Os Gêmeos Bouvier - A Resistência escrita por That Crazy Lady


Capítulo 18
Não é uma sessão de terapia com o Felix.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado à dona Madu, que escreveu a terceira recomendação dos gêmeos. Sualimda \o/



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Felix estralou os dedos enquanto olhava em volta.

– Jill! – chamou em um grito fino. – Onde está aquela criatura inútil? Jill!

Uma das portas da pequena sala fedendo terrivelmente a incenso se abriu, e uma garota de cabelos esbranquiçados enfiou a cabeça para dentro. Eu diria que Jill provavelmente beirava os vinte e poucos anos, mas nunca tive cara-de-pau suficiente para perguntar. Metade de sua cabeça estava raspada, e ela tinha um piercing entre as narinas que a deixava parecida com um touro albino.

Espera, eu acho que isso não existe. Ah, tudo bem.

– Quié, Felix? – ela berrou para dentro, fazendo o piercing balançar. – Tô ocupada.

– Temos visitas – ele esclareceu irritado, gesticulando para nós. Jill revirou os olhos e sumiu para dentro de novo, resmungando algo entre um “tá bom” e um bocado de palavrões.

Felix ajeitou a gola de sua camisa berrante e sorriu.

– E aí, o que o Felix aqui pode fazer por vocês hoje? Rabdomancia, quiromancia, clarividência, talvez um estudo astrológico dos dois pombinhos? – Ele arriscou um olhar com claras segundas intenções.

– Deus, não – neguei instantaneamente; talvez rápido demais. Vince crispou os lábios e começou a encarar o teto, o que foi muito maduro da parte dele. – Preciso encontrar uma pessoa – esclareci. – Soube que você faz esse tipo de trabalho também.

Felix remexeu-se e parou de sorrir. A aura excitada abandonou-o completamente.

– Vai sair bem mais caro do que o nosso acordo, garota. Isso é...

– Magia da pesada – cortei. – É, tô sabendo. Mas preciso de alguém de confiança. Você pode fazer o trabalho?

Ele me observou com cuidado.

– Quem deu perdido em você, Ell?

– Pode fazer o trabalho? – repeti.

Eu sei que soa chato e tudo, mas, veja bem, qualquer coisa que eu dissesse antes de Felix confirmar que estaria trabalhando para mim poderia ser revendida mais tarde. E eu não sabia até onde estavam abafando o caso do meu irmão, então o melhor era agir como se ninguém soubesse de nada ainda. Afinal, sim, Felix gosta de mim e do meu irmão e tudo mais, mas sejamos realistas. Ele gosta mais de dinheiro.

– E você pode pagar? – ele retrucou, piscando aqueles olhos heterocromáticos seriamente para mim. – Não estamos mais falando de fofoquinhas da Resistência, garota, esse trabalho vai exigir informação de verdade.

Dei um meio-sorriso.

– Já te contei as novas sobre a Ca dos Lich? – perguntei suavemente. – Você não ia acreditar.

Felix sorriu abertamente e bateu uma palma, ajeitando-se melhor no pufe.

– E é por isso que você é a minha deusa – ele exclamou alegremente. – Temos um contrato. Jill, traz o tabuleiro! – Felix berrou, virando a cabeça para a salinha do lado. Uma voz feminina irritada praguejou de volta alguns palavrões que eu definitivamente vou ter que usar mais tarde. – Minha deusa fênix favorita gosta de noz?

Por alguns instantes, não entendi por que Felix estaria me perguntando se eu gostava deles; até que Jill entrou na sala com uma bandeja repleta de biscoitos fumegantes. Ahh, noz. Com Z. Tudo bem.

– Você devia aprender a fazer os seus próprios biscoitos – Jill ralhou para Felix, acrescentando mais alguns palavrões bônus.

Vince negou os biscoitos quando ela os ofereceu. Eu peguei cinco e pedi para deixar a bandeja.

– E quem seria essa pessoa que estamos procurando? – Felix perguntou, esfregando as mãos com alguma animação. Jill foi até o canto da sala e trouxe um tabuleiro empoeirado e multicolorido, que depositou na frente dele juntamente com três dados icosaedros e inscrições que não me dei ao trabalho de tentar entender. Esperei até que ela saísse para responder.

– Meu irmão. Acho que você se lembra dele.

Bum.

Precisei trincar os dentes depois disso para manter a calma. Só podia rezar para que minha voz tivesse saído firme o suficiente, ou o pânico completo que estava me dominando começaria a ficar realmente óbvio. Foco, Ell, foco. Lince precisa de você. Fica fria.

– Lembro, sim, mas vou precisar de todas as informações que puder me dar – disse Felix enquanto apanhava os dados.

Apenas assenti.

– O nome dele é Coron, Coron Bouvier – comecei. – Ele atende pelo codinome de Lince. Já usou os nomes falsos de Daniel e Eduardo. Nasceu no dia três de abril, e tem quinze anos. É uns dez centímetros mais alto que eu, com o cabelo da mesma cor, só que mais fino. Ele é um pouco mais moreno do que eu, mas não muito, e é coberto de pequenas cicatrizes das vezes em que ele se cortou e eu tentei fechar o machucado sem causar muita dor. A maioria não dá pra ver direito. Ele diz que não quer ficar parecendo um monstro de Frankenstein, mas eu não aguento usar feitiços de cura nele quando sei que está doendo, e eles geralmente doem muito. Nós já tivemos tantas brigas por causa disso que nem consigo me lembrar de todas, só que na maioria das vezes eram muito idiotas. Na verdade, poucas das nossas brigas não eram idiotas...

– Ell – Vince me chamou com um cutucão no ombro. Observei-o com as sobrancelhas arqueadas. Tipo, estou meio ocupada aqui. – Você tá dando uma palestra sobre o Lince.

Apertei os lábios.

– Não estou não. Felix pediu toda a informação que eu puder dar – disse, como se estivesse soletrando para ele. O que eu realmente devia estar fazendo.

– Eu não acho que ele quis dizer que você podia começar uma sessão de terapia com ele – Vince argumentou com algum cuidado.

– Isso é ridículo – rebati na mesma hora. – Não estou começando uma sessão de terapia. Diz pra ele, Felix.

Felix desviou os olhos e revirou os dados nas mãos. Traidor.

– Vamos esquecer essa coisa das informações, que tal? – disse ele, balançando as mãos e fazendo os dados caírem sobre o tabuleiro. – Um pouco do seu sangue e algum objeto que pertencia a ele devem resolver.

Isso era ridículo.

Eu não tinha começado uma sessão de terapia.

Não.

Só um pouquinho.

Droga, acho que meu estado mental estava indo de mal a pior. Eu precisava encontrar o Lince logo. E cortar aquele Valete desgraçado, meu lábio já estava ameaçando ceder. Puxei meu coração do pescoço com cuidado e abri o fecho, deixando todos os pingentes escorrerem para meu colo, ao lado dos biscoitos. Enfiei um na boca (biscoito, não pingente) e estendi o fio trançado para Felix.

– Foi ele que fez, mas é meu. Funciona do mesmo jeito?

Felix estudou o fio por alguns instantes, medindo-o com os olhos. Então concordou com a cabeça.

– Ok, agora estende a mão, deusa. Aqui, não vai doer. Isso, obrigado. – Ele passou uma lâmina rapidamente pela minha palma, no que eu segurei uma reclamação na garganta porque, sinceramente, ficar toda sentimental era só o que faltava. Felix virou minha mão e a apertou de forma que algumas gotas de sangue caíssem no tabuleiro, sobre os dados. Quando me soltou, eu puxei a mão de volta e a fechei, sem energia para conjurar alguma carta de cura. Vince me estendeu seu lencinho de bolso para estancar o sangue, ao que eu agradeci com um aceno de cabeça.

Felix soprou os dados e os tomou nas mãos, junto com meu colar. Então começou a entoar algumas palavras estranhas em sussurros, e eu, como boa seguidora do ascendente alfa, imediatamente senti os cabelinhos da minha nuca se arrepiando à presença da magia. Já Vince, como bom meio-vampiro, resumiu-se a observar como se tentasse entender que raio de macumba era aquela, desistindo após alguns instantes.

Eu não o culpei. Vista de fora, a cena era consideravelmente bizarra.

Muitas palavras estranhas depois, quando a atmosfera estava quase opressora por tanta magia acumulada junta, Felix jogou os dados ensanguentados e o colar no tabuleiro. Seus olhos se fecharam e ele mudou seu tom, passando a entoar de forma mais fina, e depois mais grave, e depois mais fina, e oscilava como uma TV com estática. Vince discretamente puxou seu pufe para mais perto de mim, mas mal percebi. Eu mesma estava ocupada.

E não devia estar.

Fechar os olhos instintivamente no meio da entoação já devia ter sido, por si só, um perigo. Quando minha respiração começou a ficar mais irregular, eu soube que estava perdida. A atmosfera mágica estava me levando, como uma corrente em um rio, e algum ponto em meu cérebro tentava alertar o resto de como aquilo não podia estar acontecendo, de como a chance de eu simplesmente me afogar no meio de tudo aquilo era enorme.

E o resto não escutava.

Em minha defesa, eu jamais teria me deixado levar em ocasiões normais. Digo, sou uma profissional, pelo amor de Deus. Mas aquela não era uma ocasião normal. Minha instabilidade emocional e a falta de energia vital me tornaram um alvo fácil, e lá estava eu, me afogando, quando devia ter previsto isso e parado tudo e dito "voltamos outro dia, quando eu não precisar manter UM MALDITO VALETE PARA EVITAR QUE UM MONTE DE GENTE LOUCA POR VINGANÇA MATE A ÚNICA CRIATURA ME AJUDANDO A ENCONTRAR O MEU IRMÃO PORQUE ELE É MAU CARÁTER DEMAIS PRA PAGAR SUAS DÍVIDAS".

Foi quando Vince foi oficialmente útil e agarrou minha mão, me puxando violentamente de volta para a realidade. Pisquei os olhos horrorizada e tentei focar o olhar em seu rosto. Levei alguns segundos a mais do que deveria.

– Qual é, Ell. Da última vez que te vi afogar, você não tinha mais que doze anos. Tá meio velha pra isso - ele comentou, apertando minha mão.

Eu quis meter um soco bem no meio da cara dele. Isso nunca aconteceria se minha energia vital estivesse em seu devido lugar, e não em um valete imbecil, quis gritar. Acabei por só puxar a mão de volta, de birra.

O que não foi tão perigoso assim, porque, como Felix já estava acalmando o ambiente e encerrava o encantamento, eu teoricamente não precisava mais do contato físico para me manter ancorada. Mas gosto de pensar que foi dramático do mesmo jeito.

O vidente retirou meu fio trançado de junto dos dados e fechou o tabuleiro com um pequeno "clic". Rearranjei os pingentes de volta no colar, e tenho quase certeza de que Vince os estava contando incomodado, aparentemente reparando sua ausência ali.

Um ano, meu bem.

Felix estendeu um pequeno papel para mim, com alguns números inscritos nele. Coordenadas geográficas. Dobrei-o e o enfiei em meu sutiã, o que Vince também observou bastante atentamente. Ele simplesmente ignorou meu olhar fuzilante.

– Seu irmão não estava se movendo e não acho que vá sair dessa localização pelos próximos três dias - Felix explicou -, mas não posso afirmar com certeza.

Assenti.

– Obrigada.

– É o meu trabalho. Então, os nossos termos... - Ele deixou a frase no ar, sorrindo para mim. Dei um meio sorriso de volta.

– A senhora Ca L. Maria não anda respeitando seu voto de castidade e teve alguns filhos por aí - comentei levemente. Felix quase engasgou com a própria saliva. - Cuidado com o queixo, seu lindo. As feiticeiras não só concordaram como ajudaram, então acho que deve ter coisa aí. Muita coisa. É o que vou dizer.

Com o contrato encerrado, Felix voltou a agir com a aura de animação ao seu redor.

– Eu não a-c-r-e-d-i-t-o nisso. Aquela biscate. Sempre desconfiei, sempre. - Ele balançou a cabeça e passou o braço por meus ombros, deixando Vince claramente excluído. - Vem, minha deusa, vou te levar até a porta. Por uma informação dessas, você merece tratamento privilegiado do Felix aqui.



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