ser um enorme casarão. O rapaz sorriu de orelha a orelha. Segurou firmemente as alças da mochila em mãos e iniciou sua corrida até a casa.




Localização: Fazenda Royal Meadows

3 dias após o Surto.


O rapaz apoiou-se, ofegante, no tronco de um pequeno limoeiro com folhas amareladas, que se encontrava a poucos metros da varanda da casa de fazenda. Respirava com dificuldade, o ar quente e seco parecendo machucar seus pulmões sem piedade. Sua garganta estava incomodamente ressecada e ele podia sentir que estava desidratado. Uma súbita vertigem o acometeu, forçando-o a se sentar na areia pedregosa e a encostar-se no limoeiro. Sua avidez por encontrar um abrigo o impediu de raciocinar corretamente – já estava quase sem água, cansado, abaixo de um sol escaldante e ainda resolvera correr por o que pareceram ser dezenas de quilômetros. Soltou um muxoxo entre ofegos, e levantou-se lenta e dolorosamente. “É bom que valha a pena”, pensou ele, de cenho franzido, e levantando seus olhos para o casarão à sua frente.

Era realmente um imóvel grande e muito imponente, com imensas e numerosas janelas espalhadas pela parede branca e uma porta de madeira entalhada na entrada. Uma pequena escada terminava em uma larga varanda, com vasos e ornamentos decorativos e algumas cadeiras de palha, encostadas em uma parede de tijolos sujos. O rapaz se encontrava na passagem de areia batida que se direcionava em linha reta para a escada e, consequentemente, para a varanda. Um gramado de um verde bem apagado se estendia pelos dois lados da passagem, com pequenas árvores frutíferas e algumas herbáceas. Se não fosse pelo tom amarronzado que tomava conta da vegetação, graças à seca, ao sol e à poeira, aquele jardim seria muito bonito.

Arrastando pesadamente seus pés, o rapaz se dirigiu para a varanda. Desviava seu olhar a todo o momento para todo e qualquer movimento suspeito a seu redor. Aparentemente ele estava sozinho ali, mas quem quer que morasse naquele lugar poderia ainda se encontrar pelos arredores, e sabe-se lá se a pessoa estaria viva por completo ou já seria um zumbi.

Estudou a porta minuciosamente trabalhada à sua frente por alguns instantes, assim como uma grande placa, entalhada em madeira, presa acima do batente, com os dizeres “Fazenda Royal Meadows” em letras decoradas. Baixou seu olhar para a maçaneta maciça dourada e franziu o cenho. Arriscou girá-la. Como resposta, a porta se entreabriu sutilmente, arrastando-se pelo chão empoeirado, demonstrando que não estava trancada - para a sorte do rapaz. Ele suspirou aliviado e entrou na casa.

Parado ao lado do batente, com seus dedos ainda repousando na maçaneta, o rapaz vagou com o olhar o cômodo gigantesco. “Nossa!” Os raios solares que adentravam pelas janelas permitiam uma iluminação propícia ao interior da casa. Várias portas e passagens secundárias rodeavam o aposento, certamente ramificando-se para os outros muitos cômodos da casa. Móveis dos mais diversos, com cores claras ou tons amadeirados, estavam espalhados por todos os cantos. Parecia uma enorme sala de visitas, ou uma sala de estar bem aconchegante, com um teto alto e vários lustres pequenos pendendo do forro. Uma concentração de poltronas e sofás de couro, de costas para o rapaz, estava voltada para uma enorme TV de tela plana que repousava, imponente, na parede de tijolos avermelhados.

Um cheiro acre de lenha queimada subitamente pairou no ar. Várias toras carbonizadas estavam amontoadas na lareira da parede à sua esquerda, com diversas fotografias e enfeites, que aparentavam ser de alto valor, posicionados em uma estante acima da fornalha. Ele concluiu que, com absoluta certeza, os donos da fazenda deviam ser pessoas muito ricas.

Caminhou pelo cômodo, tirando a camisa que estava ao redor de sua cabeça e a mochila de suas costas, colocando os dois em um dos sofás. Desviava o olhar para todos os lados, receoso, enquanto abria lentamente o zíper da mochila e tirava um grande martelo de dentro dela. O martelo, que encontrara em uma construção enquanto saía de sua cidade, havia se tornado sua arma - pelo menos até quando encontrasse alguma outra que pudesse ser usada a maiores distâncias. Estar tão próximo de um morto-vivo enquanto se desfere um golpe certeiro em seu crânio tinha também suas desvantagens.

Um silêncio um tanto desconfortável reinava na casa, sinal que os possíveis donos não estavam ali dentro. O rapaz empunhava o martelo com força, preparado para qualquer ataque surpresa. Adentrou um dos corredores à sua frente, na esperança de levá-lo até a cozinha. Havia uma infinidade de cômodos, grandes e pequenos, de todos os estilos; desde um grande salão, com aparelhos para musculação, halteres e bicicletas ergométricas, até quartos de hóspedes e escritórios repletos de livros. Uma grande porta aberta à sua frente chamou sua atenção. No aposento em seu interior repousava uma grande mesa retangular de madeira, ao lado de prateleiras e balcões com utensílios de cozinha. Uma felicidade súbita tomou conta do rapaz, impulsionando-o a correr até o cômodo.

Era uma cozinha espetacularmente grande. Mais de um fogão, uma geladeira imensa, diversas gavetas e armários que deveriam estar cheios de louças e talheres. Uma cesta de palha ornamentada estava posicionada no centro da mesa de jantar, com diversas frutas coloridas meticulosamente arranjadas em seu interior. Tratou de pegar uma sacola que encontrara num dos balcões e a encheu de maçãs e uvas, além de dois mamões. Desviava seu olhar rapidamente por toda a cozinha, a procura de mais mantimentos. Sua prioridade agora era se alimentar – já nem se importava mais tanto com sua segurança.

Um galão enorme de água, repousando na extensa pia de mármore, chamou a atenção do rapaz. Devia ser de pelo menos 20 litros, e estava encaixado em um elaborado apoio de cerâmica com uma pequena torneira proeminente. Ele arregalou os olhos. De súbito, agarrou o primeiro copo que encontrou, correu aos tropeços até o galão e abriu desesperadamente a torneira, permitindo a água límpida a fluir com velocidade para dentro do recipiente de vidro.

A cada copo que enchia, bebia o líquido com dois grandes goles e logo o posicionava novamente abaixo da torneira, ávido para beber mais. Era como se todas as suas células estivessem sendo irrigadas pela primeira vez em anos, e uma sensação de alívio grandioso tomou conta do rapaz. Com um grande suspiro, apoiou o copo em cima do galão e esfregou as costas da mão em sua testa suada.

Dirigiu-se até a pia e abriu o registro da torneira maior. Formou uma concha com suas duas mãos, enchendo-as de água gelada e levando-as ao rosto. O frescor se instalou em sua face e pescoço, fazendo o rapaz sorrir. Pensou em procurar, posteriormente, um banheiro para poder tomar um devido banho.

No canto esquerdo da cozinha estava visível uma porta menor, fechada. O rapaz deduziu ser a dispensa. Aproximou-se da porta e a abriu com pressa. Prateleiras abarrotadas de embalagens, latas e caixas de mantimentos constituíam o interior da apertada dispensa. Pegara tudo o que podia (e que tinha preferência), dispondo os itens na mesa para posteriormente guardá-los em sua mochila. Enchera uma garrafa grande e seu cantil com água e também os colocou na mesa. Encarou sua bagagem por alguns segundos, com as mãos repousando em seu quadril e um sorriso de orgulho em seu rosto. Tinha os mantimentos e logo se prepararia para procurar algum meio de transporte. “Provavelmente deve ter algum carro aqui”, pensou ele, “mas antes, uma ducha bem gelada.”

A princípio pensou ser uma ideia um tanto absurda; aventurar-se pela mansão desconhecida, correndo o risco de ser pego de supetão pelos donos mortos-vivos enquanto enchia a banheira com sais de banho. Mas não sabia se ocorreria outra oportunidade como aquela, de usufruir de tamanha residência e de seus aposentos. Não estava fazendo nada de errado, apenas precisava se refrescar e estar descansado para partir novamente. Decidiu, então, procurar o banheiro mais próximo.


Uma densa quantidade de vapor de água se concentrava ao redor do batente da porta de um dos banheiros. O rapaz saiu do cômodo enxugando seus cabelos loiros com uma felpuda toalha branca, e se dirigiu para a cozinha. Uma sensação refrescante tomara conta de seu corpo e mente durante os vinte minutos de banho que tomara. Agora se sentia mais desperto e confortável.

Recolheu todos os mantimentos da mesa da cozinha e abarrotou sua mochila com eles. Pegou uma pequena mala que encontrara em um dos quartos e tratou também de enchê-la com os enlatados e embalagens. Sua bagagem se encontrava novamente no sofá de couro da sala e o rapaz voltava para a cozinha para uma última conferida, caso houvesse se esquecido de algo.

Um gemido rouco chamou sua atenção. Parecia vindo de trás de uma pequena porta, escondida em um dos cantos da cozinha, provavelmente pertencente à outra dispensa ou talvez a um pequeno depósito. Ele levantou uma sobrancelha. Um líquido viscoso e brilhante se fazia evidente ao escorrer lentamente por debaixo da porta. Era sangue. Como não percebera aquele sangue antes?

O rapaz sentiu seu corpo gelar-se por inteiro. Não estava só, afinal. Pegou um enorme espeto de churrasco, antes apoiado em um suporte de madeira repleto de utensílios para churrascaria (esqueceu-se completamente de seu fiel martelo), e se dirigiu lentamente até a porta. O porquê de querer saber a origem do sangue lhe escapava a mente. Maldita curiosidade.

Outro gemido, agora mais baixo, se fez ouvir de dentro do pequeno cômodo. O rapaz engoliu em seco e relutou em abrir a porta, a princípio. Por fim, o fez. Esta mal se entreabrira e ele se sobressaltou, arfando alto em surpresa e derrubando o espeto no chão, com um baque metálico em resposta. Arregalou seus olhos castanhos para a visão de dentro do cômodo. Uma garota, aparentando alguns anos mais nova do que ele, estava sentada e encostada em uma das prateleiras do interior da pequena dispensa. Sua franja, molhada de suor, tinha os grossos fios loiros grudados na testa retesada. Ela estava perigosamente pálida, com os olhos cerrados com força e a boca arroxeada e trêmula.

O rapaz atreveu-se a baixar seu olhar. Uma poça de sangue se formava ao redor da garota, tingindo de vermelho a bermuda jeans que ela usava. Suas pernas estavam profundamente cortadas e repletas de hematomas. Um enorme ferimento, parecido com uma mordida, repousava no seu tornozelo fino. Mas a situação das pernas dela não estava pior do que o restante de seu corpo – ela agarrava com força a região de suas costelas, cobrindo alguma ferida aberta. Seu outro braço repousava inerte no chão frio, igualmente dilacerado e, onde anteriormente deveria estar sua mão, havia apenas mais sangue. O rapaz sentiu uma reviravolta incômoda em seu estômago.

–Vo-você está bem? – Perguntou ele, ainda assustado. Subitamente revirou seus olhos, bufando com a estupidez presente em sua pergunta.

A garota gemeu baixinho em resposta. Parecia prestes a perder a consciência. Ele se aproximou com cautela, desviando o olhar para todos os lados da cozinha antes de adentrar a dispensa.

– Venha, vou te tirar daqui. - Sussurrou ele, se aproximando da garota e estendendo um de seus braços ao redor do tronco dela, pretendendo colocá-la em pé.

– N-não... – Ela murmurou em resposta, com a voz rouca e pastosa. – Preciso...me esconder...

– Esconder... de quem? – Ele se atreveu a perguntar, receoso.

O rapaz forçou o corpo da garota para cima, no intuito de levantá-la. Ela parecia não conseguir colaborar. Com certeza havia perdido muito sangue, já que aparentava tão fraca e apática.

– Fa...mília... – Respondeu ela, com grande esforço.

O rapaz engoliu em seco. Os donos, então, ainda estavam nos arredores e haviam atacado a própria filha. Isso era um péssimo sinal. Prostrou-se para frente, arrastando o corpo da garota consigo. Não fazia ideia de como a ajudaria, mas alguma coisa precisava ser feita. Por mais que relutasse, não podia deixá-la lá. Lentamente a levou até a sala de estar e apoiou-a no sofá maior, com cautela. Ela gemia fracamente de dor vez e outra e parecia ter perdido os movimentos de seus membros.

Ele correu com pressa por toda a casa, à procura de medicamentos ou qualquer coisa que pudesse utilizar para limpar os ferimentos e enfaixar o antebraço mutilado da garota. Encontrou, em um dos grandes banheiros da casa, uma pequena caixa de plástico branca, com materiais de pequenos-socorros em seu interior. Gaze, esparadrapo, antisépticos, antibióticos e diversos outros frascos estavam dispostos, desorganizados, dentro da caixinha. Correu em direção à sala de estar novamente. Ajoelhou-se aos pés do sofá, próximo das pernas da garota.

– Não... – Sussurrou a garota. O rapaz levantou seu olhar para ela. – Eles... vão nos pegar...

– Eu vou tratar rápido da sua perna e da sua... mão. – Ele lançou um olhar de soslaio para o antebraço decepado, engolindo em seco. – E depois nós vamos sair daqui.

– Está tão... frio...

Ela respirava com dificuldade, seus lábios ainda tremiam. Ele rapidamente começou a aplicar uma pomada viscosa nos ferimentos da panturrilha dela quando ouviu um último suspiro fraco. Virou-se para olhá-la. Os lábios estavam entreabertos e seu rosto, mais pálido do que nunca. Segurou delicadamente a fria mão que ainda restara e posicionou dois dedos abaixo do pulso da garota. Não percebeu nada.

O rapaz respirou profundamente e se levantou. Levou sua mão ao rosto dela e fechou seus olhos, antes semicerrados e apagados. Sabia que logo aquela menina acordaria, porém mudada – acordaria igual ao restante da sua família, ávida por sangue. Recolheu a caixa de medicamentos e a guardou dentro de uma das malas. Pegou suas coisas e se retirou da casa.


Agora, necessitava de um meio de transporte. Vagou ao redor da imensa mansão à procura de algum veículo, mas não encontrou nada. Pôde ver que um grande celeiro repousava a alguns metros da casa, e um pequeno trator vermelho estava estacionado próximo de um grande monte de capim cortado. Deu de ombros ao avistar o trator. “Melhor do que nada”, pensou.

Largou suas bagagens na grama seca e caminhou em direção ao veículo. Podia escutar alguns barulhos vindos de dentro do galpão - provavelmente alguns animais estavam lá dentro. Aproximou-se do trator e subiu em sua apertada cabine. Nunca havia dirigido um daqueles, seria uma experiência nova um tanto diferente. Girou a grande chave do contato e tentou dar a partida. O trator não respondeu. Passara mais alguns segundos na esperança de conseguir ligar o veículo, mas não teve sucesso. Por fim, deixou a chave girada para a partida, mas desceu do pequeno trator. “Merda”.

Desmontando do trator, seguiu em direção ao celeiro. A grande entrada aberta possibilitava a visão de seu interior. Montes de feno se agrupavam em um dos cantos do galpão e várias cocheiras se dispunham uma ao lado da outra. Algumas galinhas pequenas passeavam pelo chão arenoso, ciscando o solo poeirento, cacarejando. Pôde ver dois grandes e imponentes cavalos dentro de suas baias, mas estes pareciam irrequietos - relinchavam vez e outra e golpeavam o chão com seus cascos fortes. Um deles estava com suas orelhas posicionadas para trás, em sinal de desconfiança. O rapaz vasculhou com o olhar o interior do celeiro, mas não conseguiu distinguir nada de suspeito. Ainda assim, sentira seu coração acelerar estranhamente e um súbito receio crescer dentro de si.

Voltou seu olhar para a direita, para algumas prateleiras e ganchos presos à madeira escura da parede do galpão. Vários utensílios como rastelos, foices e facões se dispunham próximos de selas, cabrestos, cordas e esporas. Mais próximos de uma das baias, estavam um par de botas empoeiradas, um casaco de couro preto pendurado em um cabide e um chapéu extravagante de vaqueiro. Aproximou-se dos materiais e pegou um facão e uma pequena foice. Ficou um tanto satisfeito com o novo par de armas que acabara de adquirir. Com esforço, amarrou o punho do facão em sua bermuda com uma pequena corda. Empunhou, então, a foice em mãos e aproximou-se dos dois cavalos apreensivos.

O primeiro animal, forte e de um marrom avermelhado intenso, bufava furioso e se aproximava várias vezes da porta da baia, fazendo as toras de madeira rangerem com o peso de seu corpo contra elas. O rapaz acompanhou o olhar do cavalo, fitando a baia ao fundo do celeiro. Alguns barulhos e zunidos vinham dali, mas eram quase totalmente encobertos pelos relinchos e cacarejos dos animais.

Uma brisa suave entrou pelas altas janelas do galpão, trazendo consigo um odor acre e ferruginoso. O rapaz tossiu involuntariamente, fazendo uma careta ao perceber o cheiro forte de putrefação que invadira repentinamente o lugar. Parecia, também, proveniente da última baia do celeiro. Receoso, aproximou-se lentamente daquela cocheira, apertando com mais força o cabo de madeira da foice.

Antes mesmo de parar à frente do lugar, parou de súbito, arregalando os olhos. Algumas pequeninas figuras se moviam rapidamente ao redor de um grande corpo deitado. Concluiu serem moscas, já que zumbiam fervorosamente. Três outras criaturas se posicionavam, de cócoras, ao redor do corpo, grunhindo e se aproximando vez e outra do cadáver. Eram pessoas.

O rapaz deu um passo para trás, aterrorizado. Um homem, uma mulher e um menino, cobertos de sangue e areia, pareciam se alimentar de um imenso cavalo. O animal tinha seus olhos arregalados e vidrados, e partes de sua carcaça estavam arrancadas, expondo músculos e pele sem a cobertura de pêlos negros. Pôde perceber que aqueles mortos-vivos, que se alimentavam do equino, tinham cabelos loiros da mesma cor dos da menina que tentara salvar.

Ainda não haviam percebido a presença dele ali, já que continuavam com suas mandíbulas cravadas no corpo do animal e com grossas gotas de sangue escorrendo por seus pescoços. Os humanos não eram seu único alimento então, concluiu ele. Enquanto ainda se afastava, de ré, um súbito estalido se fez abaixo de seus pés. Um pequeno galho havia se quebrado, chamando a atenção do menininho loiro. A criança levantou seus olhos injetados para o rapaz, a boca vermelha de sangue e as pequeninas mãos agarradas ao pescoço do cavalo. O rapaz sentiu os olhos funestos e famintos do menino penetrarem os seus. Engoliu em seco.

Com um grito estridente, o menino avisou seus pais da presença do rapaz. Os dois adultos ergueram suas cabeças ao mesmo tempo, também grunhindo em direção à nova presa. Levantaram-se pesadamente, as mãos dispostas em garras e as pernas ligeiramente tortas. O menino foi o primeiro a correr em direção ao rapaz. Com um grunhido abafado, ele empunhou a foice em direção à criança e desferiu um golpe desajeitado. A lâmina afiada passara por cima da cabeça do pequeno zumbi, mas não o atingiu.

– Puta merda.

Segurando a foice em uma das mãos, tratou de correr para fora do celeiro. Os três mortos-vivos o seguiam, correndo desajeitados, porém com velocidade – o menino, principalmente. O rapaz já estava ao lado de fora do galpão e podia sentir que se aproximavam cada vez mais.

Parando de súbito, cerrou seus olhos com força e girou a foice para trás rapidamente. Conseguira acertar o menino, decepando-o. Com um arfar aterrorizado, o rapaz observou a cabeça solta rolar lentamente pelo capim seco e o pequeno corpo tombar-se para trás. Urrando em uníssono, os dois adultos apertaram o passo, se aproximando ainda mais.

“Faltam dois!”. Agora de cenho franzido, com uma fraca determinação crescendo dentro de si (tentando sobrepor as persistentes náuseas em seu estômago), o rapaz brandiu a arma em direção a seus atacantes. Porém, um grunhido alto desviou sua atenção e a dos dois mortos-vivos.

Surgindo de trás do celeiro, estava um grupo de seis homens, altos e corpulentos. Vestiam calças jeans manchadas de sangue e camisas xadrez rasgadas – um deles estava com um chapéu preto de cowboy em sua cabeça. Deviam ser os vaqueiros que trabalhavam na fazenda. Alguns estavam relativamente inteiros, mas outros apresentavam enormes ferimentos em seus corpos, ou então lhes faltava um braço ou um pedaço do tronco. Mas, apesar de debilitados, expunham um olhar enlouquecido e aterrorizante, e suas feições se franziam com o arreganhar de dentes. Aproximavam-se, arrastando-se pesadamente, em direção do rapaz e dos seus ex-chefes. O loiro sentiu uma súbita vertigem lhe acometer.

Agora os homens começavam a correr. Os dois zumbis mais próximos se voltaram novamente para ele, rangendo os dentes avermelhados de sangue. Um novo golpe fora desferido, acertando uma das pernas do homem, que gritou em resposta. A mulher, assustada, virou-se para o marido que agora caia de joelhos no chão. O rapaz aproveitou a deixa e pôs-se a correr.

Agarrou as malas que deixara no chão e praguejou para o trator, ainda estacionado e próximo de si, por não ter funcionado anteriormente. Podia escutar os barulhos dos mortos-vivos que se aproximavam enquanto corria desenfreadamente em direção ao casarão.

Pouco antes de adentrar a varanda, um baque surdo chamou sua atenção. Uma garota loira, com as roupas manchadas de vermelho e os cabelos grudados em sua testa, estava do lado de dentro da casa, com sua (única) mão apoiada no vidro da enorme janela da sala de estar. Sua expressão vazia e ao mesmo tempo raivosa distorcia seu rosto redondo, com um grunhir entre os dentes. Ela batia repetidas vezes a mão, fechada em punho, no vidro da janela, obviamente querendo sair de lá e atacar o rapaz. Ele praguejou aos ventos, nervoso e tremendamente atemorizado.

Sua única opção era correr, então, em direção à estrada onde se encontrava antes de explorar a Fazenda Royal Meadows. Sabia que não poderia fugir para sempre dos zumbis, e que correr até não ter mais forças não era a melhor ideia possível, mas não conseguira raciocinar no momento, graças aos mortos-vivos que estavam se aproximando rapidamente.

Poderia lidar facilmente com os dois donos da casa – mas agora, com aquela horda de homens fortes prontos para trucidá-lo, resolvera não ficar para lutar. A foice estava apenas pesando em seu braço, impossibilitando-o de correr mais livremente. Jogou-a, então, para trás e pôs-se a correr mais veloz. Torcera para que, caso precisasse de alguma arma, o facão parcialmente enferrujado, preso em sua bermuda, fosse de alguma utilidade.

Estava próximo do milharal seco quando uma enorme pedra o fez tropeçar e cair no solo infecundo com um baque. Apoiando-se de joelhos, com as mãos levemente raladas prensadas na grama, voltou seu olhar de relance para trás enquanto tentava se levantar. Estavam muito perto. Era seu fim.

Um zunido alto, de algo sobrevoando por sob sua cabeça e se quebrando no chão com um estouro forte, chamou sua atenção. Parecia vidro se estilhaçando. Um forte clarão o fez arregalar os olhos, e logo pôde ver que dois dos zumbis estavam em chamas. Um tinha labaredas alaranjadas consumindo todo o seu corpo, enquanto o outro grunhia rouco para o fogo em seu braço inerte.

Os outros pararam de súbito, ainda gemendo. Um novo objeto fora lançado em direção a eles, novamente se quebrando e espalhando mais chamas pelos mortos-vivos. A grama seca contribuía para o alastre rápido do fogo e seu ataque aos zumbis, e os poucos que estavam ilesos se afastavam gradativamente, fitando o loiro pela cortina ardente à frente deles. Encarando a cena, perplexo, o rapaz levantou-se rapidamente. Arfava ruidosamente, confuso.

– Ainda bem que cheguei a tempo.

Uma voz masculina se fez ouvir atrás dele. Com um salto, virou-se para trás e levou sua mão para o cabo do facão, instintivamente.

Um rapaz, não mais velho que ele, de cabelos castanhos curtos e bagunçados, o encarava com olhos igualmente castanhos – só que evidentemente mais claros e com um brilho de satisfação. Era alguns centímetros mais alto, com ombros mais largos e pescoço ligeiramente mais graúdo. Gotas de suor se faziam evidentes em seu cenho franzido, e seus lábios finos e ressecados esboçavam um sorriso em seu rosto afunilado.

Estava com suas roupas empoeiradas e algumas gotas de sangue seco salpicavam em sua blusa azulada. Grossas alças de mochila se faziam evidentes ao redor de seus braços. Tinha, em uma de suas mãos, uma garrafa de vidro com um pano embebido em seu interior e, na outra, um isqueiro prateado.

– Mas o quê... – A voz do loiro falhou repentinamente. Ele ainda agarrava o facão com força.

– Relaxa, cara. – Disse o moreno, baixando seu olhar para o facão. – Vai por mim, eu sou dos seus.

O loiro levantou as sobrancelhas, surpreso e claramente em dúvida. Um grito alto se fez ouvir atrás de si, fazendo-o se virar. O grupo de zumbis se afastava cada vez mais, com dois deles claramente carbonizados e mais alguns deitados no chão, inertes e mortos pela segunda – e última – vez. Um deles ainda corria desenfreado, em chamas, grunhindo e gritando, em direção à estrada.

– Como...? – Perguntou ele, voltando-se para o outro rapaz.

– Simples. – O moreno sorriu. – Tá vendo isso aqui?

Levantou a garrafa que estava em uma de suas mãos. Era de um verde transparente e parecia ser de cerveja ou refrigerante. Um líquido em seu interior, de cheiro forte, empapava um pedaço de pano branco, que tinha uma de suas extremidades pendendo para fora da boca da garrafa e impedindo que o líquido vazasse do recipiente.

– Isso, meu amigo, é um Coquetel Molotov.

O loiro levantou uma sobrancelha. Já tinha ouvido falar dos famosos Coquetéis Molotov, armas incendiárias caseiras feitas com garrafas de vidro e algum combustível, como álcool ou gasolina. Só nunca imaginara que ficaria tão perto de um antes – ou que alguém pensaria em usá-lo contra mortos-vivos sanguinários. Surtira efeito, no entanto, fazendo o rapaz achar aquela uma arma realmente interessante.

– Não é a melhor opção, mas você vê que eles se afastaram. – O moreno continuou, levantando seu olhar para os zumbis.

– O-obrigado.

O loiro afrouxou o aperto no cabo do facão e suspirou. O outro rapaz virou-se para ele e sorriu abertamente.

– Fico feliz de ter encontrado outro sobrevivente, finalmente! – Disse o moreno.

– Pois é... Eu já estava me preocupando. Pensei que era o último vivo nesse planeta.

Os dois riram, desgostosos. Um baque repentino sobressaltou-os. Levantaram seus olhos para a estrada ao lado e viram o último zumbi em chamas, ainda correndo desorientado. O morto-vivo havia acabado de derrubar uma moto, antes estacionada à beira da Rota, e que agora ardia igualmente em chamas.

– Puta merda! – O moreno gritou, desesperado, levando uma de suas mãos à cabeça.

Guardou a garrafa apressadamente em sua mochila e correra em direção ao veículo que queimava. O loiro o acompanhou, confuso.

– Não, não, não, não, NÃO!

O moreno havia parado ao lado das labaredas, seus braços pendendo inertes ao lado de seu corpo e uma expressão de desolação estampada em seu rosto. O zumbi corria agora para o outro lado, aos tropeços e já esturricado.

– Se eu te pego, seu filho da puta! – Gritou o rapaz, ao morto-vivo.

– O que aconteceu?

– Esse maldito teve a capacidade de fazer minha moto virar uma bola incandescente! – O moreno apontou para o fogo aos seus pés.

Um súbito desapontamento perpassou o olhar do loiro. Finalmente havia encontrado um modo de deslocar-se, sem ser a pé, mas pelo visto suas esperanças se esvaiam com as grossas rodas do veículo à sua frente.

– Acho melhor a gente dar o fora. – Disse ele para o dono da moto. – Ela pode explodir logo!

Com um suspiro frustrado, o moreno acenou positivamente com a cabeça.




– De novo, obrigado por ter me ajudado com aqueles malditos.

Os dois caminhavam à beira da estrada, deixando para trás a moto, recentemente arrebentada em mil pedaços, e a fazenda dos mortos-vivos. O sol continuava tórrido lá no céu e o calor voltara a se instalar, agora mais violento. Os dois já estavam sem camisa, transpirando intensamente, e bebiam da garrafa de água que o loiro havia conseguido no casarão.

– Não há de quê. Nessa altura do campeonato, a gente precisa se ajudar, uns aos outros. – Respondeu o outro, depois de um grande gole do líquido refrescante. – Só queria poder levar a gente na moto. – Ele suspirou, enraivecido.

– Não tem problema. A gente vai achar algum transporte pelo caminho. É só a gente passar por essa região das fazendas que já começa uma nova cidade. – O loiro respondeu, estendendo seu olhar para o horizonte.

– Sim. É bom ter companhia de alguém vivo, pra variar. Antes estar mal acompanhado do que só!

O loiro voltou seu olhar para o rapaz, levantando uma sobrancelha. Um sorriso maroto se estampava no rosto do outro, enquanto tomava mais um gole da água.

– É brincadeira, cara.

– É uma boa filosofia!

Os dois riram, se divertindo. Passaram o restante das horas de caminhada conversando e trocando experiências vividas com os zumbis. Os eternos descampados começaram a ser sutilmente substituídos por pequenos cerrados, com algumas árvores solitárias pelo gramado e à beira da estrada. Os dois se puseram, então, a bolar um plano para conseguirem algum meio de transporte. Estavam cientes que seria muito difícil outros sobreviventes passarem por ali, mas, se haviam se encontrado no meio de uma fazenda deserta, então ainda havia esperança.


Não muito longe dali, alguém desviava de um objeto à beira de estrada, próximo de uma fazenda com uma enorme casa e alguns zumbis próximos da instalação. Parecia uma moto o tal objeto, com alguns pedaços jogados pelo caminho, visivelmente carbonizados. A Ford Ranger que passava ali acelerou subitamente, com o intuito de afastar-se ao máximo dos mortos-vivos da fazenda.


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Notas finais do capítulo

Espero que não tenha ficado muito cansativo!
No próximo capítulo os cinco finalmente se encontrarão.
E os "nomes" dos dois rapazes serão revelados.
Até a próxima!



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