Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 26
O Inferno e Suas Consequências


Notas iniciais do capítulo

Aloha! Antes de mais nada, um Feliz Natal a todos! E um ótimo final de ano também.
E de presente, mais um capítulo ahahahah Como estou de recesso da faculdade (finalmente), pretendo postar mais algum(ns) nesses próximos dias também.
De qualquer forma, uma boa virada de ano para todos se eu não postar antes do dia 31! ahahaha
E boa leitura, nos vemos lá embaixo!



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Localização: Interestadual 80 - Residência da família Cross

10 dias após o Surto.


Germany prendera a respiração involuntariamente à visão que teve: Javier caíra no chão batido com altos bramidos de dor.

Frank e Road correram para o latino, trocando palavras apressadas com o homem caído. Os urros vindos dele eram ouvidos mesmo com os sons abafados de tiros e de zumbis ululantes. Hollywood continuava atirando e Molotov, mais afastado dos outros, também.

A morena observava tudo com uma aguda atenção. Algo estava acontecendo com Javier, e pelos gemidos dolorosos vindos dele não devia ser nada agradável. Aquilo estava deixando-a ainda mais aflita. Uma pontada dolorida instalou-se em seu próprio estômago – uma dor que se alojou acidamente em seu trato digestivo, num misto de fome, estresse, medo e aflição. Num misto de zumbis salpicando aquele vasto quintal, seus amigos quase sendo mordidos por eles, Javier caído na grama, Savannah cometendo suicídio, os corpos desfigurados das duas mulheres Cross... Tudo resumido em uma dolorosa manifestação em seu estômago. Não se surpreenderia se saísse da casa de Frank Cross com uma úlcera terrível.

E a visão que teve realmente não colaborou para o incômodo em seu abdômen; o colapso de Javier serviu apenas para confirmar seus tenebrosos pensamentos: o esgotamento de cada um deles já estava acontecendo.

Viu Molotov se aproximando dos outros e conversando com eles, enquanto Hollywood impedia que mais mortos se aproximassem. A morena dava cobertura ao loiro – desajeitadamente, devido às pontadas intermitentes em seu estômago. Os homens confabulavam algo com gesticulações fervorosas, enquanto Javier ainda jazia praticamente desfalecido nos braços do senhor Cross. Então, após alguns instantes em silêncio, Frank murmurou algo aos mais novos e se afastou com o vizinho apoiado em seu corpo franzino, o latino arrastando as pernas sofregamente enquanto levava uma das mãos na região da lombar.

A garota disparou mais uma bala, acertando uma mulher que tentava agarrar Road. O ruivo terminou o serviço com a morta-viva chutando-lhe o corpo para trás.

Molotov subitamente se afastou dos outros dois rapazes, até que Germany não conseguia mais vê-lo pela janela. Ele correu desenfreadamente para a porção de trás do casarão, balas zunindo próximas de si na tentativa de impedirem alguns mortos velozes de agarrarem-lhe as pernas. Germany arregalou os olhos. “O que você está fazendo?”

Sacou o walkie-talkie do bolso com as mãos trêmulas e apertou o botão. Viu quando o loiro baixou sua guarda rapidamente para pegar o aparelho guardado em sua calça. Road gritou algo para ele – o ruivo parecia furioso. Hollywood devolveu um xingamento em igual tom.

Os nervos aflorados da garota não estavam diferentes dos deles.

–- Ger! Eu...

– Porra! – Ela interrompeu o rapaz, enérgica o suficiente para um calado Sam se sobressaltar com seu tom de voz. Os olhos azuis cansados da garota se cravaram nas costas do loiro, vendo que ele segurava o aparelho próximo de seu rosto. – O que o Molotov tá fazendo? O que ele vai fazer? Pra onde ele foi, Hollywood?!

–- Ele tem um plano, cacete!

– Plano? O que diabos vocês vão fazer?!

–- Queimar tudo, Ger! – Respondeu o rapaz, com certa alegria na voz.

Germany não respondeu, sendo pega de surpresa. Permitiu-se apenas um sorriso sombrio e sutil em resposta. Instintos incendiários pareciam inerentes à Molotov; já deveria ter imaginado que ele tentaria algo do gênero.

Na primeira situação em que realmente tiveram problemas com os mortos-vivos – no mercado 7-Eleven – Molotov também utilizou de seus coquetéis incendiários para dar um fim em grande parte da horda. Naquela ocasião, no entanto, já estavam de partida quando optaram pelas bombas caseiras; mas estas não deixaram de ser eficazes para impedir a perseguição da caminhonete por zumbis mais rápidos. Lembrou-se também de Hollywood contando sobre quando conheceu o moreno – o loiro fora salvo pelo outro rapaz graças às chamas lançadas contra os zumbis que o ameaçavam.

Aparentemente o moreno descobriu uma maneira efetiva de acabar com boa parte dos zumbis – fogo - e ainda garantir que o restante permanecesse longe. Por mais inconsequentes que os mortos fossem a ponto de caminharem pelas chamas para continuarem sua empreitada, ainda possuíam corpos orgânicos nem um pouco resistentes à queimaduras, e elas com certeza os refreariam com eficácia.

Assim, “queimar tudo” parecia uma ideia típica e nem tão descabida de Molotov.

Se apelar para armas incendiárias era algo questionável, e digno de preocupação em questão da lucidez do rapaz, Germany não sabia dizer. Chegou a cogitar se ele já tivera experiências, anteriores ao Surto, com coquetéis molotov, incêndios e coisas do gênero, mas riu da possibilidade. Apesar de ele ter participado da ideia nem um pouco brilhante de Hollywood de tentar assaltá-los em plena Rota 52, ameaçando a ela e aos irmãos ruivos com os coquetéis, ele não aparentava capaz de realmente realizar incêndios culposos, quebrar estabelecimentos com garrafas pegando fogo e muito menos estar fora de suas faculdades mentais o suficiente para tanto – se ele era louco, todos ali também eram.

Concluiu que ele aparentemente só quis inovar suas investidas, utilizando materiais dos mais simples para produzir efeitos mais do que satisfatórios. E isso era mais do que bem-vindo na atual situação do grupo.

Ela inclusive amaldiçoou-se mentalmente por não ter tido alguma ideia semelhante.

–- ...e pôr um fim nesses bastardos de vez! – Continuava Hollywood, arfante.

– E o que aconteceu com Javier? – Questionou a garota, apoiando a espingarda brevemente no parapeito da janela. - Porque ele caiu no chão?!

–- Você viu daí? – Perguntou o loiro, entre ofegos, enquanto lançava uma coronhada no tórax de um homem cabeludo e ensanguentado que se aproximou demais. A ausência de Frank, Javier e Molotov estava dificultando, e muito, o refreio dos zumbis pelos dois rapazes restantes. –- Ele tem hérnia, Ger!

Germany praguejou baixinho. O caso de Javier era mais sério do que previa. Hérnia de disco obviamente significava que ele não teria mais condições de enfrentar uma horda de ex-humanos desvairados por boas horas, quiçá dias. Sentiu que mordia seu lábio inferior com mais força do que pretendia, devido ao gosto ferroso que invadiu sua língua.

Então, subitamente uma dúvida se instalou no fundo de sua mente: deveria contar para Hollywood o que acabara de presenciar com as mulheres da família Cross? Deveria contar sobre Savannah, sobre o fato do corpo dela estar jazendo deformado do outro lado da casa? Isso apenas adicionaria mais tensão a tudo o que estavam passando, isto era certeza – mas poderia um fato como este passar despercebido ao conhecimento dos outros? O que diabos ela faria com o que presenciara?

Algumas palavras em alto tom chamaram sua atenção. Zumbis escalavam corpos de outros mortos que já estavam caídos, tentando agarrar as jovens presas vivas. Road esbravejava novamente com Hollywood, arrancando o walkie-talkie das mãos do loiro. A morena ouviu a voz, rouca de cansaço e fúria, do ruivo se manifestar pelo aparelho, ligeiramente encoberta por gemidos dos mortos-vivos e balas que novamente eram desferidas por Hollywood.

–- Germany – ele chamou, sério – será que...

– Eu sei, Road. – Cortou a garota, igualmente seca e impaciente. – Não vamos mais ficar de papo. Vou continuar atirando aqui de cima. Só vou chamar no walkie-talkie para situações de emergência. Senhor, sim, senhor. – Cuspiu, com escárnio.

A maneira autoritária como Road tentava conduzir a situação não a estava deixando mais confortável. O ruivo permaneceu calado do outro lado da linha. Não fossem os sutis chiados que se pronunciavam do aparelho, demonstrando que estava ligado, a morena pensaria que não estavam mais fazendo contato.

– Faça o que for, mas não deixe ninguém chegar perto do Molotov. – Continuou ela. Sabia que ele a estava escutando, pois pôde vê-lo girar nos próprios calcanhares para encará-la lá de baixo. Sabia que os olhos verdes sustentavam o seu olhar colérico. – Porque se vocês deixarem acontecer alguma coisa com ele – ela baixou o tom de voz, procurando carregar suas palavras de veracidade e agravamento - eu não vou atirar só nos zumbis.

–- Ele vai saber se cuidar. – Retrucou o ruivo, abrindo um sorriso torto. Ela pôde ver os dentes brancos brilhando, aparentando debochados demais para o gosto dela.

– Proteja ele, seu merda – sibilou, furiosa - senão eu estouro seus malditos miolos.

E desligou o aparelho com fúria, largando-o com certo descuido no chão frio a seu lado. Todo o incômodo que sentia podia não estar relacionado diretamente ao ruivo, mas precisava de uma válvula de escape para não perder a cabeça – e isto se resumia em canalizar todas as suas pragas e maldições em algum indivíduo; convenientemente, o Road filho da puta. Não era hora para polidez, então não se importou com a rispidez em suas palavras - sabia que ele também não se importaria. Resolveria possíveis diferenças com ele depois.

E decidira não contar nada sobre a família de Frank. Aquilo apenas pioraria a situação já extremamente complexa – ela não sabia se estava tomando a atitude certa em acobertar um acontecimento daquela proporção do restante do grupo, mas não estava conseguindo raciocinar direito com toda aquela confusão lá embaixo. Pediu mentalmente que aquela fosse a melhor decisão a ser tomada.

Voltou a apontar a arma para os zumbis que se aproximavam de Hollywood, o cenho franzido profundamente tamanho seu esforço em focar-se apenas em atirar em seus alvos e ignorar as pontadas doloridas em seu estômago. Não sabia por quanto tempo sustentaria aquela posição - só o que queria era deitar-se na cama até a dor em seu abdômen parar de corroer seus órgãos e seus nervos.

E ainda havia o tal plano de Molotov. Sabia que ele conseguiria incendiar um bom punhado de zumbis, mas não tinha garantia que ele sairia ileso no processo. Na realidade, sair ileso dessa situação toda parecia praticamente impossível. Por isso, tratou de concentrar-se o máximo que podia nos tiros que dava de cobertura para Hollywood e Road, garantindo que eles, por sua vez, fizessem o mesmo com o moreno que preparava sua empreitada.

Não podia deixar uma dor qualquer impedir que protegesse alguém do grupo, em especial se a vida dele estava em jogo. A garota suava frio, uma veia de raiva pulsando visível em suas têmporas. Se algo acontecesse com Molotov, não sabia o que faria. Molotov não podia se machucar. Ela não podia deixar que ele se machucasse.

Não suportava mais ficar sentada àquela janela, observando tudo de longe enquanto os outros tiravam o sangue das criaturas tão próximas, enquanto se arriscavam tanto daquela maneira. Ficar tão perto assim deles como os outros estavam não parecia nem um pouco agradável – das poucas vezes que ficara cara a cara com zumbis pôde facilmente tirar essa conclusão – mas combatê-los ali de cima, teoricamente protegida, enquanto a proteção dos outros estava em risco, a deixava mais incomodada.

Queria sair daquele quarto, descer para ajudar Molotov, mas temia deixar os outros dois rapazes em mais apuros; a falta dos outros atiradores estava tornando o trabalho deles duas vezes mais exaustivo, e a munição de ambos estava prestes a se esgotar.

Respirou fundo e mirou em novos zumbis que se aproximavam de Hollywood. O calor dentro do cômodo e o silêncio mortal que se fazia entre ela e Sam – visivelmente assustado com a garota e com toda aquela situação caótica – estavam apenas agravando a angústia que sentia e a vontade de deixar o segundo andar da casa.

Não aguentaria ficar ali o tempo todo. Mataria o máximo de zumbis que pudesse ali de cima e logo desceria para o quintal. Mais alguns minutos e desceria para ajudar Red, Javier e Frank...

E o fato de Savannah Cross ter se suicidado a poucos metros dali novamente invadiu sua mente. Droga, aquilo a assombraria para sempre. Lembrou-se da imagem desfigurada da mulher, da filha jazendo acinzentada ao lado dela; sabia que seria algo que morreria sem conseguir esquecer. Os dois corpos provavelmente ainda estavam lá fora, jogados, negligenciados, se ainda não descobertos e devorados por mortos-vivos.

E então algo se iluminou em seu cérebro. Não podia contar para os outros, não podia deixar Frank descobrir o que acontecera com a filha, senão tudo desmoronaria de vez. Ele estava se aproximando da casa com Javier, e se ele entrasse lá poderia procurar por ela; e, por mais furioso que estivesse, com certeza pediria a ela para substituir Javier nos tiros contra os invasores. É, ele procuraria pela filha. Pela filha que não existe mais. Não sabia o que faria para contar a ele sobre Savannah. Não podia deixar o velho Cross entrar na pousada...

Apertou os dedos ao redor da coronha da arma e trincou os dentes. Um marejar enevoou e ardeu em seus olhos azuis.

Soltando um suspiro pesaroso, levantou-se com dificuldade de onde estava e lançou um olhar expressivo para Sam. Não tinha condições de dizer nada, sua garganta estava tão árida quanto o interior daquela casa. Pedia aos céus que o menino entendesse a intensidade suplicante em seu olhar – fique aqui, garoto, por favor.

E com passos rápidos e cambaleantes, e os olhos assustados e confusos de Sam cravados em suas costas, deixou o quarto rapidamente e pôs-se a dirigir-se para a varanda.



Red sentiu o oxigênio lhe faltar por alguns instantes. Assustada, as mãos trêmulas repousando na arma praticamente descarregada, pôde ver Frank Cross vindo em sua direção com Javier Mirrez apoiado em um de seus ombros. O mais velho carregava o vizinho sofregamente, ambos arrastando as pernas, empoeirando suas botas surradas, lançando olhares assombrados por cima dos ombros para os mortos que os perseguiam. Frank gritava algo para a ruiva, mas ela se encontrava paralisada, o olhar cravado no corpo quase desfalecido do latino.

O homem levantou a cabeça ligeiramente para ela, e Red sentiu seus olhos arderem inconscientemente. Toda e qualquer forma de agonia que poderia existir no planeta estava estampada no rosto transfigurado de dor de Javier Mirrez - as maçãs do rosto moreno estavam fundas, as olheiras enegrecidas abaixo dos olhos amendoados, a dor do cansaço, dor da exaustão, dor física, emocional, espiritual, todas as dores possíveis. Ele também devia estar com sérios problemas nas costas – o homem fincava uma das mãos na região da lombar -, mas o que estampava em seus olhos transbordava mais do que isso. Ele ainda doía por dentro, por tudo o que aconteceu e acontecia à sua volta, pela situação que o esmagava a cada segundo, pela perda da família que possivelmente estava presente naquele grande grupo de pessoas deformadas. A família dele. Será que tinha visto os filhos mortos no meio daquele mar de gente cinzenta?

– ...Faça alguma coisa! – Frank gritou mais uma vez.

Red chacoalhou a cabeça ligeiramente, cortando contato visual com o semblante devastado de Javier e voltando o olhar para Frank. O velho quase caía no chão com o latino pendurado em si e uns quatro zumbis os seguiam de perto, quase agarrando a cintura dos dois.

A ruiva apontou o revólver para um dos mortos-vivos e atirou. O barulho fez Javier levantar novamente a cabeça, assustado, e os outros mortos também pareceram se sobressaltar – mas continuavam seguindo os dois homens de perto. O dedo trêmulo de Red afundou novamente no gatilho, mas nada aconteceu. Ela arregalou os olhos. Nenhum tiro, nenhuma abertura de bala no pescoço da mulher desfigurada, nenhum corpo caindo ao chão. Mais um aperto no gatilho, e apenas um clique seguiu seu movimento. Um terceiro aperto, um terceiro clique.

Estava sem balas – e desta vez, não havia mais caixas de munição cheias para recarregar a arma. Todas as balas haviam acabado.

Pelo menos três xingamentos explodiram em sua mente.

Num reflexo rápido, jogou o revólver no chão e correu para a sacada lateral da varanda, agarrando seu taco de críquete, jogado perto das caixas vazias, e empunhou-o com ferocidade. Lançou um rápido olhar para o machado de Hollywood, jazendo solene ao lado das pouquíssimas armas - descarregadas - que ainda possuíam. Ela não teve coragem de pegá-lo. Ainda não se sentia preparada psicologicamente para utilizar algo como aquilo, por mais contraditório que aquilo soasse para si mesma. Além do mais, aquele machado devia pesar muito mais do que seu bastão, e este peso extra só a atrapalharia nas suas possíveis investidas.

Lá dentro de si ela sentia pena de utilizar, e muito possivelmente estragar, seu companheiro tão estimado do esporte; mas estava sem balas, o machado lhe pareceu uma opção inviável e depender apenas da coronha do revólver para acertar zumbis não a levaria a lugar algum.

Não queria chegar tão próxima deles, não queria ter de descer batidas violentas com o bastão até ver seus crânios racharem ao meio e sangue jorrar ainda mais em suas roupas, mas sequer pensou muito sobre isso. Apenas respirou fundo e avançou correndo em direção aos dois homens vivos, com os dentes trincados de terror e um gelado dolorido no estômago, e pôs a desferir os golpes nos mortos que os rondavam enquanto Frank arrastava Javier para longe dali.

Se Road visse o quanto a garota estava se expondo aos dentes e unhas apodrecidos, teria uma síncope; mas o irmão estava tão ocupado quanto ela, sequer imaginando o que a irmã fazia.

Red desferia batidas violentas nas três pessoas que avançavam para ela, tratando de acertá-las especialmente em suas cabeças. Eventualmente duas delas caíram no chão, atordoadas, mas continuavam se rastejando para agarrar os tornozelos da garota. Com alguns grunhidos agudos de agonia, ela desceu o taco de críquete em seus pescoços, torcendo para não precisar fazer aquilo por muito tempo. Eles precisavam morrer logo, só queria que morressem logo. Um líquido negro e viscoso já tingia seu bastão – antes azul e branco – quase inteiramente.

Os dois zumbis que haviam caído finalmente pararam de se mexer. O que restava de pé, um homem de meia idade com metade da mandíbula faltando, a fitava com olhos brancos e coléricos e se movia com mais dificuldade do que os outros, o que facilitou que ela rapidamente desferisse golpes nele também. O homem também caiu no chão e ela deu três marretadas com o bastão em sua cabeça, desfigurando-o por completo, só restando uma massa disforme e avermelhada escura aonde algum dia fora seu rosto.

Red sentia seus olhos ardendo novamente, seus músculos dos braços pedindo por arrego, e uma ojeriza tremenda pelo o que restara daquelas pessoas. O cheiro de sangue que subia daqueles corpos e de suas próprias roupas, salpicadas de vermelho, fez suas pernas finas estremecerem.

Ela levantou paulatinamente os olhos verdes para o quintal à sua frente – mais deles passavam pela enxurrada de balas desferidas pelos outros sobreviventes, mais deles vinham em sua direção e em direção da casa. Mas algo além chamou sua atenção: podia ouvir, também, alguns barulhos diferenciados em meio a toda aquela bagunça. Era um ruído peculiar, como se unhas cravassem em alguma superfície sólida. Como se mãos e dedos ávidos tentassem arranhar, arrancar algo.

Eles estavam arranhando as vigas de madeira, eles conseguiram chegar próximos da casa e queriam entrar pelas janelas. Do jeito que estavam violentos, frenéticos, incansáveis, logo arrancariam as proteções das janelas, mesmo com a coordenação motora debilitada.

Eles logo entrariam na casa.

A ruiva arfou em desespero.

Tudo estava acontecendo muitíssimo rápido naquele dia. Em menos de vinte e quatro horas, ela encontrara o cachorro dos Cross na cabana; o vizinho Javier Mirrez apareceu na casa, contando que sua família inteira fora atacada; vira Spencer Cross morrer, voltar à vida e morrer novamente; uma horda descomunal de zumbis resolvera atacar aquela fazenda em particular; e estes mesmos zumbis já procuravam arrancar as vigas de madeira que a ruiva e seus amigos terminaram de instalar naquela mesma manhã.

A magnitude que aquela situação tomara a deixou atordoada – nunca vira um dia com tamanha má sorte e acontecimentos de proporções tão gigantescas, tudo em tão poucas horas. Pensou que se as próximas semanas fossem constituídas de dias tão ocupados, tão tenebrosos e completamente desgastantes como aquele, não se veria conseguindo passar do final de semana.

Red soltou mais um suspiro trêmulo, prestes a cair em prantos.



Frank arrastou Javier para varanda ao som das investidas da menina ruiva contra os zumbis que os seguiam. O latino balbuciou algumas palavras em espanhol e apoiou-se na sacada ao lado dos degraus da varanda, não conseguindo mais continuar. Bramia alguns xingamentos em sua língua nativa enquanto o velho Cross incentivava-o a continuar.

Eventualmente, Germany surgiu na soleira da porta de entrada, acelerando os passos assim que viu os dois homens ali e soltando palavras rápidas ao velho Cross.

– Eu o ajudo, volte para lá! – Dizia ela, recebendo o olhar apreensivo do dono da casa.

– Mas eu...

– Estou sem balas, não posso atirar mais de qualquer maneira! Por favor, senhor Cross – ela parou a centímetros do mais velho, olhando-o fundo nos olhos – sei que o senhor é o último que deveria estar enfrentando tudo isso, mas precisamos do senhor. – Frank arqueou as sobrancelhas involuntariamente. – Nosso amigo precisa do senhor. Ajude-o a acabar com tudo isso, por favor. Precisamos pôr um fim nisso agora!

Javier soltou um novo esganiçar de dor. Germany cortou o contato visual com o absorto Cross e tratou de colocar um dos braços do latino sob seus ombros. O homem protestou novamente, mas a morena ignorou-o, forçando-o a levantar as pernas e terminar de subir os degraus. A garota agradeceu pela dor em seu próprio corpo estar se esvaindo, senão não conseguiria auxiliar um homem daquele tamanho.

– Vou deixá-lo lá dentro, dar alguns analgésicos e volto aqui fora para ajudar no que eu puder. – A morena pendeu a cabeça para o lado, ainda falando com Frank. – Ajude Molotov, Frank, ele pretende ir para a cabana!

O rosto do velho Cross endureceu novamente enquanto ele observava a garota levar seu vizinho para dentro da casa.

– No armário da cozinha. – Apenas respondeu o senhor Cross, recebendo um olhar por cima do ombro da garota. – Lá tem uma caixa de remédios.

Percebeu que morena sorria brevemente antes de continuar a carregar, com dificuldade, o corpulento Javier.

Frank sentiu o peso de sua arma em uma de suas mãos novamente. Também estava sem balas, então não lhe restava opções senão ajudar o outro jovem. Àquela altura, não lhe importava mais o que ele faria – contanto que acelerasse a saída de todos daquele quintal, seria um plano bem vindo.

Ele respirou fundo e virou seu olhar para a garota ruiva. Ela parara de bater nos zumbis com seu taco branco e azul, mas continuava o empunhando com fúria, pronta para os próximos que se aproximasse. Voltou seus olhos para a pequena estrada de pavimentos cimentados que desembocavam na cabana lá em cima – aparentemente o rapaz queria chegar até lá. O caminho estava livre, com um ou outro zumbi pelas proximidades se dirigindo para a lateral da casa. Com um empertigar, Frank se dirigiu para a passagem, pretendendo deixá-la livre para o rapaz.



Germany apoiou Javier no maior sofá da sala. Ele continuava bramindo, furioso, diversas palavras incompreensíveis – ela não sabia se dirigidas para ela, que o forçara a continuar caminhando, ou se apenas para as dores que ele sentia. Ele se deitou com muito esforço no estofado, enquanto ela corria pelo casarão à procura de algo para sedá-lo o suficiente para que não sofresse mais. Os analgésicos que ela possuía não foram o bastante para o tornozelo torcido de Sam, quiçá para uma hérnia de disco em Javier; então ela correu para a cozinha, para procurar a caixa de remédios da qual Frank falara.

Abriu diversas portas de armários com violência, até que encontrou uma pequena caixa branca com um xis vermelho adornando a tampa. Agarrou a caixinha, apanhou uma garrafa de água na geladeira e voltou para a sala com passos apressados.

O latino ainda procurava se ajeitar no sofá da maneira mais confortável possível, mas não estava conseguindo encontrar uma posição que não lhe pinçasse severamente as costas. Germany revirou a caixinha de remédios e retirou alguns comprimidos de cor amarelada. Precisavam ser o suficiente para manter Javier mais sossegado.

– Tome, senhor Mirrez. – Sussurrou a morena, apressada.

O homem levantou os olhos cansados para ela, e depois baixou-os para os remédios e a garrafa de água nas mãos trêmulas.

– Por favor. – Continuou Germany, desviando os olhos para a porta aberta da casa a todo o momento.

Mentira sobre estar sem balas para Frank. Ainda possuía algumas. Mas não sabia mais o que lhe dizer para convencê-lo a continuar lá fora, ajudando os outros, ajudando Molotov, e a não entrar na casa. Ele não podia entrar na casa até aquilo tudo ter terminado, não podia saber da morte da filha até a paz se restaurar lá fora novamente.

Javier pareceu perceber a apreensão da moça, pois apenas pegou os remédios com as mãos calejadas e anuiu brevemente com a cabeça, em agradecimento.

– Já volto, Javier. Se precisar, grite.

Yo... - ele forçou a voz, sua garganta parecendo arranhada - eu preciso ajudá-los, chica!

– Fique aqui. – Germany repousou uma das mãos no ombro graúdo, impedindo que ele remexesse no sofá para se levantar. – Vamos dar um jeito nisso, apenas descanse. Sei que vai ser difícil descansar, mas... – ela soltou um riso nervoso - por favor, Javier.

– E... E Savannah? Spencer? Onde elas estão? Frank parece preocupado, e ellas no apareceram mais e...

– Apesar descanse, Javier. – Reforçou Germany, olhando-o profundamente nos olhos. – E não chame por Savannah. Por favor. Se precisar, chame Sam.

Más o que...

– Por favor.

Javier contorceu-se em dor novamente, um grunhido sendo o máximo que conseguira responder à Germany. Como ele já estava com os remédios em mãos, ela apenas lançou mais um olhar severo para ele.

Sabia que ele não levantaria dali para procurar a dona da casa. Daria-lhe as devidas explicações depois.

Um aperto no coração acompanhou a morena enquanto ela se afastava da sala e voltava para a varanda do casarão.



Molotov desferiu mais uma coronhada no homem que agarrava seus pés, afundando seu crânio. O zumbi soltou um guincho lamurioso e finalmente libertou o moreno de suas garras. Com um xingamento, o rapaz lançou um último olhar àquele que o perseguira desde o quintal até a caminhonete de Road Runner, estacionada do outro lado da casa.

Aquela lateral da pousada miraculosamente não estava infestada de mortos-vivos, com apenas alguns perdidos perambulando pelo gramado – e outros que preferiram por seguir o moreno desde a porção mais infestada, passando despercebidos pelas balas dos outros sobreviventes.

Molotov permaneceu estático onde estava, a espingarda pendendo em sua mão, à espera de mais alguma companhia que possivelmente o tivesse acompanhado. Dando-se por sozinho – felizmente - voltou a correr para a Ford Ranger.

Um trovão estalou ao longe, sobressaltando-o mais do que ele gostaria. As nuvens enegrecidas que se aproximavam ao longe somavam à escuridão do pôr do sol próximo que se recaía aos poucos. Não aparentava que uma nova tormenta regaria os terrenos de Cross, pelo menos não tão perturbante quanto a da noite anterior; ainda assim, por mais que muitas nuvens tivessem se dissipado desde o momento em que se dirigiram para o quintal para combater a horda, outras teimavam em continuar seu caminho acima das cabeças de todos – se a chuva começasse, por mais fraca que fosse, todo o plano do rapaz iria literalmente por água a baixo. Ele franziu o cenho. Precisava ser rápido, o tempo deles já havia se esgotado.

A Ford Ranger preta dos irmãos ruivos estava estacionada ao lado de um velho trator do senhor Cross, e ambos os veículos foram parados próximos de um pequeno casebre, possivelmente um pequeno celeiro que servia de armazém para a família. Um pensamento invadiu a mente acelerada de Molotov – como o trator estava parado ao lado da casinha, podia haver algum tipo de combustível lá dentro. E combustível seria não só perfeito, como crucial para aquele momento.

Encostou a espingarda numa das rodas da caminhonete – não sem antes lançar mais um desconfiado olhar por cima de seus ombros – e correu para dentro do casebre. Não havia como acender algum tipo de lâmpada ali dentro e estava tudo muito empoeirado e desorganizado, mas com a luz ambiente imaginou ser o suficiente para vasculhar ali rapidamente.

Eventualmente saiu do casebre com um galão de gasolina em mãos. Não sabia se Cross utilizava aquilo especificamente para o trator, aquele tipo de veículo muito provavelmente exigia algum outro tipo de combustível, mas não questionou. O galão estava cheio pela metade e aquilo já o alegrou o bastante. Se o armazém maior, mais próximo da estrada, estivesse com materiais secos e inflamáveis o suficiente, já estaria ótimo para botar aquilo tudo para arder em chamas.

Correu novamente para a caminhonete e subiu na caçamba sem esforço, logo se agachando próximo de algumas sacolas que estavam espalhadas por ali. Apesar de terem se alojado temporariamente na casa dos Cross, levando seus pertences para dentro do casarão, deixaram alguns sacos e malas velhas para trás, no veículo. E, por sorte, algumas destas sacolas, com lixo e objetos para serem descartados, continham embalagens e garrafas vazias. Sua mala estava em seu quarto dentro da pousada, então não conseguiria pegar suas próprias garrafas; mas as que estavam ali seriam mais do que suficientes.

Com a tormenta da noite anterior a caçamba da caminhonete havia ficado encharcada e as sacolas e materiais dali, em pior estado possível – com muita água parada, lama, folhas e sujeira por toda a plataforma. Road ficaria possesso ao ver o estado que aquele temporal deixara seu veículo. Por sorte, as garrafas que Molotov necessitava, e que estavam em algumas das sacolas, eram de vidro e estavam intactas. Pegou as três garrafas que encontrara, duas de cerveja e uma de refrigerante. Eram do tamanho necessário para o que queria fazer, então serviriam de bom grado. Molotov agradeceu por sua bomba caseira não necessitar de maiores complicações e regalias para ser posta a funcionar.

Mas ainda necessitava de algo em que embeber o combustível – algum pano para ser colocado dentro das garrafas. Olhou ao redor da caçamba e não encontrou nada além do que já revirara. As sacolas de plástico não funcionariam e o tecido – encharcado da chuva – de uma das malas velhas que ali estavam não lhe serviria. Um muxoxo estalou em sua língua.

E alguns galhos estalaram a alguns metros dali. Molotov girou em seus calcanhares no mesmo instante apenas para encontrar dois mortos cambaleando em sua direção. Merda, eles não o deixariam mesmo em paz.

Desceu da caçamba com um salto e agarrou a espingarda. Um dos zumbis, uma mulher na casa dos trinta anos, de cabelos desgrenhados, roupas rasgadas e enormes ferimentos infeccionados nos braços, se atirou para cima do rapaz com passos rápidos, apesar de hesitantes. O que algum dia fora um semblante bem afeiçoado na moça, agora se transformava em um rosto com expressão animalesca desvairada e suja de sangue.

O rapaz a acertou com a coronha da arma com tamanha força que a mulher foi jogada para longe, caindo com um baque no chão. O outro zumbi, um senhor de idade, desdentado, mas com unhas compridas e em garras, soltou um grunhido gutural antes de ser atingido nos joelhos e levar uma bala na testa.

A mulher zumbi se debatia no chão, esforçando-se para se levantar, mas fora silenciada de vez com um canivete afiado fincado em sua jugular. O sangue que brotou do pescoço fino espirrou na mão do moreno que fincara a arma branca, e ele, antes agachado à frente do corpo para acertar a mulher, se levantou lentamente limpando os dedos sujos na camiseta. Guardou o canivete no bolso da bermuda e ajeitou a arma de fogo na outra mão, voltando para a caminhonete para buscar o galão de gasolina e as garrafas.

Deitou a arma de fogo na caçamba – ela apenas dificultaria sua corrida para a cabana com o restante das coisas em mãos, e seria bom deixar uma arma reserva com o pouco de balas que ainda continha. Sabia que o restante da munição iria se acabar em questão de minutos, então, qualquer economia era necessária.

E ele precisava correr, precisava impedir a total falta de balas, precisava impedir a invasão da casa pelos zumbis, precisava impedir que alguém saísse mordido daquela confusão toda. Mas ainda não tinha com o que embeber o combustível para acender os coquetéis...

Algo subitamente se iluminou em sua mente e ele baixou os olhos para sua camiseta. Já estava suja, empoeirada, suada, repleta de manchas e respingos de sangue e não tinha nenhum valor sentimental – e sua vida, a vida daqueles outros sobreviventes e a vida de Germany obviamente valiam muito mais do que uma camisa.

Então, fincou os dedos no tecido e rasgou o quanto pôde da barra da camiseta, tentando arrancar tiras largas o bastante para tamparem a boca das garrafas. Com a pressa que estava, os trapos não estavam se rasgando da maneira como ele pretendia, mas era o que ele tinha para utilizar. Satisfeito com o que conseguira – e com metade de sua vestimenta rasgada e faltando pedaços – ele agarrou a sacola com as garrafas em uma mão, o galão de gasolina com a outra, e correu para voltar ao outro lado da casa, onde Hollywood e Road ainda sofriam para derrubar o máximo de zumbis que podiam.


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Notas finais do capítulo

Capítulo comprido, cheio de coisa acontecendo, muita mudança de cena, tribulações nas cabeças das nossas garotas... E finalmente, no próximo, o Molotov entrando em ação ahahahaha
Não sei se este ficou muito confuso, meio enrolado... Mas acreditem, é importante para a transição de cenas. Eu pelo menos acredito que alguns capítulos desta maneira são necessários para as coisas não acontecerem tudo assim, atropelando as ideias.
Até porque tem pelo menos cinco personagens principais envolvidos, então precisamos da visão da maior parte deles né ahahaha
Enfim, espero muito que tenham gostado e até o próximo!
Aliás, uma pergunta para vocês: vocês escutam música enquanto estão lendo a UR? Qual tipo de música, qual artista...? Como eu sempre escrevo ouvindo música, adoraria saber o que vocês escutam enquanto estão lendo, se assim o fizerem! ahahahaha
Abraços e até mais ! (:



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