Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 24
Mãos de Sangue - Parte III


Notas iniciais do capítulo

Terceira e última parte de "Mãos de Sangue", com mais um pouco da situação da família Cross.
Espero que gostem, e nos vemos nas notas finais!
Boa leitura!



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Localização: Interestadual 80 - Residência da família Cross

10 dias após o Surto.


Germany, ajoelhada ao lado da cama de solteiro do mesmo quarto que estava anteriormente, envolvia delicadamente o pulso fino de Sam com os dedos de uma de suas mãos. O menino retorcia seu rosto redondo em caretas de dor, o corpo estremecendo vez e outra. Engolira um analgésico dado pela garota, um comprimido convenientemente guardado na mochila dela, e agora esperava uma possível melhora com o efeito do medicamento.

A conversa no andar inferior não passava despercebida aos ouvidos atentos da morena. Apesar da porta do quarto estar quase encostada, as vozes exaltadas – especialmente de Savannah e Frank Cross – eram facilmente escutadas. As presenças de Red e Road na discussão apenas confirmava suas suspeitas de que algo errado estava acontecendo naquela casa, e que os irmãos ruivos estavam a par daquilo. O comportamento estranho de Red na cozinha há poucas horas antes da chegada da horda e as poucas palavras, carregadas de uma ansiedade palpável, que Road trocara com a morena assim que o rapaz deitou Sam na cama foram suficientes para Germany perceber a gravidade da situação que se passava lá embaixo.

Novos tiros desferidos ao lado de fora da casa a acordaram de seus devaneios, e a garota se pôs em pé rapidamente – não sem antes lançar um expressivo olhar para um aflitivo Sam. Debruçando-se ao parapeito da janela, pôde ver Javier e Hollywood apontando ferozmente suas armas de fogo para alguns mortos-vivos esparsos que se aproximavam em sua caminhada cambaleante, e que antecediam um infindável lençol de pontos negros a recobrir o enorme descampado da fazenda do senhor Cross.

Eles se aproximavam, e numa velocidade ameaçadora.

Viu Molotov se aproximar do rapaz loiro e também abrir fogo. Os dois conversavam em alto tom, no entanto Germany não discernia exatamente o que falavam graças à sinfonia de grunhidos que encobria suas palavras - e dava àquele final de tarde uma aura tétrica e torturante.

Tateando rapidamente o bolso da calça jeans, Germany sacou o walkie-talkie amarelo e apertou rapidamente o pequeno botão ao lado da antena. A luz vermelha acendeu fracamente e ela aproximou o aparelho dos lábios trêmulos.

– Hollywood? Molotov? Estão me ouvindo?

Lá de cima, observava os dois rapazes atirando alternadamente nos mortos que rastejavam as pernas tortas em sua direção. Pareciam relativamente ocupados para perceberem o chamado pelo walkie-talkie.

Germany caminhou a passos rápidos até a entrada do quarto, onde deixara a espingarda apoiada, verticalmente ao lado da porta, e a empunhou rapidamente. Voltando-se para a janela, mirou a arma em um troncudo morto-vivo que expunha as mãos em garras na direção de Hollywood. Com um tiro certeiro, acertou o homem na altura da orelha esquerda e pôde vê-lo caindo no chão com um baque seco.

Os dois rapazes sobreviventes pareceram sobressaltados com o disparo desferido por outro alguém e ambos levantaram suas cabeças para o casarão atrás deles. Apesar da distância, a morena pôde ver que sua presença a postos na janela, pronta para ajudá-los, pareceu aliviá-los imensamente pelos rápidos sorrisos que esboçaram. Mostrando o walkie-talkie em uma das mãos, Germany procurou avisá-los tacitamente para colocarem-se à escuta.

Viu que Hollywood remexeu rapidamente no bolso de seus shorts jeans e que retirou um aparelho amarelo idêntico ao que a garota segurava. Molotov trocou rápidas palavras com o loiro, que anuiu brevemente e rapidamente correu para se aproximar mais da pousada. O moreno encontrou o olhar preocupado de Germany no segundo andar da casa - e abriu um sutil sorriso torto para ela antes de voltar a atirar nos mortos ao lado de Javier Mirrez.

– Germany?

A voz levemente chiada de Hollywood fez-se ouvir do dispositivo à mão da garota. Ela rapidamente apertou o pequeno botão e levou o walkie-talkie aos lábios.

– Hollywood?

– - Germany, porque raios vocês estão todos ainda aí dentro?! – Hollywood esganiçou-se levemente nas palavras.

– Surgiram muitas complicações, Hollywood!

– Ah, complicações? – Ele soltou um riso num misto de nervoso e escárnio. - Não sei se você tá vendo, mas a gente também tá com uma situação bem complicada aqui fora! – Falava com uma pressa crescente, as palavras proferidas entre ofegos. - Isso porque ainda não são muitos, mas você viu o tamanho da merda que tá chegando pra gente?!

A garota levantou os olhos para o horizonte.

Era uma visão aterradora.

– Eu sei e... peço desculpas por não estarmos exatamente ajudando vocês, é que-

– Cadê o Road e a Red? – Interrompeu o rapaz, a tensão audível em sua voz. - Pensei que o ruivo maldito era o mais preocupado com nossa porcaria de formação de guerra!

– Eles estão aqui, mas me escuta! – A morena lançou um rápido olhar sobre o ombro, fitando Sam por alguns segundos. Ele parara de gemer havia algum tempo, mas ainda contorcia o rosto em dor. – O Sam caiu da escada e se machucou, e Spencer... – um nó se formou momentaneamente em sua garganta, a imagem da menina recebendo uma bala no crânio revirando seu estômago - ...está morta.

– - Ahn? Morta? Como assim? – Perguntou ele, a voz levemente falha.

– Sim. Ela virou um zumbi e Frank...

– Ela o quê?!

– Pois é.

– - Mas, o quê... mas como? Em cinco minutos, assim, do nada?!

– Também não sei, Hollywood... A Red e o Road que sabem o que tá acontecendo. – Ela encostou um dos cotovelos no parapeito, lançando um olhar para o lado de fora. – Mas isso não vem ao caso agora. Vamos nos preocupar com o que tá aí embaixo!

– - É, já tá mais que na hora! – Ele riu nervosamente. Alguns chiados diferenciados – grunhidos – se fizeram ouvir do walkie-talkie.

– - Hollywood! – A voz de Molotov ecoou ao fundo, num chamado por ajuda. Germany grudou os olhos azulados às costas do moreno, preocupada com a situação em que se encontrava.

– Hollywood, eles tão quase pegando vocês! Eu vou descer aí e ajudar!

– - Não, fica aí! Precisamos de você aí em cima! Além do mais, o Molotov come meu fígado se eu deixar você vir até aqui.

A morena não pode evitar abrir um rápido sorriso.

– - Tô preocupado, Ger. – Continuou o rapaz, soltando um suspiro. Sua voz se mesclava a tiros e rosnados que repercutiam ao fundo.

– Eu... eu também. Mas vai ficar tudo bem... não é?

Silêncio. Mais alguns disparos ecoaram pelo dispositivo amarelo.

– Vai.– Respondeu o loiro, enfim. – Não vai ser fácil, mas... vai sim. Boa sorte, Ger. Câmbio, desligo!

– Boa sorte...

A luz vermelha se apagou. A garota fitou o aparelho em suas mãos por alguns instantes, até soltar um longo suspiro. Voltando a apoiar os cotovelos no parapeito e mirando a espingarda para o vidro aberto da janela, preparou-se para dar cobertura aos dois rapazes e ao vizinho latino do senhor Cross.

Sentiu os olhos arderem levemente. Apertou os lábios e franziu o cenho. É, ia ficar tudo bem. Eles ficariam bem, por mais uma vez se salvariam, mais uma vez se veriam livres da monstruosidade que se aproximava... Sairiam o mais ileso possíveis.

Era apenas mais um dia, mais uma fatalidade daquilo que acometia aquela casa, aquele país, aquele mundo. Apesar de tudo, eles ficariam bem, por mais contrário que sua mente lhe dissesse.

Continuariam bem, continuariam vivos...

Não continuariam?



– Hollywood, caralho!

Molotov dava coronhadas no peito de um untuoso homem que lhe arreganhava os dentes escuros. O loiro se aproximava rapidamente para auxiliar o amigo, atrapalhando-se para guardar o walkie-talkie no shorts enquanto segurava a espingarda embaixo de um dos braços.

Empunhou rapidamente a arma à altura do peito assim que se aproximou suficientemente dos dois e mirou por alguns instantes no homem que atacava o outro rapaz. Posicionou o dedo indicador no gatilho e estava prestes a atirar quando uma bala calibre 12 – que não a sua - zuniu com velocidade ao lado do rosto do moreno e acertou o morto-vivo abaixo do olho esquerdo. Respingando sangue pelo pescoço do rapaz, o zumbi o encarou por alguns segundos até começar a tombar para frente. Molotov desviou rapidamente para direita, evitando que o corpulento homem caísse em cima de si.

Os dois rapazes se entreolharam brevemente. Molotov, então, elevou os olhos castanhos a uma das janelas do casarão dos Cross e encontrou Germany fitando-os com um sorriso, a espingarda ainda apontando na direção onde o moreno estava. O loiro acompanhou o olhar do outro e franziu o cenho. Molotov retribuiu o sorriso de Germany e logo baixou os olhos para o zumbi que jazia a seus pés.

– Pelo menos ela tá saindo melhor que a encomenda. – Comentou Hollywood, ainda fitando a garota.

– Sorte minha! – Rebateu Molotov. – Se dependesse de você, eu tava fodido.

O moreno soltou um riso debochado ao loiro que revirava os olhos.

Correram juntos em direção a Javier Mirrez - o latino que desferia, desenfreadamente, tiros a zumbis que sequer estavam próximos dali. Mesmo a grandes distâncias, ele os acertava com uma acuidade impressionante. Seu rosto severo estava marcado de profundas rugas de concentração e ele não pronunciara palavra alguma desde o momento que os três abriram fogo aos visitantes indesejados.

O homem parecia inabalável perante a quantidade de mortos que se aproximava rapidamente. Punha todos ao chão com seu rifle poderoso, e, aos que chegavam perto demais de seu corpo troncudo, tratava de lhes cortar as gargantas com um afiado punhal. Inspirados pelas atitudes corajosas do vizinho de Frank Cross, Molotov e Hollywood também passaram a utilizar de armas brancas quando os mortos estavam próximos demais – a economia de munição era imprescindível.

Hollywood estancou os pés ao lado de Mirrez, ambos mirando ao mesmo tempo para uma dupla de zumbis que rangiam os dentes para as duas presas. O loiro afundou o indicador no gatilho e recebeu como resposta um estouro na testa de um dos moribundos, borrifos de sangue manchando os companheiros que o acompanhava. Da arma de Javier, porém, apenas um clique foi ouvido, mas não seguido de um disparo certeiro.

O latino baixou os olhos amendoados para a arma. Novos cliques no gatilho, mas nada de balas estourando os miolos do homem que se aproximava cambaleante. Hollywood conseguiu se livrar do zumbi com um desajeitado tiro de raspão no abdômen seguido do fincar de seu canivete na jugular do morto-vivo. O vermelho escuro e grotesco que jorrou do pescoço acinzentando respingou pelo jovem humano, que rapidamente empurrou sua vítima com um chute antes que as unhas escuras fincassem em sua pele.

A rápida troca de olhares que se seguiu entre o loiro e Javier foi o suficiente para compreenderem o problema iminente – as munições estavam acabando, e o latino já havia esgotado as suas.

Ainda com o rifle em riste, o homem deu as costas aos três mortos que tomavam à dianteira, e se aproximavam dos dois rapazes, e partiu rapidamente para a pousada dos Cross. As balas que levava em seu bolso para recarregar sua arma já haviam acabado por completo, então teve de se apressar para pegar mais delas nas grandes caixas de madeira deixadas ao lado da varanda do casarão. Uma praga em espanhol escapou de seus lábios, amaldiçoando-se por não ter deixado as caixas de munição mais próximas de si.

– Merda. – Murmurou Hollywood, ao ver o homem se afastando. – São muitos e não temos balas o suficiente!

– E o que sugere? – Molotov mirou em uma mulher escalpelada que gritava em sua direção. – Que os matemos com as mãos? – O rapaz riu ironicamente.

– Vamos... guardar... as balas... pra emergências! – Rebateu o loiro, arfante entre as palavras e as coronhadas que desferia em um adolescente de cabelos longos. – Temos as armas brancas também!

– Tá me achando com cara de espadachim?

– Deu certo no 7-Eleven, vai dar certo agora! – Respondeu Hollywood, abrindo um fraco sorriso.

– Deu certo porque você tava com uma merda de um machado - o rapaz moreno atirou em um casal que se aproximava, franzindo o cenho - e não com um canivete medíocre!

O rosto de Hollywood se iluminara subitamente. Havia se esquecido de seu fiel machado, que lhe ajudara imensamente em sua primeira empreitada contra uma horda zumbi. Decidiu que, assim que conseguisse uma brecha e que os outros sobreviventes chegassem para ajudar, correria para o casarão para buscar a arma.

Os dois levavam vantagem apenas quando os mortos estavam relativamente perto, acertando-lhes também com os punhais e canivetes nos momentos de proximidade perigosa. Sabiam, porém, que não poderiam contar com a sorte de golpes sempre certeiros com as pequenas armas brancas – além do que, as mãos e dentes dos zumbis ficavam ainda mais terrivelmente próximos quando partiam para outro tipo de ataque que não os das armas de fogo.

Hollywood, porém, tinha razão. Caso apenas utilizassem as balas nos zumbis que se aproximavam, gastariam rapidamente o poder de fogo e não conseguiriam utilizá-lo naquelas outras dezenas mais de mortos que vinham logo atrás. Uma abordagem corpo-a-corpo não lhes soava exatamente agradável, mas a possibilidade de incapacitarem suas armas de fogo por falta de munição aparentava um pouco pior.

Com Germany auxiliando-os no andar de cima da pousada, uma investida com uma arma branca não aparentou tão ousada e inconsequente. Sabiam que a morena acabaria com qualquer luta mal sucedida assim que os avistasse. Ficou decidido tacitamente entre os dois que economizariam a munição o máximo que pudessem, partindo para coronhadas e chutes nos mortos mais abusados que tentavam agarrar suas pernas; com cortes nas gargantas e canivetes fincados nos crânios para silenciá-los de uma vez por todas.

Javier corria desenfreadamente para o casarão, a espingarda em uma de suas mãos acompanhando seus movimentos. Assim que freou seus pés na grama úmida, não escorregando por pouco, viu seu vizinho Frank Cross saindo com pressa da porta principal da casa, o cenho tão fechado e amargurado que Javier não pôde evitar um semblante confuso. O velho apenas repousou o cansado olhar sob o latino e ambos anuíram sutilmente um para o outro. Mirrez acompanhou Cross com a cabeça, as mãos apoiadas nos joelhos a fim de recuperar seu arfante fôlego.

Logo após a saída do dono da casa, os dois irmãos ruivos também apareceram na varanda, tão lívidos quanto Frank e ainda mais exaltados. Javier franziu o cenho. Alguma coisa estava errada, tão errada quanto a horda de pessoas mortas que ameaçava a vida de todos. O rapaz ruivo apenas crispou os lábios e acompanhou a irmã até os degraus do balcão. O latino percebeu que trocaram rápidas palavras, o inglês em tom baixo impossibilitando-o de entender claramente a conversa.

Desviando os olhos dos irmãos, e baixando-os para sua esquerda, pôde ver mais armas de fogo, entre elas espingardas, revólveres e um Winchester .44, além de facões, um bastão de críquete, um machado e caixas de munição, todos repousando solenes abaixo da sacada. Correu para as caixas, abrindo-as sem cerimônias, e tratou de rapidamente recarregar seu rifle. Sentiu alguém parando a seu lado, e levantou o olhar. O jovem ruivo também remexia na caixa de munições e logo pegou o Winchester em mãos, apoiando sua espingarda entre as outras.

O olhar de ambos se encontrou por alguns instantes. Javier, solene, apenas apoiou sua pesada mão no ombro magro do rapaz, impedindo-o de se afastar a passos rápidos dali. O ruivo o olhou com visível surpresa.

– Cuidado. – Disse o homem, sua voz tão grave quanto os trovões que começavam a estalar no horizonte.

O mais jovem abriu um sutil sorriso e assentiu com a cabeça. Segundos depois, já corria em direção aos outros três sobreviventes. Javier levantou a cabeça. Pôde ver a irmã do rapaz, a miúda e assustadiça ruiva, encarando-o com olhos arregalados e chorosos à frente da varanda da casa. Analisando-a melhor, percebeu que não era direcionado para ele aquele olhar apreensivo – e sim para o ruivo que acabara de se afastar.

A garota, percebendo o corpulento latino que ali perto estava, forçou um trêmulo sorriso e apertou as mãos ao redor da espingarda que carregava. Javier retribuiu o gesto – o primeiro sorriso sincero que abria em seu rosto endurecido após muitas horas aflitivas. A camuflagem impassível e sanguinária que vestia durante as investidas contra os mortos-vivos se transformou no semblante mais reconfortante que conseguira para a ruivinha. "Cuidarei de seu irmão", disse-lhe com os olhos. Mesmo distante a garota pareceu entender o recado, pois abriu um pouco mais o sorriso.

Javier, então, enfiou mais algumas balas nos bolsos da calça, engatilhou o rifle e partiu para o horizonte enegrecido que se aproximava da casa, para o terror ambulante que vinha como uma onda mortífera diretamente para ele e os outros sobreviventes.



Um gemido de dor às costas de Germany cortou sua concentração com os zumbis que ameaçavam seus amigos metros abaixo da janela. Desviou um olhar sob os ombros para o menino que se contorcia na cama. O analgésico parecia que demoraria a fazer efeito.

– Sam, você está bem?

– Eu... tô sim. – Respondeu o menino, arfante. – Não se preocupe comigo.

A morena crispou os lábios e voltou sua atenção para o quintal da pousada. Pôde ver Frank Cross e Road Runner, logo seguidos de Javier Mirrez, correndo em direção a Molotov e Hollywood e logo ajudando os dois em sua incansável artilharia contra os mortos-vivos. Germany abriu um rápido sorriso – agora eles teriam ajuda.

Os corpos que se amontoavam a frente deles também parecia lhes dar certa vantagem. Começavam a formar uma espécie de trincheira de mortos caídos - uma conveniente divisória apodrecida, fétida e acinzentada entre os que grunhiam e os que atiravam. Os que cambaleavam em direção às suas vítimas por vezes tropeçavam nos zumbis que jaziam na grama batida ou então acabavam por não saber como passar pelo débil obstáculo, permanecendo parados em seus lugares e recebendo mais facilmente as balas desferidas. A garota empunhou com mais firmeza a espingarda, uma fraca chama de esperança se reacendendo em seu peito arfante.

– Não tô escutando mais ninguém falando lá embaixo! – Sam voltara a falar, em baixo tom.

– Estão lá fora, ajudando Molotov e Hollywood. – Proferiu a morena.

Algo, no entanto, lhe chamou a atenção – apenas os homens estavam em seu campo de visão. Red Rock e Savannah não estavam ali. Quanto à Red não nutriu uma preocupação muito grande, pois sabia que Road jamais deixaria sua irmã desamparada em qualquer canto da casa e que muito menos permitiria que a ruiva se aproximasse dos zumbis de maneira tão perigosa como ele mesmo estava fazendo. Era a ausência da mulher Cross, no entanto, que a fez franzir mais o cenho. Será que a loira ainda estava no andar de baixo, chorando ao lado do corpo da filha morta?

Como se numa resposta às suas perguntas, passos sutis foram escutados subindo a escada. A morena virou a cabeça rapidamente para trás, o primeiro e mais óbvio pensamento lhe vindo à mente – algum zumbi conseguira entrar na casa e estava no segundo andar. A julgar pela maneira como a suposta pessoa caminhava, fracamente, com os pés arrastando no assoalho, ela não descartou a possibilidade. Podia também ser Savannah Cross, que decidira deixar o primeiro andar, mas a primeira opção permaneceu ferrenha em sua consciência. Com os olhos arregalados e a espingarda a postos, saiu rapidamente de sua posição à janela e se aproximou pé-ante-pé da porta do quarto.

Ao puxar lentamente a maçaneta, a pouca visão que teve do corredor do segundo andar à sua frente lhe mostrou uma figura feminina de cabelos loiros desgrenhados se dirigindo ao quarto oposto ao que estava. Realmente era Savannah, reconheceu-a imediatamente pelas roupas. Pensou escutar também um choramingo vindo dela, quase inaudível em meio à sinfonia de tiros de espingardas.

Um detalhe a mais, porém, chamou sua atenção após analisar melhor a loira - ela levava Spencer nos braços. Pôde ver as pernas finas desnudas, sem cor, pendendo livremente de um lado da mulher e a cabeça da menina caída para trás do outro, os cabelos curtos e ondulados numa pequena cascata amarelada, com gotas vermelhas grudando alguns fios. Os passos sôfregos de Savannah eram resultado de sua amargura apática e do peso do corpo da menina em seu colo.

A porta do outro quarto foi aberta lentamente, as paredes rosadas e os móveis delicados da decoração entrando no campo de visão de Germany. Franzindo o cenho em confusão, a morena deu hesitantes passos no corredor em direção à loira, a distância entre elas ainda suficiente para a mulher não ouvir a garota se aproximando.

Savannah parou à janela do quarto, a menina Cross ainda nos braços e um soluço novamente escapando de seus lábios. Parecia olhar para algo ao lado de fora da janela, para a visão do entardecer melancólico que recaía sobre a casa.

– Savannah?

A voz baixa de Germany invadiu o quarto de Spencer. Savannah pareceu prender a transpiração por alguns momentos, tamanha a tensão depositada em seus ombros com o susto. Seus dedos magros enlaçaram com ainda mais força o corpo da filha.

Ainda calada, a mulher baixou os olhos para o rosto da menina desfalecida. Os olhos cerrados, a pele num misto de pálido e acinzentado e os lábios roxos e entreabertos moldavam o semblante apagado de Spencer Cross. Mais dois passos à frente fizeram Savannah colar os joelhos à parede da janela do quarto. Como o vidro estava aberto, a mulher se abaixou lentamente até sentar-se com uma das pernas na abertura e encostar-se no batente lateral.

Germany passou rapidamente pela soleira da porta e adentrou o quarto da menina, a espingarda em riste em suas mãos e as sobrancelhas arqueadas em direção à mulher. A loira estava confortavelmente sentada à janela, Spencer ainda aninhada em seu colo e os olhos chorosos da dona da casa virados para a paisagem ao lado de fora. O descampado daquela porção das terras do pai de Savannah não exibia a mesma quantidade gritante de mortos-vivos da horda que se aproximava na outra lateral; apenas um ou outro zumbi solitário que se aproximava tropegamente. Daquele lado do terreno estavam o pequeno celeiro de Frank Cross e um trator de tamanho mediano que repousava próximo da construção – além da Ford Ranger preta de Road Runner, estacionada ao lado do outro veículo.

A loira não reagiu ao chamado de Germany, então a morena arriscou novamente.

– Savannah? Savannah, eu, ahn... Porque você nã-

– Ele tem razão, sabe?

A voz enrouquecida da mulher, misturada ao som de balas ao lado de fora da casa, calou a garota no mesmo instante. Uma entonação de uma tristeza dolorosa envolvia suas palavras amarguradas.

– Meu pai... – Continuou a mulher. – Ele está certo. É tudo culpa minha.

Baixando os olhos marejados para a cabeça da menina que apoiava em seu colo, ela colocou alguns fios do loiro embaraçado de Spencer atrás da pequena orelha.

– Savannah...

– Eu só... não queria que minha filha sofresse, entende? Não queria que fosse renegada pelo avô quando ele descobrisse que ela estava...

Um soluço acompanhou a frase da loira. Ela continuava a fitar o semblante vazio da filha. Germany mordeu o lábio inferior, tentando conter a tristeza que ela própria sentia. A arma de fogo agora pendia debilmente de uma de suas mãos.

– E no final... tudo acabou piorando. Tudo piorou por minha culpa. – Savannah franziu o cenho ligeiramente e levantou os olhos avermelhados para a garota. – Eu fui uma idiota e meu pai nunca vai me perdoar por isso.

Em silêncio, a mais jovem apenas sustentava o olhar desolado da mulher à sua frente.

– Eu acabei com minha família. Eu. Fiz de tudo para mantê-la perfeita, imaculada, mas... mandei tudo pelos ares. Nunca deveria ter cuidado de Jacky, nunca deveria ter deixado Spencer chegar perto dela, nunca, nunca, nunca...

Abaixando a cabeça para a menina, encostou sua testa no cenho frio de Spencer, e ali permaneceu por alguns segundos, soluçando baixinho. Germany estava paralisada à soleira da porta, observando a mulher que oscilava o corpo para os lados, embalando a menina – e perigosamente prostrando-se para fora da janela.

– Savannah, venha mais para dentro. – Pronunciou a morena, complacente. – Vem, eu te ajudo.

– Só que meu pai não entende! – A mulher voltou a falar, sua voz agora mais firme por trás do choro. – Não entende que eu justamente queria manter a família inteira... Eu fiz uma besteira imensa, uma merda sem precedentes, mas... é tudo porque eu amo minha filha! Eu a amo, sabe? Você não sabe o que é ter uma criança para cuidar, uma criança que está gradativamente piorando da saúde, que pode ter um colapso a qualquer momento... Eu a amo, por isso cuidei dela!

– Eu, e-eu entendo, Savannah, só que... venha mais pra dentro, por favor, é perigoso ficar aí! – Germany depositou a arma de fogo ao lado de um pequeno móvel e deu alguns passos para frente.

– Cuidei dela porque minha menininha nunca se tornaria uma criatura terrível, nunca... Eles, e-eles lá fora também são pessoas boas, pessoas de família... Se estiverem fazendo o que estão fazendo, é porque estão num lapso nervoso ou algo assim... mas logo vão voltar ao normal, entende? Ela também voltaria ao normal... – A loira voltou a baixar os olhos para a menina.

– Savannah, por favor...

– Mas tudo isso... tudo isso é minha culpa. Eu não soube administrar essa situação, não soube como contar a meu pai e agora... agora é tarde.

Savannah, então, se sentou com o corpo totalmente para fora da janela, suas pernas pendendo livremente soltas para fora do segundo andar e as costas viradas para Germany.

– Por favor – continuou a mulher, pendendo a cabeça ligeiramente para o lado, no intuito da garota perceber que as palavras eram dirigidas para ela – diga para ele que eu o amo muito... e que eu espero que ele me perdoe. Que ele me perdoe e que perdoe Spencer...

– Savannah! – A morena agora estava próxima da cama de Spencer e a alguns metros de distância da mulher.

– E perdoem aqueles que estão lá fora, que estão atacando a casa... eles não sabem o que fazem. Spencer não sabia o que estava fazendo... ela sempre foi doce, e sempre será doce. Minha doce filhinha, minha pequena Spencer...

E, num movimento rápido, a mulher se lançou da janela do segundo andar, deixando para trás a jovem morena que arregalara os olhos e gritara por seu nome.


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Notas finais do capítulo

Será esse o fim do drama familiar dos Cross? E a horda ao lado de fora, os sobreviventes vão conseguir detê-la antes que seja tarde? Será que se esqueceram do cachorro preso na pequena cabana?
A jornada de nossos jovens pela residência dos Cross está chegando a um fim... mas será esse um final feliz?
Respostas para estas e muitas outras perguntas finalmente surgirão no próximo capítulo!
Até o próximo! (:



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