Os Gêmeos Bouvier - A Resistência escrita por That Crazy Lady


Capítulo 15
Não é um bom momento para discutir a relação.




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A primeira coisa que fiz foi procurar um telefone.

Não foi tão difícil quanto parece, levando em conta que eu estava em um clã de feiticeiras vestindo uma toga. Do lado exterior elas tinham um orelhão pregado na parede, e eu nunca fiquei tão feliz por fazer uma ligação a cobrar.

*música* Chamada a cobrar. Após o sinal, diga seu nome e a cidade de onde está falando. *sinal*

– Alô – uma voz sonolenta e ligeiramente irritada respondeu.

– Vince? – chamei baixo, com a mão apoiada na parede.

Consegui ouvir um barulho de queda do outro lado da linha, e alguns palavrões em italiano antes de Vince responder afobado:

Dio mio, é você, bella?

– É. Você caiu? – perguntei franzindo a testa.

Claro que caí! – Ele soltou um barulho irritado do fundo da garganta, como se não conseguisse expressar sua indignação em palavras. – Onde você está?

– No clã dos Lich. Escuta...

No clã dos Lich. No clã dos... Você tá de brincadeira comigo? Como diabos você foi parar aí? – ele perguntou pasmo. – Sua tia disse... Dio, eu nem sei o que ela disse. Foi um monte de palavras confusas e depois um chorinho contido. Todo mundo está doido atrás de você e do seu irmão.

– Pois é, sobre isso...

Quer dizer, foram três dias e meio. E ninguém na Resistência se manifesta.

Foi a minha vez de engasgar.

– TRÊS DIAS?!

E meio. O que você andou fazendo? Por que não me ligou do seu celular?

Precisei apoiar a testa na parede fria para conseguir pensar direito.

– Eu não sei onde ele está. Fiquei desacordada durante esse tempo todo, recarregando minha energia vital. Agora, Vincent, pode me fazer o favor de calar a boca e ouvir?

Resumi tudo o que tinha acontecido em um grande relato e tentei não me engasgar com a história. As palavras saíam aos tropeções enquanto eu controlava o desespero com mãos de ferro, pensando a todo o momento que me recusava a começar a chorar. Um longo silêncio se seguiu quando terminei.

Então, o que você pretende fazer? – ele perguntou calmamente.

Eu conhecia aquele tom. O tom de profissionalismo que todos usamos quando temos algum problema particularmente espinhoso para resolver, e não podemos perder a calma de modo algum. Foi, de certa forma, reconfortante ouvir alguém usando-o.

– Vou fugir – disse baixo. Não me preocupei em ver se havia alguém por perto; praticamente tive que arrombar a porta para sair. – Não confio nelas para resgatar o Lince. E não vou fazer absolutamente nada sem ele.

É, eu já imaginava. Mas como vai fazer para sair daí?

– Vou precisar de um portal... – Massageei a têmpora. – Tem um terreno baldio no lado norte da cidade. Vários, digo, mas tem um específico onde crescem dentes-de-leão. O lugar é um ótimo receptáculo. Me espere lá, eu vou ver o que consigo fazer por aqui.

Pensei que você estivesse quase sem energia – ele comentou.

– Estou. Mas não vou tirar energia de mim, vou tirar energia de algum objeto de poder. Elas devem ter vários. Com sorte, vou chegar aí sem nenhum déficit.

A que horas?

Dei de ombros, mas então lembrei que ele não podia me ver e disse:

– A hora que for é essa mesma.

Silêncio. Já estava quase soltando um “então tá, a gente se vê”, mas Vince é aparentemente obrigado por lei a estragar um clima de completo profissionalismo, porque disse:

Eu senti sua falta. Não só nos últimos três dias. O tempo todo.

Ca-ra-lho.

– Vince...

Eu sei, eu sei, bella. Não precisa falar de volta. Só queria que soubesse.

Bati a cabeça contra a parede.

– Por que você fica forçando a barra? Isso é uma coisa muito chata para um ex fazer, sabia? – Tentei fazer minha voz parecer irritada, mas saiu mais chateada do que irritada, o que me fez bater a cabeça na parede de novo.

Eu não estou forçando a barra.

– Está sim! Ah meu Deus. – Tive que tirar o telefone do ouvido por alguns segundos, para então voltar: – Decididamente não é um bom momento pra discutir a relação. Será que você pode ficar na sua até eu ter minha vida sob controle de novo? Aí a gente conversa.

Vince demorou alguns segundos para responder secamente:

Tudo bem.

E desligou na minha cara.

Por que eu fui pedir ajuda pra ele, mesmo?

Bom, estrago feito, já não havia mais nada pra se falar sobre isso. Com a nova informação de que eu havia ficado três dias desacordada, resolvi discar o número do Vítor só para certifica-lo de que eu estava bem.

*música* Chamada a cobrar. Após o sinal, diga seu nome e a cidade de onde está falando. *sinal*

– Alô. – A voz de Vítor veio desconfiada, provavelmente se perguntando quem estaria ligando a cobrar de um orelhão.

Suspirei fundo e abri a boca para falar alguma coisa – qualquer coisa –, mas o som simplesmente não saiu. Ficou preso na garganta, entalado, e eu não conseguia tirá-lo de lá.

– Alô? – ele perguntou novamente. Fechei os olhos e me apoiei na parede fria, simplesmente colocando o telefone de volta no gancho.

Não agora, disse a mim mesma.

Telefonemas feitos (ou não tão feitos assim), saí de perto da parede e entrei de novo. O interior estava, incrivelmente, mais frio do que o exterior; mas provavelmente era algo psicológico. Retomei minha caminhada calma, atravessando aposentos e mais aposentos com as mãos cruzadas sobre o peito, sentindo cada ponto do castelo para encontrar o melhor receptáculo.

Então meu radarzinho mental disparou e começou a berrar loucamente, apontando para uma sala que tinha não só objetos de poder suficientes para suportar um portal como também era o melhor receptáculo em quilômetros.

Adivinha onde era?

Na sala da minha mãe. Óbvio. Onde estaria todo o drama se fosse em qualquer outro lugar?

Se bem que não era nenhuma surpresa. Devia ter muita magia rolando ali dentro, e todas aquelas estátuas não podiam ser simplesmente enfeites. É claro, isso complicava drasticamente a minha situação.

Me empoleirei na janela em frente à enorme porta decorada pertencente à minha mãe e fechei os olhos, pensando. Eu não poderia fazer nada se Isabel estivesse lá dentro. Ou seja, ela teria que sair e ficar fora da sala pelos exatos dez minutos e doze segundos que um portal daqueles demora para ficar pronto – em média. O que a levaria a passar todo esse tempo fora de seus aposentos, sem desconfiar de nada e acabar voltando depois de alguns poucos minutos?

Eu digo o que a faria. Um problema. Um problema dos grandes que só ela pudesse resolver, e colocasse em risco a segurança frágil de sua guerreirinha.

Então minha criatividade agiu e, me deixando extremamente orgulhosa de mim mesma, tive uma ideia.

Desci da janela e andei rápido até a porta. Bati três vezes.

– Sim? – Minha mãe me olhou de alto a baixo antes de continuar. – Oh, querida. Eu não te disse para descansar? Aquele couro de dragão foi muito pesado para você. Deve estar tão cansada...

– E-Eu sei. Estou. – Apertei minhas mãos, nervosa. – É que... Eu senti uma presença realmente ruim no meu quarto. Então chamei uma das feiticeiras para dar uma olhada, mas ela disse não ter sentido nada... Mas eu não queria ficar lá, a presença estava forte mesmo. E não tenho como lutar contra qualquer coisa cansada assim. Então pensei... Bom, você é minha mãe. E é uma das pessoas mais poderosas daqui, se não for a mais poderosa. Com certeza, se houver alguma coisa, você vai ser capaz de sentir.

Então desviei os olhos e crispei os lábios, como se pedir a ajuda dela fosse a coisa mais repugnante do mundo, mas simplesmente não houvesse outra escolha.

E quer saber? Anos convivendo com o Lince ensinam coisas, cara. Isabel me observou por alguns instantes, medindo-me, até concordar com a cabeça.

– Certo. Eu cuido disso para você. Fique aqui, logo estarei de volta. – Ela estalou os dedos, chamando as seguranças, e saiu andando pelo corredor com a cauda da toga arrastando atrás de si.

Pensei vagamente em como seria engraçado vê-la fazer isso em um chão sujo, mas logo balancei a cabeça e continuei meu trabalho.

Lá dentro, afastei a mesinha de centro de perto dos sofás, joguei o tapete longe e materializei um giz. Com a mão esquerda, fui traçando desenhos e inscrições no chão de pedra. Em cada um dos traços, era possível ver as ondas azuis e pulsantes da pouca energia que eu usava para criar o círculo do portal. Demorei exatos sete minutos para fazer o círculo, sendo que a cada segundo olhava por sobre o ombro para ver se minha mãe ia voltar.

Tudo bem, Ell. Seu quarto é longe. Ela vai demorar até perceber que não tem nada e voltar, eu comecei a repetir para mim mesma.

Então percorri a sala à procura de uma estátua poderosa – e leve – o bastante para dar conta de toda a magia. Depois de trinta e sete segundos suados de procura, consegui encontrar um Zeus de quarenta centímetros de altura, que arrastei até o centro do círculo. A partir dali, seriam necessários dois minutos e quarenta segundos para o portal se carregar, o que perfaria, no final, dez minutos e dezessete segundos.

Malditos cinco segundos a mais. Eu me arrependeria deles mais tarde.

Enquanto Zeus enchia o portal de energia, subi na janela e puxei a cortina até ela se soltar, me levando junto. Fez uma barulheira dos infernos, mas consegui. Apoiei a beirada no piano até a parte gordinha do final se quebrar, e a partir dela puxei a cortina para fora. Depois, corri até a porta dupla e transpassei o que sobrara do apoio das cortinas nas maçanetas. Isso me daria algum tempo emergencial.

Ainda restavam alguns minutos. Usei-os para aumentar meu tempo emergencial, arrastando quantos móveis pude para a frente da porta. Consegui colocar uma escrivaninha particularmente pesada e a mesinha de centro como barreiras, então voltei para dentro do círculo.

Quarenta segundos.

Ia dar certo. Ia dar certo. Transformei meu nervosismo em um misto de abraço próprio e cruzar de braços que resultou em unhas grandes fincando meu braço.

Trinta segundos.

Minha mãe alcançou a porta.

– Trancada?... – Ela demorou dois segundos para compreender a situação toda. – Mirella, abra essa porta agora.

Dei uma risada. Era para ser debochada, mas acabou saindo histérica.

– Não, senhora.

– Você não pode fazer isso. – Sua voz era firme, mas deixava claro a tentativa falha de manter o controle da situação. – Eu e as feiticeiras estamos mantendo sua segurança. Se não for por nós, você estará por conta própria, e não tem condições de estar em conta própria agora. Sabe muito bem disso. É a gêmea inteligente, não é? Some dois mais dois e abra a porta.

Quinze segundos.

Apenas sorri e disse:

– Aprenda que, quando eu quero alguma coisa, eu consigo. De um jeito, ou de outro. Seria muito mais simples para nós duas se você simplesmente fosse pelo lado fácil.

Cinco segundos. Os malditos cinco segundos.

Isabel tomou minha fala como a gota d’água e apelou. Minhas barreiras improvisadas quase voaram até o outro lado da sala, batendo na parede e se transformando em dezenas de pedacinhos de madeira. O mesmo aconteceu com o apoio da cortina, que simplesmente se partiu em dois. Minha mãe e uma dúzia de feiticeiras em togas pretas entraram pisando forte, vindo justamente em minha direção.

Três. Dois. Um.

Só houve tempo de ver minha mãe estender a mão para mim, a centímetros do meu rosto, antes que um clarão branco tomasse conta da minha visão e me puxasse para longe dali. Bem em tempo.



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