Manchas escrita por Juliiet


Capítulo 33
Capítulo 32


Notas iniciais do capítulo

Heeey, tudo bem?
Bom, em primeiro lugar,agradecimentos a tres leitoras muito fofas, que recomendaram a história: Gabrielli Moura; Luana T e Evy ♥
Ah, uma leitora me pediu pra colocar aqui a música que eu usei pra escrever o cap (ou algo assim). Nesse cap, eu escutei MUITO duas músicas. Fix You, do The Offspring - vou colocar um link do youtube pra voces ouvirem se quiserem (http://www.youtube.com/watch?v=nyXVFm8ow_0) e To a Stranger da (?) Park Hye Ri (http://www.youtube.com/watch?v=WFjKJc-Sn-w).
Não tem necessariamente a ver com a história, então voces não precisam ouvir enquanto leem ou ouvir de qualquer jeito. Mas pra quem quiser uma trilha sonora pra leitura ou mesmo escutar depois, estão aí :)
Gente, eu gosto MUITO desse capítulo, e espero que voces gostem também *.*



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O ar gelado parecia queimar minha garganta e pulmões. Minhas pernas começaram a falhar e eu tropecei algumas vezes, ralando os joelhos em raízes de árvores. Mas eu continuei correndo, ainda com a sensação de que estava sendo observada. Seguida.

Estava perto da casa quando ousei olhar para trás – encontrando somente sombras de árvores e minha paranoia – e acabei atingindo algo sólido e caindo.

Gemendo, ergui-me um pouco, apoiando minhas mãos no corpo embaixo do meu.

– Você anotou a placa do caminhão que me atropelou? – Gabe perguntou embaixo de mim. Eu não podia vê-lo naquela escuridão, mas sua voz soava dolorida. Não era para menos, eu não era exatamente uma pluma.

Estava tão escuro que era uma surpresa que eu não tivesse me perdido. Ou pior, dado de cara com uma árvore. Gabe era meio ossudo, mas com certeza era mais macio que um tronco.

– Foi mal – respondi, me levantando e dando a mão para ajudá-lo.

Estava mais aliviada do que gostaria de admitir por não estar mais sozinha. Ainda que fosse só minha imaginação correndo solta demais, meu coração acelerava só com a ideia de voltar a ficar sozinha naquele lugar que, de dia parecia tão acolhedor e, de noite, parecia um cenário de filme de terror.

Gabe me puxou para entrar, perguntando:

– Qual era a pressa? Se o lugar estivesse pegando fogo, eu teria avisado.

Ri enquanto mancava para dentro, onde estava quente e iluminado. Fiz uma rápida verificação para ver se eu não tinha quebrado nada com a queda, mas tirando um tornozelo dolorido e mais um arranhão no joelho, eu estava bem.

Gabe soltou minha mão e andou na minha frente, parando perto da velha poltrona. Pude dar uma olhada nele pela primeira vez na noite. Parecia mais pálido que nunca e só naquele momento percebi que seus cabelos precisavam de um corte. Estava vestido com seus típicos jeans escuros e uma camisa cinza chumbo com gola larga e mangas compridas.

Ele me fitou com aqueles grandes olhos negros infinitos e pareceu bonito e frágil como um anjo caído. Era quase como se ele fosse imaterial, como se fosse se dissolver se eu o tocasse. Eu sabia que não, tinha acabado de trombar no garoto, mas uma minúscula e assombrada parte de mim temeu que sua imagem se desfizesse quando eu me aproximei e o abracei.

Sua calidez me envolveu, como o vapor quente do banho. Ele envolveu seus braços ao meu redor hesitantemente, o que fez meu coração apertar. Eu não queria que ele hesitasse quando me abraçasse – ele era meu melhor amigo. Como eu podia ter sido tão monstruosa a ponto de acusá-lo por pura paranoia? Logo ele, que passou anos precisando aguentar as pessoas apontando o dedo em sua direção, culpando-o de um crime que ele não havia cometido. Exatamente como...

...como eu.

– Me desculpa – pedi, apertando sua camisa entre meus dedos. – Eu fui uma idiota completa, eu...

– Ei – Gabe me interrompeu, afastando-se o suficiente para fitar meu rosto. – Está tudo bem.

Balancei a cabeça, soltando sua camisa.

– Não, não está. Você não fez nada além de ser meu amigo, de cuidar de mim, praticamente desde o minuto em que entrei nessa escola e eu...

Ele colocou dois dedos em cima dos meus lábios, calando-me.

– Você tinha sido machucada. Estava confusa e assustada – falou, tirando os dedos dos meus lábios e usando-os para colocar uma mecha do meu cabelo atrás d aminha orelha. – Eu posso ter ficado chateado na hora, mas...já ultrapassei o ponto em que algo que você diga ou faça possa mudar qualquer coisa...Nada mais pode mudar o jeito como eu me sinto por você, Julieta.

Meu coração afundou e eu ensaiei abrir a boca para dizer algo – eu nem sabia o que –, mas Gabe não permitiu.

– Deixe-me terminar – pediu, acariciando minha bochecha com seu polegar – porque essa será a única vez em que poderei dizer isso.

A sincera vulnerabilidade em sua voz me derrubou mais do que o calor do seu toque e, embora eu pressentisse que suas palavras mudariam nossa amizade para sempre, eu não podia pará-lo. Seu coração merecia ser ouvido e, ainda que quebrasse o meu, eu o ouviria.

Ao ver que eu não disse nada, ele continuou:

– Você deve saber, ou pelo menos desconfiar, dos meus sentimentos – seus olhos pareciam frágeis ao se trancarem nos meus, embora sua voz tivesse tanta força e certeza que eu sentia que ele tinha esperado muito tempo para poder dizer aquelas palavras. – Eu soube que você era como eu quase no primeiro momento em que te vi. Como um brinquedo quebrado, que possuía uma beleza trágica e melancólica que me impediu de ficar longe, ainda que eu tivesse jurado, anos atrás, nunca mais me aproximar de ninguém.

Ele então virou de costas, afastando-se de mim, e sua voz se tornou embargada, difícil.

– Não estou pedindo de você nada que já não tenha me dado. Sua amizade, sua confiança. E que sei que é tudo o que pode me dar – ele voltou a se virar para mim, seu rosto, no entanto, escondido pelas sombras, onde a luz da sala não alcançava. – Mas, ainda assim, eu gostaria que soubesse...que meus pulmões respiram o ar que saem dos seus lábios, meu coração bate por um sorriso seu e, desde que entrou na minha vida, eu deixei de ser um brinquedo quebrado. Se hoje eu me sinto inteiro, completo, curado... – ele deu dois passos para a frente, deixando a luz amarela banhar seu rosto pálido, riscado de lágrimas – é graças a você.

Não percebi que também estava chorando até que Gabe se aproximou ainda mais e limpou minhas lágrimas com seus polegares enquanto as suas permaneciam fluindo livres dos seus olhos.

– Não espero que você me corresponda – ele continuou, me mostrando o sorriso mais bonito e triste que eu já havia visto. – Sei que seu coração não pode ser meu. Mas o meu é seu.

Voltei a passar meus braços por seu corpo e a abraçá-lo, escondendo meu rosto no vão do seu pescoço, chorando por ele, sentindo meu coração doer por ele, sangrar por ele. Gabe me apertou contra seu corpo, do modo suave como alguém segura um filhote, depois me guiou até o meio da sala.

– Está pronto – ele murmurou no meu ouvido e, só então, eu me afastei o suficiente para levantar meus olhos e ver o que ele me mostrava.

Em um pequeno cavalete com uma tela em cima. A mesma tela que eu vira várias vezes quando Gabe me pintava – mas sempre somente a parte de trás.

Era a primeira vez que eu a via a pintura para a qual eu passara horas posando. Já havia visto a habilidade de Gabe com o pincel em suas aulas, mas imagina que ele me desenharia bem – como um retrato ou uma foto. E não era como se eu estivesse olhando para uma foto. Nem perto.

Gabe me pintou olhando para longe, o rosto apenas um pouquinho inclinado para o lado. Meus olhos brilhavam com uma luz que eu nunca vira neles e meu sorriso era discreto e sincero. Minha pele parecia irradiar luz – corada como ele gostava – e, embora a pintura só fosse até meus ombros, eu estava com uma das mãos levantadas, colocando uma mecha do meu cabelo ondulado para trás da orelha.

E tudo o que me vinha à cabeça era um conto do Edgar Allan Poe chamado O Retrato Oval. O pintor terminava de pintar a esposa, para encontrá-la morta e perceber, no retrato, a vida. Era exatamente como se Gabe tivesse conseguido captar a vida com tinta e pincel, mas sem tirá-la de mim.

– Quando eu pedia para pintar você – ele disse, ainda com os braços ao meu redor, enquanto eu não conseguia tirar os olhos da sua pintura – eu fazia tudo errado. Eu não pintava você de verdade, não o que eu estava vendo. Eu pintava do jeito que eu sabia que você seria quando fosse verdadeiramente feliz. E eu já terminei há dias. Sabe por que eu só estou mostrando para você agora?

Consegui tirar os olhos da pintura apenas para negar com a cabeça.

– Porque hoje eu a vi assim – respondeu, a voz tão baixa e suave que eu quase não podia escutá-lo. – Exatamente como eu desenhei, como eu imaginei que você seria quando não houvessem mais sombras nos seus olhos.

– Gabe – sussurrei, sem saber mais o que dizer, meus olhos voltando a se encher de lágrimas.

Ele sorriu e, embora houvesse parado de chorar, seus olhos ainda brilhavam.

– Sei que você é dele, mas me deixe dizer as palavras somente uma vez. Por favor.

Assenti, sofrendo para conter um soluço enquanto ele sussurrava:

– Eu te amo.

...

Estava amanhecendo. Talvez o frio já tivesse me deixado insensível porque no momento eu só o sentia como algo ligeiramente desconfortável, mas já parara de tremer. Eu estava sentada num dos bancos do pátio, o medo de ser descoberta fora da cama esquecido.

O céu era como uma pintura. Uma linha laranja, seguida de uma imensidão azul. Eu estava perdida nas cores, tentando me fixar apenas nelas e não nos pensamentos que povoavam minha mente.

Gabe havia me levado para o meu dormitório depois de me dar o quadro. Eu não conseguira dizer nada, nem agradecer. Qualquer palavra que eu pudesse pensar em dizer parecia insignificante perto do tanto que ele havia me dado.

Eu não estava falando da pintura.

Depois de subir até meu quarto e guardar o meu presente, eu não consegui mais ficar ali. Sentia-me presa, sufocada. Eu trocara o uniforme por uma calça de moletom e uma blusa larga, mas não consegui pensar em me deitar. Colocando um casaco, eu saí do quarto. Nem mais pensava que ficaria sozinha na escuridão assustadora – nem na presença que eu sentira me seguir antes.

Nada disso parecia importar.

E então eu havia acabado naquele banco gelado, abraçando minhas pernas e esperando o sol nascer. E, pela primeira vez na minha vida, eu me sentia sortuda.

Sim, era terrível pensar assim depois de ter sentido a dor profundo do mais amado amigo, mas eu não podia impedir. Eu simplesmente havia pensado sobre tudo. Sobre minhas irmãs, meu pai, minha mãe, meu velho avô, meu Gabriel, meu monitor fascista.

E foi como ver toda a minha vida e as pessoas nela sob um novo prisma. Foi ver a mim mesma com outros olhos, olhos que não eram meus. Olhos que haviam me pintado como uma garota livre. Feliz.

Talvez não tenha sido a intenção dele, mas Gabe me fez enxergar coisas das quais nem tinha conhecimento. Pela primeira vez em anos, eu conseguia pensar na minha irmãzinha, na minha Sofia, e não sentir a culpa me corroer como ácido.

Não havia sido minha culpa.

Não havia sido minha culpa.

Minha irmã estava doente. Eu estava transtornada por uma traição.

Foi um acidente. Uma combinação errada das circunstâncias.

Se eu tivesse prestado atenção ao meu redor, se Sofia não tivesse entrado na cozinha naquela hora pra mostrar sua carta de admissão...

Claro que tudo poderia ter sido diferente, mas eu não viveria mais pensando nesses infinitos “se” que poderiam ter mudado tudo. As coisas aconteceram como tinham de acontecer.

Eu sempre lembraria de Sofia. Mas agora ela seria uma memória doce. Não uma mancha em meu coração.

Pensei em minha mãe. E até ela eu conseguia enxergar de outro modo. Minha mãe não me odiava porque queria. Ela também estava doente. Ela também precisava de ajuda. Até suas acusações não partiam minha alma como um dia fizeram. Eu não a escutava mais sua voz nas vinte vezes em que me chamou de “assassina”. Eu agora só pensava nas infinitas vezes em que havia me dito “eu te amo” antes de eu ir para a cama.

E meu pai...Bianca...eles eram humanos. Meu pai não era superpoderoso como toda criança imagina que seu pai é. Eu não podia querer encaixá-lo num modelo de perfeição que eu havia criado e culpá-lo por não atender minhas expectativas. Ele havia errado, sim. Ele era humano.

Eu não havia errado o suficiente para aprender a perdoar?

O mesmo com Bianca. Com a morte de Sofia, eu tinha que ter me livrado de todas as outras mágoas. Eu tinha que ter me aproximado da minha irmã. Tinha que ter permitido que nós pudéssemos nos apoiar uma na outra. E em vez disso, eu a desprezei. Eu a amaldiçoei e a expulsei da minha vida.

Tudo por um erro.

Suspirei, vendo o sol começar a aparecer, pouco a pouco, no horizonte, banhando a escuridão em luz, levando para longe todas as sombras. Como eu sentia que acontecia comigo.

E a voz do meu avô surgiu na minha cabeça.

Viva como se as manchas no seu passado não existissem, mas nunca esqueça-as.

Eu pensava que compreendia essas palavras. Eu pensava que as seguia. Mas estava errada. Eu não podia ignorar as manchas em meu passado. Eu só precisava fazer paz com elas.

E ali estava eu, fazendo exatamente isso.

Paulo Chermont, fazendo-me apaixonar por ele, havia começado a me curar. Mas fora o amor de Gabe que selou minhas feridas.

Aquele amor puro, que não exigia nem esperava nada. Dado de bom grado, oferecido como um presente. E eu sabia que aquilo o rasgara por dentro, saber que seu amor, tão grande e tão profundo, não era correspondido.

E mesmo assim, ele o entregou para mim.

A brisa gelada brincou com meus cabelos enquanto eu me levantava. Não havia mais lágrimas. Eu já derramara todas.

Eu havia finalmente me perdoado.

Eu estava finalmente em paz.

– Eu também – sussurrei, minha voz sendo levada pelo vento – não sou mais um brinquedo quebrado.

...

Ainda era muito cedo quando eu decidi voltar para o meu dormitório. Mandaria uma mensagem para Paulo mais tarde, afinal ele ainda deveria estar dormindo. Refiz o caminho, agora na luz, que antes havia feito na escuridão. Sentia a cabeça e o coração leves como nunca antes, finalmente livres do peso invisível que os sufocava.

Andava devagar, apreciando a luz e os sons da manhã. Em breve os sinos tocariam e nem esse pensamento me desanimava. Acreditava que até o som dos sinos soaria diferente para mim.

Ainda estava passando pela lateral do prédio principal da escola quando algo captou minha atenção na minha visão periférica. Parei. Virei o rosto lentamente, nem eu mesma sabia a razão para isso, quase com medo do que veria.

Levei a mão à boca, incrédula, enquanto me aproximava da parede de pedra. Antes lisa, a parede agora estava coberta de desenhos grotescos e palavras de baixo calão. Alguém tinha pichado aquele edifício tão antigo, tão bonito...

Parei mais uma vez quando quase tropecei em algo. Olhei para baixo e vi uma lata de tinta preta, sem tampa – e provavelmente vazia. Agachei-me e a peguei.

Voltei a me aproximar da parede, sem acreditar. Quem poderia fazer uma coisa daquelas?

Palavras como lixo, escória e ralé eram as coisas mais educadas escritas ali.

E logo abaixo, pude ver apenas porque cheguei bem perto, havia algo escrito em tinta vermelha.

Vou destruir todos vocês.

Senti um arrepio subir minha espinha ao ler aquelas palavras e, pela segunda vez, senti que alguém me observava. Virei-me subitamente para trás e vasculhei todos os cantos com o olhar. Nada.

Voltei a olhar a parede da escola e a me perguntar quem teria feito aquilo, quando um pensamento se infiltrou na minha cabeça, como uma voz que dizia: saia daí.

Mas era tarde demais, percebi quando ouvi um ofego logo que vinha da minha direita, perto do pátio onde eu estivera até minutos atrás.

– O que você fez...?


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Notas finais do capítulo

Bom, eu vou logo pedir desculpas pelo tamanho do capítulo. Eu sei que ele tá minúsculo, mas eu senti que tinha que parar no momento em que parou e...foi isso. Eu gostei muito dele e não quis estragar, prolongando.
Como eu fui uma autora muito legal e respondi a todos os reviews do cap passado, voces podiam ser legais também e me mandar mais né? Lembrem-se que a história tá terminando :(
Beijos e até o próximo :**