Os Gêmeos Bouvier - A Resistência escrita por That Crazy Lady


Capítulo 20
Eu esqueci que ele me conhecia.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo fresquinho que acabou de ser revisado! Aproveite enquanto ainda está quente.



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Acordei suada e completamente aterrorizada.

Meu coração batia tão forte no peito que quase doía. Por dois segundos horríveis, não consegui identificar onde eu estava ou o que estava acontecendo, e fiquei paralisada no mesmo lugar; até finalmente entender que fora só um sonho e fechar os olhos com força.

Subi as mãos para o rosto e enfiei os dedos por entre meus cabelos, ainda com a respiração pesada. O calor no quarto praticamente me sufocava. Revirei-me na cama, tentando me desfazer do horrível sentimento que me tomara por causa do pesadelo, mas saber que eu tinha acordado não era um consolo tão grande quanto devia. Soltei meu cabelo e apoei-me com um cotovelo no colchão, estendendo a mão para pegar o rádio-relógio no criado mudo.

Duas e trinta e três da madrugada.

Soltei um grunhido frustrado e me larguei de volta nos lençóis. Ainda demoraria muito tempo para amanhecer – tempo demais – e a chance de eu voltar a pegar no sono era ínfima. Tentei ao máximo me concentrar em pensamentos felizes, mas, qual é, quais? No fim, desisti de suportar a atmosfera pegajosa do quarto e rolei para fora da cama: lavar o rosto e beber uns copos de água provavelmente ajudaria... Ou ao menos ocuparia meu tempo. Vesti a calça cargo de volta no corpo, ajeitei a regata escura e amarrei meu cabelo num rabo de cavalo mal-feito antes de puxar silenciosamente a maçaneta e sair.

Foram o ruído da TV e o brilho fraco da tela no escuro que me chamaram a atenção para o fato de que Vince, como alguns meio-vampiros, não dormia. Apertei os olhos. Burra. Retardada. Idiota.

– Ei, bella – ele chamou. Sua cabeça surgiu no topo do encosto do sofá, os olhos brilhando de forma estranha na penumbra. Com uma visão dessas, meu cabelo armado com certeza não estava passando despercebido. – O que foi?

– Nada, nada – assegurei-lhe rapidamente –, eu só fiquei com sede.

– Ah – ele respondeu, obviamente tentando ser compreensivo. – Bom, se você quiser, tá passando Two and a Half Men.

Um silêncio constrangedor baixou na sala por alguns segundos.

–... Qual temporada? – soltei por fim.

Não consegui ler sua expressão na pouca luz, mas acho que um vestígio de sorriso apareceu em seus lábios.

– Terceira.

– Ah, eu gosto da terceira.

Ele assentiu e se ajeitou no sofá de forma a ter lugar para mim. Enchi um copo de água na pia da cozinha – que, na casa minúscula, não era tão longe assim da TV de qualquer forma – e sentei-me ao seu lado com alguma cautela, já esperando que uma mão boba aparecesse ou que ele lançasse alguma cantada horrível para cima de mim.

Mas Vince não só respeitou o seu próprio espaço como permaneceu calado para não me incomodar, no máximo soltando algumas risadinhas de fundo de garganta junto com as já gravadas do programa. Esvaziei o copo lentamente e, quando finalmente o depositei no chão, estava confortável o suficiente com a presença do italiano para subir as pernas e as abraçar.

O episódio acabou com um último “meen” cantado.

– Cadê a Áurea? – perguntei enquanto arriscava um olhar para Vince.

– Eu mandei ela pra casa pouco depois de você ter entrado – ele respondeu num tom ligeiramente divertido. – Ela não brigou muito. Não queria passar a noite no “colchão cheio de traças”. Disse que volta de manhã.

Ah, era a cara dela. Abri um sorrisinho discreto.

– Mas ela podia cortar as unhas – ele acrescentou.

– Você se machucou muito?

– Nah. Vou estar bom de manhã. Já passei por coisa pior – lembrou.

– Já passamos por coisa pior – consertei. Ele soltou uma risada.

– Você quer começar um concurso de cicatrizes também ou...?

– Cala a boca – retruquei, emendando também um empurrão birrento em seu ombro. Vince não fez mais do que continuar risonho, então acabei acompanhando. – Imbecil.

– Por 210 anos e contando. – Ele esticou as pernas e as apoiou na mesinha de centro com alguma displicência. – É um recorde de imbecilidade, bella.

– E você está orgulhoso.

– Óbvio.

Revirei os olhos, mas uma sensação agradável já preenchia meu peito. Ter uma conversa estúpida às três da manhã, como se nada mais estivesse acontecendo no mundo, era extremamente reconfortante para variar.

Ah, e Vince cheirava a capuccino.

Coloquei uma mecha de cabelo que caíra do rabo para trás da orelha e estudei o carpete por alguns momentos, refletindo a respeito do que queria dizer.

–... Sabe, eu tive um pesadelo.

A confissão!

Demorou algum tempo, mas finalmente saiu. Eu sabia muito bem que Vince já a estava esperando, então acrescentei:

– Mas você já sabia.

– Suspeitava – ele admitiu. Seus olhos refletiam vagamente o brilho da TV, dando-lhes um aspecto ainda mais sobrenatural quando ele me estudou. – Ao contrário da maioria das mocinhas de filme de terror, bella, você não grita quando acorda. – Um dos cantos de sua boca se ergueu levemente. – Só levanta no meio da noite pra “ir tomar água” e não volta mais pra dentro do quarto.

Senti meu rosto corar levemente. Desviei o olhar.

– Achei que eu era menos legível – resmunguei sem graça.

– Mirella, às vezes eu acho que você esquece que eu te conheço.

Ouvi-lo me chamar pelo nome – e não por mia bella – fez uma sensação estranha descer por minha coluna. Não estranha do tipo “epa epa tem um monstro na área” (porque a esta eu estava acostumada); estranha do tipo “eu tinha esquecido de por que fiquei com o Vince, pra começo de conversa”. A presença dele mexia comigo de um jeito único.

– Com o que você sonhou?

– Eu... – Hesitei, sentindo-me como se tivesse dez anos de novo. Ainda era tarde demais para voltar pro quarto? Desviei os olhos para meu próprio colo. – Uhm, tem nós dois. E nós estamos atrás do Lince. De repente, você diz que sabe onde ele está. E eu te sigo, mas... – Minha voz começou a falhar. Assumi o ritmo mais intenso e firme que consegui, o que aumentou consideravelmente o ritmo em que as palavras saíam e basicamente me fez passar a cuspir a frase. – O caminho nunca acaba. Tem paredes e crateras e gente morrendo e todo o tipo de coisa no meio. Mas nós conseguimos passar. Só que demoramos tanto pra chegar que, quando... – Perdi a voz por um momento e gaguejei ao prosseguir. – Q-Quando finalmente chegamos, ele... Ele está deitado no chão, sang-grando... E com muita dor, e...

Senti o autocontrole me escapar quase completamente e enterrei o rosto nas mãos. A mão de Vince pousou em meu ombro, o que, sinceramente, não ajudou muito a me conter.

– Ell, foi só um sonho – ele argumentou. Mas meu peito queimava.

– Ele morreu nos meus braços, V-Vince. – Um soluço escapou por meus lábios e me encolhi, com ódio de mim mesma. Minha voz já estava tão embargada que senti vergonha de ainda tentar continuar a falar. – Ele morreu nos meus braços e disse que a culpa era minha!

– Ele nunca diria isso...

– Mas não ia deixar de ser verdade!

Bella...

– Fui eu quem resolveu sair naquele dia – continuei, a voz cada vez mais entrecortada. – Fui eu quem disse para ele ir à biblioteca. Fui eu quem praticamente fez ele ir me buscar no centro, voltar mais cedo pra casa e encontrar com a Inquisição. Fui eu quem deixou ele ser p-pego, Vince, foi tudo culpa minha, e se eu não conseguir trazê-lo de volta, então pra q-que é que eu sirvo?

Tomei fôlego ruidosamente, sentindo o corpo todo tremer. Lágrimas grossas inundavam meus olhos; eu finalmente desisti de tentar impedi-las e me curvei ainda mais para frente, deixando o choro rolar. Os soluços seguintes sacudiram violentamente meus ombros – e, consequentemente, a mão de Vince. A vergonha de estar me mostrando tão fraca na frente dele só não era maior do que o medo que eu tanto tentara ignorar nos últimos dias: E se eu não conseguisse?

E se Coron estivesse morto quando eu chegasse lá?

Havia tanto que podia dar errado. Minha corrida contra o tempo me impossibilitara totalmente de procurar por mais informações a respeito de onde quer que ele estivesse, e, mesmo com Vince ao meu lado, eu não podia afirmar que estava à altura de uma missão dessas.

Passei toda a minha vida na Resistência ouvindo como era um prodígio, sendo treinada por professores de classes avançadas, jamais duvidando das minhas próprias capacidades. Mas a minha situação estava longe de estar ao meu controle. Eu nunca tinha passado por nada do tipo antes. Estava assustada até o último milímetro de alma, tendo que tomar as decisões mais difíceis que jamais pensei que tomaria e sem nem poder demonstrar como me sentia para não parecer imatura.

Força nunca foi o meu ascendente. É por isso que Lince e eu éramos uma equipe. Só que agora eu estava sozinha.

E a realidade me atingiu tão forte quanto um tiro na cabeça. Durante o tempo interminável em que chorei, no entanto, Vince não saiu do meu lado nem por um segundo. Senti seu braço passar ao redor de meus ombros e me puxar mais para perto, ao que eu praticamente me joguei junto ao seu peito, ainda com as mãos cobrindo o rosto, ainda morrendo de vergonha, mas cansada de ter que segurar sozinha o peso do mundo nos ombros. Ele me apertou contra o próprio corpo e, ignorando completamente o aspecto palha de aço dos meus cabelos, usou uma das mãos para tirar o elástico dali e correr os dedos pelos fios ressecados. Eu me encolhi contra seu toque, mas ele não pareceu ligar para o fato de que eu não tinha usado condicionador e, depois de algum tempo, tornou-se reconfortante. Quando a ponta de seus dedos acidentalmente roçava a parte nua das minhas costas, eu sentia um arrepio descer pela minha coluna – sua pele era fria contra a noite quente de fim de verão. Com o tempo correndo e a TV no volume mínimo, o bater lento de seu coração eventualmente tornou-se o único som em que eu me concentrava, e, muito lentamente, eu me acalmei.

Demorei algum tempo para parar de soluçar e estabilizar completamente a respiração. Eu me sentia absolutamente exaurida. Finalmente, desgrudei o rosto do peito de Vince e ergui os braços para secar o que ainda restara das lágrimas, mas ele me impediu.

Subi os olhos para seu rosto, confusa. Suas mãos seguravam meus pulsos com um toque leve, porém decidido, como se quisesse me segurar mais forte mas temesse me ferir caso tentasse. Mesmo já tendo o olhar acostumado à baixa luz, senti alguma dificuldade em interpretar sua expressão.

– Não é culpa sua que seu irmão tenha sido levado – ele disse em uma voz tão leve e decidida quanto seu toque.

– Mas...

– Não, Ell. Não é culpa sua. – Seus olhos me observavam com uma intensidade que eu nunca o vira usar antes. – Nunca diga isso. Você não fez nada de errado e não merece se responsabilizar pelo que aconteceu.

Talvez pela primeira vez na vida, eu estava absolutamente sem palavras.

Senti a umidade das lágrimas voltar quando pisquei. E, por algum feromônio ou simplesmente por ele ter razão, naquele momento, eu acreditei nele.

– Obrigada – respondi com voz quase travada na garganta.

A distância entre nós dois era consideravelmente pequena. Eu a diminui em pouco menos de dois segundos.

– Obrigada – repeti.

Mas, dessa vez, o fiz sentindo meus lábios roçarem os dele. Foi quando Vince me beijou de volta.


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Notas finais do capítulo

Eu queria escrever um capítulo água com açúcar há tanto tempo! Não é o meu estilo, mas ando no mood esses dias. (Cofmesescof.) Espero que não tenha ficado com diabetes enquanto lia.



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