Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 5
Rota 52




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Localização: Rota 52

1 dia após o Surto.



O visor digital do painel mostrava o horário em números verde-fluorescentes. Já fazia duas horas que Ann dirigia ininterruptamente pela Rota 52, a caminho da cidade de seus pais. Sentia-se exausta e uma terrível dor de cabeça latejava em suas têmporas. Estava com fome e sono, além de ainda sentir-se perturbada pela imagem de seu (agora ex) namorado ser devorado pelos vizinhos. Sentia-se no pior dia de sua vida.

O asfalto emanava o calor escaldante e os descampados inóspitos e secos nas duas margens da longa estrada transmitiam uma visão de desolação. Alguns cavalos e bovinos salpicavam aqui e ali pelos campos das fazendas, alheios a todos os acontecimentos do mundo humano, mas ainda assim não ajudavam muito a corroborar o conceito de vida dali. Era tudo um imenso e solitário deserto.

Um estouro repentino sobressaltou a garota. O carro perdia velocidade rapidamente e um ruido metálico invadiu seus ouvidos. "Mas o quê...?!" Parando o veículo completamente, a garota saltou do banco de motorista para analisar o que havia acontecido. Um pneu furado.

– Tá de brincadeira comigo! – Bradou alto para si mesma, fitando a borracha murcha ao redor da calota.


Praguejava com a voz chorosa, seu timbre delatando o desespero a cada maldição que escapava de seus lábios trêmulos. Desviou seu olhar rapidamente para todos os lados da estrada. Estava completamente sozinha. Se isto era bom ou mau sinal, foi incapaz de concluir.

Retirou a chave do contato e se dirigiu para o porta-malas. Após levantar o tampo, retirou parcialmente, com esforço, o forro de dentro. Tinha esperanças de retirar o estepe e trocar o pneu. Fez uma careta com este pensamento – a única vez que trocara um pneu na sua vida fora um sufoco descomunal. Baixou seu olhar para o estepe encaixado abaixo do forro.

– Merda!

O estepe também estava murcho, tão murcho quanto o pneu que acabara de furar. Com um urro de raiva, Ann esmurrou o estofado do porta-malas. Sentou-se então no asfalto quente, apoiando suas costas no pára-choque e caindo em prantos, desolada. Havia se esquecido de que estava com o carro de Dustin e que ele sempre fora irritantemente irresponsável no quesito segurança.

Porque diabos não havia voltado para pegar seu carro na garagem ao invés de fugir com o carro do namorado? Com certeza não estaria naquela situação se assim tivesse feito. Sentiu ódio de si mesma, ódio daquele carro, ódio de Dustin, ódio dos mortos-vivos que estavam fazendo de sua vida um completo inferno - tudo em pouquíssimas horas. Levantou-se com esforço, lançando um último olhar colérico ao estepe murcho.

– Muito obrigada, amorzinho. Muito obrigada mesmo. – Disse com grande amargura, lembrando-se de Dustin. Fechou o porta-malas com violência.

Sentiu-se péssima por estar enraivecida com o rapaz, mas não pôde evitar. Encontrava-se em uma situação absurdamente crítica, então decidiu que se daria o luxo de culpar Dustin por aquilo. Nunca mais voltaria a vê-lo, de qualquer forma. Um aperto em seu coração a fez suspirar entre as lágrimas que escorriam por seu rosto. Pressionou seus dedos contra suas têmporas e apertou os olhos com força - pequenos pontos brilhantes dançavam à sua frente. A dor de cabeça aumentara.

Precisava achar algum abrigo logo, antes do entardecer. Recolheu suas coisas de dentro do carro e pôs-se a caminhar, fitando a estrada que seguia longa até o horizonte. Deixara o carro com o pneu furado para trás, não lhe era mais útil naquelas condições, infelizmente. O fato de estar viajando a pé, sozinha, por infindáveis quilômetros à mercê de zumbis sequiosos por seu cérebro a fizeram suspirar. Definitivamente era o pior dia de sua vida.

Por sorte o sol ainda demoraria várias horas para se pôr, mas ela não pôde evitar sentir um medo profundo se estabelecer em sua mente. Se não encontrasse algum lugar seguro para passar a noite, provavelmente não sobreviveria. Lembrou-se de já ter viajado por aquele trecho da estrada e que não se encontrava muito longe de uma cidade à beira da rota. Tentaria a sorte por ali mesmo.

Já caminhava há horas, com o sol incidindo impetuoso acima de sua cabeça, insistindo em agravar seu cansaço e mal estar. No início de sua caminhava, pôs-se a pensar sobre o que estaria acontecendo à sua volta, com o porquê de toda aquela calamidade; um turbilhão de pensamentos e emoções perpassava por sua cabeça. Após uma hora de caminhada, desistira de refletir sobre o mundo e só pensava em encontrar comida. Sua garrafa de água já estava vazia e a sede também começava a se instalar em sua garganta.

Vasculhava seus arredores a todo o momento, receosa. Desviando seu olhar para o horizonte à sua frente, pôde avistar que, a pouco mais de um quilômetro, se encontrava um pequeno prédio. A princípio pensou não passar de uma alucinação por conta do calor, porém a visão de um veículo estacionado próximo a instalação chamou sua atenção. Uma súbita onda de esperança percorreu seu corpo, impulsionando-a a utilizar o restante de suas energias para correr até o prédio.





Localização: Posto de gasolina na Rota 52

1 dia após o Surto.


Conforme se aproximava do local, Ann pôde ver que se tratava de um posto de gasolina, com várias bombas de combustível presas ao solo e grandes colunas de concreto sustentando uma espécie de teto acima delas. À direita do posto estava uma pequena loja de conveniências e o que aparentava ser uma lanchonete, para felicidade extrema da garota. Estava a poucos metros das instalações quando percebeu que o veículo que vira ao longe se tratava de uma grande Ford Ranger preta.

Mal chegara ao posto e correra direto para a lanchonete. Adentrou o lugar com pressa, na esperança de encontrar algum sobrevivente lá dentro ou melhor: encontrar comida. A lanchonete estava vazia. Pelo visto, até ali, num posto de gasolina completamente isolado, os mortos-vivos já haviam espantado – ou até transformado – todos dali.

Dando a volta no balcão, a garota viu uma grande geladeira de porta translúcida, repleta de bebidas enlatadas e garrafas d’água. Abrindo a geladeira com pressa, a garota agarrou a primeira lata a seu alcance e puxou o fecho de alumínio com desespero. Em três grandes goles, a bebida já descia gelada por sua garganta. Não demorou a pegar mais algumas latas e saciar sua sede. Agora precisava comer alguma coisa - pontadas lacerantes de dor se fizeram presentes em seu estômago.


Sentia-se fraca e intensamente esgotada por conta do calor e da enxaqueca incômoda. Arrastando pesadamente seus pés, agarrou sua mala que jogara no chão e se dirigiu para fora da lanchonete. Decidiu procurar mantimentos na loja de conveniências. Ao pôr os pés fora do estabelecimento, ouviu um estalo metálico repentino muito próximo de si. Virou-se para a direção do ruído e sobressaltou-se, arregalando os olhos.

A poucos centímetros de seu rosto se encontravam os buracos de dois longos canos de uma espingarda. O rapaz ruivo que segurava a arma à altura da cabeça da garota tinha um brilho colérico em seus olhos verdes e a tensão estampada em sua face. Paralisada, Ann apenas entreabriu a boca, mas nenhum som saiu de sua garganta.

Os dois permanecerem assim, estáticos, por longos segundos. A arma continuava apontada para garota e o rapaz não dava nenhum indício de pretender recuar ou abaixar a espingarda. A fraqueza tomou conta de Ann por completo, lhe causando fortes vertigens. Procurou de todas as maneiras continuar em pé, sem fraquejar, pois tinha certeza que o rapaz atiraria nela a qualquer movimento brusco.

Um vulto atrás dele a fez desviar o olhar momentaneamente. Alguém, mais baixa do que ele, corria em direção a eles. O rapaz virou sua cabeça em direção à pessoa, abaixando sutilmente os canos da espingarda. Ann cogitou correr para dentro da lanchonete, mas no segundo seguinte já se encontrava caída no chão quente. Sua consciência ainda resistia por um fio, possibilitando-a de distinguir duas vozes próximas a ela discutindo, agitadas, mas logo um negro véu encobriu sua visão e ela perdeu os sentidos por completo.

~~~

– Não acredito que você ia atirar nela!

A garota ruiva gritava com seu irmão, enquanto carregava uma caixa repleta de enlatados e alimentos semi-prontos. Já haviam recolhido quase tudo da loja de conveniências, inclusive alguns medicamentos, caixas de ferramentas e até dinheiro da caixa registradora – para prevenção, concluíram os dois. O rapaz recolhia alguns maços de cigarro do balcão do caixa, segurando uma sacola com garrafas d’água em uma das mãos.

– Desculpa se eu tava tentando proteger a gente, maninha, da próxima você que vai nos dar cobertura, beleza?! – Bramou ele, sarcástico.

– Proteger a gente do quê? Duma garota que mal se aguentava em pé? – Respondeu a garota, ríspida, enquanto se dirigia para fora da loja.

– Eu vi um vulto lá fora e pensei que era uma merda de outro zumbi! Não é minha culpa por ficar desconfiado de qualquer barulho que eu ouço, caralho!

Revirando os olhos, a ruiva se dirigiu para a caminhonete parada próxima da entrada do estabelecimento. A caçamba exibia várias caixas e sacolas contendo tudo o que os dois irmãos recolheram da loja, além de alguns galões cheios de combustível. Dentro do veículo, no banco traseiro, era possível ver a garota que desmaiara sentada, com a cabeça encostada no apoio do assento e os olhos cerrados. “Coitada, ainda tá apagada”, pensou a ruiva.

Colocou a última caixa em um espaço entre sacolas e galões na caçamba e se dirigiu para a porta do assento de motorista. Levantou seu olhar para a loja e pôde ver seu irmão saindo do estabelecimento, com a sacola de garrafas d’água e um cigarro recentemente aceso entre os lábios.

– Vem logo, mano, depois você fuma. – Disse ela, repousando uma das mãos na maçaneta da porta.

– Ah, não me enche. – Respondeu o rapaz, prendendo o cigarro entre os dedos médio e indicador e tragando sutilmente. – Ela vai mesmo com a gente? – Perguntou ele, apontando para a garota dentro do carro com a cabeça.

– Vai, né? A gente não pode largar ela aqui. Ela ainda tá viva, se é que você me entende.

Ele deu de ombros. Os dois procuraram por ferimentos ou mordidas provocadas por possíveis zumbis no corpo da garota, mas não encontraram nada. Ela só estava terrivelmente pálida e com olheiras profundas ao redor dos olhos. “Não deixa de ser bonita”, pensou o rapaz.

– Você que vai dirigir agora, é? – Perguntou ele, parando à frente da caminhonete. Sua irmã já se encontrava sentada no banco do motorista. – Vai ser mais perigoso do que se a menina aí for uma zumbi mesmo.

Em resposta, recebeu um xingamento de sua irmã. Rindo, entrou no carro e se sentou no banco do passageiro, posicionando a sacola com as garrafas entre seus pés.

– Porque você não põe elas lá atrás? – Perguntou a garota, abaixando seu olhar para as garrafas enquanto girava a chave no contato.

– Pra quando ela acordar ter algo para beber. – Respondeu o irmão, olhando para a paisagem lá fora e tragando novamente o cigarro.

– Deixa que dela cuido eu, ok?

– Por quê? – O rapaz se virou para a irmã.

– Eu sei bem como você cuida de garotas, maninho. – Respondeu ela, desgostosa.

A caminhonete já estava em movimento e um vento suave bagunçava os cabelos curtos e ondulados da garota. Com um sorriso malicioso, o rapaz cruzou seus braços atrás do encosto de cabeça, com o cigarro pendendo em sua boca.

– Não sou mais adolescente, mana. – Disse ele.

– Grande merda. Continua o mesmo cafajeste.

Em resposta, o rapaz soltou uma baforada de fumaça em direção à garota, se divertindo enquanto ela praguejava alto e reclamava do cheiro forte. Ele colocou um cd no aparelho de som e logo uma música em baixo volume se fez ouvir dentro do veículo. Ann grunhiu baixo no banco de trás e se ajeitou no assento. Seu cenho franzia levemente vez e outra.

– A gente vai entrar na próxima cidade? – Perguntou a ruiva, com os olhos voltados para entrada de uma cidade à margem da Rota 52.

– Melhor não, acho que a gente devia se afastar mais até entrar em alguma cidade. Essa daí já deve tar tomada por zumbis também. – Respondeu o rapaz, jogando o cigarro janela a fora.

– De onde eles estão vindo afinal?

– Naquele jornal que tava dentro da lanchonete falava que o Surto de pessoas mortas começou lá na Europa e que se dirigia pra cá pela costa leste. Já que é assim, a gente tem que ir o máximo pro oeste possível.

– Mas eles vão acabar seguindo pra oeste também, não vão? – Perguntou a garota, com certo medo em sua voz.

Não obteve resposta. A música de fundo não permitiu que o silêncio se estabelecesse dentro da caminhonete. Por fim, o rapaz suspirou e desviou seu olhar para o espelho retrovisor, observando se algo os acompanhava pela estrada.

– Se eles ainda não estão no extremo oeste, então quer dizer que ainda tem gente viva por lá. – Disse ele, sério. – Já encontramos outra sobrevivente, então ainda não estamos totalmente sozinhos. A gente só precisa chegar lá primeiro.

Com um leve aceno de cabeça, ela concordou com seu irmão. A Rota 52 ainda continuava por uma grande extensão, então seguiriam por ela até necessitarem escolher outro caminho. Um pequeno mapa estava dobrado e repousava acima do painel do carro, caso precisassem descobrir onde exatamente se encontravam.

Não estavam totalmente perdidos, tinham mantimentos e combustível que durariam por alguns dias, além da espingarda que o rapaz conseguira de dentro da lanchonete. Porque exatamente a espingarda estava lá nenhum dos dois conseguiu explicar, mas ficaram felizes por encontrarem uma arma carregada e que surtiria grande efeito contra os mortos-vivos. Afinal, não obtinham o efeito desejado com pés-de-cabra e facas de cozinha.

~~~

Com um gemido, Ann abriu lentamente os olhos. Demorou alguns segundos para localizar-se e retomar completamente os sentidos. Viu duas pessoas à sua frente que conversavam enquanto uma delas guiava um grande volante. Estava em um carro, então. Mas não era o que deixara para trás com o pneu furado, não, era bem maior e mais confortável.

Desviou seu olhar para seu lado e pôde ver uma espingarda repousando deitada também no banco traseiro. Arregalou os olhos, lembrando-se daqueles mesmos canos metálicos posicionados a centímetros de sua testa. Apoiado ao lado da arma estava um grande bastão de críquete, branco com algumas listras azuis. “Mas o quê...?”.

– Acho que ela acordou, mano.

Uma voz feminina vinda do banco do motorista fez Ann levantar os olhos. A garota que dirigia a fitava pelo espelho enquanto o rapaz ruivo – o mesmo que apontara a arma para ela no posto de gasolina – se virava no banco para olhar para trás.

– Antes de mais nada, – disse ele – me desculpa.

Confusa, Ann franziu o cenho. Sua dor de cabeça estava mais fraca, mas ainda a incomodava sutilmente. A fome doía em seu estômago, mas pelo menos se sentia mais descansada. Levantou os olhos para o rapaz que sorria para ela.

– Por quê... – Sua voz saiu fraca, enquanto ela se esforçava para falar.

– Ele pensou que você fosse um deles. – A ruiva respondeu. - Uma morta-viva. Perdoe a grosseria dele, pelo visto ele só estava tentando nos proteger. – Enfatizou a última palavra com escárnio.

– Mas não aconteceu nada, então fica quieta! – Disse ele, lançando um olhar raivoso para a ruiva.

– Você se importa de viajar com a gente? – Perguntou a garota.

– Não... – Respondeu Ann. Sua voz ainda não passava de um murmúrio rouco. – Obrigada. – Ela sorriu.

Os dois também sorriram, em resposta. O rapaz se voltou para frente e remexeu em algo no chão de seu banco. Retirou uma garrafa de água da sacola apoiada no chão. Passou a garrafa para Ann, que agradeceu com um aceno de cabeça e um sorriso rápido.

A água fresca parecia acalentar sua garganta arranhada. Depois de dois grandes goles, Ann suspirou baixinho. Prestou atenção na música sutil que saía das caixas de som. Gostava daquela música. Ela se sentiu estranhamente protegida. Apoiou a garrafa d’água ao lado de seu pé e empertigou-se no banco, olhando para as duas figuras à sua frente. Eram muito parecidos - sem dúvida eram irmãos.

– Qual... o nome de vocês? – Sua voz voltava gradativamente, graças à água que bebera.

Sem responder, os dois irmãos se entreolharam, com sorrisos estampados em seus rostos. Ann levantou uma sobrancelha.

– Bom, – começou a ruiva – eu e ele sempre nos referimos ao outro por apelidos...

– Apelidos que temos desde criança e que demos um ao outro. – Continuou o rapaz. – Mal nos chamamos por nossos nomes verdadeiros.

– Se tornou uma mania nossa.

A garota ainda encarava os dois, desconfiada.

– E com todo esse clima de apocalipse zumbi... Achamos que combina muito a gente continuar se chamando pelos apelidos, são como se fossem codinomes, sabe? Fica uma coisa tão de filme! – A ruiva falava animada e descontraída, como se o apocalipse zumbi não passasse de uma brincadeira.

– Ouvindo você falar disso que eu percebi o quão infantil é essa porcaria toda de codinome. – O rapaz virou-se para ela, com uma careta. – Mas enfim, é bem isso que ela falou. – Ele deu de ombros.

Ann continuava calada, encarando os dois com dúvida no olhar.

– Pode me chamar de Red Rock. – Disse a garota ruiva, alegre. – Ou só de Red!

– Minha irmã me chama de Road Runner. – O rapaz sacava um cigarro do bolso de sua calça enquanto falava. - Então acabou que eu sou o Road.

Eram apelidos um tanto diferentes, Ann concluiu, mas que de certa forma combinavam com os dois. Parecia que gostavam do fato de permanecerem parcialmente no anonimato e que estavam participando de um jogo de zumbis em um acampamento para adolescentes. Não deixava de ser uma ideia interessante, no entanto.

– Gostei dos nomes de vocês. – Disse ela, sorrindo e obtendo risos alegres em resposta.

– Que bom! – Red sorriu pelo espelho retrovisor. – E que bom que você não perguntou a origem dos nossos apelidos.

Ann levantou uma sobrancelha. Agora que a ruiva falara, ela se viu curiosa do motivo dos irmãos se chamarem por apelidos tão incomuns.

– E mesmo se perguntasse. – Road olhava para fora janela. – A gente não iria contar.

Os irmãos riram novamente, se divertindo. A garota sentiu a curiosidade crescer um pouco mais, mas respeitou a decisão dos dois. Se não queriam revelar suas verdadeiras identidades (ou se simplesmente gostavam de se sentir em um filme de espiões) era um direito deles.

– Ah, e não se preocupe, Road. – Ann disse, de súbito.

O rapaz virou-se para ela, o cigarro preso na ponta de sua boca.

– Eu sei que você estava tentando proteger sua irmã. – Disse ela, tímida.

Com um sonoro Rááá! o rapaz apontou para sua irmã, rindo, enquanto ela devolvia uma careta para ele.

– E qual o seu nome, garota-não-zumbi? – Perguntou o rapaz.

– Se eu não sei o nome verdadeiro de vocês, porque vocês deveriam saber o meu? – Respondeu Ann, rindo. Acabara de conhecer os dois, mas já que viajaria por tempo ilimitado com eles, resolvera entrar no mesmo jogo.

– Ela é esperta. – Road disse para sua irmã, sorrindo.

– Como você quer ser chamada então? – Perguntou Red.

Ann franziu o cenho, pensativa.

– Quando eu descobrir um apelido legal, eu falo pra vocês. – Disse ela, finalmente.

– Então por enquanto vai ser garota-não-zumbi, beleza? – Road sorriu para ela, segurando o cigarro por entre os dedos.

– Como você foi parar lá no posto de gasolina? –Perguntou Red, desligando o aparelho de som. Recebeu um muxoxo de Road em resposta.

– Eu estava de carro, por essa estrada também... Daí o pneu furou.

Os irmãos grunhiram em uníssono.

– Quando parece que nada mais pode ficar pior. – Road lançou novamente o cigarro pela janela.

– Pois é... Nem preciso dizer que eu me desesperei. Ainda mais por estar sozinha.

– Você não devia tar se sentindo bem também, né? Você estava muito pálida quando desmaiou.

– Certeza que foi por causa da tua cara de rato, Road. – Interrompeu Red, rindo. Recebeu um beliscão de seu irmão no braço.

– Eu estava morrendo de fome, sede... O sol não estava ajudando em nada. – Ann suspirou.

– Você deve estar com fome ainda, não comeu nada já faz um tempão! Road, pega alguma coisa pra ela lá trás.

Red parou a caminhonete de súbito e o rapaz saiu do carro, se dirigindo à caçamba e revirando algumas sacolas. Apanhara uma sacola grande de pães, uma cartela de frios, um pacote de bolachas e três latas de cerveja, retiradas de uma grande caixa de isopor. Road entrou rapidamente com os mantimentos em mãos e o carro logo estava em movimento novamente.

– Espero que não tenha nada contra álcool. – Disse ele, entregando uma lata de cerveja para Ann, sorrindo.

– Acredite, vai ser mais do que bem vindo. – Ann sorriu também. – Muito obrigada, de verdade.

Logo, os três comiam ávidos os pequenos sanduíches e davam grandes goles na bebida gelada. Ann sentiu um conforto imenso preencher seu estômago a cada mordida nos sanduíches - ao final da refeição, havia comido três deles.

– Para onde vocês estão indo? – Perguntou ela, esfregando uma mão na outra e recebendo uma chuva de farelos de pão em seu colo.

– Qualquer lugar longe de gente morta. – Respondeu Road, com a boca cheia.

– A gente tá tentando seguir pra oeste... A gente viu que o surto começou a se espalhar pelo leste do país. E você ia pra onde?

– Eu pretendia ir pra casa dos meus pais, mas o pneu furado frustrou meus planos. – Ela riu, desgostosa.

– A gente tá indo pra direção certa? – Red perguntou, complacente.

– Ah, nem se preocupa com isso, Red, meus pais moram mais pra oeste do país mesmo. Mas de qualquer forma eu não acho que eles...

Ela se calou de súbito. Os outros dois também permaneceram em silêncio. Road observava a paisagem tediosamente monótona lá fora, com a cabeça apoiada em sua mão, enquanto Ann mexia nervosamente no anel em seu dedo indicador. Passados alguns minutos em silêncio, ela foi a primeira a continuar a conversa.

– Você podem me chamar de Germany. – Disse ela, meio receosa.

– Germany? Você é da Alemanha? – Perguntou Red.

– Não.

– Então por que...

– Porque não? – A morena sorriu.

– Eu te disse, ela é esperta. Mais do que você. – Disse Road para sua irmã, também sorrindo.

– Bom, você deve ter seus motivos. – A ruiva cutucou o braço de seu irmão enquanto respondia para a garota. – De qualquer forma, é um apelido bem legal!

Germany sorriu. Seu novo nome dançava em sua língua, conforme a garota o pronunciava diversas vezes para si. Era bem menos tedioso do que Ann. Decidiu que algum dia contaria para os dois a origem de seu apelido, mas, por hora, também permaneceria no semi-anonimato. Gostara do novo nome que acabara de receber e sabia que seu pai também gostaria.

Ela logo se viu conversando alegremente com seus novos companheiros de viagem. A companhia deles era muito agradável e as discussões fraternais a divertiam constantemente. Conseguia esquecer por alguns momentos os imprevistos com o carro de Dustin e... bem, do próprio Dustin. A longa estrada parecia interminável, então ela teria bastante tempo para desviar-se de seus pensamentos tristonhos.Era reconfortante o fato de não haverem mortos-vivos à beira da estrada para atrapalhá-los – pena que isso logo viria a mudar.


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Notas finais do capítulo

O filme Zumbilândia serviu de inspiração para a ideia dos codinomes. Para vocês, que imagino que gostem de histórias de zumbis, que ainda não assistiram a este filme, aconselho que assistam!
Bom, até o próximo capítulo!