Os Gêmeos Bouvier - A Resistência escrita por That Crazy Lady


Capítulo 6
A noite em que fomos perseguidos


Notas iniciais do capítulo

Err, ficou um pouco maior do que o esperado. Eu meio que empolguei.



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Você se pergunta quem, em sã consciência, vai a uma festa segunda à noite no começo de fevereiro. Ou quem, em outra sã consciência, faz uma festa segunda à noite no começo de fevereiro.

Tipo, só podia ser a Áurea. Aquela criatura demoníaca vai me deixar louca qualquer dia desses.

- Flávio, você viu meu kajal? – perguntei enquanto invadia o quarto do meu primo. Como garotos de dez anos são extremamente ocupados, ele estava jogando videogame com as cortinas fechadas e os olhos fixos em algum jogo muito sangrento.

- Eu não mexo nas suas maquiagens – ele respondeu de volta, sem nem me olhar.

- Que cheiro de... Salame – eu constatei de repente. – Você não andou comendo no seu quarto de novo, andou? Sabe que não pode!

- O que você é, minha mãe?

Crispei os lábios. Não, não valia a pena ficar me irritando por causa de garotos de dez anos. Eu tenho mais com o que me preocupar. Tipo meias-vampiras de 210 anos.

- Tem certeza que não viu? Nem no banheiro, ou...?

- Não, Ell, que BOSTA, MORRE LOGO SEU DESGRAÇADO!

Era bom que ele estivesse gritando com o monstro do videogame. Ou alguém ia acidentalmente cair da varanda.

- Ell, você tá pronta? – Lince gritou da sala.

Não, seu idiota. Não é assim que a coisa funciona para as meninas. A gente passa meia hora arrumando o cabelo, meia hora se maquiando e dias escolhendo previamente a roupa e os sapatos – isso sem falar da dieta para conseguir caber direito no vestido. Não dá pra esperar que os vinte minutos que haviam se passado seriam suficientes, mesmo que eu me arrume o mais rápido possível.

Mas eu preferi ser educada ao responder.

- Ainda não. Meu kajal sumiu! – gritei de volta. – Você viu?

- É aquela coisa que parece um lápis e você usa pra maquiar o olho?

Não era possível. Ele sabia o que era um kajal. Isso só tinha uma explicação.

- Você achou? – perguntei aliviada, correndo até a sala.

Como previsto, lá estava ele e seu look de cinco minutos. Cabelo castanho-escuro bagunçado, camisa de gola em V e mangas compridas ligeiramente arregaçadas, um jeans surrado o suficiente para ficar cool e um tênis de uma marca que nunca lembro o nome. Levando em conta que ele malha e tem aquele sorriso irônico irritante, bom...

Detesto admitir. Mas Lince é um gato.

- Ah, achei! – ele respondeu descontraído. – Eu usei pra anotar o telefone que a Carol me passou.

Gelei.

- Você o quê?!

- Usei pra anotar um telefone...

- SUA COISA RETARDADA! AQUILO É IMPORTADO! – eu gritei, uns bons tons acima do meu habitual. – CUSTOU UMA FORTUNA, E VOCÊ USA DE CANETA?!

Basicamente, eu comecei a estapear meu irmão em cada pequeno ponto que conseguia alcançar. Ele ficou reclamando alto e dizendo que não sabia que era caro, até que por fim encheu o saco dos meus tapas maldados e segurou meus pulsos com força, rindo alto.

- Ah, relaxa! Ainda tá inteiro. Toma, vai lá se arrumar. – Ele tirou o kajal do bolso e me entregou. Eu o peguei e saí pisando forte, até o meu quarto.

Meu quarto é... Bom, normal. Tem uns pôsteres de bandas de rock, uma cama, uma escrivaninha, uma televisão, um armário e... Só, acho. Não é como se eu enchesse de tralhas.

Fui até meu armário e abri a porta do meio, que tem um espelho pregado. Avaliei rapidamente meu visual. Um corpete amarronzado, uma saia comprida e solta de tons beges aleatoriamente dispostos e uma rasteirinha simples que subia por minha panturrilha. Ah, e as milhares de pulseiras e colares. Visual bem cigano, deixando minhas tatuagens à mostra – principalmente o alfa na parte de trás de meu ombro esquerdo.

... O alfa! Eu não falei do alfa. Foi mal.

Entenda, ciganos são seres humanos. O que nos diferencia dos outros mortais é que nós vemos os míticos como eles são, e o resto das pessoas não. Reza a lenda que, ao serem perseguidos pela Inquisição da Idade Média por acusações de usar magia (aparentemente, eles não sabiam que maconha era só uma erva), ironicamente os únicos ciganos que conseguiam escapar com total sucesso eram aqueles que realmente passaram a ver e controlar a magia. Há!

É claro que, depois disso, houve misturas de raças, e alguns humanos que não tinham etnia cigana acabaram mexendo com a magia. Mas ficamos conhecidos por ciganos mesmo. Afinal, míticos têm uma enorme criatividade com nomes.

Bom, cada cigano tem uma maneira de lidar com a magia. Alguns, como eu, optam pelo difícil caminho do ascendente alfa: canalizar energia vital (em varinhas, encantamentos gritados, cartas...) e transformá-la em magia. Por isso meu ascendente é a primeira letra grega; energia é o ponto de partida de todos os outros ascendentes.

Outros simplesmente optam por obter melhorias físicas; força (no caso de Lince), rapidez, agilidade, e por aí vai. São mais simples porque, no caso da energia, se você resolver sair fazendo magia sempre que der na telha, sua energia vital acaba e você... Bom, morre. E, na maioria das pessoas, o poder sobe à cabeça e eles saem por aí explodindo prédios.

Mas, sinceramente, não é tão difícil. É só uma conta enorme, na qual você não pode fazer o resultado chegar a zero. E, se tem matemática no meio, eu domino. (Modéstia à parte.)

O resto das tatuagens é só de gracinha mesmo. Quando você “vira homem/mulher”, eles tatuam caminhos de seu ascendente até a ponta dos dedos das mãos, como se fosse o trajeto que a magia faz por seu corpo. Os meus são espirais; não há uma única reta nele, apenas curvas. Já o de Lince é o contrário. Runas. Apenas retas, nem uma curva.

É claro que eu não saio por aí exibindo minhas tatuagens, só quando vou sair como cigana. Então criei uma carta muito útil, chamada Helena, que corta e pinta meus cabelos castanho-escuros de cereja (quem procuraria uma cigana com cabelos coloridos? Fala sério, foi genial) e esconde as tatuagens.

Menos o C no antebraço esquerdo. Como eu já disse, não há magia que esconda aquela coisa maldita.

Então ficamos assim: Helena, um disfarce de humana com cabelos coloridos que se revolta contra o sistema e escuta rock quando não tem o que fazer; e Mirella, a cigana de cabelos castanho-escuros frequentemente presos em coques, tranças e rabos-de-cavalo, que gosta de sorrir misteriosamente e tem o chamado “charme cigano”.

Dupla personalidade? Acho que não.

Terminei de passar o kajal preto e completei com um batom vermelho que provavelmente brilhava no escuro de tão forte. Ajeitei os cabelos no coque, conferi se o nível de blush estava aceitável para não me fazer parecer com um palhaço e desci até a sala.

- Vamos, então, antes que a gente se atrase – chamei meu irmão.

Ele largou o controle da TV e levantou do sofá, espreguiçando-se como se tivesse todo o tempo do mundo para esticar as articulações.

- Tia, estamos indo! – gritou para o andar de cima da casa.

Como a resposta foi um grunhido incompreensível, resolvemos interpretar como um “OK!” para dar menos problemas. Lince pegou a chave de casa, trancou a porta ao sairmos e me acompanhou pela calçada.

- Você pediu um táxi? – perguntei enquanto remexia na minha bolsinha a tiracolo. Maquiagem, celular e punhal de emergência, checked.

- Claro, né. Não sou idiota.

- Há controvérsias – provoquei.

Lince, como sempre, apenas revirou os olhos e me puxou mais para perto, abraçando meus ombros. Ignore, é apenas uma mania irritante. Para nenhum tarado resolver se meter com você, ele diz. Para você arrumar algum lugar onde apoiar o seu peso, preguiçoso, eu digo, já que saio por aí carregando meus –ninguém precisa saber- quilos mais metade do peso do meu irmão.

E olha que Lince nem pode bancar o irmão mais velho super protetor! Afinal, eu sou a mais velha. Por... Alguns minutos.

Então lá fomos eu e meu irmão mais novo super protetor até a pracinha, onde marcamos com o cara do táxi para nos pegar. Por via das dúvidas, ele também nos deixaria alguns quarteirões antes da casa em que Áurea faria a festa, e se fosse necessário nós ziguezaguearíamos um pouco para evitar algum seguidor irritante. Todo cuidado era pouco, não repare.

E, como minha vida é linda, ao viramos uma esquina próxima da pracinha meu radarzinho mental fez o favor de apitar.

- Lince – chamei baixo e urgentemente. – Tem alguém nos seguindo.

Ele me apertou mais contra seu corpo.

- Consegue captar alguma coisa? Descrição?

- Estou tentando. Hã... É humano, definitivamente. – Seu aperto ficou mais tenso. – Está tentando não chamar a atenção. Parece preparado, mas... Não para nós. Tem defesas e armas fracas demais.

- Ótimo. Se vier pra cima, porrada nele.

- Não, Lince! Temos que ser discretos!

- Discretos nada. Eu vi um ótimo descampado outro dia, seria o lugar perfeito para nos livrarmos do corpo...

- Ai meu Deus, quer calar essa boca? Eu estou tentando me concentrar!

E ia começar a xingar meu irmão de alguns nomes nada bonitos quando senti um líquido pegajoso descer devagar para minha boca. Gelei. Ergui a mão, tremendo, e peguei um pouco. Era quente. Levei o dedo para a luz, e estava vermelho.

Sangue.

- Lince? – Eu já começava a ficar tonta. Estava fazendo efeito rápido demais! Não, isso não podia acontecer, eu ainda precisava tirar a gente da rua! – Tem alguma coisa roubando a minha energia, vira a esquina!

Ele apressou o passo, um aperto nervoso em meus ombros. Só mais alguns metros... E...

Esquina virada.

Puxei a mesma carta que usava frequentemente para sumir em um amontoado de fumaça azul, segurei meu irmão firme e vuup, estávamos voando livremente pelo céu noturno. A sensação costumava ser legal quando eu não estava baleada ou perdendo energia.

Acho que não estou com muita sorte recentemente.

Aterrissamos em cima de um dos prédios próximos à pracinha. A altura geralmente inutiliza a maioria das magias de ataque, o que faria com que meu nariz parasse de sangrar.

- Aaahhh, eu odeio quan-

- SHHH – interrompi meu irmão, então apontei para a rua abaixo de nós. Uma pessoa confusa vinha correndo, espiando os lados como se tentasse encontrar alguém. Parou. Suspirou irritado, então apanhou um walkie talkie de dentro do bolso.

- Ciganos. Totalmente. Acho que consegui roubar um pouco da energia do mais baixo, mas ele era bom, roubou de volta. Sumiram de vista. Câmbio. – Pausa... – Sim, vou continuar a vigia. Mas não devem estar tão perto, mais. Câmbio. – Pausa... – É, deve ser. Alta presença de vampiros nunca é um bom sinal. Vou voltar ao meu posto. Câmbio desligo.

Pela altura, não dava para identificar muito bem silhuetas ou vozes, por causa do eco, mas eu tinha a sinistra impressão que conhecia aquele cara de algum lugar. É claro que, provavelmente, ele era só um dos otários que viviam me perseguindo por aí. Nada com o que me preocupar.

O problema é que, pela minha sorte, eu não podia ter 100% de certeza. Podia ser um mau sinal. Talvez péssimo.

OK, uma merda de sinal. Mas minha vida é isso aí.

-... Uh. Oi, garotinha! – Coron disse alegremente, do nada. Tirei minha atenção da rua, e percebi que uma menina de uns três anos abraçada a um gatinho de pelúcia nos encarava curiosamente. Droga, eu tinha esquecido que eram prédios residenciais!

- Ah... Oi! – disse junto, sorrindo para ela. – Você, hã, lindo gatinho! Viu algum voador por aí?

Lince me lançou um curto olhar de desprezo profundo, do tipo que vergonha de desculpa, Mirella!

- É que nós somos fadas e perdemos o nosso. Enfim, viu um voando por aí? Ele era bem parecido com o seu – Lince retomou.

Fadas. E depois a minha desculpa é uma vergonha.

- Não vi – a menina respondeu de volta com sua vozinha de três anos, agora parecendo mais animada por ouvir que “éramos fadas”. – Maich essa aqui é a Chainha! Dá oi pas fadas, Chainha! – Ela balançou a patinha do gato branco em seu colo.

- Oi, Chainha – eu e meu irmão cumprimentamos em uníssono.

- Bom, já que não está aqui, vamos, eh, procurar em outro lugar. Certo, Twinkle? – soltei, apanhando a mão do meu irmão. – Estamos indo. Adeus para vocês!

Com isso, eu e ele subimos na mureta e pulamos do prédio antes que a pobre menina suspeitasse de alguma coisa. Materializei a carta de novo, e consegui aterrissar seguramente na pracinha com meu irmão do lado.

Dessa vez, meu nariz não sangrou e meu lábio não rasgou. Yey.

Depois de ajeitar minha roupa e olhar em volta da praça iluminada, concluí que seria um ótimo lugar para caminhar à noite com Vítor, qualquer dia desses. Tinha uns bancos, a iluminação era boa, e o quarteto de cordas se apresentando no coreto impedia que marginais resolvessem utiliza-la como ponto de venda.

- Twinkle? – Lince perguntou de repente, em voz de desdém, com as sobrancelhas arqueadas e os braços cruzados.

- Fadas? – rebati no mesmo tom.

- Fadas – ele concordou, balançando a cabeça ao reconhecer o quão trágicas nossas desculpas tinham sido.

Eu apenas sorri. Ser perseguida e me passar por fada? Me tirou do tédio.

- Então vamos logo achar esse táxi e ir logo para essa festa, antes que Áurea decida que nos esquecemos dela. Permite-me, madam? – Meu irmão me ofereceu o braço, e eu o segurei revirando os olhos. Coron consegue ser completamente bobo depois de momentos de quase-morte.


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Notas finais do capítulo

Oi gente!
Eu sei que não costumo usar muito esse espaço, mas só queria anunciar que agora as explicações acabaram (eu acho) e os capítulos vão ter mais enredo do que a Ell falando sem parar sobre colares ou tatuagens. Em resumo, vai ficar mais legal e menos cansativo.
Se puderem deixar reviews é legal também. Tenho a leve impressão de que estou com alguns leitores fantasmas. :x
Beijos!
Lah~



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