Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 15
Prece dos Refugiados


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo já devia ter sido postado há mais de uma semana, só que minha internet resolveu morrer por uns tempos.
De qualquer forma, peço desculpas pela (enorme) demora pra atualizar...
Nos vemos ali embaixo. Boa leitura :)



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Localização: Estrada Interestadual 80

7 dias após o Surto.



Três dias haviam se passado desde o encontro fatídico do grupo com a horda de zumbis no 7-Eleven. No entanto, o recente conflito não gerou especulações e longas conversas entre os sobreviventes, já que estes mal falavam a respeito do que acontecera – nenhum se via corajoso o suficiente para verbalizar o medo e a adrenalina que fluíram tão fortes naquela tarde, e que ainda não haviam se apaziguado por completo.

Evitavam ao máximo tocar no assunto, mas era evidente que nenhum havia se recuperado física e mentalmente do ocorrido. Red fora vítima de fortes náuseas durante todo o dia seguinte, não conseguindo ingerir comida alguma por horas seguidas, apesar da fome. O restante do grupo canalizou a ansiedade e o stress cada um de sua maneira, com dores de cabeça, maços de cigarro, choros compulsivos e outros indícios de angústia, mas nenhum parecia ter recebido um abalo físico tão forte quanto a ruiva, que sentia o estômago dar um solavanco a cada minuto.

Apesar do quase fracasso da missão de salvamento de Molotov, todos ainda continuavam vivos. Abalados, mas vivos. Então, depois do susto, decidiram voltar o foco ao objetivo principal do grupo e procuravam deixar de lado a visão horrível daquela maré acinzentada os circundando. Concluíram, unanimemente, que era imprescindível encontrarem um refúgio com mais sobreviventes - quanto maior o grupo, mais facilmente se protegeriam dos mortos-vivos. Para tanto, Road tomou o rumo de uma nova estrada, a Interestadual 80. Esta, segundo Hollywood, era uma das vias de acesso das redondezas que mais facilmente os levaria para o oeste do país, onde todos ainda se agarravam à trêmula esperança de ser a zona menos invadida pela epidemia de gente morta.

A Interestadual felizmente os auxiliou no quesito sobrevivência. Por ser uma larga e – antigamente - movimentada rodovia, ela apresentava diversos hotéis de beira de estrada, redes de fast-food para os que estavam de passagem e outras instalações que poderiam ser de alguma utilidade para reabastecimento de mantimentos e combustível. Graças aos conveninentes estabelecimentos dali, podiam se dar ao luxo de ficarem relativamente despreocupados em questão de provisões por algum tempo. O aproveitamento da estrada poderia ser máximo, em especial pela ausência de mortos ambulantes e sanguinários.




Apesar de constantemente revezarem na direção da caminhonete durante as muitas horas diárias de viagem, a pressa de chegarem a seu indistinto destino não mais os acompanhava com fervor – sabiam que o Surto corria mais rápido do que eles. Resolveram, então, que atravessariam os estados seguintes sem precipitação. A segurança do grupo agora falava mais alto e, depois do encontro imprudente e nada agradável com dúzias de zumbis, permaneciam alertas vinte e quatro horas por dia.

Sam insistia em dizer que, se demorassem muito para chegar ao oeste, não haveria mais nenhuma zona de segurança ou algo do gênero por lá, pois tudo já estaria tomado pela acelerada enfermidade; mas os jovens afirmaram que, pelo menos naqueles primeiros dias após o confronto esgotante de Coparo Hills, precisavam repor ao máximo suas energias – em especial Red, que sequer mantinha-se acordada de fraqueza e mal estar.

Há dias nenhum deles repousava devidamente, somando pouquíssimas horas de sono dormidas à inalterável ansiedade. Marcas arroxeadas se tornaram constantes abaixo dos olhos cansados e os nervos abrasados apenas tendiam a piorar. Graças à fadiga e à angústia, o mau humor ácido de Road Runner e a tagarelice incansável de Hollywood se agravaram de tal maneira que o restante do grupo se convenceu de já ser tempo de pararem e dormirem por longas horas. De nada adiantariam como resistência contra mortos-vivos se mal conseguiam abrir os olhos e só discutiam entre si. Para tanto, escolheram um pequeno, porém bem arrumado, hotel de andar térreo para ficarem o tempo necessário para um revigoramento coletivo.

Arrombaram as portas de dois espaçosos quartos voltados para a estrada. Hollywood e Molotov encontraram a chave de força do hotel e fizeram a energia elétrica voltar a correr por todo o estabelecimento; porém, temendo chamar muita atenção durante a noite, deixaram apenas as luzes dos cômodos e do estacionamento à frente acesas. As duas garotas e Sam se instalaram num dos quartos e os três rapazes ficaram no quarto vizinho.

Como cada aposento possuia apenas duas camas de solteiro, e a necessidade de maior segurança agora pesava nas costas de todos, resolveram fazer turnos de vigilância em dupla – enquanto quatro dormiam pesadamente nos macios colchões, dois se sentavam ao lado de fora, ao lado das portas e próximos da caminhonete estacionada, com armas a postos e conversa para ser jogada fora durante a vigília. Nenhuma movimentação suspeita ou aparição repentina de zumbis deram o ar da graça na madrugada e muito menos pelo restante do dia, mas nem por isso a atenção de qualquer um dos sentinelas fora abalada.

Por fim, as horas de sono bem aproveitadas, e as refeições fartas da cozinha arrombada do hotel, resultaram em dois dias de repouso muito bem vindos aos ânimos e esperanças de todos. Aproveitaram a pausa para lavarem as roupas incrustadas de sangue e fizeram o devido proveito das duchas de água morna dos banheiros dos quartos; mas sabiam, com muito pesar, que dificilmente voltariam a tomar banhos tão decentes quanto aqueles.

Completamente renovados, devidamente abastecidos e descansados, partiram, enfim, do hotelzinho de estrada e voltaram a seguir viagem pela Interestadual 80.






Localização: Estrada Interestadual 80

9 dias após o Surto.



– A gente devia descansar um pouco. – Disse Road Runner, bocejando abertamente e sacando um cigarro do painel na caminhonete. – Pelo menos o suficiente pra gente continuar viajando o restante da tarde.

Todos concordaram murmurando, sonolentos. A Ford Ranger encostou ao acostamento da estrada, próxima de um conjunto de árvores com copas frondosas que exibiam largas sombras no asfalto.

Sam estava no banco do carona, pela primeira vez desde que se juntara aos jovens. Havia se encolhido no estofado, apoiando a cabeça no encosto e fechando os olhos cansados. Sentia vez e outra algumas pontadas no ferimento de sua barriga, mas já estava quase curado. Provavelmente ficaria com uma bela cicatriz, mas nenhuma sequela ou consequencia aparente fora causada pelo machucado. As dúvidas quanto ao garoto transformar-se em zumbi por conta de lesão já não preenchiam mais as mentes tumultuosas dos jovens, já que o menino não exibia sintomas para tal, para alívio geral.

Já os arranhões superficiais no antebraço de Molotov foram alvo de muitas especulações – e ainda não haviam perdido a importância durante as conversas conspiratórias e planejamentos do grupo de sobreviventes. O rapaz afirmava que mal sentia os pequenos ferimentos e não exibia nenhuma manifestação física devido ao contato da morta-viva com sua pele. Além disso, estava sendo devidamente medicado, com direito a anti-sépticos constantes nos machucados e curativos com gaze, tudo ministrado meticulosamente por Germany e Hollywood.

O moreno, deitado na caçamba e em meio a malas e sacolas, tinha como companhia o rapaz loiro, que se sentou ao lado contrário, com uma espingarda repousando no colo e o binóculo em mãos. A sombra que uma grande árvore fazia acima deles refrescou o ambiente o suficiente para descansarem comodamente e sem riscos de insolação pelo calor abrasante daquele início de tarde.

Red e Germany, nos bancos traseiros, trocavam palavras em tom baixo. A ruiva pegou um iPod de sua mala, partilhando do fone de ouvido com a amiga, e as duas passaram a comentar sobre músicas. Após alguns minutos de conversa, perguntaram a Road se ele não queria que alguma delas dirigisse para ganharem tempo, mas receberam uma negativa do rapaz.

– Acho que a teimosia é de família. – Riu Germany, recebendo olhares repreensivos dos dois ruivos.

– Só vamos ficar aqui uma meia hora, no máximo. – Disse Road, se ajeitando no banco e jogando o resto de cigarro pela janela. – Daí voltamos pra estrada e em mais algumas horas chegamos a Utah.

– Utah? O que a gente vai fazer lá? – Retrucou Red, retirando seu lado do fone de ouvido da orelha.

– Só vamos passar pelo estado, mana. É o caminho mais rápido pela 80. E depois é só seguir oeste por alguma outra estrada.

– Sempre quis ir pra Califórnia! A gente podia parar lá. – A ruiva abriu um largo sorriso para o irmão.

– Tanto faz. – O ruivo deu de ombros, observando a paisagem pelo vidro dianteiro da caminhonete. – Contanto que não esteja toda tomada pelos bastardos também... O que eu particularmente acho bem difícil.

Com um expressivo bocejo, o ruivo encerrou o assunto, cruzando os braços e cerrando os olhos. A ruiva voltou a se concentrar em seu iPod enquanto Germany remexia em alguma coisa a seus pés. Retirando um cantil d’água de uma mochila, a morena abriu sua porta do veículo e recebeu um par de olhos verdes confusos em sua direção.

– Aonde você vai, Ger? – Perguntou Red.

– Dar uma volta, esticar as pernas. Não aguento mais ficar sentada por tanto tempo.

– Não é perigoso? – Sussurrou a outra.

– São quatro da tarde, Red, com um puta sol forte no meio de uma estrada deserta. Não vai acontecer nada, relaxa, e garanto que dá pra ver se algum zumbi estiver se aproximando.

– Chama um dos dois ali atrás pra ir com você. O Molotov! Chama o Molotov pra te acompanhar.

– Red, fica sossegada, está bem? Eu já volto.

Com um breve sorriso, a morena se despediu de Red Rock e fechou a porta da Ranger.

Caminhando por entre algumas árvores ali próximas, Germany dava longos goles da água do cantil e desviava os olhos por tudo ao redor. Os hotéis de beira de estrada e restaurantes perdidos no meio do caminho já não eram tão abundantes, e naquela região onde se encontravam havia apenas uma espécie de cabana que repousava à beira do asfalto e uma grande casa num largo descampado, os dois a alguns quilômetros à frente. Curiosa e ressabiada ao mesmo tempo, a morena andava com passos lentos em direção ao primeiro estabelecimento, sabendo que nenhum dos outros jovens permitiria que ela o explorasse sozinho ou que sequer se afastasse muitos metros da caminhonete.

Logo desviou sua atenção para o campo; este ficava num nível mais baixo da estrada, numa espécie de vale, com algumas formações de árvores. Ele contornava toda aquela porção da Interestadual 80. A grande casa de dois andares da campina se encontrava perto dos arvoredos, e uma pequena trilha de lajotas entre ela e a choupana era visível mesmo daquela distância. Com um levantar de sobrancelhas, Germany concluiu facilmente que as duas habitações estavam ligadas de alguma maneira.

Parou de andar instantaneamente assim que avistou a porta da casa maior sendo aberta. Não conseguia identificar de imediato quem - ou o quê - saía do lugar, mas logo viu se tratar uma pessoa de cabelos compridos, provavelmente uma garota. A figura caminhava em direção ao rústico prédio da estrada, com passos acelerados e aparentemente atentos ao seu redor. A morena apertou o passo. Aquela pessoa não parecia se comportar como um morto-vivo; quem sabe não era outra sobrevivente? Ainda se encontrava longe das duas casas, mas imaginou que a desconhecida logo a avistaria se aproximando – torcia apenas para que não fosse confundida novamente com um zumbi.

Então a menina parou de súbito, parecendo fitar exatamente onde Germany se encontrava. “Por favor”, pensou a morena, “não seja um deles!”. A garotinha logo se pôs a correr de volta para a casa, adentrando-a com pressa e sobressaltando brevemente sua observadora. Ela realmente devia ser humana. Com um arfar de esperança, voltou a passos rápidos para a Ford Ranger, abrindo de brusco a porta de seu banco traseiro.

– Red! Road! Vocês não vão acreditar!

Os três passageiros de dentro da caminhonete levantaram os olhos surpresos para a garota.

– Acho que encontrei mais pessoas!

– Pessoas vivas? – Sam perguntou de supetão, esfregando os olhos sonolentos.

– Sim! – Sorriu Germany.

A morena logo correu para a caçamba, apoiando as mãos na lataria morna e cutucando a perna de Hollywood, tentando acordá-lo.

– Ei, vocês dois, vamos, acordem! Tem mais sobreviventes por aqui, numa casa enorme bem perto, eles podem nos dar abrigo!

Hollywood se sobressaltou e arregalou os olhos para a garota. Molotov apenas se espreguiçava lentamente.

– Mas o que faz você pensar que eles vão nos abrigar? – Perguntou o moreno, sua voz transparecendo um mal humor sonolento. – Vão nos receber com armas em nossas cabeças, aposta quanto?

– Porque não nos abrigariam?

– Somos estranhos para eles, Ger.

– Somos refugiados, Molotov! E eles também devem ser! Estamos todos juntos nessa, precisamos nos proteger, caramba! – A garota gesticulava, evidência de sua crescente irritação.

– Tem gente que não pensa assim. Somos muitos, talvez nem queiram dividir a comida com a gente!

– Não vamos tentar roubá-los igual vocês dois tentaram fazer! – Exaltou-se Germany, sua breve animação agora dando espaço à incredulidade e impaciência perante as afirmações do rapaz. - Pelo menos eu não pretendo utilizar desse artifício, sei pensar um pouco mais nas coisas antes de sair por aí fazendo bobagem!

Molotov levantou uma sobrancelha, a rispidez nas palavras cuspidas por ela resultando numa pontada pérfida em seu orgulho. O olhar que trocava com a morena faiscava, e não exatamente das mesmas faíscas de ultimamente.

– É bom se acalmarem antes que se ataquem na jugular. – Disse Hollywood, apático e balançando negativamente a cabeça. – Depois eu que falo demais. – Murmurou ele, observando a casa pelo binóculo. – Hm, também tô vendo uma movimentação no casarão!

Com um último e rápido encontro de olhos acirrados, os dois morenos cortaram o seco contato, a garota voltando para seu assento traseiro no veículo e o rapaz puxando o revólver de seu bolso para carregá-lo.

– ‘Lógico, Ger, vamos ver sim o que tem lá, qual o problema nisso? Aliás, meus parabéns, além de tudo você é linda, perfeita, prestativa e eu serei eternamente grato a você!’ – Gesticulou Hollywood, numa imitação debochada do outro. – Mas não, né, Molotov.

– Cala a boca.

– Porque o mau humor, afinal?

– Não tô de mau humor.

– Imagina se estivesse. – Disse o loiro, levantando uma sobrancelha. - Se você tá emburradinho, não desconta na sua namoradinha, ainda mais porque ela sabe peitar você.

– Namorada o caralh...

– Tá, tá, já entendi. Você odeia ela, então? Se for, olha, você anda escondendo esse ódio bem até demais.

– Eu não... Ela... Eu... Ah, não te devo satisfação nenhuma, Hollywood. – Bufou o moreno, passando a mão pelos cabelos.

– Adoro quando você tropeça nas palavras. Só confirma mais minha opinião. – Hollywood abriu um sorriso malicioso.

– Foda-se sua opinião.

– Uau, agora vamos apelar pro amiguinho também? Que bicho te mordeu, gracinha? – O loiro fez uma careta de escárnio. – Foi algum zumbi que a gente não tenha visto?

– Chega de brincadeiras ou eu quebro a sua cara, seu idiota! – Grunhiu Molotov, rangendo os dentes e apertando os dedos ao redor do revólver.

Hollywood ria debochada e abertamente e o moreno apenas bufava, irritadiço. Sentia seus ânimos cansados e abrasados, e secretamente desejou que realmente conseguissem um abrigo na suposta casa que Germany encontrara. Mas seu humor turbulento o contrariou, somou-se ao cansaço e falou mais alto, soando grosseiro à última pessoa a qual ele gostaria de afrontar. Ambos falhavam em paciência e tolerância, um tão doce e comedido quanto o outro, fazendo deles muito semelhantes; e por isso ela o respondia à altura. Com um último suspiro, ainda ao som dos risinhos irônicos do loiro próximo de si, o moreno prometeu a si mesmo que conversaria com a garota, com ou sem redenção ou correspondência de sentimentos. Esse último pensamento o fez engolir inconscientemente em seco.

A Ford Ranger se aproximava gradativamente da cabana da estrada. Sam e Road Runner permaneciam desconfiados, ainda não descartando totalmente a possibilidade de haverem zumbis ali, ou da própria garota que Germany vira ser um deles. Já a ruiva esbanjava animação, elogiando a casa grande logo atrás, imaginando que talvez passassem a noite ali e se havia a possibilidade dos donos conhecerem outros locais que abrigavam sobreviventes.

Road dizia algo sobre a irmã estar aprendendo a ser tagarela com Hollywood no momento em que a caminhonete foi estacionada à frente da pequena casa campestre da beira da estrada. Evidentemente ela se destoava do restante dos estabelecimentos que encontraram pela Interestadual 80, já que era quase inteiramente de madeira, com uma pequena varanda repleta de cadeiras rústicas de balanço à venda e itens de pesca pendurados ao lado de uma pequena janela. Aparentava um local destinado àqueles que fossem pescar, caçar ou morar pelos arredores bucólicos, provavelmente como os donos da casa a poucos metros dali.

– Será que tem alguém aí? – Perguntou Red Rock, os olhos grudados na porta de tela da pequena cabana.

– Deve estar vazia. – Respondeu Road, tentando acender o cigarro entre seus lábios.

– Eu juro que vi uma menina! – Proferiu Germany, remexendo-se, irrequieta, em seu banco. – Não é possível que ela seja um zumbi.

– Você disse que a loja tá ligada com a casa aí embaixo não é? – A ruiva tornou a olhar para a outra garota.

– Sim. Os donos devem morar na fazendinha ali de baixo.

– Então vamos lá falar com eles! – Manifestou-se Sam, desviando o olhar para as duas.

– Vocês por um acaso se esqueceram do que aconteceu da última vez que fomos precipitados? – Grunhiu o ruivo, soltando uma baforada de fumaça pela janela entreaberta.

– Estamos mais atentos dessa vez, mano. – Retrucou Red. – Não custa apenas dar uma olhada.

O rapaz revirou os olhos e permaneceu calado, em uma silenciosa repreensão quanto à curiosidade da irmã. As duas garotas rapidamente saltaram da caminhonete, chamando a atenção dos jovens na caçamba.

– O que vão fazer? – Perguntou Hollywood, pondo-se de pé.

– Ver se tem alguém lá dentro!

– Vocês são desmioladas, sabiam? – O loiro cruzou os braços e olhou para Molotov. O moreno apenas deu de ombros, ainda contrariado.

Andando a passos rápidos, Germany e Red recebiam em suas costas os olhares dos integrantes masculinos do grupo de sobreviventes, todos atentos e a postos para o caso de possíveis zumbis saltarem da loja e rastejarem em direção a elas.

Observaram a variedade de objetos rústicos à venda pela pequena varanda e as grandes varas de pescar encostadas ao lado da porta de tela. O pouco que conseguiam vislumbrar do interior relativamente escuro da loja apenas reforçava a quantidade de quinquilharias encaixotadas e espalhadas pelo chão de madeira envelhecida que devia ter ali. Encostando os narizes na tela empoeirada, as duas garotas vasculharam rapidamente com os olhos se alguém se encontrava ali dentro.

– Acho que não tem ninguém. – Sussurrou Red.

– Olha, tem outra porta ali atrás. – Apontou a morena para outra saída, na outra extremidade da cabana. – Deve ser a que vai pra casa.

– Parece que estão mais do que preparados para a temporada de caça e pesca... – A ruiva desviava os olhos por todos os objetos que conseguia identificar. – E pra morar em uma casa do interior também.

– Ei, vocês!

Uma voz enrouquecida pairou à direita das garotas, sobressaltando-as ao mesmo tempo. Repousando ao lado da cabana, aos pés da varanda, estava um senhor de pouco mais de sessenta anos, com um semblante ranzinza por baixo da espessa barba grisalha; diferindo do topo calvo de sua cabeça. As rugas profundas na testa cerrada minimizavam ainda mais os pequenos olhos castanhos, desprovidos de quaisquer óculos de grau. As roupas simples e interioranas do velho serviram para a rápida conclusão dele ser das redondezas, e possivelmente o dono dali.

A grande espingarda, com a extremidade do cano apoiada no solo ao lado dos pés do homem, rapidamente chamou a atenção de Germany e Red Rock.

– O que vocês querem, seus zumbis malditos? Saiam daqui ou encho vocês de balas igual da última vez! – O sotaque sutil foi seguido de um pigarreio e do alçar da arma à altura do ombro do idoso.

– Não, espere! – Exaltou Red, elevando as mãos abertas à sua frente. – Estamos vivas, não atire na gente!

– Não somos zumbis!

– Arre, não são mesmo! A menos que aqueles merdas tenham aprendido a falar. – O homem soltou um muxoxo de desdém. - Mas não tem como vocês não serem zumbis! – O velho levantou uma das grossas sobrancelhas. – Quem mais estaria por essas bandas? Impossível mais sobreviventes virem pra cá!

– Mas nós somos sobreviventes! Ali tá o resto do nosso grupo! – A ruiva apontou para a caminhonete a poucos metros dali. O homem desviou relutante o olhar para os garotos que o encaravam com igual incredulidade. – Estamos viajando há dias e você é o primeiro sobrevivente que encontramos além de nós.

– Você e uma menina! – Continuou Germany, sem desviar os olhos da espingarda que continuava elevada. – Vi uma menina na casa ali de baixo, por isso viemos investigar.

– Uma menina, é? – Resmungou o velho, voltando a encarar as garotas. – Minha neta, vocês querem dizer. Foi ela que me avisou que viu uma pessoa perambulando por aí... deve ter sido uma de vocês. Ela pensava que era um dos andarilhos sem cérebro e foi me contar.

– Eu a vi saindo da casa e...

– Chega de papo! – Grunhiu ele, abaixando ligeiramente a arma, mas não perdendo o semblante enrijecido. – O que vocês querem afinal, hein?

As duas garotas se entreolharam, confusas. Realmente não foram recebidas da maneira como imaginavam, e Molotov pareceu prever a reação do dono dali. De qualquer forma, ainda tinham esperanças de que pudessem conseguir ajuda com aquele velho rabugento. Escutaram a Ford Ranger se aproximando um pouco mais da cabana, com o barulho de cascalhos sendo esmagados abaixo dos grossos pneus. O velho voltou a encarar a caminhonete, com ainda mais mau humor em seus olhos.

– Um bando de hormônios ambulantes, que maravilha. – Murmurou para si mesmo.

– Nós... gostaríamos de saber se o senhor poderia nos dar abrigo por uns dias. – Arriscou Germany, se aproximando lentamente da beirada da varanda, em direção ao homem.

– Abrigo? – Ele a fitou por uns instantes, levantando uma sobrancelha.

– Estamos viajando a um tempão e um descanso seria bom. – Red sorriu fracamente, visivelmente intimidada pela rispidez do novo sobrevivente.

– Descanso. – Repetiu o homem, como se matutando seriamente sobre as palavras.

– Ora, não é que tem mais gente mesmo? – A voz de Road se vez ouvir próxima do velho. Uma fraca fumaça saía de seus lábios acompanhando as palavras, e o homenzinho pareceu ainda menos amigável ao avistar o cigarro. Os outros jovens e Sam saíam da caminhonete para também se aproximarem. – Então, senhor...?

– Frank. Frank Cross. – O velho elevou o nariz em sinal de superioridade, tentando evitar a queda de sua presunção e desprezo diante daquelas figuras altas e joviais.

– Frank. Nós...

– Senhor Cross pra vocês, ruivo. – Resmungou o velho. Road sentiu um pequeno espasmo irritadiço em sua sobrancelha e crispou os lábios.

Senhor Cross. - Disse o rapaz, entre dentes. - Como minha encarecida irmã já lhe disse, estamos viajando há dias e precisamos de um repouso merecido para terminarmos mais rápido a travessia do país em direção ao oeste.

– O que tem de tão bom no oeste afinal? – Frank cruzou os braços, a espingarda pendendo de uma de suas mãos.

– Segurança. – Disse Hollywood, se aproximando com um largo sorriso. O inalterável semblante aborrecido de Cross não pareceu abalá-lo. – O Surto de zumbis começou no leste do país, então imaginamos que pra lá da costa existem mais sobreviventes.

– Vocês são loucos se pensam que vão encontrar mais gente lá. – O homem soltou um muxoxo debochado.

– Encontramos você, não foi? – Manifestou-se Sam, com tamanha inocência nas palavras que pegou todos de surpresa. Frank calou-se por alguns instantes, e Road também encarou o menino com certa incredulidade. – A gente vive pensando que não vai haver mais ninguém, mas sempre encontramos mais pessoas.

– Felizmente, né. – Murmurou Red.

– Então as crianças querem abrigo? Comida, cama, banho e tudo o mais?

– Seria ótimo se o senhor concordasse. – Germany se aproximou com Red do restante do grupo e dirigiu-se a Frank. – Temos nossas provisões, caso prefira não dividir as suas.

– Acho que tem dinheiro na caminhonete também. – Manifestou-se finalmente Molotov, recebendo um olhar misto de confusão e apatia de Germany.

– Não quero o dinheiro de vocês. – Proferiu Frank, cofiando a barba e desviando os olhos por todo o grupo. – Prefiro que me ajudem com trabalho.

– Trabalho? – Perguntou Sam.

– Sim. Vigilância, segurança na casa, carregar mantimentos, essas coisas. Não pensem que ficarão aqui a troco de nada. – O velho levantou uma sobrancelha e alguns jovens se entreolharam.

– Nunca passou por nossas cabeças. – Road abriu um sorriso amarelo.

– Vocês tem armas? – Frank fitou a caminhonete repleta de malas e sacolas na caçamba.

– Algumas. – Disse Hollywood. – De fogo, brancas, incendiárias, essas coisas.

– Incendiárias? – O homem olhou com desconfiança o loiro a sua frente. – Vocês andam metendo fogo na fuça dos zumbis?

– Mais ou menos. – Molotov sorriu brevemente.

– Fedelhos de hoje em dia e suas ideias mirabolantes... Bom, se vocês tem suas armas, então ótimo. – Frank começou a caminhar lentamente, dando as costas para a estrada e a caminhonete. – Temos bastante munição aqui, podemos compartilhar. – Ele passou a contornar a cabana dos artigos rústicos e parecia se dirigir para o terreno atrás dela. Ele lançou um olhar por trás do ombro. – Estacionem a caminhonete onde acharem necessário, mas saibam que, se acontecer alguma coisa com ela, não será problema meu.

E com isso, Frank Cross sumiu rapidamente de vista, sendo encoberto pela visão da cabana. Alguns segundos de silêncio pairaram entre o confuso grupo de jovens sobreviventes.

– Que cara... simpático. – Disse Molotov, levantando uma sobrancelha.

– Um belo atendimento às nossas preces! – Riu Hollywood, desgostoso.

– Pois é, mas não estamos em posição de gostar ou não. – Proferiu Road, recebendo um silêncio de conformação em resposta. Voltou-se à irmã e a cutucou no braço. - Vem, Red, vamos estacionar a Ranger. E vocês já podem ir descendo.

Os outros assentiram, caminharam ao redor da choupana e avistavam o largo descampado povoado apenas pela grande casa de fazenda do senhor Cross. Os dois irmãos logo passavam por eles com o veículo, estacionando próximo do pequeno jardim de entrada.

– Não é exatamente o tipo de pessoa que eu esperava encontrar. – Manifestou-se Hollywood, observando o casarão à frente.

– Como assim? – Perguntou Sam, desviando o olhar para o loiro.

– Ele esperava alguém mais... receptivo, Sam. Alguém realmente disposto a ajudar, ou que pelo menos fosse mais complacente conosco. – Respondeu Germany, com certo aborrecimento nas palavras. – Eu também esperava isso. Mas pelo visto – ela voltou os olhos para Molotov e abriu um sorriso sombrio – eu me enganei.

O moreno levantou as sobrancelhas, percebendo a reação da garota. Tentado a retrucar algo para ela, desta vez pretendendo dizer-lhe que não se vangloriava da suposição e apenas que fora um completo idiota, o rapaz entreabriu os lábios, mas nada disse. Temia ser um momento inoportuno, mesmo que para um pedido de desculpas. E a presença de um inconveniente Hollywood, com suas risadinhas irônicas e comentários inconvenientes, com certeza arruinaria a veracidade de seu arrependimento.

Ele sabia, no entanto, que, com a mudança de planos incluindo uma rápida parceria com Frank Cross em sua enorme e protegida casa, teria algum tempo para reorganizar as confusas ideias sobre a garota. Como passariam alguns dias lá, teria também oportunidades o suficiente para conversar à vontade com ela, sem estar acompanhado vinte e quatro horas por dia de quatro bisbilhoteiros.



O silêncio voltou a pairar entre os andarilhos, e estes agora apenas sustentavam os olhares no casarão à frente. Era uma grande casa de dois andares, típica de nobres fazendeiros de cidades interioranas. Um pequeno – porém mal cuidado – jardim se depositava por alguns metros quadrados próximos da varanda, e um jipe estava estacionado à esquerda da construção.

Ali não havia sinais de conflitos com zumbis, sem nenhuma evidência de sangue, corpos ou algo do gênero, mas certamente aquela casa parecia pronta para receber uma horda a qualquer momento - a quantidade de janelas vedadas por pesadas proteções de ferro chamaram a atenção de todos. Arames farpados se espalhavam pelo parapeito da varanda, e algumas armadilhas enferrujadas para ursos jaziam na terra arenosa – estas últimas assustando terrivelmente o pequeno Sam. Era visível que Frank Cross estava em processo de preparação da casa contra os visitantes indesejados.

Sentindo os cascalhos diminutos da trilha de entrada chiarem abaixo de seus pés, o grupo pôde ver os dois ruivos também se aproximando da varanda e um senhor Cross os esperando de braços cruzados entre os batentes da porta. A cara de poucos amigos do velho permanecia intacta, com os olhos transbordando impaciência e desconfiança.

Atrás da atarracada figura senil de Frank, surgia uma silhueta que gradativamente tomava forma e cores à luz daquela iluminada tarde. Uma mulher de meia idade, com cabelos loiros escuros até os ombros e uma grande quantidade de sardas nas bochechas coradas logo prostrou-se ao lado do homem, sorrindo para cada um dos jovens e formando um contraste gritante com o semblante de Cross.

– Então é verdade! – Falou a mulher, limpando as mãos em um pano de prato. Caminhou por entre a porta e parou na varanda. Não era tão mais alta do que o velho, vestia-se com roupas largas e simples e botinas de couro. Apesar das destoantes emoções em seus rostos, ela e Cross eram muito parecidos. – Não acreditei quando Spencer me contou! – Continuou ela, aparentemente se dirigindo a Frank, mas sem tirar os olhos brilhantes do grupo.

– Minha filha, Savannah. – Disse o velho para os outros, com indiferença. – Spencer é minha neta, a menina que viu vocês. Agora venham, preciso da ajuda dos rapazinhos aí, temos muito trabalho pela frente! - E com isso, Frank soltou um muxoxo irritado e adentrou a casa.

– Não liguem para ele. – Disse a mulher. – Ele nunca foi de muitos sorrisos, e agora as coisas parecem ter piorado, com tudo isso acontecendo...

– Nós sabemos como é. – Disse Germany, abrindo um triste sorriso. – Obrigado por nos acolherem.

– É o mínimo que podemos fazer! – Savannah continuava a sorrir. – Se não tivéssemos tanto espaço, aí seria um problema... mas essa antiga casa vem sendo usada por minha família como pousada para viajantes há anos, então temos quartos de sobra. Venham, entrem! Vou terminar de preparar o jantar, estão mais do que convidados a comerem conosco!

A mulher fez um gesto com as mãos, enfatizando o convite para a entrada na grande pousada. Os jovens se entreolharam; Red e Sam abrindo sorrisos, Road dando de ombros e Hollywood suspirando, aliviado, por pelo menos um dos moradores dali tê-los tratado um pouco melhor. Germany e Molotov trocaram rápidos olhares, e nada mais. O grupo agora se recolhia mais uma vez antes de seguir viagem pela Interestadual 80, com uma pontada a mais de esperança nos pensamentos turbulentos.

A rapidez com que encontraram mais sobreviventes, especialmente naquela porção afastada da estrada, serviu como um forte estímulo aos ânimos, independente da reação do ranzinza Frank. No entanto, sabiam que não poderiam contar sempre com sorte e coincidências – as coisas pareciam tomar rumos melhores, mas a lembrança da situação atual ainda os amedrontava seriamente. A morte agora os espreitava por todos os cantos, e baixar a guarda poderia ser fatal. Apesar de protegidos pela nova casa, as ameaças eram uma constante - e eles estavam a poucas horas de serem lembrados disso.


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Notas finais do capítulo

(iPod e a marca Apple não me pertencem!)
Digam olá à família Cross, mais três sobreviventes na história.
Vamos passar os próximos capítulos com eles, e garanto pra vocês que muitas coisas vão acontecer naquela casa... hehe.
Agora sim os dias na história estão passando... Peço a vocês que prestem atenção nessas pequenas notas em itálico que eu sempre coloco entre os capítulos, as que mostram a localização e o tempo transcorrido; ele terá certa importância lá na frente.
Bom, a próxima atualização não vai demorar mil anos, prometo, haha!
Até!