Manchas escrita por Juliiet


Capítulo 34
Capítulo 33


Notas iniciais do capítulo

Gente, nao tenho muito tempo D:
Desculpem a demora, de verdade. Nyah nao é confessionario nem diva de psiquiatra pra eu contar meus problemas, mas eles existem e infelizmente, estao afetando meu tempo pra escrever :(
Desculpem-me.
Espero que gostem do capítulo.



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Fiquei paralisada por alguns instantes e só o som alto e metálico da lata de tinta batendo no chão me tirou um pouco do meu torpor. Eu nem percebi quando a lata escapou da minha mão.

— Julieta...Srta. Vaughan... — a irmã Manuela não conseguia nem expressar seu horror. Talvez freiras não estivessem acostumadas a lidar com vandalismo, então ela nem tentou. — Venha, acompanhe-me até o gabinete da madre superiora.

Minha garganta se apertou. Eu não estava funcionando na minha velocidade normal - talvez pela noite em claro, talvez por meu cérebro ter virado pudim nas últimas horas -, eu simplesmente estava tendo dificuldades para compreender a realidade, como se ela estivesse meio apagada nas bordas. Nem a voz da irmã Manuela soava muito real. Eu a ouvia como se tivesse água nos ouvidos. Tudo parecia ter uma textura de sonho. Mas não era um sonho e não duraria por muito tempo.

De fato, à medida que eu começava a entender a expressão — e as palavras — da mulher à minha frente, minha visão começou a ficar menos embaçada; a realidade, mais sólida.

— Vamos, Srta. Vaughan! — a freira não estava gostando do meu silêncio. Ótimo, eu também não. Mas eu parecia incapaz de juntar pensamentos suficientes para formar uma frase coerente.

Ao ver que eu continuava parada e calada, irmã Manuela se aproximou e agarrou meu braço, logo acima do cotovelo. Sua mão era pequena e parecia frágil, mas eu podia sentir a promessa de força em seus dedos mesmo através da roupa.

No entanto, o toque me fez "acordar" totalmente. Todos os meus sentidos começaram a funcionar ao máximo, de repente. Pude perceber o olhar irritado e assombrado no rosto bonito de irmã Manuela; suas sobrancelhas estavam quase unidas, de tanto que seu cenho estava franzido. Ela continuava falando comigo e agora eu podia ouvi-lá perfeitamente. Ela falava sobre falta de limites e respeito, irresponsabilidade, vandalismo e desconsideração. Eu nunca a havia visto tão irritada, quando normalmente ela era doce a ponto de fazer doer o dente. Além da voz dela, eu também podia escutar o suave passeio do vento, a baixa carícia das folhas nos galhos, o cadenciado canto dos passarinhos. Todos os sons da manhã que pareciam não existir um momento antes.

Junto com a mão em meu braço, veio o frio, que me atingiu como se fosse uma parede se fechando ao meu redor, como se eu tivesse acabado de mergulhar no mar em janeiro. Meus dentes começaram a bater e eu, instintivamente, puxei o braço para me soltar, como se tudo fosse ficar bem se a freira parasse de me tocar.

Ela me soltou. Tudo continuou igual.

— Eu não fiz isso — consegui achar minha voz e fazê-la passar por meus dentes que batiam, embora ela não soasse muito firme.

— Não é para mim que você precisa se explicar — ela falou o mais alto que podia sem que parecesse estar gritando. Talvez fosse um pecado para uma freira levantar a voz, ou algo assim. — É para a diretora. Vamos!

Eu não me movi dali. Só fiquei balançando a cabeça, cada vez mais certa de que estava ferrada. Muito ferrada.

— Eu não fiz nada disso, irmã, eu juro. Não fui eu.

Ela não precisava dizer nada para eu perceber que não acreditava em mim. Desde o dia em que eu fingi que o menino de ouro da Werburgh — meu atual namorado — tinha me molestado, irmã Manuela tinha passado a me olhar diferente. Ela provavelmente havia ficado puta - freiras ficam putas? - depois de ter se preocupado tanto, só para descobrir que era tudo teatro. E agora eu apostava tudo que tinha que ela seria a primeira a desconfiar de cada palavra que saísse da minha boca.

Maldita hora em que eu fui pegar aquela lata de tinta! Mas também, no que eu estava pensando? Toda vez que um retardado é estúpido o bastante para pegar a arma numa cena de crime, ele é acusado.

Desculpe-me se eu não achava que minha vida era um drama policial da TV a cabo. E uma parede não era um corpo, eles não podiam me prender por isso. Mesmo que fosse uma parede histórica, tombada, ou o que fosse.

Mas podiam me expulsar. Depois de tudo o que eu já havia aprontado, eu não duvidava que era isso que iria acontecer. A madre superiora fez um bom discurso sobre segundas chances, mas não sobre terceiras. E eu iria ser expulsa por algo que nem era minha culpa! Talvez eu devesse quebrar uns frascos do laboratório de Química na cabeça de alguns alunos só para eles terem realmente um motivo...

Mas eu sabia que não faria isso. Não faria nada do tipo. Estaria ocupada demais tentando convencer todos de que eu era inocente. Eu não tinha nada a ver com aquela pichação assim como não tivera nada a ver com as pedras nas janelas do refeitório. Eu só estava no lugar errado na hora errada...

Eu não podia ir embora. Estava aprendendo a amar aquele lugar, apesar de tudo. Era a minha casa, como a casa do meu pai devia ser, mas não era há muito tempo. Destroçaria meu coração ter de deixar aquele lugar. Aquele chão que sustentava as duas pessoas que tinham meu coração, aquele céu que os cobria, aquelas paredes que, mudas, ouviam suas vozes.

Eu simplesmente não poderia deixar que me afastassem dos dois homens que haviam me dado força para curar minha alma. Não sem uma luta.

A freira voltou a segurar meu braço, dessa vez com mais força, a ponto de machucar — embora eu duvidasse que ela estivesse fazendo de propósito — para me levar à sala da diretora. Eu tentei me soltar de novo, porque algo me dizia que, uma vez em uma das cadeiras confortáveis em frente à madre superiora, eu estava perdida. Ninguém acreditaria em mim e eu seria expulsa.

Mas irmã Manuela não soltou meu braço até ouvir uma voz atrás de mim.

— Ei, o que está acontecendo aqui? — a voz de Paulo trovejou não muito longe de mim.

Manuela me soltou imediatamente e se afastou alguns passos, parecendo envergonhada. Eu não me importei com isso. Para mim, ela, de repente, não estava mais ali. Quando eu me virei e o vi ali, não pensei em mais nada, apenas corri para os sempre abertos braços do meu monitor. Ele não estava de uniforme, vestia jeans e uma jaqueta de couro preta por cima de uma camisa branca. Era óbvio que não tinha se preparado para o dia ainda, ele devia ter saído para me procurar. Enterrei o rosto no tecido macio da camisa dele, aspirando o cheiro limpo que eu já havia passado a associar ao Paulo. Ele me envolveu em seus braços sem hesitação, enquanto eu repetia sem parar:

— Não fui eu, eu juro!

Paulo olhou por cima da minha cabeça para a parede vandalizada e para a freira indignada, e pareceu deduzir o problema em segundos. Seus braços se apertaram ao meu redor.

— Vamos, eu vou com você até a sala da diretora — falou, claro e alto o suficiente para a irmã ouvir.

Eu me afastei apenas o suficiente para ver seu rosto, permitindo que suas mãos ficassem dos dois lados da minha cintura.

— Mas eu não fiz nada! — insisti.

— Eu sei, meu amor — ele falou, baixinho dessa vez, acariciando minha bochecha com os dedos. — Agora, vamos entrar. Você está gelada.

Ele tirou a jaqueta e a colocou sobre meus ombros, depois voltou a aproximar seu corpo do meu e a me abraçar, mas só com um braço.

— Bom, se você vai levá-la, eu vou chamar a madre — irmã Manuela declarou e pude ouvir o desconforto em sua voz, embora tudo o que eu pudesse ver era um pedaço de tecido branco que cobria o ombro do meu monitor. — Acho que ela está na capela.

Paulo deve ter assentido, porque logo em seguida começou a me guiar para dentro do prédio principal. Chegamos rápida e silenciosamente à sala de espera do gabinete da diretora, que estava vazio. Ele me fez sentar em uma das poltronas e se agachou à minha frente até seus olhos ficarem no nível dos meus.

— Não temos muito tempo, então se apresse e me responda — ele foi falando, a expressão muito séria, mas suas mãos esfregavam as minhas. — Que horas você saiu do meu quarto?

Respirei fundo e lembrei.

— Um pouco depois das duas da manhã — respondi.

— E por quê? Onde você foi?

Eu não queria colocar Gabe em problemas, mas também não queria mentir para Paulo.

— Responde, Julieta — ele insistiu e eu vi que não tinha outra saída.

— Eu fui encontrar o Gabe — respondi, sem encará-lo. — Ele queria falar comigo.

Só levantei os olhos quando Paulo soltou minhas mãos e se levantou, dando as costas para mim e passando a mão pelos cabelos, num gesto de frustração.

— Às duas da manhã?! — ele quase gritou, então se virou para mim e me deixou ver toda a raiva em seus olhos. — E você foi?!

— Eu precisava! Era importante! Eu tinha brigado com ele sem razão nenhuma e precisava me desculpar e...

— E não podia esperar pela manhã como uma pessoa normal? Não — ele ironizou — você precisava sair dos meus braços diretamente para os dele!

Ótimo, aquilo estava indo realmente muito bem. Talvez eu não devesse ter me preocupado tanto em ser expulsa como com a probabilidade de Paulo me dar um pé na bunda por ciúmes.

Levantei-me e deixei cair a jaqueta dele na poltrona. Não estava frio ali dentro.

— Você não está me ajudando — falei, tentando soar calma e razoável enquanto meu coração se contorcia de medo dentro do peito. — Então é melhor eu enfrentar a fera sozinha, eu realmente não preciso nem posso lidar com seu orgulho de macho ferido, Paulo.

Ele voltou a passar os dedos pelos cabelos, bagunçando-os do jeito que eu gostava, e suspirou.

— Você está certa, desculpe — falou, fechando os olhos por um momento, como se buscando controle. Quando os abriu novamente, a maior parte da raiva havia desaparecido. — Vamos falar sobre suas aventuras noturnas com aquele marginal depois que eu conseguir impedir que te expulsem. Você é um imã pra confusão, não é?

Revirei os olhos.

— Nem me fale.

Paulo voltou a se aproximar de mim e novamente me fez sentar na poltrona, voltando a colocar sua jaqueta em meus ombros. Eu sabia que ele gostava de ver roupas dele em meu corpo e, se isso fosse ajudá-lo a manter o fascista possessivo e ciumento bem escondido dentro dele, eu não ia reclamar.

— Depois que você saiu do meu quarto — começou a falar e eu pude ver o esforço que fazia para soar neutro — onde encontrou o Kimak?

Já que eu já estava no inferno, achei melhor ir cumprimentar o capeta. Resumidamente, contei sobre como achei um chalé escondido no meio das árvores e de como o lugar acabou se tornando um refúgio para quando eu não aguentava minha vida naquele colégio e, depois, quando se tornou um lugar meu e de Gabe. E pude ver a veia pulsando em seu pescoço quando mencionei isso, mas não parei. Eu realmente não tinha tempo para crise de ciúmes e nem para massagear o ego de ninguém.

— Ele me pediu para ir para lá — concluí. — E eu fui.

Paulo colocou as duas mãos no rosto, como se estivesse sentindo dor.

— Você vai encontrar um cara no meio do mato, de madrugada, e quer que eu...

— Paulo Chermont — interrompi, tirando as mãos dele do rosto com firmeza. — Me manter na escola primeiro, crise de ciúmes depois.

Ele assentiu.

— Mas não pense que não vamos voltar a falar sobre isso — avisou, sombrio.

— Eu não sou tão otimista.

Paulo voltou a segurar minhas mãos nas suas e perguntou:

— E depois?

— Não sei exatamente quanto tempo ficamos lá, mas quando ele me deixou no meu dormitório, eu lembro que ainda não eram quatro horas. Eu entrei no quarto, troquei de roupa e voltei a sair. Não passei nem vinte minutos lá dentro.

— E onde você foi? Kimak estava esperado você em mais algum lugar?

Eu podia quase sentir o sabor da amargura em suas palavras e corri para tranquilizá-lo, passando uma das mãos por seu rosto carinhosamente.

— Não. Eu queria ficar sozinha e estava me sentindo muito sufocada no quarto. Eu precisava pensar em algumas coisas. Muitas coisas — e então eu me calei antes que minha voz falhasse.

Eu queria dizer tantas coisas. Queria dizer que me sentia outra pessoa, outra Julieta. Não era a antiga Julieta, a garota que fui antes de minha irmã morrer. Era alguém totalmente novo, que eu nem conhecia totalmente. Mas sabia que era alguém que eu gostaria de ser, uma garota mais leve, mais verdadeira, mais feliz. Queria dizer para Paulo o quanto ele havia me ajudado a encontrar esse outro lado de mim mesma, o quanto ele me ajudara a limpar minha alma de todas as manchas, de todas as marcas feitas pelo meu passado. Por mim mesma. Queria dizer que eu pensara nele naquela madrugada e no quanto eu o amava, no quanto meu coração se apertava só de imaginar seu sorriso, ouvir sua voz em minha mente, tentar definir a cor dos seus olhos — que nunca era uma só, mas uma mistura de verde e castanho que, quando eu finalmente pensava ter conseguido definir, mudava novamente.

Eu queria dizer as três palavras que nunca antes ele tinha ouvido dos meus lábios. E que nunca, desde aquela última vez em que eu dissera para o corpo de Sofia em meus bracos, eu dissera a ninguém. Palavras que ficaram tão enterradas dentro de mim durante dois anos que eu nunca achei que fosse dizê-las de novo, mas que agora entalavam minha garganta, pedindo para sair. Pedindo para serem ouvidas.

Mas não tínhamos tempo. Não naquele momento.

— Então pra onde você foi, Julieta? — a voz de Paulo me fez descer das nuvens de palavras não ditas, me fez voltar à realidade.

— Eu fiquei sentada num banco do pátio — respondi, baixinho, enquanto cada pedacinho de mim queria dizer "eu te amo". — Vi o sol nascer.

— Nesse frio? — ele questionou, cético.

Só assenti com a cabeça, não confiando nas palavras que pudessem sair da minha boca.

— E você estava voltando ao dormitório quando a irmã Manuela te encontrou?

Engoli duas vezes antes de conseguir dizer:

— Eu vi aquelas palavras na parede quando voltava. Parei e me aproximei. Vi a lata de tinta vazia no chão e, sem pensar, me abaixei e a peguei — soltei uma risadinha auto-depreciativa. — Sim, eu sou uma idiota.

— Sim, você é — Paulo concordou, mas seu tom era carinhoso e ele levantou as mãos para afagar meu rosto.

— E foi aí que a irmã Manuela me pegou — continuei sem que ele me pedisse. — E a conclusão lógica foi: culpada. Como se a culpa não fosse recair sobre mim mesmo que eu não estivesse no local do crime...Eu devo ser a marginal preferida de todo mundo, sempre me culpam de tudo — soava como se eu estivesse choramingando, mas eu não me importei. Ser acusada de algo injustamente era horrível. Saber que sua palavra de nada valia, que ninguém confiava em você e que existia alguém que era realmente culpado e que provavelmente não receberia nenhuma punição...simplesmente doía. — E agora eu vou ser expulsa.

Paulo fechou a distância entre nós e colou seus lábios nos meus num beijo rápido e cálido, como se eu fosse uma criança e ele estivesse beijando um joelho machucado para sarar, não minha boca.

— Ninguém vai te tirar de perto de mim, meu amor — falou, com a testa encostada na minha, os olhos fechados, a mão em concha na lateral do meu rosto. — Agora que eu te achei, não vou te deixar ir embora tão fácil.

— O que você quer dizer com isso? — sussurrei, também fechando os olhos.

— Eu sinto como se tivesse esperado anos por você. Como se tudo o que fiz até hoje foi para trazer você pra mim. Eu te amo, minha Julieta. Como nunca amei ninguém. Você é minha e eu não vou te deixar ir pra longe. Eu sou seu e vou te seguir a qualquer lugar.

Eu sorri para conter a vontade de chorar. E de dizer as três palavras que pareciam gritar com cada batida do meu coração.

— Isso não faz muito sentido — falei e abri os olhos, me afastando o suficiente para ver que ele também sorria.

— Eu sei.

Ficamos sorrindo um para o outro como dois idiotas por alguns segundos e não percebemos que alguém tinha entrado na sala até a madre superiora dizer, num tom não totalmente amigável:

— Outra vez aqui, Srta. Vaughan? Está se tornando um hábito.

(...)

Duas semanas de detenção.

Foi o que eu peguei por todo o lance da pichação. Claro que não foi exatamente pela pichação, porque ninguém pôde provar que eu fora a vândala responsável por ela. Irmã Manuela disse que me viu segurando a lata de tinta, não usando-a para fins nefastos — embora ela tenha deixado clara a sua opinião de que achava que eu era capaz daquilo e não havia mais ninguém por perto. Como se alguém tivesse revistado o lugar.

Não, minha detenção era por estar fora do dormitório em horário impróprio. Porque obviamente ninguém acreditou que eu acordara às seis da manhã e resolvera dar um passeio matinal. Sinceramente, nem eu acreditaria. Mas eu nem me importei. Eu não fui expulsa e estava contente com isso. Minha visão sobre a madre superiora. Ela podia ser diretora de um internato, totalmente sem senso de humor, não tão velha quanto a matusalém que tinha como a segunda no comando, mas perto - e, caramba, a mulher era freira! -, mas não era super moralista e fresca com regras e essas coisas como o resto. Ela era meio rígida, mas não aceitava injustiças e, mesmo que realmente acreditasse que eu era culpada pela pichação — e eu não estava muito certa de que ela acreditava na minha inocência —, não me expulsaria porque não podia provar que tinha sido eu.

Comecei a gostar um pouco da mulher.

O resto da semana passou sem maiores incidentes. O que queria dizer que ninguém morreu e me acusaram do assassinato. Paulo e eu brigamos por causa da minha escapadinha noturna para ver Gabe, mas fizemos as pazes duas horas depois. Escondi o presente que Gabe havia me dado embaixo da cama — ainda não estava pronta para compartilhá-lo com ninguém. Beatrice derrubou café na minha partitura na aula de música "sem querer". Duas vezes. Eu almocei no pátio do colégio todos os dias com os amigos do meu namorado. Maya e Luma não eram tão idiotas quanto pareciam e, quando eu perguntei porque o cabelo da segunda era cor de rosa e ela respondeu que estava passando por todas as cores do arco íris pra irritar a namorada careta do pai dela, qualquer resquício de desprezo que eu ainda tivesse por ela virou fumaça.

— Espere pra ver o que eu estou planejando para o casamento deles — ela havia dito com uma piscadela, o que me fez rir.

Eu também tinha passado a apreciar a companhia de Pietro, que era o mais bem humorado da turma e sempre flertava comigo descaradamente com aquele italiano precário. Paulo não se importava, o que me deixou feliz. Ele só era um psicopata ciumento com Gabe. Ei, podia ser pior.

Todos eram mais divertidos do que eu imaginara. Talvez porque agora eu realmente conseguia aproveitar a companhia de seres humanos. Não podia chamá-los de amigos. Não ainda. Mas eram algo no caminho disso. A única que eu continuava sem entender era minha outra colega de quarto, Willa Becker. Ela era tão tímida que eu não acreditava tê-la ouvido dizer duas frases inteiras desde que começamos a almoçar todos juntos. E ela sempre evitava me olhar, quase como se tivesse medo de mim. Tudo bem que eu não era uma flor frágil e delicada, mas também não era uma caminhoneira lutadora de sumô condenada em 15 estados por molestar garotinhas. Ela não precisava olhar para mim como se os sete demônios do inferno estivessem prestes a persegui-la.

Gabe passara a agir como se a última semana não tivesse existido. Ele era novamente quem eu precisava que ele fosse. Um amigo. Nas noites que não passei no quarto de Paulo, eu chorei até dormir pensando no quanto aquilo custava ao meu doce amigo, mas egoísta demais para me privar dele. Então, mesmo que eu não sentisse que nossa amizade era a mesma de antes, tentava agir como se fosse. Não era muito boa, no entanto. Mais de uma vez, durante a semana, ele me pegara fitando-o com uma expressão triste. Como se eu tivesse o direito de ficar triste...ele só sorria e me perguntava quando ia voltar a este mundo.

Meu namorado — e ainda era estranho chamá-lo assim — continuava a ficar puto toda vez que nos pegava conversando. Mas parecia disposto a não fazer uma cena pelo menos até estarmos sozinhos. Ele também passara a ignorar Gabe ao invés de atacá-lo, embora sempre lançasse olhares furiosos para ele, que sempre parecia indiferente. Eu não tinha muita esperança em fazer com que os dois voltassem a ser amigos.

O final de semana foi passado, mais uma vez, na casa de Paulo. Eu estava meio envergonhada depois da maneira que tinha saído de lá da última vez, mas eles fizeram a gentileza de não mencionar nada. Passamos a maior parte do tempo estudando para as provas que começariam na segunda feira, ou melhor, tentando, porque o idiota do monitor não parava de roçar sua perna na minha por baixo da mesa.

— Qual é o problema com adolescentes excitados mesmo? — eu perguntara, revirando os olhos. — Ah, é, eles são insuportáveis.

— Quem você está chamando de adolescente excitado? — mesmo enquanto dizia isso com um tom indignado, seu pé subia pelo meu joelho. — Eu sou um homem perfeitamente controlado.

Depois do jantar, a irmãzinha dele até me chamou para assistir Jogos Mortais com ela. Eu aceitei, mas só porque era isso ou ficar olhando pra cara feia do irmão mais novo na mesa do jantar.

Eu estava mais feliz do que um dia tinha pensado ser possível. Ainda assim, duas coisas nublavam minha felicidade. Nenhuma delas era a minha detenção — que eu voltara a ter com o Vicentini porque a madre superiora deu a entender, sutilmente, que Paulo e eu só ficaríamos nos agarrando durante a minha hora de castigo. E que isso não seria castigo nenhum. Eu não podia exatamente discordar...

Meus problemas mesmo eram outros. Minha irmã e o fato de que, apesar de Paulo ainda achar besteira, eu estava mais do que convencida de que realmente alguém estava querendo me ferrar. Eu tinha sentido que alguém me observava na noite em que fui ver Gabe na casa do bosque, não era imaginação! E logo depois, aquela pichação? Exatamente por onde eu precisava passar para voltar ao dormitório? Somando isso ao episódio das pedras e às mensagens que todos os alunos tinham recebido, eram muitas coincidências. E todas me colocavam bem no meio dos problemas. Mas não importava o quanto eu pensasse, não conseguiria pensar que alguém teria motivo para me fazer mal assim.

Além disso, na manhã da segunda feira, eu estava mais preocupada com a chegada da minha irmã do que com qualquer outra coisa. Não a vi no dormitório nem no refeitório na hora do café da manhã.

— Boa sorte, minha menina inteligente — Paulo desejou no refeitório, beijando rapidamente meus lábios, antes que eu fosse para a minha sala, para a prova de matemática.

— Vou precisar — respondi, rolando os olhos. — O Hertzog me odeia.

Ele riu.

— Ninguém poderia odiar você, bella mia — Vicentini disse atrás de mim. — É só você piscar esses lindos olhos e todos caem aos seus pés.

Eu nem me dei ao trabalho de responder a isso e Paulo só abriu o sorriso e me deu outro beijo.

— Ele tem razão, sabia? — sussurrou no meu ouvido.

Voltei a rolar os olhos e me virei para ir.

— Então estou indo piscar meus lindos olhos pro Hertzog e esperar que ele não me reprove.

Paulo segurou meu pulso e me fez voltar, sua expressão tinha ficado séria.

— Não se preocupe, vai dar tudo certo — disse e eu sabia que ele não estava falando da prova, então só sorri e fui embora.

Ele não tinha como saber se tudo ia dar certo, mas ganhou pontos por tentar me tranquilizar.

Encontrei Gabe no corredor e fomos juntos para a sala. Antes que eu pudesse perguntar se ele tinha visto minha cópia malvada, ele balançou a cabeça e apertou minha mão com carinho.

A prova foi terrível. Terrível como qualquer prova de matemática pode ser, mas não totalmente catastrófica. Talvez eu não fosse ser reprovada, no fim das contas. Logo depois, foi a prova de Literatura, que também não foi tão ruim como podia ter sido. Claro que eu não tinha lido nenhum dos livros da bibliografia, mas Gabe tinha feito uns resumos maravilhosos, então era o mesmo que ter lido.

E nada de Bianca.

Não que nós fossemos ter alguma aula juntas ou coisa assim, já que ela era um ano mais velha, mas eu meio que esperava topar com ela nos corredores ou algo assim. Eu pensava que saberia, de algum modo, quando ela estivesse aqui. Mas eu saí da sala de Literatura e fui na direção do refeitório para o almoço e não a vi em lugar nenhum.

— Julieta! — uma garota me chamou. Virei-me e vi que era Luma, que se apressou para me alcançar, o cabelo curto balançando.

— E aí, cabelo de algodão doce? — falei.

— Haha, muito engraçado. E você que tem cabelo de beata? Há quanto tempo que não corta?

Começamos a andar juntas para o refeitório.

— Sabe como é, estou pensando em fazer os votos — falei em tom de confissão, com um sorrisinho malicioso.

— Só se for na igreja da sacanagem, porque na católica é que não vão te aceitar.

Ela começou a rir e eu não aguentei e a acompanhei.

— Mas, me fala, por que você e o Paulinho estavam brigando hoje? — perguntou de repente, o que me fez parar no meio do caminho e fitá-la, sem entender.

— Paulo e eu não brigamos hoje — falei para ela, que também tinha parado e agora me olhava curiosamente.

— Mas a Maya e o Yuri me disseram que vocês estavam num clima super sombrio lá no pátio tem uns dez minutos. Eles nem se aproximaram porque não queriam atrapalhar...

Eu nem esperei Luma terminar de falar e saí correndo como se estivesse sendo perseguida por um exército de canibais. Eu não estava com Paulo há dez minutos. Eu nem o vira depois que nos despedimos no café da manhã. Não era eu. E só havia uma pessoa que era tão parecida comigo que podia se passar por mim aos olhos de quem não me conhecia muito bem.

O que raios Bianca estava fazendo com meu namorado no pátio?

— Julieta! — Luma gritou, mas eu já estava longe e nem olhei para trás. — Aonde você vai? O que aconteceu? Julieta!

Eu a ignorei e passei por todos os estudantes que me encaravam como se eu tivesse acabado de fugir do hospício sem hesitar. Só parei de correr quando cheguei ao pátio. Havia alguns estudantes lá, alguns almoçando — parecia que eu tinha começado uma moda — e outros apenas conversando ou passando o tempo. Mas meus olhos buscaram cada canto do lugar e nem sinal de Bianca ou Paulo.

Eu estava começando a catalogar mentalmente os lugares em que os dois podiam estar quando alguém tocou levemente meu ombro. Virei-me com violência e devo ter assustado a garota que me chamara, porque ela deu dois passos para trás e sua expressão não era exatamente amigável.

Eu sabia quem ela era. Anna Rivera, a nerd baixinha que usava óculos de armação vermelha e, eu tinha certeza, ficava suspeitosamente nervosa perto do meu Gabe.

— O que foi? — questionei meio sem paciência. Eu tinha um namorado e uma irmã para caçar. Não tinha tempo para perder com aquela garota.

— Você é esperada na direção — ela me informou, sem mudar a expressão.

— O quê? — o que eu tinha feito agora? Será que eu não podia ter uma semana de paz?...então uma ideia veio à minha cabeça. — Você sabe quem? Sabe se é meu pai ou minha irmã? Ela foi transferida para cá e devia chegar hoje.

Rivera balançou a cabeça, fazendo seus cachos cheios baterem em seu rosto.

— Não, não é seu pai nem sua irmã — respondeu. — É a polícia.


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Notas finais do capítulo

ja respondi quase todos os reviews e ainda vou responder os que faltam. Deixem reviews :)) a história ja ta acabando :(