Undead Revolution escrita por caarol


Capítulo 16
Tormenta - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Esse foi mais rápido, haha!
Boa leitura. (:



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Localização: Interestadual 80 - Residência da família Cross

9 dias após o Surto.



Sentados em uma das mesinhas da enorme e decorada sala de jantar, reservada especialmente para as refeições dos hóspedes da pousada, estavam Red, Germany e Sam. Savannah Cross havia lhes servido um farto jantar de boas vindas, sempre com um sorriso no rosto, apesar da encovada face de visível cansaço. Os três terminavam a refeição quando a mulher saiu da sala e aparentemente voltou para a cozinha, deixando sua filha, Spencer, sentada próxima das mesas para fazer companhia aos novos sobreviventes.

A menina, no entanto, não fazia jus à sua função. Encolhida em uma cadeira de palha trançada, num canto da sala de jantar, ela apenas observava os convidados à frente, com receio e desconfiança, e sem ter pronunciado uma palavra sequer desde a chegada dos mesmos. Os grandes olhos castanhos bem escuros estavam arregalados e fitavam especialmente Germany. A morena a reconheceu assim que o grupo adentrou a casa e avistou uma adolescente loira sentada em uma poltrona, no pequeno hall de recepção da pousada. Os cabelos à altura do queixo, de semelhante cor e sutil ondulação dos da mãe, eram os mesmos da pessoa que a sobrevivente avistou ao longe.

Spencer não aparentava ter mais de treze anos, mas as enormes olheiras de noites mal dormidas e a palidez nada saudável de seu rosto a davam um ar muito mais sério e envelhecido. Seu corpo era mais reto e delgado que o de Red, chegando até a surpreender a ruiva, e estava coberto por uma calça jeans simples e uma regata amarela. Abraçava as próprias pernas na cadeira, com os pés descalços levemente sujos na beirada do assento, observando a tudo e todos com uma aguda e apavorada atenção. Dos três integrantes da família Cross – totalmente distintos entre si, como os jovens puderam concluir - a menina aparentava a mais chocada pelos acontecimentos recentes.

– Ela não é de falar muito, não é? – Cochichou Red, após tomar um gole de água.

– Ela só tá com medo... e provavelmente desconfiada da gente também. – Respondeu Germany, olhando a garota loira de esguelha.

– Mas nós não vamos fazer mal. – Sussurrou Sam.

– Acho que não parecemos muito convincentes nisso. – A morena deu de ombros. – Aliás, ela com certeza faria mais mal a você do que você a ela, garoto. – As duas riram do semblante ofendido do menino. - Então, acho que eles já devem ter encontrado zumbis aqui, não é? Imagino que ela tenha se assustado bastante com eles.

– E quem não se assustaria? – Estremeceu o menino.

– Por isso estamos protegendo a casa. - Interrompeu Red. - Pra acabar com os sustos, porque eu acho que não aguento mais nenhum. - Ela estremeceu levemente. - Falando nisso, já terminaram de jantar? Vamos lá ajudar os garotos. – Red limpou as mãos num guardanapo e já se levantava da cadeira. Spencer a seguiu com os olhos.

– O que o senhor Cross quer que façamos, afinal? – Perguntou Sam.

– Você não vai fazer nada, nanico, isso é trabalho para adultos. – Retrucou Germany, com um sorriso. – Você fica aqui ajudando Spencer e Savannah.

– Aliás, é trabalho muito pesado, não era nem pra gente tar indo, Ger. – Red cruzou os braços.

– Larga a mão de preguiça, Red. Quanto mais gente ajudar, mais cedo acabamos de vedar a casa.

– Os zumbis não vão simplesmente arrombar as portas, eles não tem mais miolos pra pensar nisso!

– Prefere arriscar?

A ruiva se calou por alguns instantes. Então, com um arfar de contrariedade, seguiu a morena até uma das portas de saída da sala de jantar. Sam permaneceu na mesa, ligeiramente receoso e desviando os olhos vez e outra para a senhorita Cross. A menina, assim que percebeu a ausência das duas garotas mais velhas, se levantou num pulo e andou a passos rápidos para a cozinha. O menino, temendo ficar sozinho naquela enorme sala de jantar, seguiu Spencer até o outro cômodo.




– Tem muita coisa para fazer ainda. – Dizia Frank Cross, enquanto supervisionava Road Runner e Hollywood martelando vigas de madeira em algumas janelas, na porção anterior da casa. – Mas venho trabalhando nela já faz uns dias, então deu pra adiantar alguma coisa.

– Vocês já foram atacados aqui? – Perguntou Molotov, enxugando o suor da testa com o antebraço.

– Algumas vezes. Três, para ser mais exato. Mas era sempre no máximo meia dúzia que apareciam, nunca mais do que isso, graças aos céus. Um ou outro conseguiu fugir, mas foi fácil esburacar a cara da maioria deles com a espingarda de meu falecido pai. – Frank abriu um sorriso sádico e o rapaz levantou uma sobrancelha. – De qualquer forma é bom garantir proteção caso venham mais deles.

– Vocês pretendem ficar aqui mesmo? – Perguntou Hollywood, se aproximando e agarrando uma garrafa gelada de água. – Não seria melhor ir para algum lugar seguro?

– Igual vocês pretendem fazer? – Perguntou o velho, com certo deboche na voz. – Rá! É mais fácil morrer assim, loirinho. Prefiro ficar na minha boa e velha casa, protegido até os dentes e pronto para atacar quem quer que venha me perturbar.

– E se aparecerem muitos?

– Darei conta deles. Savannah é muito boa com tiros também, estamos garantidos.

– Vocês não vão ter comida para sempre. – Disse Road, se aproximando do trio.

– Parem de me agourar! – Exaltou o velho, gesticulando com os braços. – Cuidem das suas malditas vidas que da minha cuido eu! Concordei abrigar vocês, mas isso não quer dizer que podem dar opinião no que eu faço ou deixo de fazer! Se vocês querem ir para o seu querido oeste, se juntar a mais meia dúzia de marmanjos que estão vivos por pura preguiça da Morte, então desejo a mais sincera boa sorte; mas eu e minha família ficaremos aqui, onde pertencemos!

Frank se empertigou levemente e se afastou em direção a um pequeno galpão a algumas dezenas de metros da casa, balbuciando pragas para si mesmo. Os três rapazes se entreolharam.

– Velho louco. – Murmurou Road, balançando a cabeça e pisando numa bituca de cigarro para apagá-la.

– Ele acha mesmo que vai ser seguro ficar aqui? E se uma horda aparecer do nada? – Hollywood aparentava o mais indignado.

– Ele mesmo disse – interrompeu Molotov – que sabe cuidar da própria vida. – Deu um gole da garrafa de água e continuou. – E duvido que algum de nós consiga convencê-lo do contrário.

– O pior é que estamos contribuindo com essa babaquice toda. – Road cruzou os braços e soltou um muxoxo, fitando as costas do velho homem ao longe. – E ele realmente acha que vai estar protegido colocando tábuas nas janelas e arame farpado nas portas.

Hollywood e Molotov soltaram grunhidos de conformação. Antes de voltarem aos afazeres, puderam ver as duas garotas do grupo se aproximando. Elas apontavam para o horizonte, para o céu daquela tarde. Acompanhando seus olhares, viram o que elas tanto conversavam - densas nuvens enegrecidas se aproximavam lentamente pelo véu azulado acima de suas cabeças, encobrindo a claridade esbranquiçada e formando longas sombras no descampado.

O calor enfurecido que abrasou aquele dia resultaria em uma bela tempestade durante a noite. De certa forma foi um alívio para todos, já que concluíram ser muito pouco provável zumbis terem sucesso no ataque à casas durante borrascas. Ainda teriam a manhã do dia seguinte para garantir a segurança da casa do senhor Cross.

– E então? – Perguntou Red, ao se aproximar dos rapazes.

– Como vai chover, acho que vamos parar por aqui. Não fizemos muita coisa, mas nem dá para continuar. – Respondeu Hollywood, ainda fitando o início do pôr do sol acompanhado do negrume das nuvens disformes. - Vocês podem nos ajudar amanhã.

– Isso se o bastardo ali não resolver dar mais serviço pra hoje. – Grunhiu Road, levantando uma sobrancelha para a figura de Frank.

– Não fala assim, Road! – Ralhou a irmã. – Ele pode não ser a pessoa mais agradável do mundo, mas resolveu nos ajudar. Não podemos ser ingratos.

– Venham, Savannah deve estar esquentando a janta de vocês. – Interrompeu Germany, com um tom de indiferença, e já se voltando para a casa. – Vou ajudar a ajeitar os quartos pra gente.

– Calma, Ger, já vou com você! – Proferiu Red, gesticulando com pressa, mas sem receber resposta alguma. A acidez na voz da morena e a pressa com que partiu da presença dos outros fisgou a curiosidade de Road e Hollywood, que lançaram olhares significativos para a ruiva. – Nem me perguntem, também não sei. – Ela deu de ombros e partiu, tentando acompanhar os passos da outra.

– Você é um babaca, sabia?

Road se manifestou após alguns segundos de silêncio. Seus olhos ainda estavam voltados para a irmã que se afastava gradativamente, mas Molotov logo concluiu que as palavras foram dirigidas a ele - no entanto, permaneceu calado.

– Tenho certeza que ela está assim por sua causa, Molotov. – Continuou o ruivo. - Agora, me pergunto o porquê de você querer ficar brigado com ela.

– Não quero ficar brigado com ela. – Retrucou o outro, ríspido.

– Então vai lá falar com ela logo! – Interrompeu Hollywood, com impaciência. – A última coisa que a gente precisa é de brigas. Já não basta os zumbis querendo nos devorar, caramba.

– Deixem que eu cuido disso, está bem? - Bufou o moreno. - Vou conversar com ela na hora que for para conversarmos, droga.

– Vai logo – repetiu Road – senão vou eu.

Molotov arqueou as sobrancelhas, lançando um arregalado olhar, num misto de raiva e ressentimento, para o ruivo. Este apenas abriu lentamente um sorriso inocente – que, no fundo, de inocência não tinha nada. Com um trincar de dentes e um cerrar de punhos, o rapaz começou a se afastar dos outros dois, também seguindo de volta para a casa.

– Porque você faz isso com ele? – Perguntou Hollywood, acompanhando o ruivo com passos lentos e observando Molotov se afastar rapidamente.

– Porque ele é um idiota. – Respondeu o outro, com certa incredulidade na voz pelo loiro não perceber a obviedade da resposta. - Idiota ciumento, ainda por cima.

– Não entendi porque estão se tratando tão mal, ele e a Ger.

– Acho que ela é meio boba também.

– Mas eles se gostam.

– Justamente por isso. – Road desviou os olhos momentaneamente para trás, tentando localizar Frank, e logo viu que o velho deixava o pequeno celeiro e gesticulava para os dois o esperarem. – Eles se gostam, mas o orgulho parece falar mais alto. – Parou de andar e foi acompanhado pelo loiro, que se prostrou a seu lado.

– Pensei que você fosse o orgulhoso do grupo.

Road retribuiu com uma risada irônica.

– Você não vai estragar as coisas entre eles, né. – Continuou Hollywood, num tom mais de afirmação do que questionamento.

– Porque estragaria? Eu só estava provocando ele.

– Ora, Road, admita. A Germany é muito bonita, e é a única menina do grupo. – O rapaz desviou os olhos para o céu, observando brevemente as nuvens se aproximando. – Quer dizer, não a única menina, mas a outra é sua irmã.

– Onde você quer chegar, gracinha?

– Além disso – continuou o loiro – você tem cara de ser...

– De ser o quê? – Road estreitou os olhos.

– Você sabe. – Hollywood abriu um sorriso pueril. – Mulherengo. Cafajeste. Essas coisas.

– Incrivelmente você não é o primeiro a me falar isso.

– Estou mentindo?

– Antes estivesse. – O ruivo deu de ombros.

– As coisas estão complicadas, Road. O mundo tá complicado.

– Lá vamos nós.

– Não sabemos mais quantas pessoas vamos encontrar! É natural que procuremos alguém para nos apoiar, alguém do sexo oposto, ainda por cima. E como só tem a Ger de opção pra você, e ela e o Molotov estão quase de rolo e tudo o mais, deve ser bem desmotivador.

– Peraí, deixa eu ver se eu entendi. – Interrompeu o outro, apoiando um dos cotovelos numa das mãos. – Basicamente o que você está dizendo é que não tenho mais opções de ficar com alguma mulher, por que a única que eu supostamente teria alguma chance, considerando a possibilidade de nunca mais encontrarmos garotas bonitas da nossa faixa etária no planeta, já está comprometida. – Ele fez sinal de aspas com os dedos na última palavra e Hollywood acenou afirmativamente com a cabeça. – Mas disso eu já sei, seu babaca!

– E como você se sente quanto isso? – Perguntou o loiro, com um leve tom de deboche.

– Ah, cale a boca. – Retrucou Road, ao som de risinhos. – E pera lá! Você não tem mais opções também, então estamos na mesma, loirinha. Não venha querer me amargurar que você não está tão melhor do que eu.

– Como assim? Não sou eu que tenho irmã no grupo!

Road arregalou os olhos. Seu rosto afunilado logo adquiriu um tom avermelhado intenso e ele crispou os lábios de nervoso.

Você não ousaria. – Sibilou ele, sem desviar os olhos do semblante inocente do outro.

Hollywood, sem entender a súbita cólera do ruivo, apenas sustentou o olhar com confusão; apenas após alguns segundos sendo fuzilado pelos orbes verdes que percebeu o motivo da irritação.

– Aaaah, tá, entendi. – Balbuciou ele. Então arregalou seus próprios olhos. – Oh, não, não não não! Eu nunca imaginei isso, Road! Você acha que eu estava falando da Red, não é? De eu, e ela e... Não, eu sei que ela é sua irmã e não é minha irmã, e nós tecnicamente seriamos os únicos que restariam do grupo e tudo o mais, mas eu não...

– Só. Fique. Quieto. – Proferiu Road, entre dentes, com um sorriso amarelo e a mandíbula cerrada. – Não quero sequer pensar nisso.

Hollywood engoliu em seco. Permaneceram calados por alguns minutos, apenas observando Frank Cross se aproximar com uma pequena caixa de ferramentas em mãos.

Um trovão estalou numa das nuvens do horizonte, sobressaltando o loiro. Este parecia completamente tensionado, mordendo o lábio inferior, como se apenas esperando o momento no qual o irmão de Red o degolaria – e sabia que, se admitisse que realmente havia considerado a possibilidade de ficar com a ruiva, as coisas só complicariam um pouco mais para ele.

– Voltando ao dois lá. – Road finalmente quebrou o tenso silêncio. – Não se preocupe, não vou atrapalhar nada, está bem? – Ele recebeu um receoso olhar de soslaio do outro. - Não quero a Germany. Quer dizer, querer eu quero, mas não vou ficar com ela. Ela é muito... volúvel pro meu gosto.

– Volúvel? – Hollywood relaxou um pouco os ombros e arriscou olhar Road nos olhos.

– É. Igualzinha ao Molotov. Por isso eles se merecem. – Continuou o ruivo. – E, além disso, estou bem de boa quanto a essa história toda de encontrar alguém em quem se apoiar.

– Então você não sente falta?

– Falta do quê?

O loiro levantou uma sobrancelha e sorriu brevemente.

– Lógico que eu sinto falta, seu palerma! – Road cutucou bruscamente o braço do outro, recebendo um monossílabo de surpresa em resposta. – Tanto quanto qualquer outra pessoa que corre o risco de nunca mais ser levado pra cama pro resto da vida! Mas não é disso que estou falando. – Ele respirou profundamente, como se a conversa estivesse lhe drenando as energias. – E fique sossegado. Os dois pombinhos vão se ajeitar logo.

– Espero que sim.

– E nós vamos nos dar bem algum dia também. – O ruivo sorriu brevemente. – A esperança é a última que morre.

– Até no apocalipse zumbi você pensa nisso? – Perguntou o loiro, não podendo evitar sorrir.

– Ah, deixa de drama, Hollywood! Precisamos nos preocupar com sobrevivência, comida e essas merdas todas, mas, com ou sem zumbis, eu vou pensar em sexo. É inevitável. Todos vamos pensar nisso. Somos seres humanos, caramba, e homens, ainda por cima. O que você espera? O mundo pode estar desabando que eu vou continuar me preocupando em perpetuar a espécie.

– Pensando assim, acho que você não soa tão pervertido. – O loiro arqueou as sobrancelhas e fitou o horizonte, pensativo. Frank já estava quase os alcançando. – Mesmo que consigamos acabar com esse surto todo, precisamos repopular o planeta.

– É esse o espírito. – Disse o ruivo, seu sorriso sombrio se alargando ainda mais. – Mas você trate de arranjar uma outra garota qualquer, porque se encostar um dedo na minha irmã, você vai desejar ter sido pego pelos mortos vivos.

Hollywood encolheu os ombros, lançando um rápido sorriso receoso para o outro. Frank logo os chamou para o ajudarem com a caixa de ferramentas e os três retornaram rapidamente para a casa.




A chuva já iniciava sua úmida manifestação, com direito a trovões, relâmpagos e lufadas ululantes passando por pequenas frestas das janelas. Os Cross afirmavam que chuvas fortes eram mais do que comuns naquela região, e geralmente duravam longas horas; então, todos os sobreviventes permaneceram devidamente trancados na grande casa, apenas esperando o sono se apoderar de suas mentes conturbadas para um devido descanso - supostamente - imperturbável.

Estavam todos reunidos numa espécie de sala de estar, sentados nos levemente empoeirados sofás de fibra de linho da pousada. Savannah, prostrada com animação no sofá menor à frente dos mais jovens, exibia um genuíno interesse nas histórias de sobrevivência do grupo, perguntando tudo o que passaram, como se conheceram e para onde pretendiam seguir. Spencer, sentada em uma poltrona mais afastada, apenas os observava, novamente abraçando as pernas e encolhida em seu assento.

Frank remexia em um antigo rádio com visível aborrecimento e dissera aos outros que há dias não conseguia captar qualquer transmissão. No entanto, em momentos de tédio, sentava-se ao lado do móvel no qual se prostrava o aparelho e permanecia longos minutos mexendo nos pequenos botões.

– Sabe de uma coisa? - Pronunciou ele, após alguns minutos calado, e recebendo os olhares de todos. – Podem ficar com essa lata velha aqui. Ele funcionou mais ou menos um dia desses, então não está totalmente inútil, mas não vai me ter serventia aqui.

– Porque não, papai? – Perguntou Savannah, enquanto recolhia algumas xícaras de chocolate quente de uma mesinha de centro.

– Suponha que encontremos alguém pedindo ou oferecendo ajuda. O que vai mudar em nossas vidas? Não vamos ao encontro de ninguém mesmo. Vocês farão melhor proveito dele do que nós. – O velho depositou o olhar nos jovens.

– Hm, obrigado, senhor Cross. – Manifestou-se Hollywood, abrindo um sutil sorriso.

– Ele está mesmo sendo legal com a gente? – Cochichou Red para o irmão, assim que Cross desviou os olhos deles.

– Legal? Não. Ele não tem muita cara de ser altruísta. - Respondeu o ruivo, levantando uma sobrancelha para o homem.

– Se conseguirmos sinal de vida de outros sobreviventes vai ser um enorme progresso. – Disse Molotov.

– Então podem levá-lo. É de vocês. – Frank levantou sofregamente da poltrona e se dirigiu para a enorme janela mais próxima, observando a paisagem lá fora.

Era impossível distinguir se a noite estrelada já havia caído por completo ou se o Sol continuava fracamente presente, já que as pesadas nuvens negras encobriam todo o céu acima deles. O ruído das grossas gotas em encontro com o telhado constituía uma sinfonia melancólica, não contribuindo exatamente para a diminuição da ansiedade dos sobreviventes. O que antes poderia ser considerado uma melodia relaxante, agora apenas os inquietava ainda mais – em especial Red e Spencer, que se remexiam constantemente nos sofás.

– Devíamos descansar. – Disse Savannah, retornando da cozinha. – Na verdade, fiquem à vontade, mas sugiro que todos nos deitemos. Nunca sabemos o que vai acontecer amanhã e o melhor meio de estarmos alertas é após uma boa noite de sono.

Os jovens menearam positivamente a cabeça e Sam bocejou abertamente, reforçando o convite da mulher. Frank já havia se retirado da sala e Spencer corria escadas acima, provavelmente se dirigindo para seu quarto.

– Ajeitei os últimos quartos deste corredor para vocês. Um para cada um, se quiserem. – Savannah apontou uma pequena abertura próxima das escadas, onde um largo e comprido corredor exibia diversas portas fechadas. – Se precisarem, é só nos chamar. – Ela sorriu. – Tenham uma boa noite!

– Obrigado. – Sam sorriu de volta.

– Ah, temos mais duas espingardas no hall. – Continuou a mulher. – Podem pegá-las. É bom se prevenirem!

Com um último e breve sorriso, Savannah Cross se retirou da sala, também subindo o lance de poucos degraus para o segundo andar.

– É bom não dormirmos todos separados. – Disse Road, se levantando do sofá.

– As duas, nós dois, Molotov e Sam. – Proferiu Hollywood, olhando para o ruivo. – Pode ser?

Todos concordaram. Molotov bagunçou os cabelos do menino com um sorriso e este retribuiu com uma divertida reclamação.

– Vou pegar as espingardas. – O ruivo caminhava para o hall. – Os punhais e revólveres estão em uma das malas. Qualquer coisa, gritem.

– Até amanhã. - Red sorriu fracamente para o irmão, desejou boa noite aos outros três, recebendo iguais comprimentos deles, e se retirou com uma calada Germany para o primeiro quarto destinados a eles.

Em poucos minutos, as luzes da sala de estar, da cozinha e do hall de entrada se apagavam quase simultaneamente, acompanhadas dos últimos passos dos sobreviventes até adentrarem seus quartos e deitarem em suas respectivas camas. A pousada dos Cross se preparava para um descanso ao som da tempestade lá fora, tão palpável e pulsante quanto o medo de Sam, a dor de cabeça de Road, as angústias de Red e Hollywood e a aflição dos corações de Germany e Molotov.




– Quanto tempo será que vamos ficar aqui? – Perguntou Red, com um cochicho.

As garotas já conversavam há vários minutos, incapazes de pegarem no sono tão rapidamente. Mal eram oito horas da noite; além de ainda estarem agitadas, com pensamentos turbulentos à tona e ouvidos atentos a qualquer ruído estranho – apesar destes serem constantemente encobertos pelo farfalhar de folhas molhadas e pingos intermitentes no quintal. O fato de estar despencando uma pesada chuva não as convenceu de que todos estavam totalmente seguros de algum ataque surpresa. Sabiam que, caso esse ataque viesse a ocorrer, as coisas se complicariam muito debaixo da tempestade, em especial durante a madrugada.

Sentadas de pernas cruzadas, de frente uma para a outra, as camas de solteiro bem próximas entre si, se comunicavam no mais baixo tom de voz que conseguiam, apesar do vento cortante que fazia constantes assobios nas venezianas.

– Não sei. – Respondeu Germany. – Mas acho que não muito, né? O senhor Cross não vai gostar que fiquemos aqui por muito tempo e precisamos voltar para a estrada o quanto antes.

– E se não tiver mais ninguém lá? – Estremeceu a ruiva, uma brisa gelada perpassando pelo quarto. – E se todo mundo estiver mesmo se extinguindo?

– Red, não deve fazer nem uma semana direito que isso tudo começou. Não imagino que essa epidemia toda consiga se espalhar pelo mundo todo tão rápido assim.

– Vai saber? Ela parece que vem nos seguindo... aonde quer que vamos já existem zumbis! Se não estão todos contaminados, pelo menos uma boa parte deve estar. - A ruiva engoliu em seco.

– Existem outras pessoas, eu tenho certeza. - Retrucou a morena, mas sem muita convicção. - Agora, se não tiver ninguém no oeste, nós vamos para outro lugar. Outro país, talvez... não sei.

– Tá, e se encontrarmos alguém, o que vamos fazer? Ficar juntos e tudo o mais, mas... e depois? Vamos combater todos os zumbis do planeta? Exterminar bilhões de pessoas mortas? É impossível!

– Alguém deve estar trabalhando em uma cura. – Germany fitou a parede atrás de Red, pensativa. – Se nós estamos conseguindo levar as coisas, outras pessoas também devem estar. Médicos, cientistas, militares, qualquer pessoa com mais experiência nessas áreas de... enfermidades e essas coisas. Algum laboratório deve estar estudando o que está acontecendo.

– Espero que sim. – Suspirou Red. – Mas... e se nós sobrevivemos por pura sorte? E se todas essas pessoas capacitadas pra salvar a humanidade não foram tão sortudas assim?

Germany permaneceu em silêncio. Qualquer resposta que desse para a ruiva não seria exatamente reconfortante, e a outra também sabia disso. Mergulhadas em seus próprios pensamentos, apenas ao som de trovões e de suas pesadas respirações, as garotas se calaram por longos minutos.

Após algum tempo centradas em suas angústias particulares, sobressaltaram-se com leves batidas na porta de madeira do quarto, às costas de Red. Trocaram olhares confusos, e um arrepio incômodo em suas espinhas tomou forma – alguma coisa estava acontecendo. A ruiva logo se virou na cama para olhar a entrada, já preparada para agarrar seu taco de críquete aos pés do colchão; mas, como não escutaram conversas no corredor, ou qualquer outra manifestação de perigo ou desespero, apenas esperaram a porta se abrir.

Uma figura alta e esguia logo apareceu entre o batente. A fraca luz do corredor permitia que a silhueta se iluminasse debilmente, impossibilitando exatamente de distinguir quem estava ali. As duas garotas, porém, logo identificaram o terceiro elemento.

– Molotov? – Perguntou Red, ainda ligeiramente desconfiada. – Tá tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

– Tá tudo bem sim. – Respondeu ele, com certa hesitação na voz. – Só não consigo dormir.

– Nós também não. – Continuou a ruiva. – Na verdade, acho que nunca mais vou voltar a dormir totalmente bem.

– Pois é.

O rapaz se calou, ainda estático entre a porta e o quarto. Red o fitava com curiosidade, esperando o momento para ele revelar o real motivo de ter aparecido em seu quarto – apesar da garota já ter suas suspeitas. Germany sentia todos os músculos de seus ombros e mãos enrijecerem e uma sensação incômoda, uma ansiedade diferente, se apoderar de seu estômago.

Permaneceu calada, imóvel e corada. Sua irritação com o modo como se trataram anteriormente não havia se esvaído, mas apenas o fato dele ter ido ali fez parte de sua fortaleza teimosa e impassível se desmantelar. Já o moreno parecia lutar brevemente para reiniciar a conversa, como se hesitasse em se pronunciar; mas, por fim, respirou fundo e deu alguns passos à frente.

– Germany. – Chamou ele, com convicção. A morena arregalou levemente os olhos. – Eu, ahn... Será que... a gente podia conversar? É... coisa rápida.

A garota ainda fitava sua disforme silhueta, não conseguindo identificar exatamente seus olhos, mas sabendo que ele sustentava seu olhar. Um nó se formou em sua garganta e ela demorou a responder. Red abriu um sorriso.

– Eu vou lá pra sala. – Disse a ruiva, sem conseguir evitar um agudo tom de animação na voz.

– Não precisa. – Retrucou a morena, bruscamente. – Pode ficar, nós vamos pra lá.

– Dorme, Red. – Reforçou Molotov, num misto de contrariedade e alívio. Caso suas pretensões em se desculpar com Germany obtivessem sucesso, não sabia o quão longe a conversa poderia ir se permanecesse sozinho em um quarto com ela... Tentou evitar pensar desta maneira, mas logo concluiu que não era exatamente uma má opção. No entanto, no intuito de evitar novos possíveis atritos com o gênio inflamado da garota, resolveu por colocar seus outros anseios de lado. – Já disse... não vai demorar.

Red acenou rapidamente com a cabeça e desviou os olhos para Germany, num encarar bastante significativo. Ignorando o brilho divertido dos olhos verdes, a morena sorriu muito brevemente para o rapaz, contornou a cama da ruiva e se dirigiu para a porta. Molotov se afastou para o corredor, permitindo passagem para a garota, e pela primeira vez ela pôde vê-lo completamente. A expressão enigmática que ele exibia a confundiu ainda mais.

– Tchauzinho. – Acenou a ruiva, ainda sorrindo, até os dois retribuirem o gesto e o sutil clique da porta se fechando ser ouvido.

Com um suspiro de triunfo, Red deitou em sua cama, escutando os passos dos dois morenos se afastando gradativamente e sendo logo encobertos pela melodia daquela noite chuvosa.


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Notas finais do capítulo

Ficou mais curto do que eu pretendia. Estranho.
E tem bastante diálogo, eu sei. Mas sabe, me inspirei bastante quando o Road e o Hollywood estavam conversando. Sei lá, hahahah
Tô ansiosa pro próximo. Sério, hahahahhhahaa
Até!