Os Gêmeos Bouvier - A Resistência escrita por That Crazy Lady


Capítulo 21
De volta ao jogo.


Notas iniciais do capítulo

Dedicado à Isa, que escreveu a quarta recomendação dos gêmeos! Obrigada



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Não me permiti dormir até tarde. Quando saí da cama, era pouco antes das sete da manhã e o sol já tinha subido; e, mesmo com o calor característico da estação, sair debaixo das cobertas foi um esforço titânico.

Durante algum momento da noite anterior, Vince tinha me carregado de volta para a cama. Eu tinha certeza de ter me agarrado tão forte ao seu tronco que ele não poderia sair, mas suponho que tenha se soltado depois que adormeci. Senti-me frustrada e reconfortada ao mesmo tempo. Não saberia exatamente o que dizer se ele ainda estivesse lá.

Alcancei minha mochila, joguei lá dentro o inútil cinto preto largado num canto do quarto e o troquei por um amarronzado, consideravelmente maior e mais resistente. Demorei algum tempo enrolando-o cuidadosamente na calça, que – graças a Deus – permanecera em meus quadris durante a noite. Ao menos se provou que meu desespero não era tão grande. Forcei minha juba num coque e o enrolei com o elástico antes de sair do quarto.

A casa não era tão grande e Vince não estava à vista. Um bilhete preso na geladeira anunciava em uma letra floreada que ele tinha saído para arranjar comida. Franzi a testa e abri a porta. A pizza ainda estava lá. Eu podia comer pizza e ele sabia disso. Tipo, oi? Resolvi deixar essa passar e entrei no banheiro.

Desabotoei cuidadosamente o cinto de forma que não tivesse que encaixá-lo novamente na calça, me livrei do resto das roupas e entrei no chuveiro. Como só Deus sabia quando eu ia poder tomar um banho de novo, resolvi lavar a juba. Além disso, ela fica mais domável quando está molhada.

Dito e feito – depois que saí, e com a ajuda de um pente, trancei o cabelo sem grandes dificuldades. Encarei meu reflexo. Tentei parecer durona. Vou resgatar meu irmão.

É.

A choradeira acabou. Mirella está de volta. Em grande estilo.

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Áurea já estava me esperando na sala e parecia mais arrumada do que eu recomendaria. Perguntei-me se ela achava que sairíamos cavalgando elegantemente pelo entardecer.

– Chegou cedo – comentei ao pular o encosto do sofá e quicar nas almofadas.

– Eu sei – ela respondeu indiferente –, achei que o trânsito ia estar pior. – Ergueu os olhos e me observou mais atentamente. – Você prendeu seu cabelo molhado?

– Bom, por acaso você trouxe um secador? – retruquei irritada.

– Eu tenho um pequeno na bolsa...

– Olha, não precisa – cortei.

Puxei a trança para o ombro oposto ao de Áurea do mesmo jeito. Há algumas coisas que eu não gosto de admitir. O estado geral do meu cabelo é uma delas.

Depois de alguns segundos de silêncio, no entanto, resolvi dissipar um pouco a tensão:

– Como está a sua marca?

– Doendo – ela me respondeu sem olhar para mim.

– Posso ver?

A ruiva me lançou um olhar desconfiado.

– Não vou tirar a blusa pra você.

–... Isso é sério? Ah meu Deus. Ok. Mesmo que eu fosse lésbica, pode crer, você não seria o meu tipo.

– Eu sou o tipo de todo mundo – ela rebateu sem nem um pingo de hesitação.

Não perde as estribeiras. Respira, garota. Respira.

– Quer deixar de drama – continuei – e tirar logo a droga da blusa? Eu acho que posso ajudar, mas, se você quer ficar com dor aí, o problema não é meu.

– Você não pode ajudar – ela duvidou. Uma pequena ruga surgiu entre suas sobrancelhas, porém, como se não tivesse certeza do que dizia.

– Hã, sim, eu posso.

Áurea se remexeu levemente no sofá. Prossegui:

– A ligação de vocês não é muito longa. Se não estiver num estado avançado de necrose, não vai ser problema.

E vai aliviar o Lince, completei mentalmente.

Áurea não era a única sofrendo com as consequências da ligação. Onde quer que estivesse, meu irmão também estava com dor. E, se eu não podia fazer nada melhor por enquanto, garantir-lhe um alívio passageiro por alguma da minha energia vital era uma troca que eu faria de olhos fechados.

A ruiva, no entanto, precisou de mais alguns segundos me observando, como se tentasse enxergar o real motivo por trás de minhas palavras. Tendo desvendado ou não, ela soltou um último resmungo ininteligível e tirou a blusa.

A marca estava pior do que antes. Além de estar mais escura do que no dia anterior, pequenos trechos de veias e artérias próximas ao local começavam a se destacar numa coloração mais marcante por baixo da pele pálida da meia-vampira, como se o delta avermelhado fosse uma infecção se espalhando. Deixei o ar sair devagar de meus pulmões. Daria mais trabalho do que eu imaginara inicialmente.

Esfreguei as mãos uma na outra, lentamente, e fechei os olhos. Não era uma carta que eu materializava com frequência, então tentei me concentrar para garantir que não faria nenhuma besteira, tipo acidentalmente explodir o seio direito de Áurea em vez de livrá-lo da necrose. Afinal, ia sujar muito o sofá.

... E meu irmão ia morrer.

Devagar, concentrei a energia vital que eu cuidadosamente deixava sair de meu corpo e a modelei numa carta entre as palmas das minhas mãos. Como uma intermediária entre toda a energia que eu conseguia produzir e o mundo externo, ela serviria a mim da mesma forma que um regulador de voltagem, e garantiria que a magia fosse exercida perfeitamente; sem sobras e nem faltas. Dizem que portadores experientes do ascendente alfa conseguem criar magia sem a necessidade de um canalizador, mas eu ainda precisaria de uns dois anos de treinamento para chegar lá.

Modéstia à parte.

Por fim, abri os olhos e ergui a carta com o indicador e o dedo médio da mão esquerda. Girei-a algumas vezes, inspecionando-a com cuidado. Ela pulsava ligeiramente, mas eu duvidava que Áurea conseguisse perceber tal fato, pois assistia a tudo a expressão impassível, demonstrando num único olhar que “não estou impressionada, Mirella”.

Ainda assim, a carta parecia perfeita.

– Ok, vamos colocar esse bebê pra funcionar – murmurei.

Soltei-a e a deixei flutuar acima da minha mão. A carta passou alguns segundos localizando o alvo, e eu então senti um leve agito no ar – como se tivessem quicado uma pedrinha numa poça d’água – quando o encontrou.

Áurea parecia ter percebido, também, mas por causa da sensação na própria pele. Seu rosto passou de espanto para alívio para uma cara muito, muito constrangedora que me fez ter vontade de começar a gargalhar.

Quem é a lésbica agora?

– Ahhh caramba – ela gemeu, não melhorando muito a minha situação para segurar o riso –, eu nem lembrava mais o que era não ter dooooor.

– Não tem de quê – respondi, felizmente conseguindo transformar uma risada em tosse.

–... Eu por acaso entrei num filme pornô sem querer?

Áurea e eu desviamos os olhos, chocadas, para a porta. Vince estava apoiado no batente e parecia extremamente divertido com a situação, a jaqueta ainda no corpo, uma mochila nas costas e uma maleta nas mãos. A ruiva cerrou os dentes ruidosamente e subiu a blusa para cobrir o sutiã.

Você não bate antes de entrar?! – sibilou.

– A casa é minha – ele respondeu descontraído. Desviou os olhos chocolate para mim, e a lembrança da noite anterior me fez sentir ligeiramente desamparada; eu não sabia bem como reagir. Aí ele abriu a boca. – Eu não sabia que você tinha resolvido mudar de lado.

Arremessei uma almofada nele sem nem pensar duas vezes.

Vince riu e se desviou com facilidade, mas Áurea só pareceu ainda mais revoltada e saiu porta afora rapidinho, repetindo algum xingamento que, eu tinha alguma certeza, era direcionado a mim.

– Eu tenho um presente pra você – ele continuou.

– Comida, eu sei – disse rapidamente. Ergui-me do sofá e me aproximei para pegar a mochila.

–... Oi?

Parei a dois passos dele.

– Comida. Você... Disse na geladeira que tinha saído pra pegar comida.

Vince abriu um sorriso constrangido e desviou os olhos.

– Oh, puxa. – Pigarro. – Eu fui atrás de comida pra mim, bella. Tem... Pizza na geladeira.

Meu estômago caiu. Senti-me o ser humano mais burro que já pisou na face da Terra.

–... Ah – soltei.

– Eu devia ter sido mais específico...

– Não, tudo bem, foi burrice minha – cortei.

Dois segundos de silêncio constrangedor baixaram na sala. Vince acabou, felizmente, prosseguindo:

– Eu trouxe o seu arco. – E estendeu-me a maleta.

Devo admitir que realmente não esperava por essa. Recebi a maleta e a levei até o sofá a passos apressados, onde a abri rapidamente. Dentro, meu arco, dobrado, e uma aljava cheia. Não pude evitar em soltar um sorriso.

– Ah, Vince, obrigada! Onde foi que você pegou? Achei que tivessem trancado nossos pertences!

Como eu mal conseguia esperar para pôr as mãos naquelas belezinhas, puxei o arco e o distendi. Ele adquiriu seu magnífico tamanho natural num único e belo click. Puxei a corda com a mão esquerda em garra, até a bochecha, testando a rigidez. Exatamente como eu o deixara.

– Cobrei uns favores – ele respondeu, usando tom de quem não fizera nada de mais. Quando baixei o arco e mirei seu rosto, no entanto, lá estava: a expressão de “não, decididamente não foi nada de mais”.

Sorri de novo. Não consegui evitar.

– Obrigada.

Vince, no entanto, foi mais direto. Diminuiu a distância entre nós e me beijou direto na boca...

– Ah, que ótimo – Áurea berrou do lado de fora –, agora eu vou ter que servir de vela!

... E nos separamos fácil, fácil.

–... A gente devia ir indo – comentei.

– A gente devia ir indo – ele concordou.


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Notas finais do capítulo

Agora começa a quest! *música tema de super-heroi tocando no fundo*



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