Os Gêmeos Bouvier - A Resistência escrita por That Crazy Lady
Ok, ok. Uma Ca me mandava um ditado popular por meio de uma feiticeira estranha, escrevia o meu nome errado no envelope e ainda esperava que eu entendesse tudo. Totalmente normal. Agora vamos raciocinar, certo?
Por que raios ela se daria ao trabalho?!
Quer dizer, até Flávio tem mais o que fazer. E ele é a criatura mais à toa da face da Terra.
Só se ela quisesse me comunicar algo. “Antes da tempestade vem a Calmaria”, seria um código? Um anagrama? Talvez um aviso? Sinceramente, a essa altura só falta eu ser algum tipo de chosen one e precisar salvar o mundo em uma semana ou qualquer merda assim. Já até consigo imaginar. Escolhida, cuidado, antes da tempestade vem a calmaria! Porra.
E eu nem podia pensar em paz. Não. Tinha que aguentar um bando de vampiros bêbados procurando um decote no meu corpete e lançando sorrisos safados quando eu os fulminava com os olhos. Isso sem falar na música. Eles realmente não deviam deixar tão alta em uma casa feita de vidro.
– Me desce qualquer coisa sem sangue ou álcool – disse irritada ao barman. Ele me observou com olhos divertidos.
– Agora você complicou a minha situação.
– Serve até água da piscina, mas me serve alguma coisa, pelo amor de Deus – pedi massageando a têmpora.
Ele pegou um copo, encheu de cubos de gelo e depois completou o espaço que faltava com água mineral.
– Você parece muito estressada – comentou enquanto me servia. – Devia tentar um pouco de Mary.
– Mary? – perguntei depois de um longo gole.
– Bloody Mary sem o Bloody – ele esclareceu, lançando um sorriso meio divertido, meio sedutor. – Cigana?
– Por aí.
– Pensei que ciganos não tivessem problemas com álcool.
– Sou menor.
– Ah, e eu sou um policial. – Ele arqueou as sobrancelhas e puxou uma garrafa de vodka só Deus sabe de onde. Então olhou bem nos meus olhos e se aproximou, dizendo com uma voz aveludada: – Ninguém precisa ficar sabendo.
– Sou menor e estou trabalhando.
O barman fez uma careta realmente desapontada. Ele se afastou, guardou a garrafa de vodka na prateleira sob o balcão e foi puxar papo com uma morena que se aproximou. Mas, oi, quem mandou vir jogar seus feromônios vampirescos logo em cima de mim? Eu sou imune a eles, não dá pra ficar esperando uma reação hipnótica como a maioria dos humanos tem.
– Então, você sabe que está sendo observada de cima a baixo por pelo menos, não sei, todos os vampiros da festa?
Baixei o meu copo de água. É claro que eu reconhecia aquela voz, mas só de birra não o observei. Apenas ajeitei as unhas, sem mudar de posição.
– É, eu imaginei. Eles ainda não perceberam as ondas de desprezo que eu emano, mas é só uma questão de tempo.
O dono da voz riu. Era provavelmente a risada mais humana da festa, excluindo a minha e a do meu irmão.
Eu gostava quando ele ria.
– Você não mudou nada, mia bella – ele comentou, sentando-se ao meu lado. Finalmente o observei, e dei um meio sorriso.
– Acho que é desnecessário dizer que você também não, Vince – eu disse.
Não saiam fofocando por aí, mas eu e Vince... Bom, éramos namorados. Um ano atrás. Aí terminamos.
... Tá, não éramos namorados. Era mais uma amizade com benefícios. Ele vinha me procurar quando estava com sede, e a gente dava uns amassos por aí. Mas, caramba! Não é como se desse para namorar um meio vampiro! Até ciganos são difíceis, com essa fama de nômade. Amizade com benefícios estava ótimo.
E, vamos combinar, Vince não é de se jogar fora. Aqueles olhos cor de avelã e o sotaque italiano seduzem, e o desgraçado sabe disso.
– Um ano, hein, mia bella? Aposto que você já fez quinze anos! – ele acusou.
Ergui as mãos na altura da cabeça, como se estivesse rendida.
– Culpada.
– Então eu te devo uma valsa!
Ow, ow, ow, para tudo. O quê?
– Uma valsa? – eu perguntei com a voz carregada de sarcasmo.
– É! Ou as debutantes não fazem mais isso?
– Fazem, mas...
– Não vai me dizer que não sabe dançar. Eu sei que isso faz parte do programa lá de treinamento para ganhar as marcas ciganas.
Droga.
– Vince, não é como se eles estivessem tocando valsa. E eu lá tenho cara de debutante?
Vince apenas sorriu. Ele apanhou a minha mão, me puxou para fora do banquinho contra a minha vontade e me arrastou para a pista de dança.
– Não, Vince – reclamei, tentando soltar minha mão.
– Não vai matar, Ell. – Ele ergueu a mão que não segurava a minha e chamou a atenção do DJ. Depois, fez um “ok”, erguendo o polegar, e me segurou em posição de dança.
– Vince, para, eu não quero dançar – eu disse rápido, enquanto olhava em volta e calculava mentalmente minhas chances de sair correndo e me trancar no banheiro feminino.
Não que ele fosse respeitar o banheiro. Mas eu podia usar alguma coisa lá dentro como arma.
Então, o DJ foi gradualmente diminuindo a velocidade da música, até que uma valsa apareceu.
– Um pedido especial para uma garota especial – o DJ anunciou divertido em um microfone. – Aproveitem, pombinhos!
Eu sabia. Ele já tinha planejado tudo. Safado!
Como todos em volta tinham começado a formar casais e dançar como nós dois, não vi saída a não ser simplesmente me deixar ser guiada por Vince. Infelizmente, eu não pude deixar de notar como era bom ter uma mão conhecida apertando minha cintura, ou como o hálito dele era quase embriagante, ou como Vince dançava bem. E uma enxurrada de lembranças veio à tona.
Como a vez em que ele me salvou de um bando de lobisomens, porque eu tinha 12 anos e ainda não sabia usar cartas de ataque direito. Ou da vez em que ele me ajudou a mentir para algumas feiticeiras, no Halloween, quando elas queriam nos usar em uma cerimônia. Ou da vez em que ele me beijou pela primeira vez, e eu me senti como se estivesse nas nuvens e no inferno, ao mesmo tempo. De suas palavras doces. De seu toque sutil. De seus dentes no meu pulso.
Mas eu sabia o que Vince estava fazendo. Que era de propósito. Sabia que era segunda feira, e o fim de semana devia ter sido ruim, e ele mal devia esperar por sangue decente. Sabia que, quando ele me encontrou, devia ter entrado em êxtase por esperar, finalmente, um bocado de sangue cigano e fresco no fim da noite. Sabia que toda aquela coisa – valsa, palavras doces, um motivo para ficar realmente próximo de mim – era armada.
Não, eu não ia cair nessa.
– Você sabe que, agora, a coisa é diferente, não sabe? – murmurei para ele. Estávamos tão próximos que não havia necessidade de elevar o tom de voz.
– Como poderia ser? – ele perguntou de volta. – Você ainda é mia bella.
– Não, não sou. – Vince se afastou o suficiente para que pudesse observar meu rosto. Parecia confuso. – Vince, foi um ano. Eu tenho um namorado agora.
– Um namorado? – ele perguntou. Pensei que ele fosse falar algo do tipo “ah, nossa, tudo bem, bella”, mas o garoto começou a rir.
– Qual é a graça? – perguntei entredentes.
– Ah, bella. Você é uma cigana. Nós dois sabemos que, se o cara foi idiota o bastante para te pedir em namoro, não vai durar nada.
Eu sei que comentei isso antes. Que ciganos tinham fama de nômades. Mas ouvi-lo da boca de Vince, naquele tom debochado... Aquilo me deixou fervendo por dentro.
– Fique sabendo que durou o bastante para eu ganhar um anel de compromisso. São quatro meses, Vince, quatro!
– Um anel? – Vince ergueu as sobrancelhas, cético, e observou minha mão direita. O anel que Vítor me dera estava lá, prata contra pele. – Não. Mirella, você está namorando um humano? Um humano mundano? – Vince me observou direto nos olhos, mas não respondi nada. – Ele nem sabe o que você é, sabe?
Minha respiração estava acelerada. E Vince com certeza havia percebido.
– O que te faz pensar isso? – perguntei com a voz tremendo.
Vince apertou os olhos com força, fazendo uma careta. Parecia que eu havia acabado de confirmar o que ele perguntara.
– Tinha que ser. Só um mundano seria estúpido o bastante para te dar um anel de compromisso. O que vai fazer com ele quando o namoro acabar? – ele provocou. – Vai vender? Seria bem a sua cara.
Quer saber? Chega.
– Me solta, Vince – mandei, tentando me desvencilhar de suas mãos.
– A música não acabou – ele disse inflexível, ignorando minhas tentativas de me soltar.
– Eu disse me solta! – Com essas duas palavras, uma parede de energia se chocou contra ele e o jogou no chão.
Na verdade, foi totalmente sem querer. Eu me descontrolei, minha energia se acumulou naquelas duas palavras, e bum, Vince estava no chão. Mas eu não ia admitir que fora um erro. A partir do momento em que aconteceu, passou a ser de propósito. Ponto.
– Quando eu digo para me soltar – continuei, com a voz tremendo de raiva –, você me solta, babaca.
– Ell? Tá tudo bem? – Coron perguntou, cotovelando algumas pessoas para chegar até mim. Áurea veio logo atrás dele, mas não parecia tão preocupada comigo. – Vince? O que está fazendo aqui? – Então sua expressão mudou de preocupado e confuso para raivoso. – Está causando confusão com a minha irmã, seu canalha?
– Coron, você não ouse brigar em meu lugar – eu alertei imediatamente.
Foi o bastante. Ele parou, tirou os olhos transbordando raiva de Vince e me observou de novo. Parecia... Eu não sei, compassivo?
– Eu tenho tudo sob controle aqui – ele disse calmamente, o que contrastava muito com seu tom ameaçador anterior. – Por que não volta para casa?
Passei a língua pelos lábios. Realmente, a noite não tinha sido das melhores. E minha cama parecia muito convidativa, em comparação àquele lugar fedendo vampiro e com música ensurdecedora. Além de que eu ainda tinha uma carta misteriosa para decifrar.
– Eu não sei...
– Áurea não se importa – Coron disse rapidamente, antes que a garota entrasse na discussão. Ela fechou a cara, mas não o contradisse. – Vai descansar. Eu chamo se precisar de alguma coisa.
Suspirei, tentando me acalmar, e olhei para onde Vince estava. Ou deveria estar. Ele já tinha dado o fora, provavelmente quando meu irmão desviou o olhar.
– Tudo bem – cedi. – Eu vou.
Ajeitei a bolsa no ombro e passei ao lado de Lince para sair. Antes de continuar, porém, segurei sua mão e disse baixo em seu ouvido:
– Vince é briga minha. Eu decido o que faço com ele. Não se meta.
Com o canto do olho, vi que ele crispou os lábios em revolta. Mas, antes que meu irmão tivesse tempo para argumentar, eu já tinha me afastado a passos decididos.
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