Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 3
Os Primeiros de Muitos: Arquivo III


Notas iniciais do capítulo

Parte III!
Boa leitura!



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Localização: Prédio Residencial Maroon Heights

15 horas após o Surto.

Caos. Caos total. Choro de crianças, gritos de mulheres, luzes dos corredores piscando, buzinas histéricas de automóveis lá embaixo, vidros quebrados pelas ruas, sangue. Sangue nas paredes, no chão, nas escadas, na porta do elevador. O alarme de incêndio zunia incansável, como uma trilha sonora esdrúxula para a cena. Seis dos sete andares do prédio estavam tomados pelo terror e pela morte. Morte esta infelizmente efêmera.

No último andar, os habitantes dos apartamentos se desesperavam mais a cada minuto que passava. Estavam presos lá em cima, em uma espera alarmante pela chegada daquelas pessoas lá embaixo - que não hesitavam em anunciar sua presença com gritos e sons amedrontadores. A senhora Lambert, moradora do apartamento 703, trancada em seu banheiro cor-de-rosa, discava os números de emergência em seu telefone com uma pressa descomunal. Polícia, bombeiros, ambulância, nenhum dos números estava disponível. Pelo visto, os poucos sobreviventes do prédio não poderiam mais contar com a ajuda de terceiros.

Os ruídos e buzinas que antes ressoavam nas ruas haviam cessado. A moça do 702 arriscou-se espiar pela fresta da cortina de sua cozinha, e não viu ninguém lá fora. Os únicos dois carros estacionados ao meio-fio estavam amassados e com o capô reluzindo manchas de sangue fresco. O que quer que estivesse nas ruas anteriormente resolvera arruinar mais vidas em outro local, ou já se encontrava a caminho do sétimo andar, juntamente com o restante dos antes mortos. E esta teoria lhe pareceu a mais viável, já que a moça pôde ouvir passos pesados subindo pelas escadas. Muitos passos. Eles estavam chegando.

Um homem de proporções largas, com os olhos injetados e os dentes arreganhados, era o primeiro dos muitos mortos-vivos que seguiam pelas escadas até o sétimo andar. Eles sabiam que haviam futuras vítimas ali. O como sabiam era um mistério - apenas sabiam. O homem gordo subia pesadamente os degraus com suas pernas repletas de feridas purulentas, e era seguido por muitos em condições não melhores que a sua. Mal pôs seus pés no corredor daquele andar e recebeu uma enorme pancada em sua cabeça, causada pela base de um grande extintor de incêndio. Perdendo o equilíbrio, o zumbi barrigudo tombou-se para trás e, rolando sobre todos que se encontravam atrás de si, provocou um “efeito dominó” com o restante dos mortos-vivos. Em outras situações, seria uma visão um tanto cômica.

O rapaz que desferiu o golpe no homem, e provocara aquela reação em cadeia, agora apoiava o pesado extintor no chão do corredor, enquanto arfava alto e sentia o suor escorrendo por suas pálpebras, quase gotejando em seus olhos castanhos claros. Ele olhou de relance para a extensão do corredor. Algumas pessoas se encontravam paradas ali, na frente das portas de seus apartamentos, fitando-o com olhos arregalados e semblantes incrédulos.

– Agora seria um bom momento para fugir, sabiam? - Disse ele, um tanto sereno.

No mesmo instante, todos aqueles moradores correram para dentro de seus apartamentos, apressando-se uns aos outros e agarrando o que achassem viável para ser usado de arma contra os zumbis, caso viessem a encontrá-los. Se aquele rapaz conseguiu, porque eles não conseguiriam? Todos se reuniram rapidamente no corredor, aflitos, temendo a volta dos condenados. Os mais corajosos afirmavam que desceriam as escadas e sairiam do prédio naquele instante, enfrentando o que quer que viesse em sua direção. Os mais temerosos sugeriam que todos se escondessem até aquelas criaturas partirem, ou, em último caso, que pulassem das janelas dos apartamentos.

– Pular do sétimo andar?! – Gritou a senhora Lambert, rouca. - Eu já beiro os setenta anos, queridos!

– Aqueles monstros estão subindo e tenha certeza que você vai sair daqui com coisa pior do que uma perna quebrada, Lambert! – Retrucou um homem alto de olhos arregalados, repleto de linhas de expressão marcando seu rosto. A senhora pareceu não se apetecer muito com a resposta do homem, dado seu muxoxo de desdém.

O rapaz conseguia escutar a discussão de seus vizinhos de dentro de seu apartamento. Ele recolhia algumas coisas de seus cômodos e jogava dentro de uma mala. Roupas, toalhas, mantimentos (que se resumiam em enlatados, uma vasilha de arroz e pacotes de amendoim), um canivete suíço e o que mais coubesse na mala. Corria até a janela vez e outra, para se assegurar que mais mortos-vivos não estavam se dirigindo ao prédio.

A discussão se acirrava entre os vizinhos – era como se houvessem se esquecido completamente o fato de que algumas dúzias daquelas criaturas se encontravam dentro do mesmo estabelecimento, perigosamente próximas do sétimo andar. O rapaz revirou os olhos. Se eles queriam continuar ali, problema deles. Ele tentaria se salvar.

E para isso, precisaria de algo mais efetivo do que um extintor de incêndio para utilizar como arma contra os zumbis. Escolhera uma chave inglesa vermelha que encontrara perdida na área de serviço. Não era a melhor das opções e certamente não seria mais útil do que o extintor, mas era a única coisa que possuía no momento. Prestes a abandonar seu apartamento, o rapaz parou de súbito graças a uma ideia que iluminara em sua mente. Largando sua mala no chão, correu novamente para a pequena área de serviço e passou a procurar avidamente por algo no meio de caixas e gavetas.

Encontrando o que necessitava, ele logo colocou os objetos dentro de uma sacola plástica – entre eles estava garrafas de vidro e uma embalagem fechada com um líquido transparente. Ele sorriu, fitando a sacola enquanto voltava para a entrada de seu apartamento. “Vocês logo terão utilidade”, pensou ele.

Passos pesados podiam ser novamente ouvidos no andar inferior, e os vizinhos logo recomeçaram o alvoroço, gritando aterrorizados. O rapaz, sobressaltado, colocou rapidamente a sacola com os materiais dentro de sua mala. Empunhando a chave inglesa, correu para o corredor e apertou com violência os botões do elevador. Suas portas se abriram imediatamente, exibindo a pequena cabine espelhada. Pelo visto, o elevador já se encontrava no sétimo andar, para a felicidade extrema do rapaz. Já na cabine, olhou de relance mais uma vez para as pessoas que corriam alarmadas pelo corredor, atrapalhadas e desesperadas. Chegou a cogitar chamá-los para entrarem no elevador, mas este já havia fechado suas portas para o corredor.

O rapaz se sentiu estranhamente egoísta por estar partindo sozinho para longe daquele andar, mas agora não havia mais volta. Se Deus quisesse, seus vizinhos também conseguiriam escapar daqueles mortos infelizes. Encarou-se no espelho da cabine do elevador durante sua viagem até o andar do estacionamento. Seus cabelos castanhos bagunçados e suas olheiras profundas denunciavam sua condição de recém acordado. Agora não sabia mais se voltaria a dormir tranqüilo novamente. Provavelmente não. Um riso de escárnio escapou de seus lábios secos.

Ouviu as portas do elevador se abrirem e, com um suspiro, partiu para os corredores repletos de carros. Não havia sinal de ninguém naquele andar. Graças aos céus, já que o estacionamento do residencial era desnecessariamente escuro e apertado.Cauteloso, o rapaz se aproximou de sua moto. Checou os arredores uma última vez e concluiu que realmente estava sozinho no estacionamento.

Colocou a alça diagonalmente por seus ombros e montou no veículo. Subitamente se deu conta que esquecera seu capacete dentro de seu apartamento. “Ah, sinto muito”, pensou ele. Deu a partida com pressa, fazendo a moto se movimentar, e se aproximou do grande portão de ferro que permitia acesso ao estacionamento - ou à rua lá fora. Parou próximo do portão, em frente a uma parede branca, e apertou um pequeno botão ao lado de um interfone. Como resposta, as barras de ferro logo começaram a se mover para cima, lentamente, liberando a passagem. Voltando a dar partida na moto, o rapaz deixou o estacionamento.

Agora na rua paralela ao prédio, o rapaz continuava a ouvir os gritos vindos lá de cima. Os mortos-vivos finalmente estavam tomando o sétimo andar. Não pensou que ficaria triste por aquelas pessoas, mas ficou. Ele mal as conhecia (apesar de serem seus vizinhos), mas ninguém merecia passar por tal situação. Muito menos ele. E ele sabia que voltaria a enfrentar outros zumbis pelo caminho, infelizmente – mas não naquela cidade, na qual acabara de se mudar e conhecia pouquíssimas pessoas as quais pediria por auxílio. Suspirando alto e acenando a cabeça em um adeus para o prédio, ele continuou seu caminho pela rua deserta.

Já estava anoitecendo, e logo precisaria encontrar algum lugar para passar a noite – algum lugar seguro, de preferência. Mas estava decidido a sair daquela cidade, principalmente após encontrar mais alguns mortos-vivos pelo caminho, que quase o derrubaram de sua moto e o devoraram no meio da rua. Sua fiel chave inglesa o auxiliou no momento de aperto, mas agora estava coberta de sangue incrustado, para seu descontento.

Continuou seguindo as ruas desertas até os limites da cidade, que se abria para uma larga estrada igualmente deserta. Ponderou se continuaria seguindo por ela ou se tomaria outro caminho, para o norte do país - para a casa de seus pais. Porém, sua família morava excepcionalmente longe, e dirigir sozinho por tanto tempo, em um mundo agora repleto de zumbis, seria suicídio. Decidiu, então, que seguiria por aquela estrada até encontrar algum lugar para repor seus mantimentos, ou para se unir a outros sobreviventes.

Enquanto saía da cidade e dirigia por seu novo caminho, o rapaz sentiu um buraco no estômago. Fome talvez, mas provavelmente era medo. É, era medo, e nunca se sentira tão aflito em sua vida. Dentro do prédio sentiu-se seguro e determinado, apesar de ter corrido o risco de seu apartamento ser invadido por pessoas babando sangue, mas agora tinha tempo para reorganizar as ideias, e a realidade o atingiu, violenta. Ele concluiu que estava sozinho e apavorado. “Vai ser por pouco tempo”, pensou ele, procurando uma ponta de confiança dentro de si. “É, vai ficar tudo bem. E eu vou conseguir me livrar de todos os malditos que tentarem me pegar”.

Sua atenção fora desviada sutilmente para uma placa indicativa no acostamento da estrada. Os escritos “ROTA 52” logo entraram em seu campo de visão, e ele decidiu que continuaria seu rumo por aquele caminho.


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Notas finais do capítulo

Na parte quatro (a última do prólogo, ufa!) o quesito "diálogo" será bem mais explorado, eu prometo!