Cemetery Drive escrita por CDJ


Capítulo 3
Mark the grave




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 Ela era rápida. Quase não consegui alcançá-la por não saber exatamente onde seu armário ficava. Como saí em disparada em questão de segundos, concluí que ela provavelmente não teria se distanciado tanto. Eu estava errado. Só consegui encontrá-la dois minutos depois no segundo andar, na fila de armários mais distante do corredor. Sua mochila estava aberta, prensada entre seu tronco e o armário ao lado, enquanto ela jogava alguns livros dentro da abertura. Presumi que já tivesse acabado quando fechou a porta metálica com força e subiu o zíper da mochila com rapidez, colocando-a nas costas.

 Fui ao seu encontro quando ela começou a caminhar em direção às escadas. Ao me ver, seus olhos se reviraram nas órbitas e ela apertou o passo, tentando me evitar.

 - Oi – eu disse, puxando assunto – Eu sou Erik.

 Estendi-lhe a mão, mas ela nem pareceu perceber. Continuou andando e tive que aumentar o ritmo para acompanhá-la. Novamente, passou pela minha cabeça o porquê de eu estar fazendo aquilo. Era ridículo e inútil. Por que eu não podia simplesmente voltar para casa e esquecer dessa garota? Eu nem a conhecia!

 - Você está me seguindo? – perguntou ela numa voz baixa e clara, porém vazia.

 - Não. Eu só queria saber se você não quer uma carona – inventei na hora.

 Ela não diminuiu a velocidade ao me encarar com certo desprezo, como se eu não merecesse mais atenção do que um verme. Tentei lhe dar um sorriso amigável, mas acredito que só mostrei meus dentes e um olhar assustado.

 - Não aceito carona de estranhos – afirmou, descendo os primeiros degraus com rapidez e leveza.

 - Não sou um estranho. Meu nome é Erik Alesi, já me apresentei. E, em relação a isso, acho que corro mais perigo já que não sei o seu nome.

 Ela parou abruptamente quando chegou ao primeiro andar e me encarou com um leve sorriso nos lábios. Parecia achar minha tentativa um pouco engraçada ou idiota. Ela se aproximou, segurei a respiração.

 - Então, se está correndo tanto perigo, por que ainda faz questão de me perseguir?

 - Porque não tenho medo.

 Ela me sondou pelo que me pareceram longos minutos, até que eu me sentisse desconfortável o bastante para desviar os olhos. A garota continuou a me encarar, avaliando tudo a meu respeito. O que se passava em sua mente era um mistério para mim, mas eu supunha que não era algo bom. A única certeza que eu tinha era de que nunca saberia o que ela estava pensando naquele momento.

 - Você não deveria estar na escola? – perguntou, afastando-se um pouco.

 - Pergunto a mesma coisa – retruquei.

 - Eu perguntei primeiro – disse ela, cruzando os braços.

 - Isso é uma evasiva infantil. É exatamente por essa razão que eu já saí da escola e você ainda está aqui – dei-lhe um sorriso de deboche.

 Comecei a caminhar, deixando-a para trás. Talvez psicologia inversa desse certo para chamar sua atenção. Fazer o que ela não queria que eu fizesse, fugir dela quando eu queria que ela me seguisse. Havia uma pequena chance de dar certo, mas uma chance maior ainda de dar errado. Eu não estava ouvindo passos atrás de mim.

 Virei-me e encarei-a de sobrancelhas arqueadas.

 - Você vem ou não? – perguntei, de ultimato.

 Ela mordeu o lábio inferior, provavelmente considerando prós e contras. Um segundo depois já corria ao meu alcance e caminhava do meu lado sem fazer barulho algum.

 Quando entramos no carro e eu tentava sair da vaga que havia estacionado, ela finalmente olhou para mim.

 - Eu sou Angela – disse com uma voz fraca.

 Olhei-a e lhe dei um meio sorriso que não foi retribuído. Ela não parecia estar muito confortável; vi que mexia em seus fones de ouvido novamente. Não disse nada para não deixá-la ainda mais acuada. Apenas esperei.

 - Você já saiu da escola, então? – ela perguntou, quebrando o silêncio.

 - Sim. Terminei o ensino médio ano passado.

 - E por que não está na faculdade?

 Soltei uma risada sem encará-la.

 - É uma boa pergunta. Acho que estou esperando ser aceito – encarei-a enquanto esperávamos por um sinal vermelho numa avenida.

 - Talvez você não queira ir para a faculdade – ela presumiu.

 - Não acho que seja isso – voltei a olhar para frente, concentrado no caminho.

 - Talvez você só esteja querendo enganar a si mesmo. As maiores mentiras que contamos são para enganar a nós mesmos.

 Não respondi. Não quis me explicar e acabar falando besteira. Às vezes a melhor resposta é o silêncio, mas eu também sabia que o silêncio é consentimento.

 Ela guiou-me por algumas ruas e me situou, explicando-me onde era sua casa. Ficamos em silêncio novamente por alguns minutos. Decidi ligar o rádio para ver se o clima animava um pouco. Sintonizei em qualquer estação que não estivesse cheia de ruídos e aumentei o volume. Tocava uma música que eu não conhecia, mas que Angela não parecia gostar. Ela esticou o braço e desligou o rádio. Olhei-a rapidamente de soslaio.

 - Não gosta daquela música? – perguntei.

 - Por que você está fazendo isso? – rebateu ela.

 Olhei-a por mais tempo dessa vez, tentando me fazer de desinteressado. Eu sabia que podia evitar essa discussão. De acordo com o que ela havia me dito, sua casa não estava muito longe.

 - Fazendo o que?

 - Isso. Dando uma carona, me deixando mexer no seu rádio. Sendo legal – ela aumentou o tom de voz para me fazer olhá-la de novo – Por que você está sendo tão legal?

 Não respondi imediatamente. Mais alguns metros e estacionei em frente a um sobrado tipicamente americano, com um belo jardim e portas e janelas reluzentes. Uma passarela de pedras ligava a calçada à escadinha que levava à porta de entrada. Uma casa realmente encantadora, na verdade. Não se parecia o lugar que uma garota como Angela morava.

 - É um crime ser gentil nos dias de hoje? – dei de ombros e sorri pelo canto dos lábios.

 - Eu só não consigo entender o por quê – murmurou ela, os olhos suplicando por algo que eu não sabia o que era.

 Dei de ombros novamente, tentando parecer indiferente.

 Ela passou a língua pelo lábio inferior antes de se virar para abrir a porta. Algo me dizia que estava prestes a chorar. Quando se levantou e esticou o braço para pegar a mochila cheia de livros, suas cicatrizes ficaram a vista de novo.

 Puxei seu pulso e fiz com que me encarasse. Ela se assustou; seus olhos correram dos meus ao seu próprio braço. Encaramos ao mesmo tempo as inúmeras cicatrizes horizontais que enchiam a parte anterior do seu antebraço.

 - Eu sabia que era por isso... – balbuciou ela.

 Encarei-a novamente. Aquele misto de sensações me invadiu de novo. Um pouco de raiva, tristeza e medo. Ela estava completamente assustada. Tudo o que eu queria naquele momento era levantar e abraçá-la; queria fazê-la se sentir protegida. Ao invés disso, ela puxou o braço e bateu a porta do carro com força. Inclinou-se até a altura da janela e disse:

 - Você não tem nada com isso e não pode me ajudar. Vá embora. Eu não preciso de você!

 Observei enquanto ela caminhava com passos fortes pela passarela de pedras e subia os três degraus da escadinha. Puxou a mochila que caía do ombro e abriu a porta. Fechou a mesma sem me dirigir um último olhar e desapareceu.


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