Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 21
Entorpecimento


Notas iniciais do capítulo

...E quem tá vivo sempre aparece, não é? Mesmo que meses depois!
Não sei nem onde enfiar a cara, e nem por onde começar o pedido de desculpas... sei que nunca fui a autora que mais posta regularmente, mas desta vez eu me superei, haha.
É, foram meses complicados esses. Problemas, faculdade, mais problemas, falta de inspiração, falta de tempo, bloqueio criativo...
Maaaas, tamos de volta, e agora vamo que vamo!
Sei que deu uma cortada no clima da história depois desse tempo todo, ainda mais numa situação tão tensa que tava se criando... e peço mil perdões por isso, pela falta de respeito enorme com meus leitores...
Mas estamos de volta à ativa, e com gás total agora. Não abandonei Undead Revolution e nem pretendo fazer isso, jamais, então vamos dar continuidade não é?
Espero que continuem acompanhando, que consigam acompanhar o fio da meada dos últimos capítulos, e vamos lá com mais aventuras do nosso grupo de jovens destemidos!
Boa volta de leitura, haha!



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Localização: Interestadual 80 - Residência da família Cross

10 dias após o Surto.



Road suspirou, Red engoliu em seco e Hollywood rapidamente sumiu de vista, largando a porta do quarto aberta e os dois irmãos encarando a porção do corredor ao lado de fora.

– Vamos, Red. – Chamou o ruivo após alguns segundos de um tenso silêncio. Apanhou um revólver de cima da cama, certificou-se se estava carregado e sacou um cigarro do bolso da calça. – E torça pro cachorro não dar as caras.

A garota arqueou as sobrancelhas e desviou os olhos para o chão. Um frio incômodo se espalhou rapidamente por seu estômago, e o cheio acre da fumaça que logo passou a exalar dos lábios de seu irmão não contribuiu para amenizar a dor de cabeça que lhe acometia.



Hollywood adentrou o salão principal do hotel derrapando em seus próprios pés. Arfante, pôde ver uma pequena figura de Frank pela porta principal escancarada do hall - já ao lado de fora da casa e treinando a mira com a espingarda para algo que não se enquadrava na visão que o loiro tinha dele.

Germany e Molotov conversavam em alto tom, desesperados, ainda na cozinha. Suas vozes se confundiam com a de Savannah Cross e Javier Mirrez, que logo também adentraram o salão a passos rápidos, sobressaltando o loiro; a mulher segurava uma das armas de fogo e agarrava com a outra mão um dos antebraços graúdos do latino, que se debatia e vociferava para ela. O semblante vazio de poucos minutos atrás daquele homem que encarava as cortinas da cozinha, perdido em pensamentos, mudou-se drasticamente para rugas de raiva e determinação.

– Javier, pelo amor de Deus, vá lá para cima, você não está em condições pra isso, homem! – Proferiu Savannah, lutando para impedir que ele se dirigisse para o hall da pousada.

Déjame ir, Savannah! – Protestou ele, finalmente livrando-se do aperto dela e estancando à sua frente. – No voy dejar estes bastardos machucarem más ninguém!

– Mas Javier, nós...

Ustedes precisam de mim, tu lo sabes disso! Voy a meter una bala na cabeza destes putos que mataram mi familia!

– Exatamente, Javier, sua família também está vindo, esqueceu? Você realmente quer vê-los assim?! – Esbravejou a loira, gesticulando freneticamente.

Subitamente, Mirrez arregalou os olhos. A mulher suspirou tremulamente, o arrependimento transbordando em seu olhar e sobrancelhas arqueadas.

– Javier, me... me desculpe. En-entenda, você não está preparado para isso... quem estaria? Por favor, vá lá pra cima, Spencer também está escondida, fique lá com ela! Espere até que as coisas esfriem um pouco... não vamos fazer mal a sua família, vamos garantir que estejam a salvo para cuidarmos deles, es-está bem?

O homem não respondeu. Fitando-a com intensidade, mal percebeu Germany e Molotov passarem rapidamente pelos dois, conversando em voz alta e se dirigindo em direção à Hollywood. Javier franziu o cenho e por seu rosto perpassou uma sombra de amargura.

Dame la pistola, Savannah. – Disse ele.

O tom de voz amedrontador fez a mulher recuar alguns passos.

– Javier...

– A arma, Savannah. – Repetiu, com o sotaque evidente.

Receosa por alguns segundos, a loira estendeu lentamente a espingarda em direção ao latino. Ele rapidamente a arrancou das unhas da mulher e novamente franziu o cenho, endurecendo o olhar. Parecia ter envelhecido pelo menos dez anos da noite para o dia.

Basta de conversa. Vamos a terminar con esto. – Proferiu ele, engatilhando a espingarda e crispando os lábios.

Com passos fortes, dirigiu-se para a entrada da casa e foi se juntar a seu vizinho lá fora.

Savannah permaneceu parada, encarando os próprios pés por alguns instantes. Levantou de esguelha os olhos para os três jovens que a fitavam de volta, e que logo receberam a companhia dos dois ruivos.

– Javier tem razão. – Disse ela para os cinco, empertigando-se, fechando os punhos e franzindo a testa. – Vamos acabar logo com isso. Vocês sabem do nosso plano de defesa, tratem de colocá-lo logo em ação. Não podemos deixar os zumbis entrarem aqui. - Suspirou brevemente. - Estamos esperando vocês lá fora.

Red Rock e Road Runner estreitaram os olhos para a loira.

Ela se dirigiu rapidamente para o hall de entrada, deixando para trás pares de olhos desconfiados e aflitos.

– Senhor, sim, senhor. – Murmurou Hollywood, bufando. – Vocês ouviram a madame, vamos ao trabalho.

– Eles querem mesmo que fiquemos todos lá fora, indefesos ao ataque dos zumbis, sem alguma cobertura nem nada? Eles são loucos ou o quê? – Retrucou Germany, incrédula.

– São mais do que a gente imagina. – Respondeu Red, trocando olhares com o irmão.


Molotov desprendeu algo da calça – o binóculo que encontrara no mercado 7-Eleven – e prontificou-se em direção ao hall, lançando um olhar sobre o ombro para os outros.

– Esquece o que a sargenta disse. A Ger tem razão, precisamos que alguém fique aqui dentro também, para impedir qualquer elemento surpresa dos sem-cérebro lá de fora. Organizem-se aqui que eu vou correr lá fora ver o quão perto eles estão.

Germany deu alguns passos à frente, entreabrindo os lábios, pronta para evitar a ida do moreno – Hollywood, porém, agiu mais rápido, prostrando-se ao lado do outro.

– Eu vou com você, cara. – Os olhos castanhos do loiro depositaram-se na garota, e ele abriu um breve sorriso, reconfortando-a.

Os outros três acenaram com a cabeça. Sam, que observava tudo da entrada da cozinha com olhos arregalados, apenas encolheu os ombros ainda mais.

A frieza transmitida nas palavras e ações dos companheiros pegou o menino desprevenido – todos aparentavam mais do que determinados a lidar com aquela situação com toda a serenidade possível, serenidade esta que sequer passava perto dele. Seja lá o que estivesse nas mentes dos jovens, seus semblantes exibiam algo totalmente diferente; uma ambição palpável de provar que sobreviveriam a mais uma peça pregada pelo destino, mais uma de muitas que ainda viriam a acometê-los. Construíram rapidamente uma muralha de impassibilidade ao caos frenético e desesperador que engoliria até o mais preparado - muralha esta, porém, que o mais novo sabia que desmoronaria no momento em que as dúzias de mortos-vivos ameaçassem entrar na casa em busca de sua carne, mas que permaneceria alta o suficiente para lhes permitir a confiança mínima necessária para assegurarem mais um dia vivos.

Sam engoliu em seco e caminhou lentamente em direção dos dois ruivos e da morena.

Gostaria de estar confiante como eles, porém sua mente infante reforçava seu temor. Por isso, limitou-se a concordar com todos os conselhos sobre esconder-se e apenas agir se estrita e irrevogavelmente necessário.

– ...Então você se esconde comigo lá em cima, entendeu, Sam? – A voz de Germany lentamente ecoou pelos ouvidos do garoto. – Vou dar cobertura para eles aqui embaixo, e você fica com um dos walkie-talkies para o caso de alguma emergência.

Sam voltou a acenar com a cabeça.

– Qualquer coisa vocês nos contatam então, Ger. – Disse Red, já acompanhando Road em direção à saída do casarão.

– Aonde exatamente a senhorita pensa que vai? – Retrucou rapidamente o ruivo, virando bruscamente para fitar a irmã.

– Como assim ‘aonde’? Vou lá fora com vocês!

– Nos seus sonhos, fedelha. – Road cruzou os braços e a ruiva franziu o nariz. – Você vai ficar aqui dentro, com a Germany e com o Sam. Precisamos de backup aqui dentro, em especial lá em cima, onde se tem uma visão mais panorâmica da situação. Esse que é trabalho de menina, ficar sentada atirando em zumbi de longe, não botar a cara a bater como eu e os outros marmanjos desmiolados tamos pra fazer.

– Mas Road, vocês vão precisar de ajuda!

– Vamos mesmo, por isso vocês duas vão nos dar cobertura lá de cima, como eu já falei, droga. Vocês vão conseguir atingir muito mais longe do que nós, e vão nos poder nos avisar da situação conforme a horda for se aproximando. – O rapaz levantou uma das mãos, interrompendo a irmã da menção de reclamar. – Já arriscamos vocês três demais. E sim, também é hora de botar um pouco de machismo na parada.

Red bufou, irritada. Road permaneceu impassível aos retrucos da irmã mais nova.

– Se o plano tiver o mínimo de possibilidade de dar errado, nós vamos descer. – Disse Germany, recebendo dois pares de olhos verdes.

– É isso mesmo. – Concordou a ruiva, furtiva.

Road apenas sorriu para a morena, e acenou com a cabeça. Depois, partiu a passos rápidos para o hall de entrada e logo sumiu de vista.

As duas garotas permaneceram caladas por alguns segundos e logo se entreolharam. No instante seguinte, já seguiam para o segundo andar.




– E aí? Nenhum sinal deles ainda? – Perguntou Hollywood, que espichava o pescoço por cima do ombro de Molotov procurando enxergar alguma coisa pelo binóculo também.

– Deste lado, ainda nada. – Respondeu o moreno.

– Então foi alarme falso? - O loiro franziu o cenho. - Corri feito um louco pra avisar todo mundo! Frank que disse que eles deviam estar se aproximando,

– O velho tá mais caduco que outra coisa. Deve ter imaginado coisas. Mas, de qualquer forma, mesmo que ele tenha visto, provavelmente foi pro outro lado da casa. A fazenda do Javier fica pro lado leste né? Deve ser de lá que eles tão vindo.

– Será que eles se esconderam, por isso não tamos encontrando nenhum? - Hollywood repousou o dedo indicador no queixo, pensativo.

– Vamos dar um crédito pro velho - continuou Molotov - e acreditar que ele viu mesmo alguém se aproximando. Desse modo, é melhor irmos observar lá pro outro lado.

– Beleza. Vamo pra lá então.

Os dois rapazes, antes alguns metros distantes da entrada casa, agora voltavam a se aproximar de Frank, Javier e Road. Todos estavam devidamente armados e discutindo fervorosamente enquanto gesticulavam para a casa e para os descampados ao redor da fazenda.

– Já disse que é melhor alguém ficar lá perto da estrada! – Exaltou-se Frank, franzindo o cenho para o ruivo.

– Fique à vontade, Cross, ela é toda sua! – Road abriu os braços e sustentou o fitar do velho. – Mas nem eu, nem meus amigos vamos nos arriscar ficar lá em cima.

– Vocês tem sua caminhonete estúpida, esqueceu? Podem ficar dentro dela enquanto matam os desgraçados!

– Você que sabe. Podemos dar no pé no momento que a coisa apertar. É isso que você quer? – O mais jovem cruzou os braços e levantou uma sobrancelha.

Frank se calou no mesmo instante. Um muxoxo de desdém escapou dos seus lábios, e ele não voltou a tocar no assunto.

– Foi o que eu pensei. – Murmurou Road, balançando negativamente a cabeça.

– Pentelho intrometido. – Resmungou Cross entre dentes, para si mesmo. Desviou seu olhar para Javier, que analisava atentamente os arredores da fazenda, perdido em pensamentos. – Javier, você pode checar pra gente se as janelas e portas estão todas devidamente fechadas aqui por fora?

O latino sustentou o olhar do vizinho pro alguns instantes com o semblante endurecido. Balançou a cabeça sutilmente e sumiu de vista na lateral esquerda.

– Pobre homem. Não sei nem como vai encarar toda essa situação de novo.

– Pelo menos ele tem ajuda agora, não é? – Intrometeu-se Hollywood, parando ao lado de Cross.

O velho encarou o mais novo e levantou uma sobrancelha, até que suspirou e concordou com a cabeça.

– Sim. Espero que a família dele não venha para cá também... e se vier, tomara que ele não os veja.

– Nem quero ver como ele vai reagir. – Disse Molotov, recarregando a espingarda, a poucos centímetros atrás dos outros dois.

– É, não é fácil pra ninguém... – Suspirou Hollywood, repousando as mãos na cintura enquanto observava distraidamente o horizonte ao longe.

Savannah, que havia permanecido sentada e calada na varanda desde o momento em que saíram da pousada, aproximou-se do pai e dos jovens. Seus olhos estavam visivelmente arregalados de nervosismo; e ela evitava olhar para os rapazes, além de constantemente trocar olhares de esguelha com a cabana distante dali. Estava irrequieta e alvoroçada, mas empunhava determinada a espingarda em mãos.

– Papai, onde foi Javier? – Perguntou ela, prostrando-se ao lado do pai e vasculhando os arredores com os olhos.

– Pedi para ele verificar nosso serviço de hoje cedo. Precisamos manter a cabeça dele ocupada até o momento dos zumbis chegarem.

– Precisamos nos atentar a ele também... – Suspirou ela, relaxando sutilmente os ombros. Os três rapazes ali próximos permaneciam calados, apenas observando o comportamento da loira. – Para que não faça nenhuma loucura.

– Defina ‘loucura’. – Prontificou-se Road a falar, cruzando os braços.

Savannah virou-se lentamente para olhá-lo, estampando um semblante pálido, rígido de determinação e um sorriso torto de perturbação.

– Sair correndo loucamente em direção à horda de zumbis que matou sua família, por exemplo. – Respondeu o pai da mulher, encarando os próprios pés. - Ou cair de joelhos no chão e chorar feito um bebê ao ver seus filhos vindo para comer seu cérebro.

– Você diz como se isso fosse algo errado a se fazer. – Retrucou Hollywood, franzindo o cenho.

– Com certeza não é algo prudente. – Continuou Frank, agora levantando os olhos para o loiro.

– Mas quem somos nós pra culpá-lo se ele o fizer?

Todos desviaram os olhares para Hollywood por alguns instantes. O rapaz esperou alguma resposta dos dois Cross enquanto os fitava com intensidade; mas, como imaginava, não a obteve. Estavam os dois tão confiantes de que seriam os mais preparados e equilibrados durante o combate à horda de zumbis... O loiro apenas suspirou. E foi acompanhado de levantar de sobrancelhas e balançares de cabeça dos outros dois rapazes.

Passos pesados na terra recentemente molhada chamaram a atenção de todos. Javier rapidamente apareceu da lateral da casa, ofegante e com os olhos amendoados arregalados. Desviou o olhar de um para o outro até que o repousou sobre Molotov – mais especificamente para o binóculo em sua mão.

Alguien vem vindo!

O moreno franziu o cenho e caminhou em direção ao latino, acompanhado do restante dos sobreviventes. Agora não parecia ser mais um alarme falso.

O rapaz segurou devidamente o binóculo à frente dos olhos e o posicionou na direção onde Javier apontava o grosso dedo indicador. Uma pequena aglomeração de árvores ao longe, em uma posição noroeste à lateral esquerda da casa, exibia algumas figuras pequeninas e cambaleantes iluminadas pelo alaranjado do Sol que começava a se pôr.

– É... – Disse ele, quebrando o tenso silêncio. – Aí vem eles. Agora de vez.

– T-tem certeza? – Perguntou Savannah, permitindo-se um enfraquecer de voz.

– Sim. E pelo visto... não são poucos.

Entregou o binóculo para Road, que crispou os lábios.

– Merda. – Murmurou o ruivo.

– Deixa eu ver isso! – Frank arrancou-o das mãos do rapaz e atrapalhou-se por alguns instantes até focar devidamente o instrumento. Então, engoliu em seco e o entregou rapidamente ao moreno. – Vamos, mexam-se! Precisamos nos preparar para receber esses desgraçados!

O grupo se dispersou rapidamente, cada um tomando sua posição – Javier permaneceu na dianteira, a espingarda empunhada com fúria à altura do peito, e permaneceu apenas à espera dos primeiros que ousassem chegar mais perto dali; Road e Molotov recuaram alguns passos, posicionando-se próximos à outra lateral da casa à procura de algum sinal demais zumbis ao outro horizonte; Hollywood deu alguns passos para trás e estancou no lugar, arqueando as sobrancelhas e com os olhos fixados nas figuras mínimas que a cada segundo pareciam tomar uma ínfima forma sob a linha que separava o céu e a terra; e Frank e Savannah correram para se posicionar próximos à varanda.

– Certo então... Vamos ver no que vai dar isso tudo... Só espero que as proteções que colocamos na casa aguentem essa horda. - Disse o velho, soltando um muxoxo.

– Vamos f-ficar seguros papai, não se preocupe! – O tom de voz trêmulo da mulher não ajudou a dar confiança em sua frase.

– E Spencer? Onde se enfiou essa menina? – Frank rapidamente se empertigou, franziu o cenho e vasculhou os arredores com os olhos. – Não a vejo já faz algum tempo, e não vi se ela desceu aqui quando descobrimos que os zumbis estavam vindo!

– Ela está bem, papai. – Respondeu Savannah, rápida e categoricamente. – Pedi para que ficasse trancada em seu quarto, para se esconder e se proteger. Não a quero mais envolvida nesse caos todo que nós criamos.

– Que nós criamos? Você tá de brincadeira né, Savannah?

– A menina já estava assustada, papai, e vocês ainda fazem esse alvoroço todo com essas pessoas que estão vindo pra cá! Já não basta ela ter visto o estado que o Javier ficou!

– Você tem coragem de chamar aquilo que está vindo de pessoas?

Savannah arregalou os olhos e mostrou-se visivelmente ofendida com as palavras do pai. Firmou o aperto ao redor do cabo de sua espingarda e deu as costas a ele, caminhando em direção à escada da varanda.

– De qualquer forma – continuou o velho, ignorando o comportamento injuriado da filha – ia mesmo falar para ela ficar lá em cima. Você até que tá certa... isso não é lugar pra ela. E, também, o cabeça-de-fogo ali – apontou com a cabeça Road Runner – me disse que as outras duas garotas e o menino Sam também vão ficar no segundo andar, armadas, para nos dar cobertura, então Spencer está protegida.

Savannah estancou bruscamente no degrau da escada. Arregalou os olhos e entreabriu os lábios, incrédula.

– Você disse que tem gente lá em cima? – Virou a cabeça rapidamente para olhar o pai, com os olhos beirando o pavor. – Tem gente lá com a Spencer?

– Já falei que sim. Os marmanjos aí não deixaram as garotas ficarem aqui embaixo. E com alguma razão, né? Foi a coisa mais sensata que vi esses grandalhões fazendo hoje.

A loira apoiou uma das mãos em uma grossa viga, que sustentava o teto da varanda à escada, como se momentaneamente tivesse perdido o equilíbrio. Seu olhar permaneceu vazio por vários minutos, com apenas os ruídos do pai recarregando suas armas de fogo pairando a seu redor. Fincou as unhas da madeira úmida e molhou rapidamente os lábios secos com a ponta da língua.

– Eu acho que eu devia ficar com a Spencer né? – Perguntou rapidamente, cuspindo as palavras.

– O quê? Mas porquê, Savannah? – Resmungou o velho, balançando negativamente a cabeça. – Deixa as meninas lá em cima, e você com certeza sabe atirar bem melhor de perto do que elas. A Spencer estará protegida, entendeu?

– Mas, eu não...

– Larga a mão, Savannah. Tá, eu sei, eu também não confio nesses jovens. Muito pelo contrário. Mas as meninas lá parecem um pouco mais ajuizadas que os moleques aí, pelo menos. Elas nos protegerão nos dando cobertura lá do segundo andar, já falei. Esqueceu que deixamos as janelas de lá abertas justamente para alguém ficar lá em cima?

Contrariada, a loira desviou o olhar inconscientemente para o segundo andar. Avistou apenas o teto amadeirado da varanda, mas olhava mais profundamente do que isso. Mordeu o lábio inferior, pronta para retrucar novamente o pai e finalmente invadir a casa e subir ao segundo andar, mas um chamado de Javier a libertou rapidamente dos pensamentos.

– Estão vindo! Tenemos que nos preparar!

Frank levantou num movimento rápido, segurou a arma com uma das mãos e desceu a passos rápidos a escada da varanda. Savannah relutou ao chamado por alguns momentos, ainda fitando o hall de entrada visível pela porta de entrada aberta, até que franziu o nariz, deu as costas para os homens ali próximos, alheios a ela, e adentrou a casa.



Assim que Road deixou o salão, Sam e as duas garotas subiram rapidamente o lance de escadas que separava o térreo do segundo andar, onde se distribuíam mais alguns quartos – em menor quantidade do que no andar de baixo -, inclusive os dos próprios donos. Um corredor longo, que se quebrava em posição de ‘L’ para rodear a outra lateral do andar, exibia várias portas fechadas e uma ou outra, de batentes ligeiramente diferenciados – que aparentavam pertencer aos banheiros daquele andar.

As janelas dos quartos do corredor que desembocava a escada provavelmente distribuíam-se, em sua maioria, para a lateral direita do casarão. Alguns vasos com plantas de folhas espalmadas e ligeiramente mal cuidadas e alguns quadros de pinturas de flores e paisagens eram a única decoração dali de cima.

– Acho melhor nos dividirmos em dois quartos, Red. – Disse Germany. – As janelas desse lado parecem dar todas para a mesma lateral da casa, mas se seguirmos por ali, o segundo andar também dá pro outro lado. Cada uma pode ficar de um lado do andar, daí conseguiremos cobrir os dois lados da casa.

– Certo. – Concordou a ruiva, vagueando os olhos pelas portas. – E é bom deixarmos as portas abertas, pra caso a gente precise se comunicar.

– Então vamos. – A morena abriu um sorriso amarelo e apreensivo.

– Relaxa, Ger. Vai dar... tudo certo... Não é? É, vai dar tudo certo! – A ruiva retribuiu o sorriso.

– É... vai ficar tudo bem. E você, Sam, se quiser pode vir ficar comigo, mas me promete que vai ficar escondido. E só vai sair do lugar se eu precisar de uma mão, daí você vai correndo chamar a Red pra ela me ajudar deste lado, ou vice-versa.

– Pode deixar. – Respondeu o menino, num murmúrio. – Eu vou checando de tempos em tempos se vocês tão precisando ajudar a outra.

– Ótimo, garoto, você vai ser nosso copiloto. – A ruiva sorriu para o menino, tentando soar o mais reconfortante possível. - Boa sorte pra vocês. – Ela levantou os olhos para a outra garota.

– Boa sorte para todos nós. – Respondeu a morena, complacente.



Red observou Germany e Sam rodearem o corredor do segundo andar e adentrarem um dos quartos da posição oposta onde estava – felizmente com a porta destrancada. Eles lançaram olhares preocupados e ao mesmo tempo encorajadores para a ruiva, e logo tomaram suas posições à janela aberta do quarto, vasculhando algo lá embaixo.

A garota deu as costas para o corredor contrário com um suspiro, e logo se viu em dúvida sobre qual das portas à sua frente escolher. Uma em particular, no entanto, chamou sua atenção. Era a única que estava com uma pequena fresta à mostra, e, do pouco que conseguiu ver pelo espaço, a garota distinguiu algumas mobílias diferenciadas do restante dos outros quartos que adentrara anteriormente.

Inconscientemente desviou os olhos para seus dois lados, como se se certificando que não estava sendo observada, e resolveu se aproximar da porta. Então se lembrou de que os Cross possuíam seus próprios quartos ali naquele andar e concluiu que aquele talvez fosse de algum deles.

Deu duas sutis batidas na madeira e aguardou alguma resposta. Aproximou o ouvido da porta, mas ainda assim não escutou ninguém lá dentro. Com um leve dar de ombros, empurrou lentamente a porta para dentro do quarto, e esta revelou um cômodo ligeiramente maior do restante, com paredes pintadas de um lilás claro e repletas de pôsteres e quadros coloridos. Várias mobílias de uma madeira clara exibiam animais de pelúcia, livros, bugigangas e abajures estilizados decorando aquele interior obviamente feminino. Uma cama de solteiro repousava ao canto direito do quarto, ao lado da grande janela da parede oposta à porta – e, na cama, uma grande lombada se formava abaixo das cobertas, que cobriam algo que repousava logo abaixo.

Red rapidamente se viu no quarto pertencente a Spencer Cross, esta aparentemente dormindo embaixo do pesado cobertor. Permaneceu calada por alguns instantes, certificando-se de não ter acordado a menina, então caminhou lentamente em direção à janela, procurando não fazer qualquer ruído mais alto. Estranhou a garota estar ali deitada, dormindo, enquanto a mãe e o avô davam o sangue e o suor para proteger a casa de zumbis – apesar de que protegiam um cachorro zumbi, então deixar a menina dormir parecia uma coisa um pouco menos alienada vinda deles.

Mas a grande claridade que adentrava o quarto também não parecia propícia para um descanso propriamente dito, com as grandes janelas de vidros escancaradas e as cortinas amarrotadas sem piedade aos cantos do batente.

Enquanto se aproximava das janelas, a ruiva distraidamente baixou o olhar para a mesa de cabeceira encostada à cama da menina – e seus olhos verdes se arregalaram lentamente.

Espalhados pelo móvel da menina estavam comprimidos, frascos, ampolas e caixas de remédios – com os mesmos nomes e formatos daqueles encontrados pela ruiva na loja abandonada dos Cross... Os mesmos remédios deixados próximos do cachorro ferido que está sendo guardado em segredo pelos donos da casa.

A garota levou uma das mãos trêmulas a algumas caixas em cima do móvel; percebeu também várias espalhadas pelo chão, em meio a cápsulas e frascos abertos. Analgésicos, antiinflamatórios, antihistamínicos, antibióticos, diversos medicamentos com figuras de animais nas embalagens e princípios ativos de nomes complicados horrorizavam Red cada vez mais. Definitivamente eram os mesmos que encontrara anteriormente na cabana. E definitivamente aqueles do quarto da menina também estavam em uso.

Levantou os olhos para a cama. Spencer continuava estática, sua presença sendo denunciada apenas por algumas mechas loiras que escapavam por baixo do cobertor. Mas algo a mais chamou sua atenção – este não se mexia. Spencer parecia não estar respirando.

A ruiva repousou com pressão uma das mãos sobre o braço coberto da menina, e sacudiu.

– Spencer? – Sussurrou ela, a voz trêmula. – Spencer, você tá acordada?

Não obteve resposta. A menina permaneceu inerte.

– Spencer? Spencer, você tá bem?

As novas sacudidas também não obtiveram efeito. Num ato desenfreado, a ruiva resolveu, então, puxar as cobertas - revelando Spencer Cross deitada de lado sob seu lado esquerdo, com o rosto virado para a parede e as costas para Red. Mesmo de perfil, era fácil identificar que estava demasiadamente pálida, as olheiras fundas circundando os olhos fechados e o rosto encovado enaltecendo a aparência pouco saudável.

Arriscou descer os olhos pelo resto da figura esquálida da menina. A coberta, agora dobrada aos pés de Spencer, revelou um pijama rosa claro de camiseta regata e um shorts largo cobrindo a silhueta magra. E foi ao ver as pernas à mostra da garota que a ruiva deu um passo em falso para trás.

Na altura da coxa direita, próximo ao joelho, estava um imenso curativo. Bandagens amarradas de maneira inexperiente pareciam cobrir um ferimento grande – e que ainda não devia estar cicatrizado, pela ampla mancha de sangue que se espalhava pelas tiras brancas. Sacudindo a cabeça em confusão, a garota se aproximou lentamente da cama e chamou por ela novamente.

– Spencer? Spencer, acorda!

Uma nova e forte sacudida fez a menina ficar com o tronco para cima, seu rosto agora virado para o teto e um dos braços pendidos para o lado. Spencer, no entanto, continuava desacordada.

Tilintares característicos fizeram Red desviar os olhos confusos da menina para o chão a seus pés. Agora, rolando preguiçosamente no piso frio e recentemente caídas da cama – provavelmente graças ao puxão no cobertor e às sacudidas - estavam três ampolas de tamanho médio, vazias, semelhantes às que trouxera a seu irmão da loja dos Cross. Eram ampolas de sedativos, as mesmas ampolas dos fortes calmantes, de uso estritamente veterinário para animais de grande porte, que encontrara em meio as coisas dos donos da casa.

Atordoada, a garota se abaixou para pegar um dos frascos nas mãos e também viu uma seringa ao lado dos vidrinhos. Pequenas gotas brilhantes de um líquido transparente pingavam da ponta da fina agulha conectada à seringa.

Temendo o pior, a ruiva engoliu em seco.

Voltou a se levantar e baixou os olhos para Spencer. No braço direito dela, que ainda repousava inerte, pequenas marcas arroxeadas na dobra do cotovelo serviram de prova conclusiva para a aplicação da seringa em sua pele. Red passou a palma das mãos no próprio rosto e suspirou, abafando um soluço de desespero que se formara em sua garganta.

Fitou com olhos apavorados a menina, que permanecia estática, pálida, com os lábios arroxeados entreabertos, e deu alguns passos trêmulos para trás. Demorou a ligar os fatos que se enroscavam em sua mente; mas finalmente concluiu o que ocorrera ali, com Spencer e o ferimento em sua perna miúda, com Savannah e o cachorro preso na cabana, com todos aqueles remédios e aquela quantidade absurda de sedativos injetados na garota.

E as consequências daquela situação se tornavam cada vez piores, num turbilhão de tragédias e implicações sinistras resultantes daquele clima caótico, que pairava nas vidas e nas ações de todos daquela casa - em especial de seus próprios donos.

Os pensamentos turbulentos entorpeceram a garota. Encostou-se no batente da janela e levou uma das mãos às têmporas, procurando não se deixar levar pelo desespero, pela dor de cabeça agonizante e pelas reviravoltas em seu estômago. Trincando os dentes com força e chacoalhando a cabeça, tentou reorganizar rapidamente as ideias.

Soltou um fraco suspiro e abriu sutilmente os olhos. Pôde ver a espingarda esquecida no chão, poucos centímetros à sua frente, e logo tratou de voltá-la à sua mão - a arma agora parecendo pesar quilos a mais. Fechando os dedos hesitantes sobre o cabo, permitiu que seu olhar vagasse de esguelha para a menina que jazia na cama. Então, com a visão do corpo da menina Cross, a realidade lhe atingira em cheio rápida e bruscamente, como um soco no diafragma.

Uma nova horda de zumbis estava a caminho.

E Spencer estava morta.


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