Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 4
Os Primeiros de Muitos: Arquivo IV


Notas iniciais do capítulo

Quarta e última parte do prólogo!
Boa leitura!



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Localização: Casa nos subúrbios

1 dia após o Surto.


Batidas incessantes na porta colaboraram para aumentar seu mau humor. Mal havia acordado e já havia alguém lhe incomodando logo cedo. Levantou-se da cama com um muxoxo. Vestiu a bermuda jeans rapidamente, mas teve problemas para encontrar as mangas da camiseta branca. Finalmente conseguira vesti-la corretamente, mas praguejou para si mesma. É, seu humor estava péssimo. Concluiu que acordara intragável até para ela mesma. Caminhou descalça até a sala de estar, se dirigindo à porta. As batidas evoluíram para verdadeiros socos.

– Já estou indo! Pelo amor de Deus, será que dá pra esperar? – Vociferou, enquanto destrancava a fechadura da porta de madeira.

Mal acabara de girar a maçaneta quando a pesada porta abriu rapidamente em sua direção, graças à entrada apressada do visitante. Sobressaltada, a garota se esquivou para trás, evitando que a aresta de madeira atingisse seus pés. Com um misto de alarme e irritação, levantou seus olhos azulados para o invasor. O homem loiro, de ombros largos e braços musculosos, caminhava pela sala, aflito e ofegante.

– Não bastasse me acordar cedo e praticamente invadir minha casa, – a garota pôs-se a seguir o rapaz, claramente furiosa – e ainda por cima não vai nem me cumprimentar, Dustin?

O rapaz parou de súbito na porta da cozinha e virou-se para a garota. Ela não pôde deixar de assustar-se com o semblante dele. Seus olhos estavam arregalados e avermelhados, transmitindo uma intensa agonia, e a barba por fazer cobria levemente seu pescoço retesado e sua mandíbula cerrada. Ele agarrou os braços da garota com força e aproximou seu rosto do dela.

– Ann, a g-gente precisa ir embora. Agora. – As palavras pareciam sair com dificuldade dos lábios do rapaz. – Pega suas coisas rápido e vamos dar o fora!

– Como assim, a gente precisa ir embora? – Ela o encarou, séria. Provavelmente era mais uma de suas infames brincadeiras. Ele adorava alarmá-la sem motivo algum. – Chega de fazer graça. E escuta, você que não quis dormir aqui em casa ontem, então o problema é seu. – Livrou-se das mãos dele que ainda agarravam seus braços. – Só não vem mais me acordar tão cedo e...

– Eu tô falando sério, Ann. – Ele a interrompeu, aproximando-se ainda mais dela e lançando um olhar intenso de súplica.

A garota mal reconhecia aquele homem que estava à sua frente, implorando para saírem de sua casa. Dustin nunca fora uma pessoa dramática e jamais havia falado com tanta seriedade quanto naquele momento. Se aquela era mais uma de suas brincadeiras de mau gosto, então ele estava atuando ridiculamente bem.

– O que que tá acontecendo, Dus? – Ann perguntou, complacente. Ela subitamente elevou o tom de voz. – Espera aí, você não ia trabalhar hoje?

– Pois é... ir trabalhar hoje, foi aí que tudo começou.

Ann levantou uma sobrancelha, confusa. O rapaz empertigou-se de súbito e segurou uma das mãos dela. Olhou por cima de seus ombros para a outra porta da cozinha, a que dava acesso ao quintal compartilhado pelos vizinhos, e cogitou fechá-la. Desistiu da idéia. Guiou Ann para fora da cozinha e se dirigiu para o quarto da garota. Olhava aflito para o lado de fora das janelas a todo o momento, como se esperasse por algo que se aproximava ao longe.

– P-promete pra mim que vai me deixar falar tudo sem interromper? – O rapaz virou-se para ela, de cenho franzido, mas com a voz fraquejando. – E q-que vai pegar só suas coisas mais importantes e arrumar uma mala o mais rápido possível?

A garota acenou positivamente com a cabeça, calada. Teve de admitir que agora estava realmente preocupada. Dustin não parecia querer gargalhar por causa da encenação, e continuava tão sério quanto antes. Isso era mau sinal.

– E-eu fui pro restaurante hoje. – Dustin sentou-se cama da garota, mas logo se levantou de novo. Não conseguia acalmar-se, por mais que tentasse. – Saí bem cedo, fui pra lá ajudar o Senhor McKenn a preparar as mesas, as louças, para escolher o m-menu do dia...

Ann escutava com atenção enquanto revirara as gavetas de seu armário à procura de calças, camisetas, casacos, roupas íntimas. Vez e outra colocava as vestimentas dentro de uma grande mala vermelha e aproveitava para se dirigir ao banheiro privativo do quarto, recolhendo seus pertences de higiene. O rapaz , ainda em pé, falava com a voz rouca e estava visivelmente irrequieto.

– Alguns dos g-garçons chegaram logo, o Kyle também apareceu com o meu sous-chef... E de repente a gente p-percebeu uma confusão lá na rua. Alguns gritos e batidas de carro... Kyle tentou ligar pra polícia, mas n-ninguém atendia.

O gaguejo de Dustin tornou-se mais frequente. Era comum gaguejar quando estava muito nervoso, para enorme descontento do rapaz. Quando o conheceu, Ann achou graça no fato de um brutamonte durão titubear com as palavras feito uma criança ansiosa.

– Daí eles entraram n-no restaurante...

– Eles? – Ann parou de colocar as roupas na mala e levantou seu olhar para o rapaz. Ele estava terrivelmente pálido.

– Eles entraram... D-deviam ser uns cinco, estavam todos machucados e sujos de... Eles nos at-tacaram.

– Atacaram?! – Ela arregalou os olhos.

– Sim. – Seu tom de voz sumia a cada nova palavra que escapava com esforço de sua boca.– Mataram o Kyle e os garçons.

A garota sentiu suas pernas fraquejarem.

– O quê?... Mas como...

– Não sei, Ann. Mas eles... E-eles não eram humanos. – Dustin chacoalhava lentamente sua cabeça, em negação. – Quer d-dizer, eram humanos só que... Não pareciam mais raciocinar como nós. Eles eram muito pálidos e seus olhos estavam ap-apagados... E eles queriam tanto nos pegar! Eu acho que já estavam m-m-mortos. É, estavam mortos. Eram mortos que andavam, Ann!

A garota se encontrava sentada em sua cama, com seus braços pendidos ao lado do corpo e uma expressão de choque em seu rosto. Dustin encostou-se à parede verde-limão vivo do quarto dela, enquanto encarava o chão, estático. Subitamente levou uma de suas mãos às suas costelas, com uma careta de dor.

– Dustin! – Ann levantou-se rapidamente da cama. – Você tá ferido!

– É só um c-corte. – Ele ainda apertava o local do ferimento. – Eles fizeram coisas tão mais... horríveis aos outros!

Seus olhos fitavam a garota. Ele entreabriu os lábios, mas hesitou por um instante e som nenhum saiu de sua garganta. Por fim, desviou seu olhar para o jardim florido lá fora.

– Foi muita s-sorte eu ter saído vivo dessa, Ann.

A garota sentiu grossas lágrimas seguindo o contorno de seu rosto arredondado. Apressou-se em enxugá-las – não era hora para covardias. Mas agora estava realmente aterrorizada. Se tudo o que Dustin dissera era verdade, então ela quase perdera o namorado para mortos-vivos sedentos por sangue. E que provavelmente estavam à solta pela cidade e poderiam aparecer em sua casa a qualquer momento.

Ann voltou com pressa para sua cama, fechou o zíper da mala com violência e agarrou Dustin pelo braço, guiando-o para a sala. A cada minuto que passava, uma nova expressão se estampava no rosto do rapaz – agora ele se sentia completamente entorpecido.

– Cadê a merda da chave do meu carro? – Ela tateava um grande móvel próximo à porta da casa.

– Vamos com o meu. Só quero... ir em-embora. – Dustin abriu a porta de entrada com cautela, espiando a varanda por uma fresta. Todo o cuidado era pouco.

– Mas você não ta com nada lá, nada de roupa! Você veio até aqui me avisar e me esperou pegar minhas coisas... A gente vai passar na sua casa pegar as suas.

– Não! – Gritou ele de súbito, sobressaltando a garota. – Não, não vou arriscar voltar. Eu sempre tenho uma muda de roupas aqui na sua casa, não é? Eu deixei uma camisa e uma bermuda da última vez? – Sua voz estava estranhamente determinada, tanto que parara de gaguejar. Ann apenas acenou com a cabeça, em resposta. – Então já é mais do que o suficiente para mim.

– Vou lá buscar pra você.

– Pode deixar que eu pego, só coloca sua mala no c-carro.

Ann agarrou a alça da mala e arrastou-a para fora, em direção ao carro. Um Honda prata estava parado ao meio-fio da calçada, em frente à casa da garota. Com esforço, jogou a pesada mala nos bancos traseiros e bateu a porta do carro com violência. Sentiu uma tensão incômoda perturbando seu estômago. Passou os dedos levemente pelos seus cabelos castanhos claros, suspirando. Já se sentia cansada e seu dia mal havia começado.

Um estalo alto vindo de dentro da casa chamou sua atenção. Olhou de relance para os dois lados da rua. Estava completamente deserta. “Menos mal”, pensou. Voltou então para dentro da casa.

– Dustin, já pegou suas coisas?

– Ann, VAI EMBORA!

Ela se assustou com o grito do rapaz, e logo sentiu seu coração dar um salto. Dustin estava jogado no chão, de bruços, seus cabelos loiros agora tingidos de um vermelho vivo. Arrastava-se com esforço pelo piso frio. Ela correu a seu encontro, alarmada.

– Meu Deus, o que aconteceu?! – Ela procurava ajudá-lo a se levantar, mas as pernas do rapaz falhavam a cada tentativa.

– Sai daqui Ann, não fica aqui, vai embora! – Ele repetia, olhando para ela, desesperado.

– Não vou deixar você aqui, seu idiota!

Um vulto estranho chamou a atenção da garota. Levantando seus olhos, viu uma senhora de baixa estatura, descalça, com os cabelos brancos presos em um coque mal feito. Seu vestido florido estava sujo de terra, e seus braços apresentavam respingos de sangue por toda sua extensão. Seus olhos azuis profundos encaravam Ann com um brilho perigosamente maligno. Os dentes cerrados deixavam escapar alguns grunhidos agudos e concomitantes. Ann sentiu um gigantesco desejo de gritar.

– Ela não tá sozinha Ann, eu vi mais deles vindo lá por trás!

A garota apenas encarava a velha. A mulher ficou parada no corredor por um longo tempo, fitando os dois jovens. Sua atenção foi desviada para alguns barulhos vindos do quintal. Ann aproveitou a chance para arrastar Dustin para a porta de entrada.

– C-c-como a senhora Jenkins entrou aqui? - Era sua vez de titubear. O medo em seus sussurros era quase palpável.

– Pela porta da cozinha. – Dustin tentou se levantar novamente. Desta vez, obteve sucesso. – Eu ia f-fechar aquela merda, mas desisti.

A mulher ouviu os murmúrios dos dois e soltou um grunhido mais alto. Como resposta, outros mortos-vivos se fizeram ouvir do lado de fora da casa. “Oh Deus”. A senhora Jenkins começou a caminhar em direção a eles com suas mãos enrugadas prostradas em forma de garras e as unhas vermelhas à mostra (se vermelhas de sangue ou de esmalte estava difícil discernir). Ann soltou um gemido agudo e caminhou mais depressa com Dustin apoiado em seus ombros. Já estavam com os pés na varanda quando o rapaz urrou de dor.

Assustada, a garota olhou de relance por cima de seus ombros e viu a mulher agarrada às pernas de Dustin. Ela mordia com força uma das panturrilhas do rapaz enquanto grunhia mais alto, aparentemente satisfeita. Sangue fresco brotava de Dustin, enquanto a mandíbula da senhora Jenkins cravava ainda mais fundo em sua perna. A garota soltou um gritou alto e desenlaçou o rapaz de seus ombros. Apoiou-o no batente da porta e saiu correndo para a cozinha.

Dustin tentava se livrar da velha com chutes e pontapés em seu rosto, porém sem sucesso. Ela não desistia. Já estava com o nariz quebrado e sangue manchava seu rosto agora desfigurado, mas continuava a arrancar pedaços da perna do rapaz. Os gritos dele se tornavam cada vez mais desesperados e eram entrecortados por pragas rogadas com fúria à velha. Uma forte vertigem tomou conta de seu corpo quando percebeu a poça enorme de sangue que se formava ao seu redor, e a dor das dentadas da morta-viva já não era mais percebida por ele. Sentiu que estava prestes a desmaiar.

Um forte baque o sobressaltou. A mulher finalmente desvencilhara-se de sua perna e agora jazia no chão, com um cutelo reluzente cravado em sua cabeça. Levantou seus olhos com esforço e viu Ann parada à sua frente, com as mãos trêmulas e o cenho franzido com força. Lágrimas voltavam a escorrer de seus olhos, mas seu semblante manifestava um ódio incontestável. A vertigem voltara subitamente, fazendo-o cambalear e apoiar-se ainda mais no batente.

A garota correu em direção ao namorado e o apoiou eu seus ombros novamente. O ferimento da panturrilha a fez sentir náuseas violentas, mas cerrou os olhos e concentrou-se para não se deixar levar pelo enjôo. Aquela não era a hora nem o lugar. Percebeu que os barulhos vindos do quintal estavam cada vez mais próximos.

– Ann... Pela última vez... – A voz de Dustin não passava de um sussurro fraco. – Vai pro carro... Vai embora...

– Cala a boca. – Disse ela, com rispidez. – Agora vamos!

Ouviram um ruído alto vindo da cozinha. Estavam na casa. Reunindo o resto de suas forças, Dustin conseguiu empurrar Ann para a varanda e trancou-se para dentro. Aflita, a garota esmurrava a porta com fúria.

– DUSTIN! Dustin, me deixa entrar! Não faz isso, me deixa entrar!

– Não vou repetir, garota! – Dustin gritou em resposta. – É a sua chance, vai embora, caralho!

– Seu filho da puta, a gente vai conseguir se salvar juntos, vamos, vem comigo!

Ela correu para a grande janela da sala, que permitia uma ampla visão do cômodo. Infelizmente estava trancada por dentro e Ann não conseguiria entrar por ali. Pôde ver o corpo de Dustin encostado na parede e sua panturrilha retalhada jorrando sangue. Vultos chamaram sua atenção para a entrada da cozinha, e logo a visão daquelas pessoas mutiladas se arrastando na direção dele provocou uma reviravolta em seu estômago.

Voltou para a porta e a socava com força, gritando, mas ele parecia ignorá-la. Cansada e em prantos, caiu de joelhos no chão da varanda, com as mãos ainda apoiadas na madeira. Podia escutar perfeitamente os gemidos aterradores dos mortos-vivos vindos lá de dentro, mas ainda assim conseguiu distinguir o murmúrio de Dustin vindo do outro lado.

– Vou dar um jeito neles. – Ele respirava pesadamente, e sua voz falhava a cada palavra.

Ann esmurrara uma última vez a porta em resposta, segurando-se para não soluçar alto. Não suportaria ficar ali para assistir a tudo. Levantou-se de súbito e correu para o carro, desnorteada. Girou a chave no contato com pressa e urrou, num misto de fúria e dor.

O Honda começou a movimentar-se lentamente pela rua deserta. Cogitou olhar para sua casa uma última vez, mas não pôde. O pouco de forças que possuía se esvairia se voltasse a ver a casa. Sentiu então, uma necessidade súbita de se afastar cada vez mais de lá, e decidiu que continuaria dirigindo até esgotar-se por completo.

Tentando afastar Dustin de sua mente – sem muito sucesso - lembrou-se subitamente de seus pais. Seus pais! Eles estavam vivos, precisavam estar vivos. Eles e sua irmã. Decidiu que iria para a cidade onde moravam. Era a única motivação que possuía agora e temeu enlouquecer se não se agarrasse a esta ideia. Perder a razão em meio a hordas de mortos-vivos era última coisa da qual precisava naquele momento.

Estava decidida, iria para a casa de seus pais. Não moravam longe a ponto de desesperá-la tanto por falta de tempo para salvá-los, mas seriam algumas horas de viagem. Algumas longas horas de viagem - sozinha e apenas com seu luto para confortá-la. Ultrapassou os limites da cidade e seguiu por uma larga estrada. Temia encontrar-se com mais zumbis pelo caminho, mas, para sua sorte, todas as ruas pelas quais passara estavam desertas. Não havia sinal de sobreviventes também, no entanto.

A longa estrada estava rodeada por plantações e fazendas descampadas com vários animais pastando, melancólicos. Será que seriam atingidos também pelo novo mal? Respirou fundo e chacoalhou a cabeça, na esperança de concentrar-se somente na reta infindável à sua frente. Devia estar seguindo o caminho certo, lembrou-se de já ter viajado para a cidade de seus pais pela Rota 52.


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Notas finais do capítulo

Finalmente o nome de uma das personagens principais!
Quanto aos outros, nos próximos dois capítulos também terão suas identidades reveladas.
Espero que continuem acompanhando!
Até a próxima!



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