Certo, eu estava ficando cada vez mais maluca desde o incidente do livro de magia negra na minúscula loja de livros do senhor Parker em New Jersey, onde eu trabalhava. Agora eu me encontrava em Lisboa, Portugal, acompanhada por um cara que tem a ligeira impressão que me conhece há muito tempo e eu sinto a mesma coisa para com ele. Além do fato que tinha um demônio mal humorado na minha cabeça que se pronunciava na hora que bem desejasse.

– Legal... – resmunguei.

– O que você disse? – perguntou Jim gritando, por causa do som alto que vinha da boate perto do bar.

– Não foi nada. Por que não saímos daqui? – falei.

– Ah... Eu esperava que você dissesse isto! – exclamou ele agarrando meu pulso e me arrastando para longe do bar.

Caminhamos um pouco até um cais e até que ele se virou bruscamente e perguntou:

– Você quer me conhecer mais não é? – disse ele.

Meneei a cabeça positivamente

– Então você vai gostar do que vai descobrir... – murmurou ele e depois continuou: – Gosta de perigo minha cara?

– Sim! Perigo é meu sobrenome. – respondi de pronto.

– Certo, então! Vou levá-la para conhecer meu mundo.

Ele me levou para a parte mais escura do cais, onde existia um enorme portão de ferro, de quase três metros, enferrujado com uma placa pequena escrita: “Entrada proibida” e outra com: “Não ultrapasse cão feroz.”

– Vamos pular certo? – disse ele tenso. – Agora cuidado para não se machucar.

Bem que essa cerca poderia ser um bom começo para testar a minha força sobrenatural... Mas o Jim irá estranhar... , Pensei.

HAHAHA! Gargalhou Sari em minha cabeça, Ah e como ele vai... Você não...

Cale-se!, Exclamei mentalmente interrompendo-a, Não quero escutar suas tolices!

Depois diga que não avisei, hein! , falou ela.

– Está com medo Saori? – provocou Jim com um sorriso malicioso.

– Não! – exclamei nervosa, e corri em direção à enorme grade, agarrando-me sem usar muita força no topo e depois me lançando como um gato e caindo de pé de costas para onde Jim estava.

Ouvi um pigarrear e me virei para encarar Jim, que me olhava curioso e espantado.

– Certo. Você tem algum parentesco com gatos? – perguntou ele rindo.

Eu sorri mostrando todos os meus dentes dizendo:

– Miau! – fingi miar.

Ele revirou os olhos negros e correu para a grade. Com um pouco de força ele escalou rapidamente ela e depois pulou caindo agachado ao meu lado.

– Vamos! – murmurou ele, levantando-se e segurando novamente meu pulso para mais uma nova corrida.

Quando atingimos mais ou menos cinco minutos correndo pela escuridão, tivemos um encontro nada agradável com o tal cão feroz da placa e o possível dono dele, um velho corcunda e cabeludo. Até pensei em perguntar se ele tinha algum parentesco com o corcunda das historias infantis, mas fiquei calada. Percebi que Jim mais uma vez estava tenso ao meu lado e esperei para ver o que acontecia.

– O que fazem aqui? – quis saber o homem.

Ouvi algo como : “ Droga, eu tinha esquecido eles” sair da boca de Jim, que estava hesitante ao meu lado.

– Não é da sua conta! – exclamou Jim. – Eu já disse uma vez, esse lugar não é de vocês por isso não se metam!

– Esse lugar é meu sim! Sou o dono daqui e tenho o direito de saber o que humanos obsoletos como vocês fazem aqui! – disse outra voz. De imediato percebi que a voz vinha de alguma coisa ao lado do velho... Minha nossa! Era o cachorro!

Tremi levemente, por causa da agitação e Jim apertou meu pulso pensando que eu estava com medo.

Ele se preocupa comigo... Que bonitinho, nunca se preocuparam comigo desta forma..., pensei, Mas não posso ficar calada e só olhar.

– Saiam da frente agora! – gritei firme dando um passo a frente me libertando da mão de Jim. – Se esse lugar é de vocês ou não por mim tanto faz, mas apenas saiam! E rápido!

O homem falou algo que não entendi e fez um gesto obsceno e o cachorro soltou um latido agudo e enraivecido.

– Quem pensa que somos sua humana tola? – gritou o velho de volta.

– Como ousam falar assim... – disse Jim, mas eu o interrompi antes de terminar.

– Ora sou a senhora dona de suas almas! – exclamei. Não sabia muito de onde vinha aquilo, mas depois me lembrei de Sari.

Ela tinha o controle do meu corpo, então minha voz também era sua.

Deixe comigo, eu os conheço há muito tempo. Estão em divida para comigo, disse Sari em minha mente.

O.k. Eu não vou interferir mesmo. Faça como quiser, respondi.

Depois da rápida conversa mental com o demônio em minha cabeça, voltei para a realidade. Vi que Jim me encarava com uma leve perturbação em seus olhos. Voltei a olhar o corcunda que fitava o cão enorme e depois encarou a mim e a Jim, dizendo:

– Quem pensa que é? – perguntou ele. –Por acaso pensa que eu...

– Cale-se. Pensa que eu quero escutar suas palavras tolas Yago? – falei para o velho corcunda.

– Como você sabe meu nome... Espere aí... – gaguejou Yago. – Não pode ser...

– O que houve seu idiota? – ganiu o cachorro.

– É ela... Ela... – sussurrou o velho apenas para o cachorro, pensando que eu não ouviria. Incrível minha audição estava melhorando a cada dia.

E vai ficar muito melhor quando chegarmos ao nosso destino...., disse Sari.

– Não, ela está presa! Tenho certeza... – falou o cachorro.

– Você quer dizer estava, certo Simon? –especulei.

– É você mesmo Senhora... Mas está tão diferente. – disse o cão.

– Digo o mesmo dos dois idiotas. – respondi.

– Não, não Senhora. Está aqui são apenas formas que tomamos aqui para não nos reconhecerem... – murmurou Yago.

– Veja vamos voltar para nossa aparência normal. – disse Simon voltando a ter sua aparência “normal”. Primeiramente ele ficou ereto e foi tomando a forma de um homem alto e magro, muito bonito por sinal, com cabelos negros e olhos da mesma cor e com uma pitada de malícia para tirar o fôlego de qualquer garota. Yago também ficou ereto e sua corcunda desapareceu, seu rosto carrancudo tornou-se belo e nas suas costas surgiram asas negras de morcego. Era como estar de frente ao cara mais lindo do mundo e o conde Drácula mais incrível da humanidade.

Um assobio escapou por entre meus lábios, com a transformação deles.

Nossa... Bem que dizem que aparência não define caráter..., Pensei.

Quando olhei para o lado, Jim estava com a boca escancarada e seus olhos indicavam que ele estava muito perturbado.

Eu não devia ter o deixado ver essas coisas, Pensei.

Isso é besteira! , Pensou Sari, E para você saber ele não está nenhum pouco perturbado olhe bem para ele. Ele está....

Surpreso..., pensei enquanto fitava Jim, Mas por quê?

Nossa você é lerda, disse Sari em minha mente, As aparências enganam....

– Você não é humano não é. – ponderei.

– Não totalmente... – sussurrou ele abaixando a cabeça.

– Você os conhecia, mas nunca tinha visto suas formas normais, não é mesmo? – indaguei.

– Sim, e nunca pensei que se transformariam na minha frente ou na frente de uma... Humana? – murmurou Jim com duvida.

– Sou humana e sou demônio, sou um ser híbrido acho. – expliquei.

Jim suspirou e depois continuou:

– Também sou um híbrido. Sou filho de um demônio com uma humana... – murmurou ele abatido.

– Senhora me perdoe à interrupção. – disse Simon. – Mas como conseguiu se libertar?

–Eu a libertei, eu Saori, descendente da mais poderosa criatura infernal Sari. – falei sem pensar.

Eu não sabia deste fato... Quer dizer que não foi por acaso?, Pensei.

Nada na vida é por acaso, respondeu Sari indiferente.

Então estava tudo confuso. Meus pensamentos se fundiam com os delas, eu já não escutava quase mais a sua voz em minha mente... As memórias dela e as minhas eram agora uma só. Uma corrente elétrica atingiu meu corpo e eu vi o mundo girar.

– Senhora você está bem? – gritaram os três homens correndo e segurando meu corpo antes que eu atingisse o chão.

– Não... Não me chamem de senhora! Saori, meu nome é Saori! – exclamei nervosa e depois tudo ficou mais escuro do que já estava.

Não sei bem por quanto tempo fiquei desmaiada, mas foi bastante para que a lua chegasse até o topo do céu.

Abri meus olhos devagar para ter certeza que o mundo não estava mais girando. E observei que já não estava mais naquela escuridão do cais e sim num telhado iluminado pela lua e pelo céu estrelado, os demônios haviam sumido e apenas Jim encontrava-se ao meu lado sentado abraçando os joelhos.

– Aqui é um bom lugar para descansar um pouco a mente e observar a lua cheia... – sussurrou Jim fitando o céu.

A luz da lua o deixava mais belo ainda, me deixando um pouco tonta.

Nossa o que estou dizendo?, Pensei, Não posso me apaixonar e condená-lo para minha sina. Posso?

Tentei esquecer um pouco as coisas e fita-lo novamente. Havia nele uma coisa que eu não tinha notado um cordão de prata que ostentava uma cruz ou era um laço, eu não soube dizer, em seu pescoço. Parecia delicado e muito bonito.

– O que é isto? – perguntei levantando-me e esticando a mão para tocar seu colar, mas ele se afastou hesitante e depois suspirou.

– Desculpe... É que... – ele pareceu pensar um pouco no que iria dizer e depois continuou com outra resposta. – Bem... Isto é um ankh. Um símbolo egípcio de poder e vida, muito antigo. –respondeu ele.

– Ah... Você o ganhou certo? – especulei.

– Sim, eu o tenho desde bebê. Ele é como um tipo de proteção pra mim... – admitiu.

Percebi que ele não ficava muito a vontade em falar sobre o tal de ankh e parei de fazer perguntas apenas fitando a lua.

Daqui a alguns dias ou semanas, não sei, Pensei, Não poderei ver mais o céu. Ele é tão lindo... Sentirei saudades da única coisa que os homens não destruíram totalmente no mundo...

Suspirei.

Eu não sabia o que aconteceria quando atingisse meu destino e o que eu encontraria, mas estaria preparada para o que der e vier. Ou eu não me chamava Saori Wu.