Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 33
Primeira Manhã


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos, bem vindos de volta!
Aí vai mais um capítulo, um mais simples, mas que eu curti muito escrever.
Espero que gostem, e nos vemos no próximo!
Boa leitura :**



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Localização: Condomínio de Apartamentos Hayfield Path, West Jordan

16 dias após o Surto.


Red abocanhava o sanduíche com voracidade, ignorando os farelos que caíam em seu colo e pelo carpete da sala. Passara a madrugada inteira faminta, apenas esperando por aquele momento de deleite perante sua pequena refeição. Murmurava de satisfação a cada mordida, mastigando o lanche bem lentamente, com medo de o sabor ir embora tão rápido quanto viera.

Ela sabia que o racionamento de comida que faziam era mais do que necessário. Não tinham ideia do quanto mais conseguiriam abastecer seus estoques de provisões nem se os próximos locais de parada também forneceriam guarnições, por isso precisavam racionar o máximo que podiam.

Aquilo aos olhos dela, no entanto, não deixava de ser uma consequência infeliz. A vontade de sair de carro, parar numa lanchonete fast food qualquer ou encher o carrinho de supermercado com qualquer porcaria açucarada sempre martelava no seu sofrido estômago, mas a ausência de regalias e opções gastronômicas era algo com o qual ela e o restante do grupo teriam de se habituar.

A falta de trabalhadores no setor alimentício e, principalmente, a infeliz expiração da grande maioria dos alimentos a deixavam tremendamente frustrada. Àquela altura do campeonato, a produção e distribuição de alimentos em massa devia ter se resumido a quase nada – se alguém ainda conseguia plantar ou produzir algo, provavelmente era para o restrito consumo próprio. Por isso, a cada nova parada para abastecimento o grupo depara-se com cada vez menos produtos de longa duração disponíveis e cada vez mais alimentos estragados e inutilizáveis. Ela concluiu que se aquele Surto não desse conta de dizimar a raça humana por inteiro, a falta de comida provavelmente o faria. Aquele era um pensamento caótico terrivelmente próximo deles, e que inspirava a garota a todos os dias teimar com seus amigos para racionarem ainda mais o pouco de alimento que tinham.

Decidira que o melhor horário para comerem o máximo que lhes era permitido seria durante a manhã, na refeição mais importante do dia como ela mesma sempre pronunciava. Organizava os alimentos para maior praticidade na hora de comerem, sempre deixando o café da manhã um pouco mais robusto para todos. Com o estômago forrado logo cedo, teriam o mínimo de energia o suficiente para conseguir levar o restante do dia com refeições menores – se era assim que funcionava também para os outros ou não, ela não queria saber. Se sempre lhe davam ordens sobre como organizar as malas, as armas, quanto tempo demorar no banho, quantas horas deveria dormir, que horas acordar para o turno de vigia, então eles a obedeceriam pelo menos em relação à alimentação.

Sentada ao parapeito da janela da sala, observando o dia ainda a clarear lá fora, devorava os últimos pedaços do café da manhã e dava grandes goles do suco de laranja. Para seu alívio, a bebida estava um pouco refrescante graças à geladeira ainda parcialmente funcional do apartamento. Desviou os olhos preguiçosamente para o pequeno relógio na parede contrária – quase sete e meia da manhã. Seu turno de vigia terminara a meia hora atrás, com o acordar do restante do grupo para um novo dia. Baixando o olhar para o chão da sala, observou o acampamento espalhado pela apertada sala de estar.

Haviam decidido na noite anterior por todos dormirem no mesmo cômodo; no caso, a sala de estar, o mais amplo do apartamento. Caso precisassem de uma fuga rápida, as malas e apetrechos já estavam todos organizados próximos da entrada e cada um só precisaria apanhar rapidamente os sacos de dormir e cobertores para darem o fora dali. Red também insistiu para ficarem próximos no caso de haverem problemas, já que não sabiam o que aquele complexo de prédio escondia; assim, um único e rápido chamado do vigia seria o suficiente para acordar a todos de uma vez.

Desse modo, arrastaram os móveis e sofás para o canto da sala e cada um ajeitou sua improvisada cama no espaço providenciado. Como possuíam apenas dois sacos de dormir, estenderam cobertores e lençóis e emprestaram os colchões dos dois quartos do apartamento. Decidiram que revezariam também um dos sofás, o maior e aparentemente mais confortável, conforme iam trocando os turnos de vigília.

Naquele momento, de seus colegas sobreviventes, apenas Sam ainda dormia. Road, junto de Molotov, saíra do refúgio assim que o grupo foi acordado por Red no horário estipulado. Mesmo com muita insistência das garotas para desistirem do plano, os rapazes decidiram sair para uma rápida busca e pararem na farmácia próxima do complexo de apartamentos para reabastecerem seus kits de primeiros socorros - antes que todos os medicamentos num raio próximo dali se esgotassem.

A súbita decisão pelo abastecimento farmacológico partira especialmente de Road. O ruivo vinha reclamando constantemente de dores de cabeça e ingerindo uma quantidade cavalar de analgésicos diariamente, na tentativa de evitar que qualquer mínimo desconforto físico se prolongasse muito e viesse a atrapalhá-lo em possíveis momentos de perigo – isso somado ao fato de afirmar categoricamente para Molotov que não pretendia viajar por aí com uma de suas colegas sobreviventes estando sujeita à possibilidade de ficar grávida, graças às escapadas dos dois, e praticamente ordenando o moreno a ir com ele para garantir que o casal se precavesse.

Com relutância, os outros concordaram em estocar medicamentos logo no primeiro dia de estada em West Jordan. Não sabiam quanto tempo ainda permaneceriam ali e, pela ausência de grupos maiores de zumbis, que poderiam lhes causar sérios problemas, até aquele momento, preferiram se garantir neste quesito o quanto antes. Independente do uso e prognóstico, concordaram em trazer de volta o máximo de remédios possíveis - de pomadas para queimaduras e repelentes de inseto à anti-histamínicos, calmantes, soros, gazes e até insulina, tudo o que encontrassem independente de ter algum uso futuro ou não.




Um clique característico, do girar de uma maçaneta, se fez ouvir do banheiro ao final do apartamento. Germany logo apareceu no corredor, deixando sua mochila em um canto da sala e caminhando para a cozinha embutida, com um sorriso no rosto voltado para a outra garota. Red retribuiu o sorriso e desceu do parapeito da janela.

– Alguém acordou bem disposta hoje. – Sussurrou a ruivinha, prostrando-se ao lado da outra.

– Eu tive uma boa noite de sono, se é isso que quer saber. – Retrucou Germany, enquanto separava algumas fatias de pão de forma.

– Tenho certeza que teve. – Red voltou a vagar os olhos para a janela distraidamente, apoiando-se na pia. – Você e o Molotov ficaram um bom tempo lá em cima ontem, não pense que não reparei. – Ela sorriu em confidência.

– Nem foi tanto tempo assim, Red. – A garota tentava conter um sorriso, ainda entretida no preparo do café da manhã. – Vocês que resolveram ir dormir muito cedo, só o Hollywood ainda tava acordado quando descemos.

Eu que convenci todo mundo de ajeitar logo as camas pra dormir, senão já iam querer xeretar o que vocês tavam fazendo. - Red balançou a cabeça em descrença. - O Sam não parava de se preocupar com vocês... Já o Tyler não abriu a boca, parecia um coelho assustado. O Road tava com uma carranca enorme e quase indo separar vocês dois aos tapas e o Hollywood parecia não estar ligando pra nada, ficou o tempo todo entretido com um joguinho portátil que a gente encontrou em um dos quartos. Eu que tive que botar ordem na casa pra deixar vocês dois... mais à vontade.

Germany também se recostou na borda da pia e baixou os olhos para o sanduíche que tinha em mãos.

– Obrigada, Red. – Ela murmurou, embaraçada. – Eu só... queria ficar um pouco sozinha, ontem foi um dia terrível... E o Molotov só quis me fazer companhia.

– Eu sei, Ger, nós todos sabemos. – A ruivinha passou um dos braços pelo corpo da outra e apoiou a cabeça em seu ombro. – Quanto ao Molotov, você sabe o que eu penso disso, não é? Se precisasse eu empurrava ele pra ir atrás de você. - As duas riram baixinho. - Mas, falando sério... Não sei se algum de nós agiria de maneira diferente do que você se recebêssemos a mesma notícia... Se você acha que exagerou é porque não me viu nos primeiros dias depois que meus pais... você sabe.

A morena baixou os olhos para os cabelos ondulados apoiados em seu ombro, e também enlaçou um dos braços pelo corpo de Red.

– Eu... me senti tão estúpida por conta disso mesmo. Apesar de tudo, meus pais aparentemente estão vivos e... você e o Road realmente...

– Perdemos nossa família? Sim. – Red crispou os lábios e deu de ombros, tímida. – Mas não há o que se fazer mais, não temos como trazê-los de volta... Já quase consegui me convencer completamente disso. – Ela soltou um riso deprimido. - É difícil, mas com o tempo a gente se acostuma... Eu acho. A questão é que agora temos que nos preocupar com os que estão vivos, como a sua família, e nos apegarmos apenas às lembranças boas dos que já foram.

Germany repuxou os lábios em um triste sorriso e voltou a abocanhar o sanduíche. Red permaneceu calada por alguns instantes, escutando apenas a própria respiração, até que desenlaçou-se da outra garota e girou nos calcanhares, curvando-se em direção à pia, retirando a pouca louça suja e guardando-a no armário abaixo do mármore. A água que abastecia o complexo de apartamentos poderia esgotar-se a qualquer momento, então preferiram economizá-la apenas para encherem seus galões de água e para seus breves banhos. Não pretendiam permanecer naquele apartamento por tanto tempo de qualquer maneira, e era pouquíssimo provável que os antigos donos fossem reclamar que deixaram pratos e talheres sujos guardados dentro do armário.

– Eu espero que eles encontrem tudo o que precisamos. – Germany proferiu, após alguns instantes de silêncio, limpando as mãos uma na outra assim que acabou o sanduíche. – Molotov e Road. Sei que apenas uma saída para a cidade não vai resolver todos os nossos problemas de estoque, mas... não acho que deveríamos ficar muito tempo em West Jordan.

Red arqueou as sobrancelhas e sorriu triste em complacência.

– Eu entendo. Na realidade, acho que nunca foi nossa intenção ficar muito aqui, não é? É bem provável que a gente levante acampamento em breve.

Germany anuiu com a cabeça, os olhos ainda fitando nada em particular.

– ...Isso só confirma que eu ainda preciso resolver um problema. – A morena levantou os olhos para as arestas da parede à frente, que iniciavam o corredor do apartamento.

Dentro de um dos quartos, Tyler Mace revirava os móveis procurando uma nova muda de roupas que lhe servisse.

– Tyler? - Red sussurrou, já sabendo a resposta.

Com um suspiro, Germany apenas anuiu com a cabeça e trocou um último olhar conformado com a ruiva. Empertigando-se levemente, deixou Red para trás na cozinha e rumou em direção ao cômodo em que o adolescente se encontrava.




– Problemas familiares?

A voz de Hollywood ecoou pelo cômodo segundos depois de Germany fechar a porta às suas costas.

Seus tênis faziam ruídos emborrachados no piso conforme caminhava pelo apartamento. Ele tinha a espingarda apoiada em um dos ombros, uma pistola no coldre enfivelado em sua cintura e um canivete amarrado à calça jeans surrada, na altura do meio da coxa. No outro ombro, carregava uma mochila pequena, que logo foi depositada num dos sofás.

Sua mão livre levava à boca uma grande maçã vermelha, a mordida na casca da fruta produzindo o som característico que seguia o rapaz conforme ele se aproximava da cozinha embutida.

– Germany e Tyler? Muitos... – Balbuciou Red, os olhos verdes fixos na fruta que o rapaz mordia. – Isso é uma...

– Maçã? – Ele riu, de boca cheia. Apoiou a arma de fogo na pequena bancada e recostou-se à pia, baixando os olhos para o fruto vermelho e analisando-o entre os dedos. – Com certeza, milady. E das boas.

– Mas como...

– Boa pergunta. – Interrompeu ele, dando mais uma mordida barulhenta. – Encontrei no 506, o último do corredor. – Apontou a porta de saída com a cabeça. – Tinha pelo menos meia dúzia na geladeira de lá, além de algumas laranjas, uma caixa de cereais e alguns enlatados. Eu trouxe tudo pra cá. Por incrível que pareça, essas frutas tão mais aproveitáveis do que a comida de todos os outros apartamentos desse andar.

– Eu... nunca achei que fosse voltar a ver comida fresca na minha vida. – A ruiva baixou os olhos para algumas migalhas ressecadas em sua camiseta, logo jogando-as para longe com as mãos. – Não pensei que sentiria tanta falta de uma salada ou uma tigela de frutas.

– Aparentemente ainda tem algum resquício de comida não-enlatada que não apodreceu. – Com a última mordida, Hollywood jogou o que sobrou da maçã em uma sacola ao lado de seus pés. – O problema é que algumas geladeiras daqui ainda estão funcionando, só que a maioria está mais do que vazia. Dei sorte do 506 ainda ter essas belezinhas sobrando.

Terminando de mastigar a fruta, espreguiçou-se exageradamente enquanto Red se dirigia rapidamente para a mochila com as maçãs. O rapaz voltou a empunhar a espingarda e tratou de pegar uma garrafa d’água de cima da pia, dando um gole dela enquanto já caminhava de volta para a saída do apartamento.

– Hollywood? – Red levantou a cabeça assim que percebeu-o passando atrás de si. – Aonde você vai?

– Dar mais uma olhada por aí, ué. – Lançou-lhe um olhar inocente sob o ombro enquanto dava outro gole da água. – Já encontrei essas frutas, quem sabe o que mais não aparece por aí?

– Mas você vai ficar perambulando sozinho pelos corredores? É perigoso! – Esganiçou a ruiva, baixando o tom de voz rapidamente ao lançar um olhar para o pequeno Sam, que ainda dormia. – A gente não sabe o que tem nos outros apartamentos.

– Exatamente por isso, Red. – O rapaz mostrou os dentes num sorriso confiante. – A gente precisa saber se não tem nenhum perigo escondido por aí, pelo menos próximo daqui de onde estamos. Não se esqueça que precisamos usar as escadas pra subir e descer do prédio e eu prefiro evitar que o Road, o Molotov ou qualquer um de nós que for descer daqui acabe dando de cara com algum zumbi.

– Mas a gente conversou sobre isso, concordamos que não checaríamos o complexo para evitarmos problemas!

– Não vou checar todos os prédios, só alguns apartamentos desse aqui que estamos. E já encontrei alguns suprimentos, não foi? - Apontou, com a mão livre, a mochila que Red revirava para pegar as maçãs. - Se mais mantimentos estiverem largados por aí, esperando para eu ir buscar, será mais comida pro nosso estoque e teremos que sair menos vezes daqui igual o Road e o Molotov precisaram fazer. Não podemos desperdiçar a oportunidade de reabastecimento com o que esse prédio pode nos dar.

A ruiva arqueou as sobrancelhas e crispou os lábios, contrariada.

– Não quero ficar sentado sem fazer nada, quero ajudar o grupo! Eu sei que seu irmão pediu pra eu ficar de olho em vocês, mas todos sabemos que vocês sabem se cuidar melhor do que ninguém. - O sorriso do loiro se alargou, numa tentativa de flerte e persuasão. - Além do mais, já olhei nos apartamentos aqui do lado e não encontrei ninguém, nem morto, nem vivo. O andar de cima aparentemente também está vazio, senão a Germany e o Molotov não teriam ficado lá ontem durante aquele tempo todo. – Soltou um riso nasalado. – Por isso, vou chegar o andar de baixo.

– Mas, Hollywood...

Parando ao batente da porta, o loiro baixou a espingarda e encaixou a garrafa de água no bolso de trás da calça. Pegou outra mochila encostada na parede, uma vazia e menor do que a primeira, e jogou uma das alças pelo ombro direito.

– O dia está bem ensolarado, vai iluminar os corredores e facilitar a checagem dos apartamentos. – Ajeitou novamente a mochila no corpo e lançou um sorriso sutil para a ruivinha. – Tome conta das coisas por mim por enquanto, está bem? Para o meu próprio bem, pretendo voltar antes do seu irmão. Qualquer coisa, gritem.

Red apenas abaixou os ombros, conformada. O rapaz fez um sinal de despedida com a mão e logo saiu do apartamento, fechando a porta atrás de si.


Hollywood descia a pequena escadaria para o andar debaixo com passos hesitantes, a espingarda em riste à frente de seu tronco. No último degrau, bastou uma olhada rápida pelo corredor vazio para a arma de fogo ser baixada e ele relaxar os ombros. Os corredores daquele prédio eram estreitos, mal iluminados por pequenos holofotes grudados às paredes durante a noite, mas bem visíveis à luz do dia graças às pequenas varandas abertas ao final de cada andar.

Seis apartamentos se distribuíam pelos dois lados do corredor, as portas alternando entre si com o espaço de poucos metros. Assim como no andar onde o grupo se encontrava, algumas portas estavam escancaradas, a madeira arranhava ou parcialmente lascada, a maçaneta caída ou sequer presente; outras permaneciam trancadas e intactas, como se sequer tendo recebido moradores em seus aposentos anteriormente.

Começara sua visita aos seis apartamentos, um a um. Seguindo a numeração das portas, partia de um aposento para o outro, apenas para encontrar nada muito diferente do que o quinto andar – móveis revirados, objetos quebrados, poeira acumulada e respingos de sangue. Deram sorte de se instalarem no apartamento que aparentemente estava nas melhores condições daquele prédio inteiro.

Alguns exibiam mais mobílias, eletrodomésticos, quadros e retratos de familiares e até estantes de livros, mas nada que Hollywood pudesse considerar útil para a situação atual. Roupas, quando presentes, estavam rasgadas, sujas ou coladas aos poucos cadáveres bem decompostos e malcheirosos que encontrara. Ainda nenhum sinal de mortos-vivos ou de moradores escondidos, para um misto de alívio e desconforto do rapaz.

Desistira rapidamente daquele andar, sua visita aos apartamentos resumindo-se à uma rápida checagem dos quartos e da cozinha, verificando se havia algum mantimento em boas condições. Tudo o que conseguira daquelas seis habitações fora uma lanterna grande com duas pilhas, um par de tênis de seu tamanho em condições razoáveis e alguns enlatados de legumes e pacotes de salgadinhos. Nada de frutas ou outros alimentos frescos – teria que se esforçar mais para encontrar outras maçãs.

Com um desânimo crescente formando rugas em seu cenho, Hollywood deixou o corredor a passos ligeiros, logo descendo um novo lance de escadas e se dirigindo para o terceiro andar. Desta vez caminhou pelos degraus com indiferença, dando um gole da garrafa de água e apoiando a espingarda novamente em um dos ombros. Não se preocupou em empunhá-la ferozmente para o novo corredor – algo o dizia que não seria necessário, que seria o mesmo cenário do andar acima e que estaria novamente sozinho no meio daqueles apartamentos abandonados.

Estancando os pés no começo do corredor, ao lado da porta de numeração 301, viu a confirmação de suas expectativas resumidas na comprida passagem desabitada, com apenas pequenos pontos de poeira rodopiando nos fachos de luz lhe fazendo companhia ali.

Descontraído, assoviando uma música qualquer, empurrou a porta do primeiro apartamento com a ponta do pé e examinou rapidamente a sala de estar com a cozinha embutida que se exibia à sua frente. Móveis revirados, cápsulas de balas, poeira, sangue, cheiro de mofo, algumas baratas assustadas correndo ao fundo. Nada de novo. Esperou alguns segundos em silêncio, como se dando tempo a algum zumbi retardatário aparecer do fundo do banheiro para dar-lhe as boas vindas à Hayfield Path. Novamente, nada aconteceu.

Voltou a assoviar, partindo para o 302. Abriu a porta, enfiou a cabeça pela abertura, dessa vez avistando um apartamento mais limpo e praticamente vazio. Não estava com as poucas mobílias caídas nem com objetos quebrados espalhados pelo chão, mas alguém com certeza fora atacado ali – rastros de sangue pintavam a parede abaixo da janela e um par de pés descalços apareciam por trás do móvel da televisão. Com mais curiosidade do que receio, Hollywood inclinou levemente a cabeça para a esquerda, na tentativa de ter uma melhor visão do corpo. Lançando um impensado olhar pelos dois lados do corredor, confirmando que realmente estava sozinho ali, adentrou o apartamento e caminhou lentamente até o corpo caído, a espingarda elevando-se levemente à altura de sua cintura.

Era a carcaça de um homem de estatura média, deitado de bruços, atrás do móvel de madeira. Estava ensanguentado do quadril para cima e exibia mordidas profundas na altura de um dos ombros. Seu esconderijo não fora muito efetivo, o morto-vivo o encontrara facilmente. Um buraco de bala com uma mancha em vermelho escuro adornava seus cabelos louros, evidenciando que lhe foi posto um segundo fim por outrem.

O que chamou a atenção de Hollywood foi que aquele corpo não estava em um estado de decomposição tão avançado quanto os poucos que encontrara nos outros andares. Poucas moscas circundavam sua cabeça, sequer havia começado o processo de degeneração da pele, e, apesar de já estar seco, o sangue não parecia tão antigo assim. Aquele homem havia sido atacado e morto recentemente, talvez mais atualmente do que Hollywood gostaria. Aquilo pôs o loiro em alerta inconscientemente, enrijecendo a mandíbula e empertigando os ombros.

Caminhou pelo restante do 302 com mais cautela, esquadrinhando os três quartos com a espingarda em riste e verificando o banheiro por último. O resto da habitação estava desocupada. Os responsáveis pela mordida e posterior morte à queima-roupa da vítima já não estavam mais ali, pelo menos não naquele apartamento.

Voltou ao corredor com uma expressão de poucos amigos. Aquele cadáver fresco o deixou incomodado, a possibilidade de quem quer que o tenha atacado ainda estar pelo prédio pairando em sua mente afiada. O zumbi poderia já ter ido embora ou até estar perambulando pelos outros prédios do Complexo, mas ainda havia três andares daquele edifício para serem investigados e que poderiam ser o seu esconderijo – isso se estivesse lidando realmente com apenas um deles.

Dirigiu-se aos próximos dois apartamentos, 303 e 304, com as mãos firmes na arma de fogo.

O primeiro estava com a porta trancada, o rapaz tendo de depositar força na madeira com alguns empurrões para ela ceder. Talvez justamente pela entrada fechada à trinca, aquele estava tão vazio, senão mais, do que o restante. Surpreendentemente estava imaculado comparado aos outros, aparentando apenas a casa de alguém que ficara fechada por muito tempo, sem sinal de sangue ou bagunça. Apenas os móveis repousando solenes sob uma fina camada de poeira. O 304, por outro lado, fora completamente revirado e fedia a comida apodrecida, mas ninguém mais habitava ali e não havia nenhum corpo escondido nos aposentos ou jazendo no carpete.

Hollywood estalou os lábios num muxoxo. Sua busca agora havia tomado outro sentido – na realidade, havia voltado para o primeiro sentido propriamente dito, o de procurar possíveis ameaças ao novo e temporário esconderijo de seu grupo. Como a primeira noite em Hayfield Path passou tranquila e ninguém os atrapalhou durante aquela manhã, imaginaram que não seriam perturbados tão cedo por mortos-vivos naquele bloco do Complexo.

Além disso, até o momento, sua visita ao restante do prédio estava saindo mais tranquila do que poderia imaginar – talvez tranquila até demais. Nenhuma surpresa desagradável até ali, mas o corpo do 302 o deixara ressabiado. A realidade voltara a martelar em seus instintos e dissipara a nuvem de conforto que havia se estabelecido em sua busca.

Designado como sentinela do refúgio e decidindo elevar seu posto à batedor de possíveis invasores canibais, concluiu que não iria resumir sua inspeção apenas à meia dúzia de frutas e um par novo de tênis. Alimentos, objetos e roupas em boas condições eram meras recompensas de sua averiguação; estava ali para caçar zumbis. E muito possivelmente havia alguns esperando por ele dentro de algum daqueles apartamentos.

Pior para eles.

Parou à frente do 305, o penúltimo apartamento do terceiro andar. Analisara a porta, fechada, sem marcas de unhas ou rebarbas lascadas. Levou a mão à maçaneta e girou-a sem esforço. Achou estranho aquela porta, destrancada, não estar completamente escancarada ou caída pela metade como as outras. Uma sensação fria em seu estômago aumentou ligeiramente, como se algo errado estivesse apenas esperando o momento certo de acontecer.

Subitamente confirmando suas suspeitas, o algo errado aconteceu.

Foi só abrir a porta pela metade e colocar o primeiro pé no apartamento que sentiu algo cravando dedos em sua camiseta e puxando-o para dentro. Soltou uma exclamação de assombro, a espingarda tentando chegar à altura do tronco num reflexo rápido, mas o que quer que o agarrara conseguira segurar o cano da arma e mantê-la apontada para longe.

Hollywood vira seu corpo sendo jogado contra a porta, que se fechou com um baque. Uma mão fora levada contra sua boca e um corpo, menor do que o seu, mas de igual força, jogava peso para prendê-lo à porta, impossibilitando-o de empurrar o agressor para longe.

Abrindo os olhos com dificuldade, a mão grossa quase tapando seu rosto por inteiro, pôde ver um homem barbado, de meia idade, com fundas linhas de expressão no rosto quadrado e olhos esbugalhados, encarando-o com um olhar ensandecido, enquanto a boca fina se retorcia em um sorriso que mais parecia um arreganhar de dentes.

– Você. – O homem grunhiu, rouco, abrindo ainda mais o olhar.

O rapaz arregalou os olhos e debateu-se novamente, quase empurrando o sujeito para longe com um dos joelhos - até que sentiu uma súbita e lancinante pontada na altura de seu ombro esquerdo. Gritou de dor contra a mão do homem e apertou os olhos, faiscantes pontos brilhantes aparecendo à sua frente e uma onda formigante subindo até a base de seu cérebro. A espingarda escorregara involuntariamente de seus dedos.

O homem cravara um enorme caco de vidro no corpo do mais jovem, fincando a lâmina improvisada ainda mais após alguns instantes e recebendo um novo bramido de agonia e consternação.

Hollywood afundava as unhas nos dois antebraços do agressor, tentando afastar a mão que lhe tapava a boca e a que lhe encravara a lâmina. Sua dor aumentava tanto quanto o brilho de exultação nos olhos fundos e escuros daquele sujeito envelhecido.

– Você finalmente voltou, seu filho da puta. – O homem barbado murmurou, em uma satisfação alucinada. – Morto filho da puta, eu estava te esperando!

O loiro balançava a cabeça em negação, suas tentativas de bramar qualquer coisa sendo frustradas pela dor que lhe emudecia conforme o vidro era torcido lentamente em sua carne. O outro sorria abertamente, os olhos não piscando uma só vez.

– Agora você vai sentir como é, seu bastardo. – Uma risada fina escapou da garganta rouca. – Você vai sofrer como eles sofreram!

Hollywood franziu fortemente o cenho e tentou um novo empurrão, apenas para o agressor jogar o peso ainda mais contra seu corpo. O vidro fora retirado de seu ombro com um puxão nada delicado, rasgando mais a pele do ferimento e recebendo gotas grossas de sangue em resposta. O loiro sentia o líquido saindo da ferida exposta, apenas para o aumento de sua agonia. Seus olhos reviraram por trás das pálpebras num novo lampejo cruciante de dor.

O homem segurou o caco ensanguentado na altura do peito do rapaz, o sangue do próprio agressor misturando-se ao de sua vítima. Sua mão livre ainda tapava o rosto do outro e seu corpo pesado balançava levemente para os lados.

– Dessa vez eu não vou errar.

Encostou a ponta afiada aonde julgava repousar o coração do mais novo, e levantou os olhos injetados para fitá-lo uma última vez.

– Agora você vai voltar para o inferno!


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