Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 14
Fuga


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura (:



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Localização: Estrada nos subúrbios

4 dias após o Surto.


Road se aproximou do vidro que separava a caçamba da caminhonete dos bancos traseiros, agachou-se e deu leves pancadas nele, ainda fitando os mortos que grunhiam em sua direção. Logo pôde ver Sam o encarando de dentro do veículo com um semblante mortificado. O rapaz apontou para a morena no banco do carona e o menino anuiu brevemente.

Agora fitando a meia dúzia de pessoas que, sem sucesso, tentavam escalar a caçamba, o ruivo sentiu leves pontadas no maxilar travado, de tanto que trincara os dentes em tensão nos últimos minutos. Sua irmã estava presa em um mercado transbordando de pessoas famintas por carne fresca e pouco provavelmente sairia com vida de lá se não tomasse alguma atitude rápida. O ruivo prontamente concluiu que não escapara de seus próprios pais mortos para a irmã ser capturada por zumbis no meio de uma cidadezinha amaldiçoada poucos dias depois.

Desferiu mais alguns tiros e voltou o olhar para os passageiros ali de dentro, encontrando os olhos arregalados de Germany em um azul de profunda agonia. Fazendo gestos com a mão livre, Road apontou para a garota, para o volante e para o 7-Eleven, torcendo para que ela entendesse sua mímica medíocre. Ela apenas o fitou por alguns segundos, como se incrédula perante o pedido, mas compreendeu exatamente o que ele pretendia, concordando rapidamente com a cabeça.

Satisfeito com o aparente rumo que seu plano tomava, o rapaz respirou fundo e voltou a atirar contra os mortos-vivos dali. A quantidade de gritos guturais e lamúrias roucas que circundavam a caçamba apenas contribuíam para o tremor que ele sentia nas pernas, mas nada parecia corroer mais sua sanidade quanto as possibilidades de perder a irmã caçula e de permanecer mais tempo sem sacar um cigarro do bolso da calça jeans.




– Ger, o que vocês vão fazer?! – Exasperou Sam, sem desgrudar os olhos de um adolescente enfurecido que exibia os dentes avermelhados para o menino ao lado de fora.

Germany franziu o cenho. Fechou a brecha de sua janela, voltou a apoiar as costas no estofado e esgueirou-se para sua esquerda, tentando se ajeitar para ir ao banco do motorista. A espingarda ainda balançava em uma de suas mãos, enquanto ela procurava trazer suas pernas para junto do corpo e sentar-se corretamente à frente do volante.

– Vamos tirar Molotov de lá e depois todo mundo daqui! - Respondeu ela, enfim, engatando o cinto de segurança e dando partida na caminhonete. Fitou o 7-Eleven por alguns instantes e respirou fundo. - Só espero me lembrar como se dirige uma joça desse tamanho.

Um baque a seu lado a sobressaltou e ela viu uma mulher de meia idade e um rapaz de pele macilenta se jogarem contra a porta traseira esquerda, exibindo sorrisos macabros e os rostos respingados de sangue. Sam soltou um arfar esganiçado e a garota abafou um grito, girando a chave no contato com violência e colocando a Ford Ranger em movimento.

– E o Road?! – Gritou Sam, se virando no banco para olhar o ruivo lá atrás. O rapaz continuava em pé, se segurando numa das hastes laterais da caçamba e tentando mirar o rifle, com uma das mãos, nos zumbis que o rodeavam.

– Torça para ele não cair! – Disse ela, lançando um rápido olhar pelo espelho retrovisor.

Germany acelerou e atropelou dois homens que arranhavam o capô da caminhonete. Fincou os dedos no volante e franziu o cenho, dirigindo num misto de ferocidade e desajeito pelos metros que distanciavam o mercado do local onde a Ranger estava parada anteriormente. Road vociferou alguns palavrões pela brusca partida e por quase ter sido lançado para fora da caçamba, mas logo passou a rir abertamente, fazendo gestos obscenos aos zumbis que eram deixados para trás e que grunhiam em uníssono para a refeição ambulante. A morena observou-o por alguns instantes pelo retrovisor e levantou uma sobrancelha, surpresa com a reação do carrancudo Road Runner.

Aproximando-se do local crítico e borbulhante de zumbis, ela desviou para a direita, tentando se afastar da estrada, do cemitério de carros e do mercado. Pôde ver um breve olhar confuso de Hollywood de cima do Toyota preto e uma porção de cabelos alaranjados na lateral do 7-Eleven, atirando em alguns mortos ali de perto. Germany tentou evitar um arfar desolado, mas não teve sucesso – Red escapara, mas aparentemente Molotov ainda estava lá dentro. Freou a caminhonete com pressa e logo viu Road saltando da caçamba e correndo em direção ao carro do loiro com o Winchester em mãos.

– Ger! – Chamou Sam, estridente.

– Fique aqui, Sam! – A garota escancarou a porta do motorista e saltou para fora da Ranger, deixando a caminhonete ainda ligada e um menino choroso e desolado no banco traseiro.

Uma senhora de uns setenta anos, com os lábios rachados e fios de sangue escorrendo pela testa bem demarcada de linhas de expressão, se aproximou cambaleante pela direita do veículo e esticou as mãos à frente, tentando agarrar a morena próxima de si. Germany arregalou os olhos para ela e logo desferiu um assustado tiro, acertando a morta-viva no queixo. A cabeça da mulher foi jogada para trás com o disparo e logo o corpo atarracado caiu com um baque ao lado da morena. Ligeiramente trêmula, a garota viu mais deles se aproximando, mas que logo recebiam diversos tiros nas costas e caiam inertes à sua frente. Levantando os olhos alarmados, pôde ver Hollywood sorrindo sutilmente para ela e baixando o revólver. Com um agradecimento mudo, ela acenou com a cabeça para ele.

Desviou o olhar para dentro da caminhonete e viu Sam a fitando de volta, lívido e assustado. Despediu-se do menino com um breve sorriso e correu em direção a Red Rock.




Red cessou fogo ao ver a Ford Ranger estacionando poucos metros distante do mercado. A visão de seu irmão saltando da caçamba e correndo em direção à Hollywood confundiu a garota quanto ao que sentir naquele momento; se alívio pelos reforços e pelo ruivo não estar – ainda – ferido, ou se desespero por ele se prostrar irresponsavelmente, sem nenhuma cobertura, em meio a tantos mortos-vivos.

Decidida, então, a continuar ajudando os outros jovens a abrir espaço para resgatarem Molotov, a garota saltou de seu esconderijo e atirou em mais três zumbis ali próximos. Pôde ver que Road a fitou brevemente com os olhos arregalados, mas que logo lhe sorriu abertamente. Ruídos abafados de tiros à sua direita fizeram a ruiva desviar os olhos inconscientemente para o mercado a seu lado. Molotov resolvera enfrentá-los, então. “Merda”. Ela mordeu o lábio e firmou o punho na arma – precisariam fazer tudo às pressas agora, ou o moreno seria rapidamente devorado pelas dúzias de pessoas mortas que estavam lá dentro. Voltou a fitar a estrada à sua frente e a euforia assustadora que acontecia ali.

Os corpos já caíam aos montes pelo asfalto escaldante, formando pilhas de carne acinzentada, sem vida e marcada por buracos de balas ou cortes profundos da lâmina do machado de Hollywood. O cheiro de morte, misturado ao de sangue exposto ao sol forte, beirava o insuportável, e a visão daquela porção da estrada de Coparo Hills não estava exatamente agradável aos olhos. Diversas vezes Red sentiu seu estômago reclamar da situação, enviando o gosto amargo de bile para a garganta da garota, mas ela se manteve forte. Teria tempo o suficiente para náuseas depois que todos saíssem dali com vida.

De certa forma, estavam conseguindo algum sucesso naquela empreitada e com certeza não causariam desapontamento se algum grupo especializado em extermínio em massa os estivesse observando; porém, a quantidade de zumbis era gritante. Em poucos minutos os jovens não teriam mais balas, e o restante de munição que possuíam nas malas dentro do 7-Eleven e na caminhonete não seriam o suficiente contra aquela horda gigantesca. Já era uma conclusão coletiva que não adiantaria tentarem aniquilar todos aqueles mortos, mas sim apenas o necessário para o salvamento de Molotov – mesmo que esse necessário incluísse dezenas deles.

Mais tiros abafados apenas contribuíram para o aumento de apreensão da garota. Molotov com certeza havia perdido qualquer fio de bom senso ao pensar que conseguiria dar conta, sozinho, dos que estavam lá dentro.

– Red!

Ouviu seu nome pairando em meio aos grunhidos e disparos estridentes e viu Germany se aproximando rapidamente com a espingarda em mãos. A ruiva permitiu que um fraco sorriso se abrisse em seu rosto e logo abriu levemente os braços na esperança de um abraço apertado da morena. No entanto, foi apenas empurrada por esta para trás, novamente para o lado da lateral do 7-Eleven, no intuito de se esconderem.

– Germany! - O sorriso tremia no rosto da garota, lutando para não ser acobertado por lágrimas de desespero. – Você tá bem, graças a Deus! E o Sam? Cadê ele? E meu irmão? Ele não pode morrer, Ger! Nem ele nem o Sam! Mas... são muitos zumbis, muitos! Eu tô morrendo de medo, Ger! A gente precisa sair daqui!

– Calma, Red! O Sam tá seguro e seu irmão... bom, ele é um bastardo maluco por entrar no meio dos zumbis daquele jeito, mas ele vai ficar bem também. Agora, Red...

– O Molotov...

– Eu sei. – Interrompeu a morena, rapidamente. Desviava os olhos constantemente para trás, como se esperasse que algum zumbi surgisse ali subitamente. – Escuta, estou quase sem balas.

– O quê?!

– É, eu tô com apenas um cartucho e ele está quase no fim... O Road tem mais dois, e imagino que o Hollywood também, mas eu praticamente não tenho mais munição.

– Eu não acho que minhas balas vão durar muito tempo também. – A ruiva baixou os olhos desolados para o revólver em sua mão.

– Então não podemos mais gastá-las em qualquer zumbi. – Uma das mãos de Germany apertou o antebraço da outra, fazendo o olhar verde encontrar o azul. – Como os dois ali ainda podem se dar o luxo de balear ao léu os que estão na estrada, nós duas vamos tirar Molotov de lá.

– Tirar... ele de lá? – Red arregalou ainda mais os olhos. – Ger, não vamos conseguir simplesmente entrar lá e matar todo mundo! São muitos!

– Não temos plano melhor, Red! E o tempo está se esgotando!

– Mas... – A ruiva parou por uns instantes, sustentando o olhar apreensivo da morena. Com um breve suspiro, acenou com a cabeça. – Está bem, então. Eles podem nos dar cobertura enquanto nós entramos!

– Ótimo. – Germany sorriu brevemente.



– Road! – Gritou Hollywood de cima do Toyota. – Preciso recarregar o revólver!

– Então vai logo, caralho! – Respondeu o ruivo, com as costas coladas à porta do carro e desferindo tiros com o rifle. Muitos zumbis se aproximavam rapidamente dele, ficando perigosamente próximos, mas ele logo os colocava ao chão com o potente Winchester. – E desce logo daí pra me ajudar!

O loiro largou o machado a seus pés e sacou outro pente de munição do shorts. Inseriu o cartucho na arma com certa dificuldade, mas logo sorriu para o revólver e voltou a atirar nos que circundavam Road Runner.

Logo viu que Germany se aproximava gradativamente da janela quebrada do mercado, desferindo tiros em todos os que vinham em sua direção e sendo seguida por Red. As duas não aparentavam tão confiantes quanto ele e Road, e muito menos tinham tanto sucesso acertando os alvos, mas estavam conseguindo avançar uma boa distância. Hollywood concluiu que elas pretendiam entrar no 7-Eleven e seus pensamentos logo foram pronunciados pelo ruivo abaixo de si.

– Elas vão entrar lá! – Disse Road, com um ranger de dentes ao chutar um homem baixinho que tentava agarrá-lo.

– Estão loucas se acham que vão conseguir sozinhas. – Murmurou Hollywood, sem tirar os olhos das duas garotas.

– Então desce daí, seu desgraçado, já disse! Vamos ajudar as duas e o outro desgraçado!

Hollywood saltou do Toyota com o machado e o revólver em mãos e logo se juntou ao ruivo com os tiros nos mortos-vivos dos arredores. As criaturas pareciam mais violentas a cada minuto, algumas sequer se importando com as machadadas no tronco ou com as balas nos membros. Eram resistentes e isso preocupou bastante os dois rapazes. As investidas pareciam realmente efetivas apenas quando acertavam a cabeça, especialmente se eram decapitadas pelo loiro. Porém, como este próprio presenciara, alguns deles mantinham-se em pé mesmo com uma bala na testa. Provavelmente a resistência dos mortos aumentava com a idade e disposição física que tiveram quando em vida - um rapaz negro, bem corpulento e com seus vinte e poucos anos, deu um exaustivo trabalho a mais para Road do que um senhor magricela sem um dos braços ou a menininha loira sem parte do rosto.

Com uma pequena brecha à frente, os dois rapazes avançaram rapidamente em direção ao mercado, atingindo os que estavam ao lado de fora enquanto as garotas se concentravam nos que agora saíam do 7-Eleven para pegá-las.

– Não acredito que minha irmã está muito perto de ser mordida por um zumbi maldito – grunhia Road, ao lado de Hollywood, em meio aos disparos – pra salvar a pele de um ladrãozinho barato de caminhonete!

– Não somos ladrões, Road, caralho! - Exasperou o loiro. - Foi tudo um lapso, mas agora precisamos agir juntos!

– Agora, né, seu merda! - O ruivo lançou um olhar furioso para o outro. - Queria saber onde tava esse papinho de união ontem à tarde! - Deu uma coronhada em um homem que quase o agarrara pelo pescoço e voltou a olhar para Hollywood. - Mas enfim, tem razão, aqui estamos, então façam valer à pena, por que se alguma coisa acontecer com a Red, vocês dois estão fudidos!

Hollywood se calou, o encarou brevemente e engoliu em seco.





Localização: Mercado 7-Eleven

4 dias após o Surto.


Molotov respirou profundamente, aumentando o aperto na espingarda em suas mãos. Com uma súbita coragem inundando seus nervos, o rapaz se desencostou da porta do pequeno banheiro e correu em direção à parede contrária, apoiando as costas no gesso frio e apontando a trêmula arma para a entrada.

Durante alguns instantes, nada aconteceu. Nenhum grunhido proveniente dos mortos ao lado de fora, nenhum arranhão ou empurrão na porta. Podia escutar tiros, gritos e ruídos abafados, vindos da estrada ali próxima, barulhos estes proferidos tanto por zumbis quanto por seus companheiros sobreviventes. Road e Germany provavelmente já haviam se juntado a Hollywood e Red Rock – o grupo quase completo agora expunha, junto, a própria vida aos zumbis. E ele ali, à espera da ajuda, encurralado, como um acuado e solitário roedorzinho prestes a cair na armadilha de um grupo faminto de felinos macabros. Um roedor que subitamente decidira não ficar apenas escondido, que resolvera colocar seu coração descompassado à prova e tentar a escapada decisiva das garras acinzentadas. Concluiu que já era hora de tomar uma atitude e provar que era digno de brindar à sobrevivência com seus amigos.

Libertando o moreno dos pensamentos turbulentos, a porta se escancarou com um movimento rápido e bateu na parede contrária com um baque, sobressaltando-o. Pelo menos seis corpos retalhados e cobertos de sangue o fitaram, todas as figuras expondo dentes avermelhados e olhares vazios. Respirar tornou-se um martírio para Molotov assim que percebeu o quão próximos eles estavam dele. Empunhando com mais firmeza a espingarda, abriu fogo. Caíam uns a frente dos outros, atrapalhando a passagem dos que vinham logo atrás, para alívio do rapaz; porém, o banheiro era relativamente apertado, então a distância entre ele e os que se aproximavam não era nada vantajosa.

Acertava a todos com fúria e rapidez, as costas prensadas na parede retesadas com o súbito desespero. Se avançassem mais alguns metros, o alcançariam. Além de tudo, viu-se rogando pragas mentalmente por não saber quantas balas mais ainda teria para atirar. Como numa premonição agourenta, o pensamento do rapaz foi logo seguido por três cliques no gatilho, mas estes não acompanhados por disparos fulminantes nos zumbis. Haviam acabado, então. Molotov arregalou os olhos e sentiu um arrepio na espinha.

Quatro deles avançavam sofregamente, esbarrando nos corpos apodrecidos caídos aos seus pés. O odor forte e nauseante que começou a pairar ali dentro apenas acentuou seu desespero. Com a coronha da arma, passou a atingir com força os mortos em seus rostos, esperando que isso fosse o suficiente para afastá-los. Lançava rápidos olhares para fora do banheiro e via que mais alguns se aproximavam, mas a significativa quantidade que adentrara o 7-Eleven agora jazia no piso uma vez imaculado do mercado. Alguns zunidos e corpos caindo por entre as prateleiras denunciaram um ataque àqueles zumbis pelos outros jovens. Haviam chegado para salvá-lo – uma pontada de esperança o deu forças para atingir os dois homens à sua frente com ainda mais determinação.

Porém, uma mulher baixa, de cabelos compridos e desgrenhados, sobressaltou o rapaz ao agarrá-lo, com uma das mãos, pelo antebraço esquerdo e grunhir em sua direção com a boca escancarada e repleta de uma baba negra e fedorenta. Assustado, ele começou a chutá-la na altura do estômago, mas ela não soltava seu braço e apenas fincava ainda mais as unhas sujas de terra. Percebeu que mais dois se aproximavam ainda aos tropeços, um adolescente de cabelos compridos e um homem mais velho, os dois perigosamente próximos do humano e da morta parasita. Com um arfar de desespero, Molotov passou a atingir a mulher no cotovelo com a espingarda, tentando se livrar do aperto e desviando da mão livre dela, sem deixar de lançar olhares desesperados para as outras ameaças.

Percebendo que ela era muito mais forte do que esperava, e como um dos outros dois quase roçava os dedos mortos em sua camiseta encharcada de suor, o rapaz soltou um urro colérico e girou seu tronco com rapidez, jogando o braço segurado pela morta-viva em direção ao outro atacante. Apesar do impacto entre os dois corpos moribundos, resultando na queda do adolescente cabeludo, a mulher não soltou – pelo contrário, agarrou-o também com a outra mão e aproximou o rosto da pele dele com os dentes enegrecidos da saliva apodrecida. Rangendo os dentes, ele continuou a acertá-la com a coronha da arma, jogando também o corpo franzino contra a pia a seu lado. Por fim, ouviu um ruído característico, indicando que conseguira quebrar um dos braços dela. Ela soltou um grunhido agudo e borbulhante, como se a garganta estivesse afogada no líquido escuro que saía de seu organismo.

O outro homem pisava forte sobre os corpos caídos e esticava as mãos em direção a Molotov. Os dentes da morta-viva novamente se lançaram em direção a seu antebraço desnudo. As coronhadas na mulher aumentaram de velocidade e intensidade e o rapaz não tirava os olhos do zumbi que se aproximava. Porém, subitamente, o morto parou a poucos centímetros de distância do rapaz, os olhos brancos parados num fitar atemorizante. No instante seguinte, ele caiu de lado, em cima do adolescente.

Levantando os olhos arregalados, com a arma de fogo ainda afastando a cabeça da morta ululante, o rapaz pôde ver Germany, prostrada a uns dois metros da porta do banheiro e abaixando lentamente sua espingarda automática. Os dois jovens se encararam por alguns instantes até que a mulher grunhiu mais alto, voltando a ter a atenção de Molotov para si, e cravou mais fundo as unhas em seu antebraço.

Com um xingamento, ele cerrou os dentes e acertou a cabeça dela mais uma vez com a coronha, desta vez num golpe com mais violência. Ela murmurou baixo, a cabeça pendendo para o lado com os cabelos escondendo seus olhos e fios da baba pingando no piso do banheiro. O rapaz agarrou as mãos dela e conseguiu finalmente se livrar dos dedos cadavéricos. A morta-viva caiu no chão, ainda se mexendo, estrebuchando sutilmente e apontando as garras para o rapaz a seu lado. As unhas marcaram severamente o braço dele, deixando também filetes de sangue em sua carne.

Molotov voltou a erguer os olhos para Germany, mas não a viu mais ali. Uns três zumbis ainda perambulavam pelo 7-Eleven, grunhindo para algo que se encontrava fora do mercado. Um deles recebeu uma bala na altura do peito e outra na testa. Arfando ruidosamente, o moreno baixou os olhos, vasculhando o banheiro repleto de pessoas inertes e putrefatas, e passou as costas da mão na testa molhada de suor.

– Molotov! – Gritou alguém para ele, uma conhecida voz masculina.

Atendendo ao chamado, o rapaz desviou das pilhas de corpos e finalmente conseguiu sair do banheiro. Desviou o olhar para esquerda e pôde ver, pela grande ex-janela do estabelecimento, que Road e Red desferiam tiros em mortos-vivos que estavam na estrada. Dois destes ainda vagavam pelo 7-Eleven e logo viram o rapaz, grunhindo em uníssono. Um deles foi rapidamente atingido por uma machadada nas costas e outro levou balas nas pernas e no pescoço. Agora o mercado exibia um massacre de pessoas acinzentadas, e apenas os jovens continuavam em pé – Molotov, parado à porta do toalete, Hollywood, ao lado da prateleira de bolachas e Germany, escondida atrás de um dos caixas, com a espingarda ainda apontando para o homem que caíra. Os três trocaram breves sorrisos.

A garota e o moreno se dirigiram rapidamente para as sacolas com as provisões, que repousavam ligeiramente reviradas na entrada do mercado, e saíram dali com pressa, evitando o máximo de zumbis que cambaleavam em direção a eles. O outro rapaz os dava cobertura mais atrás com o machado.





Localização: Estrada nos subúrbios

4 dias após o Surto.


Germany e Molotov trataram de colocar tudo rapidamente na caçamba da caminhonete, não se preocupando com a organização. Alguns zumbis que circundavam por ali levavam coronhadas da espingarda do rapaz, enquanto a morena terminava de guardar os mantimentos. Ela pôde ver que Sam, de dentro do veículo, fitava o moreno com os olhos marejados.

– Precisamos ir! – Disse Germany, procurando se algum cartucho de munição estava jogado entre as sacolas.

– Vocês já deviam estar longe daqui, Ger! – Respondeu Molotov, ríspido, acertando com o cano da arma um homem que havia perdido parte do tronco.

– Não começa, Molotov! – Explodiu a garota, se virando para ele com os olhos lívidos. O rapaz a olhou com surpresa. – A gente não ia embora daqui sem você, caramba! Resolvemos te ajudar e assim fizemos e estamos todos vivos. Ainda vivos, por isso que precisamos aproveitar que você saiu de lá e irmos embora!

– Eu... – O rapaz ainda sustentava o olhar dela. – Obrigado... por me ajudarem.

Molotov sorriu brevemente. A garota suspirou.

– Fico... feliz que esteja bem.

– Obrigado, Ger. – Repetiu ele. – Por convencer o Road que, apesar de tudo, eu precisava ser salvo.

– Precisava mesmo. – Ela franziu o cenho. - Seu idiota. Idiota egoísta e sem escrúpulos! O que tinha na cabeça em pensar que conseguiria matar todos eles sozinho? Se não tivesse chegado a tempo, você estaria em pedacinhos agora!

– Mas chegou. – O rapaz voltou a sorrir.

Os dois ainda se entreolharam por alguns instantes quando um grito chamou a atenção deles.

Red havia caído no asfalto quente e apontava o revólver para um homem corpulento que agarrara seu tornozelo. Aparentemente também ficara sem balas. Road logo atingiu o zumbi duas vezes na nuca, mas o corpo inerte continuou segurando a perna da garota. Ao perceber que mais mortos se aproximavam, a ruiva soltou mais gritinhos e se desvencilhou desesperadamente dos dedos grandes e acinzentados que tocavam sua pele. Hollywood se aproximou dela, ajudando-a a se levantar, e os dois correram em direção da Ford Ranger, com Road a seu encalço e ainda atirando contra os zumbis.

O grupo conseguiu um feito relativamente impressionante, para um primeiro confronto com uma horda zumbi, ao pôr um fim em dezenas daquelas criaturas, sem relativos prejuízos aos sobreviventes ou à caminhonete. No entanto, eles continuavam a aparecer, todos vindos da cidade de Coparo Hills – parecia que todos os habitantes estavam cientes dos humanos naquela porção da estrada, resolvendo que confeririam a refeição com os próprios olhos vazios. Uma grande porção da horda que se encontrava no 7-Eleven e no cemitério de carros agora jazia no asfalto manchado de sangue; porém, um novo enxame se aproximava ao longe, grunhindo em uníssono para os sobreviventes. Estes precisavam recuar rapidamente se quisessem fugir sem serem surpreendidos por mais mortos-vivos.

– Eles não param de vir! – Gritou Red, arregalando os olhos para a cidade ao longe com seus indivíduos moribundos.

– Vamos embora! – Respondeu Road, chutando um homem na altura do quadril.

Molotov e Germany já se encontravam na caçamba, a garota recarregando as armas e o rapaz remexendo em garrafas a seus pés. Hollywood se juntou aos dois, largando o machado na lataria e procurando mais alguma arma de fogo. Red, pendurada em um dos braços do irmão, com o revólver sem balas pendendo inerte entre seus dedos, olhou por cima do ombro para a caminhonete e finalmente percebeu a presença de Molotov. Arregalando os olhos, ela sorriu rapidamente para ele, recebendo um aceno de cabeça do rapaz em resposta.

Road disparou contra mais duas mulheres que se aproximavam da Ranger e correu para o banco do motorista. Sam entreabriu os lábios várias vezes ao ver os dois ruivos entrarem violentamente na caminhonete, mas não conseguiu pronunciar nada. Apenas sentiu duas lágrimas invadirem seu rosto, lágrimas de medo, tensão e alívio.

Molotov entregou uma das garrafas para Hollywood, que o encarou por alguns instantes. Passando o isqueiro aceso ao loiro, o moreno abriu um sorriso cansado. Os dois rapidamente acenderam as pontas de pano que pendiam por fora de cada uma das garrafas, e lançaram os Coquetéis Molotov em direção ao mercado e ao asfalto poucos metros à frente. Dois estouros simultâneos sobressaltaram o restante do grupo de sobreviventes e também os zumbis que estavam ali próximos, incendiando alguns destes e parte do interior da loja.

A Ford Ranger acelerou bruscamente, se afastando do holocausto funesto do 7-Eleven e, consequentemente, da amaldiçoada cidadezinha de Coparo Hills. Nenhum dos sobreviventes pronunciou uma palavra sequer por longos minutos, cada um mergulhado em seu próprio desespero e escutando apenas os corações aflitos que teimavam em não desacelerar. Red começou a chorar baixinho no banco do carona, escondendo o rosto nas mãos trêmulas, e recebendo um aperto no ombro por uma das mãos de seu irmão, que dirigia com os olhos arregalados e a mandíbula travada.

Na caçamba, um pálido Hollywood, ajoelhado na lataria, ainda observava a vista terrível daquela porção da estrada, com dezenas de corpos amontoados entre poças de sangue e membros decepados. Mais desses corpos, ainda em pé, vagavam em direção ao mercado em chamas.

Germany se encostou ao vidro traseiro, estremecendo convulsivamente. Molotov sentou-se ao lado dela, também fitando a fumaça que começava a subir gradativamente. Logo segurou uma das mãos da garota, compartilhando dos nervos à flor da pele lancinantes dela e dos outros sobreviventes.


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Notas finais do capítulo

Não sei se ficou exatamente como o 'desfecho' que vocês esperaram, mas espero que tenham gostado, haha!
Até que me diverti escrevendo esse capítulo. #sadismo
Até o próximo!