Manchas escrita por Juliiet


Capítulo 5
Capítulo 4




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   Minha cabeça latejava de dor. Gemi, levando a mão à testa e fui acometida por uma terrível crise de tosse.

   - Ei, calma - alguém disse ao meu lado. Por favor, fala comigo!

   Abri os olhos e a luminosidade daquele dia nublado me fez lacrimejar.

   - Qual o problema? - perguntei, fechando os olhos novamente.

   - Você desmaiou? - Paulo perguntou. Pela sua voz, o menino estava tenso. Ahá, aposto que se eu morresse de inanição por culpa dele, cassariam deu mandato de orgulhoso presidente do conselho estudantil.

   - Eu acho que sim, melhor eu te levar para o hospital continuou ele.

   - Ah, cala essa boca - resmunguei, o mau humor voltando com tudo. Estava deitada num banco de pedra do pátio. Aparentemente, Paulo havia me carregado até ali.

   Por algum motivo, que eu não era capaz de compreender, aquilo me irritava.

   - Eu não desmaiei porcaria nenhuma.

   Tentei me sentar, mas fiquei tonta e quase caí, e Paulo me segurou pelos ombros.

   - Eu não vou pra hospital nenhum, pára de me olhar desse jeito! - disse, ainda presa por suas mãos. Paulo me olhava como se eu fosse um caso perdido de insanidade mental.

   - Você está louca?! Já prestou atenção ao seu estado? Mal consegue ficar sentada sem ajuda! Isso sem falar nos seus machucados...

   - E isso tudo é culpa de quem, hein? - acusei, livrando-me das suas mãos para provar que não precisava da ajuda dele. - Se você quer realmente me ajudar, só me deixa ir para o quarto e me arranja alguma coisa para comer.

   O banco em que estávamos era o mais afastado e escondido, com uma árvore grossa nos protegendo de olhares curiosos. Não que houvesse alguém ali, todos estavam almoçando, felizes e contentes...O que me lembrava:

   - Mais alguns minutos e eu sou capaz de comer meu braço. - desabafei, encolhendo-me ainda mais no banco gelado. - Aliás, os dois.

   Paulo olhou para mim. Tipo, olhou mesmo, dentro dos meus olhos e tudo. O tipo de olhar que parece que quer ler você. Ele estava bem perto, agachado na minha frente, para que nossos rostos ficassem no mesmo nível. Eu devia estar parecendo uma babaca, mas ele estava...ok, confesso, ele estava bem atraente com aquela ruga de preocupação na testa, os olhos intensos e profundos grudados no meu rosto. Parecia estar tentando decidir se eu estava ou não em pleno uso das minhas faculdades mentais. Ou talvez apenas pensando se valia a pena fazer alguma coisa por mim ao invés de simplesmente me deixar ali para morrer.

   - Tudo bem, vamos - ele finalmente disse, suspirando. E antes que eu pudesse perceber o que ele estava fazendo, Chermont me pegou nos braços e me levantou.

   - Hahá, você já conseguiu fazer sua pose de machão, agora me põe no chão - murmurei, ainda fraca demais para gritar na orelha dele.

   O demônio me ignorou e continuou andando como se eu não pesasse nada. Tentei me soltar, mas não deu. Tinha bastante certeza que Paulo era mais forte que eu, mesmo em meus melhores dias.

   - Anda, me solta! - tentei mais uma vez.

   - Cala a boca - ele mandou, apertando-me contra ele. - Você está com muita energia para quem acabou de desmaiar. Agora me rodeie com as suas pernas.

   - O quê? - engasguei. - Que brincadeira é essa?! E eu não desmaiei!

   - Vai ficar mais fácil para te carregar - respondeu.

   - Nem pensar!

   Paulo só revirou os olhos e colocou ele mesmo minhas pernas ao redor da cintura dele. Envolvi seu pescoço com os braços para me equilibrar e me perguntei mentalmente por que estava me sentindo tão envergonhada. Ele só estava me carregando! Não tinha porque eu ficar daquele jeito. Até porque, já estive em situações muito mais embaraçosas com outros garotos e não me senti nem um pouco desconfortável. Por que agora então, eu me sentia ruborizar? Meu coração batia acelerado, minha respiração estava curta e ofegante e eu estava mais ciente de todas as partes do meu corpo que tocavam o de Paulo. As mãos dele e a pele suave do seu pescoço eram quentes e eu estava com frio.

    Chermont atravessou o pátio sem demonstrar o menor esforço e foi em direção ao meu dormitório, que estava vazio. Ou parecia estar vazio, eu meio que não estava prestando muita atenção no resto do mundo.

   - Onde é o seu quarto? - perguntou-me quando chegamos ao prédio.

   - Segundo andar - respondi, e quando chegamos lá, indiquei a porta.

   Entramos e ele me colocou na cama com muita delicadeza. Ainda o ouvi dizer então você é colega de quarto da Luma? Isso vai ser interessante antes que ele saísse do quarto. Virei para o lado e dormi.

   Senti como se tivesse acabado de fechar os olhos, quando alguém tocou meu ombro e me balançou, chamando meu nome.

   - Que é? - perguntei, mal humorada.

   - Eu demoro quinze minutos para te conseguir comida e você dorme - Paulo respondeu, com riso na voz. - Anda, dorminhoca, levanta para comer.

   Levantei-me, com dificuldade, e sentei na cama. Estava mais cansada do que um dia imaginei que seria possível.

   - Não é romântico? - Paulo disse, olhando fixamente para mim, com um sorrisinho debochado. - Eu te levo para a cama, depois ainda trago comida para você. Você devia estar sorrindo, não me olhando com essa cara feia.

   - Desculpe, não tenho outra. E não sei onde você vê romantismo nessa situação.

   Ele apenas sorriu e colocou uma bandeja no meu colo. Macarrão com queijo. Não gosto muito de queijo, mas a fome foi mais forte e eu ataquei o prato como se fosse a primeira comida que eu via em semanas.

   - Ei, coma devagar - Paulo aconselhou, me dando um copo de chá gelado. - Você vai acabar engasgando.

   - Por que é que você ainda está aqui? - perguntei, depois de tomar um longo gole do chá gelado. - Você não tem nenhuma aula para assistir? Alguém para perseguir?

   - Não, Srta. Complexo De Perseguição. Você é o único alvo na minha lista. E eu sou monitor, nunca mato aula. Quando falto, é porque eu tenho coisas mais importantes para fazer.

   - Cínico! Anda, me deixa em paz, vai logo embora daqui! O que é mais importante para você do que assistir aula?

   - Cuidar de você, é claro. Ou acha que eu seria capaz de te deixar desse jeito, machucada e desamparada?

   - Desamparada uma ova! Posso me cuidar sozinha e não quero nem preciso da sua ajuda!

   - Ah, como você é barulhenta, garota! - Paulo revirou os olhos e colocou uma caixa de primeiros socorros em cima da cama. - Peguei no banheiro quando fui buscar seu almoço. Agora cala essa sua boca e come.

   Fiz o que ele mandou, mesmo morrendo de ódio por dentro. Bom, eu estava com fome e se o queijo esfriasse, ia ficar parecendo uma borracha, impossível de comer. Além disso, percebi que aquele teimoso ia fazer o que quisesse, mesmo que passasse por cima da minha vontade. Dane-se, se ele queria ficar bancando o enfermeiro, eu não iria mais impedi-lo.

   Enquanto eu me concentrava na comida, Paulo tirou meus sapatos, limpou meus joelhos e minhas mãos com anti-séptico e fez curativos. Ele estava sendo delicado e cuidadoso, então eu não sentia dor nenhuma. Mas fiquei desconfortável e ruborizei quando ele tocou nas minhas pernas para limpar o sangue seco.

   Julieta, o que está acontecendo com você?

   - Bom, seu pé não está torcido - declarou Paulo guardando tudo de volta dentro da caixa de primeiros socorros. - Mas vai incomodar um pouco por alguns dias. O corte na sua mão foi o mais sério, como foi que aconteceu?

   - Com um caco de vidro da janela - respondi, limpando a boca com o guardanapo. Já havia acabado de comer.

   Paulo me olhou consternado por um momento, mas depois balançou a cabeça e continuou:

   - Eu acho que não precisa de pontos, mas seria bom se você fosse à enfermaria mais tarde para ter certeza.

   - Tá. Você pode ir agora.

   Ele se levantou e me olhou com raiva.

   - Você acha que eu sou seu empregado? Acha que pode simplesmente me dispensar assim?

   - Você que insistiu em fazer tudo isso - respondi com indiferença, olhando para a janela. - Eu não pedi em nenhum momento para você cuidar de mim.

   Eu não entendia. Não entendia nada. Só o que eu sabia é que eu precisava que ele ficasse longe de mim.

   Paulo segurou meus ombros com força e me obrigou a olhar para ele.

   - Não vai nem agradecer? - perguntou.

   - Não, você não fez mais que a sua obrigação. A culpa disso tudo foi sua, lembra? Aliás, você não vai pedir desculpas?

   - Não. - respondeu simplesmente, sério.

   - Por que não? - perguntei, indignada.

   Paulo hesitou, abriu a boca para falar, mas fechou-a de novo. Depois sorriu, como se estivesse se lembrando de uma piada engraçada, mas não quisesse compartilhá-la comigo.

   - Porque eu tive uma desculpa para tocar nessas suas belas pernas - respondeu, por fim.

   - Bastardo! - gritei, furiosa, atirando a bandeja em cima dele. Ele apenas desviou e saiu do quarto, ainda rindo.

   Desgraçado! Esse garoto estava pedindo para morrer, e eu fazia questão de matá-lo!

   Levantei-me e troquei meu uniforme por um moletom confortável e voltei para a cama, ignorando os cacos do prato espalhados pelo chão. Estava cansada e ia tirar o resto da tarde para dormir e não estava nem aí para as aulas que ia perder. Aquele monitorzinho de quinta provavelmente ia me deixar em paz por enquanto. Pobre dele se não deixasse! Enrolei-me no lençol e fechei os olhos, visualizando todas as possíveis formas de matar aquele bastardo. Não demorei muito para cair no sono.

   - Será que ela está doente?

   - Ela não parecia bem na aula.

   - Pegou um resfriado?

   - Paulo disse para nós a deixarmos em paz.

   - Ele também disse para nós nos certificarmos de que ela coma direito. Já é hora do jantar!

   - Você realmente quer aparecer com essa garota no refeitório, Willa? Paulinho que me desculpe, mas ele não podia ter escolhido uma garota menos problemática como protegida?

   Revirei na cama. Por que essas garotas não calavam a boca? Não podia nem dormir sossegada nesse lugar?

   - Luma, ela está acordando!

   Com muito esforço, consegui abrir os olhos. Luma e Willa me encaravam do outro lado do quarto, como se eu fosse um ser alienígena.

   - Será que dá pra fechar a matraca? - soltei, fuzilando-as com o olhar.

   As duas pareceram ficar sem reação por um momento, mas depois, Luma cruzou os braços e disse, com uma expressão altiva:

   - Está na hora do jantar, viemos buscar você.

   Soltei uma risadinha cética.

   - Eu não tenho paciência para joguinhos. Vão pro inferno.

   Willa soltou um muxoxo.

   - Não estamos fazendo joguinho nenhum. Estamos aqui porque o Paulo pediu.

   - Ah, o que aquele idiota quer agora? - perguntei, revirando os olhos.

   Luma e Willa me fitaram, surpresas.

   - Por algum motivo, que ele não quis compartilhar com a gente, Paulo mandou que nós levássemos você para o refeitório na hora do jantar. Disse que você estaria dormindo aqui. - Luma disse, parecendo contrariada.

   - Todas as outras garotas já foram, nós estávamos esperando você acordar - disse Willa baixinho.

   Ignorei-as e me levantei, pegando minha escova de dentes e saindo do quarto.

   - Ei! - chamou Willa. - Onde você vai?

   - Escovar os dentes, gênio.

   - Paulo mandou esse uniforme para você, - disse ela, indo atrás de mim com um uniforme limpo e dobrado nas mãos, que só agora eu notara. - Parece que o seu ficou sujo.

   Sujo, é. Destruído seria mais apropriado.

   - Nem se incomode em ficar me esperando - disse, arrancando as roupas das mãos dela. - Não tenho interesse na companhia de vocês.

   Dei às costas e entrei no banheiro. O que estava acontecendo, afinal? Por que aquelas duas passaram a falar comigo? E que história era aquela de Paulo mandou, Paulo disse? Todo mundo fazia o que ele mandava, por acaso?

   Cheia de ódio, troquei de roupa, colocando o uniforme Paulo havia mandado mais por falta de opção do que qualquer outra coisa. Estava me sentindo bem melhor agora que tinha dormido bastante e me sentia pronta para acabar com a raça daquele monitorzinho remelento. Tirando a tosse o nariz entupido, eu estava como nova.

   Estava quase pronta, só faltava colocar o casaco, a meia calça e os sapatos. Paulo havia lembrado até disso e junto com o uniforme, havia um par novo de sapatos pretos. Quando pequei o casaco para vesti-lo, uma coisa branca caiu no chão. Abaixei-me para pegar e parei, surpresa, quando vi o que era.

   Um par de meias brancas de algodão. Maravilhosas e curtinhas.


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Notas finais do capítulo

Não me abandonem, deixem reviews :(