Rebeca se virou suavemente em seu sono e pouco a pouco foi abrindo os olhos. Ela lentamente sentou na cama, bocejou baixinho e olhou em volta. “Melhor eu me arrumar, hoje é um grande dia para Nárnia”, pensou e saltou para fora da cama.

Foi até o armário de vestidos e tirou um amarelo dourado de dentro, da cor de sua tenda. Procurou por sua armadura, por suas botas e suas armas. Pouco tempo depois e já estava pronta.

- Oto, venha cá! – ela escutou a voz de Oreius do lado de fora – Os ferreiros já estão todos acordados? Preciso de uma espada de última hora.

Rebeca deixou a tenda. E nesse momento, alguns narnianos que estavam por ali pararam para observar a garota. O vestido amarelo dourado combinando com a tenda, uma fina cota de malha por cima e uma couraça que reforçava a proteção. As botas marrons bem presas servindo de proteção e esconderijo para a pequena faca que ela sempre carregava. Na cintura uma bainha com a espada, no braço uma braçadeira e nas costas o arco e a aljava pendurados.

- Cavaleira, precis-...

- Rebeca! – Pedro apareceu correndo e interrompeu Oreius - Rebeca! As árvores dançarinas mandaram uma mensagem de Susana e Lúcia. É importante!

- Se chamam dríades... – Rebeca comentou risonha e então ficou séria – O que foi que elas disseram?

- É sobre Aslam. Ele entregou o sangue dele para a Feiticeira no lugar de Edmundo. E ontem... Ela o matou, numa tal Mesa de Pedra. – Pedro falou pausadamente.

O rosto da Cavaleira se apagou e ela lutou para segurar as lágrimas. Não iria chorar, não enquanto uma batalha estivesse prestes a acontecer. E com essa batalha, ela conseguiria sua vingança. Pedro estava a observando, pensando se deveria ou não a consolar, esperando que ela falasse para cancelarem a batalha e procurarem Aslam e as irmãs do garoto.

- É melhor irmos para a tenda central resolver isso. – Rebeca disse encarando Oreius – Temos que resolver ainda onde vamos posicionar o exército.

O centauro assentiu e Edmundo apareceu, juntando-se ao grupo que seguiu para a tenda de Aslam, onde o Comando de Guerra estava reunido. Oto estava lá e outros comandantes também.

- Aslam está morto. – Oreius anunciou e um tumulto percorreu o lugar.

- Morto pela Feiticeira. – Rebeca continuou e encarou cada rosto – Temos que escolher quem vai tomar a responsabilidade de primeiro no comando.

- Eu acho que deve ser você. – Pedro afirmou observando a garota.

Muitos concordaram e Oto comentou:

- A Cavaleira Rebeca e Oreius são os segundos no comando, qualquer um dos dois merece.

O tumulto aumentou. Alguns cavaleiros que haviam acabado de chegar concordavam com os comentários e os narnianos conversavam entre si sobre qual seria a escolha.

- Não! Grande Rei Pedro é nossa melhor opção. – Rebeca exclamou para todos – Aslam confiava nele assim como confia em mim e em Oreius. Aslam acreditava nele e eu também acredito.

Os olhos dela brilharam na direção do Rei. Pedro tinha estado prestes a protestar, mas saber que aquela garota que já tinha lutado bravamente milhões de vezes acreditava nele, no simples garoto humano, era um sinal de que quem sabe ele conseguisse.

- Majestade? – Oreius chamou – O exército da Feiticeira está se aproximando. Dê as ordens, senhor.

O garoto assentiu com a cabeça e observou o mapa que estava na mesa de comando. “Como vou fazer isso? Eu não conheço os territórios de Nárnia, eu não sei escolher um melhor lugar para batalhar. Eu não entendo muito de guerras.”, Pedro pensou e então viu Rebeca do outro lado da mesa, “Mas eu conheço alguém que sabe.”. Pedro se aproximou da garota lembrando-se da vez em que ela demonstrou para ele as habilidades de rastreadora. Chegou bem perto de seu ouvido e murmurou:

- Eu vou fazer isso, mas eu preciso da sua ajuda.

O Grande Rei pegou a mão da Cavaleira e a puxou para perto do mapa. Rebeca olhou para o rosto dele e viu uma expressão de desespero. Ela apenas riu e começou a examinar os desenhos no pergaminho.

- Aqui. – ela falou sem hesitar, um de seus delicados dedos tocando um campo que o mapa mostrava – Desde pequena imaginei a guerra aqui.

- Passo do Beruna. – Pedro observou a região ilustrada.

- Isso mesmo, o local onde neste dia vai ocorrer a Batalha do Beruna. – Rebeca recitou o nome que ela tinha dado para o conflito – Eu já tinha tudo planejado.

- Eu gostei bastante. – Pedro sorriu.

Ela sorriu de volta e então Oreius chamou os dois para discutir a posição das tropas.

***

Um campo longo e verde se estendia a frente. Pedro olhou em volta, aguardando o que iria acontecer. Ele observou com o canto dos olhos a garota usando vestido amarelo dourado ao seu lado. Ela estava olhando para a margem do Rio Beruna, parecendo extremamente concentrada e confiante. Um grifo cruzou o céu e pousou ao lado da Cavaleira.

- Estão aqui, alteza. E em número e armas que superam em muito os nossos. – ele anunciou.

- Números não vencem batalhas, Nix. – Oreius começou.

- Aposto que ajudam... – Pedro se atreveu a comentar.

General Otmin, o minotauro leal a Feiticeira, apareceu primeiro. O machado empunhado com força, liderando as tropas. Gigantes, anões, leopardos, outros minotauros. E no centro, usando a juba de Aslam, estava a Feiticeira Branca. As ordens de Otmin para avançar foram ouvidas e o exército da Feiticeira iniciou o combate, avançando rapidamente. Pedro levantou a espada, dando o sinal para os grifos, e Nix saiu conduzindo o grupo. Pedras foram lançadas e uma pequena parcela das tropas da Feiticeira diminuíram.

- Você está comigo? – Pedro virou-se para Rebeca, impaciente.

- Até a morte. – ela acenou com a cabeça e sorriu.

O Grande Rei encarou a batalha a frente e respirou fundo. Então relanceou os olhos para a garota ao seu lado mais uma vez e se sentiu mais confiante. Levou a espada ao ar de novo e gritou com todo o ar de seus pulmões:

- Por Nárnia e por Aslam!

O exército avançou num repente e o tempo pareceu parar. Por uma fração de um minuto apenas o barulho de passos e galopes eram ouvidos. As onças e tigres tomaram a frente de cada exército, alcançando uma velocidade única, esperando serem as primeiras a atacar. O som pareceu ter sumido, mas assim que o encontro entre felinos aconteceu, ele voltou. Rugidos, metal contra metal, choque entre cavaleiros e escudos. Oreius avançava rapidamente, eliminando oponentes. O Grande Rei mantinha um olho no que estava vindo em sua direção e outro olho na Cavaleira, que lutava com perfeição. Mesmo assim ele estava preocupado com ela, pois a garota tinha insistido em não usar um capacete, dizendo que iria pesar demais. Uma lâmina passou perto da cabeça de Rebeca, fazendo Pedro se encolher. Ele estava tão distraído que não percebeu Otmin se aproximar dele com o machado acima do chifre, pronto para um golpe. Ele se virou rápido no cavalo para se defender com o escudo. Sentiu um tremor subir pelo braço quando a arma do minotauro atingiu sua proteção e quando se virou mais uma vez para atingir o outro, o ser havia sumido. Otmin reapareceu somente alguns segundos depois, travando um confronto com Rebeca, mas Pedro perdeu os dois de vista por conta de um ogro que avançava contra ele.

Edmundo observava a batalha do alto de uma montanha próxima. A Feiticeira o encarava de sua posição e começou a avançar com a última parcela do seu exército.

- Fogo! – anunciou Edmundo após analisar mais uma vez a guerra.

Um centauro ao seu lado lançou uma flecha de fogo e logo uma fênix em chamas surgiu planando pelo ar. Ela passou pela fronte do exército inimigo e criou uma barreira entre as tropas, a qual não durou muito porque a Feiticeira logo a desfez com gelo. Mais avanço de ambos os lados. Edmundo observou seu irmão perder o capacete.

- Pedro, recue! – Rebeca avisou, cavalgando para perto do garoto.

- Recuar! – ele rugiu para os narnianos – Levem eles até as rochas!

A Cavaleira e o Grande Rei atraíram o exército inimigo e os arqueiros soltaram uma saraivada de flechas, atingindo uma grande parcela das tropas da Feiticeira. Um anão negro que estava mais a frente de suas tropas lançou uma flecha e acertou o cavalo do Grande Rei, fazendo-o ser jogado para longe.

- Pedro! – Rebeca gritou e conduziu Serena para onde ele estava, mas foi impedida por outro minotauro que bloqueou seu caminho e forçou uma batalha entre os dois. Ela olhou em volta procurando por ajuda – Oreius aqui!

O centauro procurou rapidamente pela voz. Pedro continuava no chão e a Feiticeira se aproximava do garoto indefeso. Rebeca e seu oponente giraram em seu duelo e a menina observou Oreius se dirigir até a ilegítima Rainha de Nárnia. O Grande Rei se levantou rapidamente para impedir, mas tarde demais. O centauro enfrentou cada inimigo em seu caminho até chegar ao seu objetivo. Otmin tentou impedi-lo e foi morto pela fúria estampada nos olhos do ser. A mulher gélida impediu o primeiro ataque, a segunda investida e então...

- Não!! – Rebeca gritou quando a varinha da Feiticeira atingiu Oreius – Pedro, estamos perdendo muitas parcelas!

- Edmundo, são muitos! Saia daqui! Vá com as meninas para casa! – disse o Grande Rei olhando em volta. Então viu a Cavaleira lutando com três oponentes – E leve Rebeca também! Vá!

O Castor arrastou Edmundo colina acima. Rebeca ouviu Edmundo mandando ela vir junto, mas o ignorou e continuou ali lutando, pedindo para que os Castores levassem Serena junto. O irmão mais novo viu o Grande Rei perdendo seu duelo e a Feiticeira se aproximando com a varinha em mãos.

- Seu irmão mandou você vir! – Castor chamou Edmundo quando o garoto voltou para a batalha brandindo a espada.

- Ele ainda não é rei para mandar em mim!

Rebeca se aproximou da Feiticeira e estava pronta para uma investida, até Edmundo se meter em seu caminho. Com um único golpe o garoto partiu ao meio a varinha da Rainha, deixando-a furiosa. Pedro virou-se rapidamente para observar o que estava acontecendo.

- Rebeca! – ele gritou, já que ela era quem estava mais próxima do duelo – Rebeca, é Edmundo!

A menina correu até os dois, colocando seu escudo no caminho entre a Feiticeira e Edmundo.

- Vá, Edmundo! – ela mandou, mas ele resistiu. A Cavaleira apenas revirou os olhos – Tudo bem, pode ficar. Mas vá para perto das rochas.

O irmão mais novo assentiu e se afastou. Rebeca lutou bravamente contra a mulher gélida. Um golpe acertou seu ombro e a menina caiu. O Grande Rei se aproximou rapidamente da Rainha antes que qualquer um fosse atacado por ela e Rebeca recuou, deixando a batalha para o garoto, mas se mantendo perto o suficiente caso ele precisasse de ajuda. Ambos lutaram bravamente, o duelo parecendo quase como uma dança. Precisão, agilidade, rapidez. Pedro foi atingido pela parte de trás da espada da Feiticeira Branca e foi ao chão. Recuperou-se e então o duelo continuou, com a mesma velocidade de antes, uma dança mortal.

- Pedro, olhe! – Rebeca chamou e no segundo seguinte um rugido foi ouvido.

Os olhos da Cavaleira brilharam, o Grande Rei tinha a boca levemente aberta em choque e a Feiticeira recuava alguns passos. Aslam com reforços. A esperança da vitória. Tumnus, Raposo e outros narnianos, agora estavam vivos, ali atrás de Aslam, esperando para lutar.

- Cuidado! – Rebeca avisou o Grande Rei quando a Feiticeira levantou a espada na direção do garoto.

E mais uma vez a dança recomeçou. Agora com uma esperança maior da parte de Pedro. Três oponentes atacaram Rebeca por trás e a garota se envolveu em outro duelo, mantendo sempre um olho na batalha próxima a ela.

- Precisando de ajuda? – Tumnus apareceu atrás dela.

- Um pouco não seria problema. – ela riu ainda lutando.

Os dois lutaram lado a lado, protegendo um ao outro. Rebeca recebeu mais alguns golpes e a dor no ombro da investida da Rainha ilegítima penetrou nela, fazendo a cair próxima das rochas. Ao lado deles, Pedro também caiu e a Feiticeira o manteve no chão, pronta para o golpe final.

- A-Aslam! – Rebeca disse sem fôlego e apontou com a cabeça para o Grande Rei.

O Grande Leão já estava a caminho, se aproximando, correndo pelo gramado verde. Estava próximo, cada vez mais e depois... Acabou. A guerra acabou. Assim como tinha começado. Num repente, que então fez o tempo passar mais devagar.

- Pedro! – Susana e Lúcia apareceram prontas para lutar enquanto o Grande Rei se levantava – Onde estão Rebeca e Edmundo?

Então o mais velho se lembrou. Rebeca. Ela tinha caído por causa do golpe da Feiticeira. Pedro correu para as rochas, aonde Edmundo ajudava Rebeca a se levantar.

- Está tudo b-bem... – a garota respondeu ofegante e suavemente – Foi só um golpe no ombro.

- Só um? – Pedro riu com preocupação – Eu vi você levar vários!

- Ei, pelo menos eu não caí tantas vezes! – Rebeca riu junto com ele.

Ela começou a levantar e assim que estava de pé, Pedro a abraçou com força.

- Que bom que está bem. – murmurou em seu ouvido.

Ela riu mais uma vez. Aquela tinha sido uma grande batalha.