Os Gêmeos Bouvier - A Resistência escrita por That Crazy Lady


Capítulo 13
Esqueça dias e noites. Tenho um problema maior.




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Lince passou o braço por meus ombros e continuou assim até chegarmos em casa. Não reclamei. Afinal, força é o ascendente dele, não o meu. E, já que é muito raro que os ascendentes se limitem ao físico, ele já estava acostumado a lidar com meus pedidos prematuros de arrego.

Assim que abrimos a porta, fomos recebidos por nossa tia. Mas logo ficou claro que a coisa não estava nos eixos, porque ela parecia... Contente demais.

– Helena! Daniel! Ainda bem que chegaram! Onde estiveram? – perguntou, nos abraçando. Eu e meu irmão nos entreolhamos rapidamente, então entramos no teatrinho.

– Comendo bolo na padaria – Lince comentou. – Bom, pelo menos a Heleninha morta-fome estava.

– Eu? Morta-fome? Você não me deixou comer nem a metade do bolo de chocolate! – acusei.

– Ah, não importa agora. – Tia Manu balançou a cabeça, como se pensasse que não tínhamos jeito mesmo. – Vocês têm uma visita. Ele está na sala.

Assentimos. Lince rapidamente se colocou na minha frente e atravessou o corredor, provavelmente num dos seus surtos periódicos de “proteger a Mirella”. Por isso, só consegui ver quem estava sentado no sofá quando ele saiu da frente.

Eram dois homens bem-vestidos. O primeiro eu conhecia: Ricardo, o cara da Inquisição que faz visitas trimestrais à nossa casa para ver se eu, meu irmão e minha tia somos ciganos controlados. Ele é bem legal com a gente. O segundo eu não fazia a menor ideia de quem era, mas parecia bem assustador, mesmo para mim. Ele era alto, forte, e tinha olhos azuis-gelo que não saíram do meu rosto nem quando Lince apertou sua mão. Eu sabia que isso ia deixar meu irmão tenso, por isso fingi que nada estava acontecendo.

Assim que todos estávamos confortavelmente assentados, Ricardo pousou sua xícara com café na mesinha de centro e começou:

– Helena, Daniel, este é Fabrício. Ele é responsável pelo departamento de...

– Infelizmente – Fabrício cortou, em um tom calmo e frio que fez os cabelinhos da minha nuca se arrepiarem –, isso é informação confidencial. Mas acredito que vocês não precisam saber mais do que o meu nome para manter a conversa.

Ricardo lhe lançou um olhar ligeiramente cansado antes de se virar para nós.

– Fabrício gostaria de fazer algumas perguntas. Ajudaria muito se vocês dois respondessem a tudo com sinceridade – ele disse em um tom gentil.

– Claro – Lince concordou. Ele mantinha aquele olhar inocentemente confuso no rosto, como se mentir para Fabrício jamais tivesse passado por sua cabeça.

– Onde você estava, Srta. Helena, na noite da última segunda-feira? – Fabrício perguntou enquanto me examinava com aqueles olhos cortantes.

Franzi a testa. Meus dedos estavam ligeiramente trêmulos, então os apertei com força contra o short.

– Em casa, assistindo novela.

– Bom, isso é mentira.

Pisquei algumas vezes, chocada. Lince me observou com o canto do olho, então interviu:

– E com base em quê você alega isso?

– Eu tenho minhas fontes – Fabrício disse secamente, ainda sem tirar os olhos do meu rosto. – Também tenho motivos para acreditar que os acontecimentos de hoje se estendem a muito mais do que comer bolo na padaria.

– Isso é ridículo – declarei no mesmo instante. – Que tipo de pessoa chega aqui sem nenhuma prova e simplesmente...

– Oh, você quer provas? – Fabrício levantou-se e caminhou até ficar exatamente na minha frente. Senti os músculos de Lince ficarem tensos ao meu lado. – Faça o teste.

O teste. O teste. Fodeu de vez.

O teste é, na verdade, bem simples. Só é preciso entrar em contato com um pedaço de couro de dragão, e tcharan, a magia é revelada. Eu nunca entendi muito bem como funciona, mas como o dragão é um animal altamente mágico, ele instantaneamente anula outros tipos de magia quando está muito próximo. É tipo uma kriptonita de qualquer mítico.

Claro, como eu uso magia – mais especificamente, magia de segunda pele – para esconder as tatuagens e mudar meu cabelo, não poderia simplesmente fazer o teste. Ia acabar com o meu disfarce.

Mas o que eu podia dizer?

– Então tá. Eu faço o seu teste – eu disse, tentando manter a voz firme e descrente, como se Fabrício fosse muito idiota por sugerir uma coisa dessas.

Ele apenas deu um meio sorriso e tirou uma pequena pulseira de couro de um dos bolsos internos do paletó. Engoli em seco e tentei manter a face inexpressiva.

De repente, Lince caiu no chão.

Assim, do nada. Quando eu olhei, ele estava caído, com a cara no tapete, tendo horríveis contorções e gemendo de dor. Arregalei os olhos, empurrei Fabrício para o lado e me ajoelhei ao lado do meu irmão.

– Lince! Lince, o que foi? – Ele não respondeu. – Lince!

Ricardo correu para o outro lado de Lince e mediu o pulso do meu irmão, alarmado. Eu já estava começando a me desesperar quando senti a pancada no lado esquerdo do rosto e praticamente voei até o outro lado da sala, só parando quando bati na parede.

As cenas a seguir foram muito confusas. Eu só consegui perceber que minha cabeça doía muito, e pontinhos de escuridão dançavam na frente dos meus olhos. Minha boca tinha um gosto quente e metálico e meus ouvidos foram tomados por gritos vindos de todos os lados. Então uma sombra se curvou por cima de mim, e eu percebi que era Lince, me observando quase tão assustado quanto eu o observara antes.

As peças se juntaram. Ele não estava se contorcendo de verdade, era só um truque para que eu não precisasse fazer o teste. Então por que eu tinha ido parar do outro lado da sala?

Tentei ajustar meus ouvidos para que as palavras fossem compreensíveis, mas tudo o que consegui entender foram berros de Lince do tipo “Você bateu nela!” e de Ricardo exclamando a altos brados que iria denunciar Fabrício para seus superiores. Minhas pálpebras começaram a pesar mais do que deveriam, e lutei para não piscar.

Então, Lince foi literalmente arrancado do meu lado – e nisso ouvi muitos berros de “Ell” –, e Fabrício o substituiu. Ele tomou meu pulso, e só então percebi que estava machucado, porque um grito de dor escapou por meus lábios e fez com que, por alguns instantes, o local todo ficasse no mute. Voltei à realidade um segundo depois, mas sabia que seria questão de tempo até que eu desmaiasse novamente. Fabrício terminou de amarrar a pulseira, e então ela começou a queimar, e queimar, e queimava tanto que uma dor excruciante atingiu todo o meu corpo e eu fui forçada a berrar, porque doía demais.

Em um último ato desesperado, tentei localizar Lince; mas, de repente, a sala estava repleta de rostos confusos e borrados que simplesmente não estavam lá antes. Por fim, acabei afundando na inconsciência e não senti mais dor.

FIM DA PARTE I

PARTE II – CAÇADOS

Quando acordei, eu estava bem.

Muito bem, na verdade. Sentia aquele calorzinho gostoso de quando acabamos de acordar e estamos descansados, mas a cama é tão boa que temos preguiça de levantar. Não querendo acabar com aquela sensação deliciosa, espreguicei-me toda e só abri os olhos quando tive certeza de que tinha esticado cada mísera articulação do meu corpo.

Abrir os olhos foi um erro.

Demorei meio segundo para perceber que aquele teto não era o teto do meu quarto, então fiquei confusa por mais meio segundo até me lembrar de tudo. As lembranças vieram e me atropelaram como um trem bala, quase me deixando sem ar. Fabrício, Ricardo, o teste, a pulseira, a dor, Lince...

Lince.

Eu precisava encontrar Lince.

Levantei da cama em um salto, olhando em volta alarmada. Mechas castanho-escuras rebeldes caíram em meu rosto, e consegui ver, quando estendi a mão, as tatuagens em espirais. Sem efeito de magia.

E sem efeito de roupas, também. Eu estava nua.

Olhei em volta, procurando algo para usar de arma e algo para usar de roupa, quando vi que alguma coisa branca fora deixada no pé da cama. Cautelosamente, me aproximei e percebi que eram roupas de baixo limpas e um vestido branco comprido.

Não, não um vestido. Uma toga.

Franzi a testa, mas quem não tem cão caça com gato, certo? Vesti-me rapidamente e prendi o cabelo em um coque knot improvisado. Não consegui achar sapatos, mas arranquei uma perna de uma cadeira largada em um canto. Teria que servir como arma, porque eu me sentia totalmente esgotada de magia e cartas eram a última coisa que eu conseguiria materializar naquele momento.

Assim, com muita cautela, me esgueirei até a porta e a abri, observando.

A visão era magnífica, mas eu sabia que seria muito melhor se eu não estivesse tão alarmada. O quarto dava para um corredor enorme, cheio de outras portas. Todas estavam de frente para enormes janelas, só que sem vidro, e com colunas sustentando o teto aqui e ali. A parte do meu cérebro reservada para cultura inútil me informou que o local fora construído no estilo plateresco, com pedras de cor salmão desgastado, o que me fez pensar vagamente se eu ainda estava no Brasil. Isso sem contar a vista. Planícies disputando espaço com florestas de pinheiros, uma estradinha solitária e uma série de construções iguais ao longe. Isso, é claro, junto com a camada de neve que cobria todo o local.

Tremi na minha toga, mas foi apenas psicológico, porque o corredor em si estava aquecido e aconchegante. Fiquei imaginando como o frio da neve não conseguia passar por janelas sem vidro, mas então percebi que já estava parada a tempo demais e comecei a me mover silenciosamente.

Testei todas as portas que vi. As poucas que não estavam trancadas eram quartos idênticos ao meu, porém vazios. Quando estava quase chegando ao fim do corredor, a enorme porta dupla que eu resolvera deixar para o final se abriu e um grupo de mulheres vestidas com togas pretas entrou.

Elas pararam ao me ver, assim como eu parei. Não havia lugar para me esconder, então ergui o meu pedaço de madeira como se fosse uma espada e tentei parecer ameaçadora enquanto recuava alguns passos.

– Fiquem longe! – ordenei.

Eu já me sentia patética o bastante antes de elas começarem a rir. Minhas bochechas queimaram, e calculei as chances de conseguir pular da janela e aterrissar com segurança usando o mínimo possível de magia, mas a matemática não estava ao meu favor dessa vez.

Uma das mulheres de toga saiu do meio do grupinho e se aproximou. Ela era alta, de cabelos cacheados e ruivos, e tinha os olhos azuis. Quando falou, sua voz era calma e quase tranquilizadora.

– Venha, pequena. Vou leva-la até Maria.

Uma luzinha se acendeu no meu cérebro. Mirella Aguirre Bouvier. Ca Maria. Ca Lich Maria. Ca L. Maria.

Calmaria. Jesus, como sou idiota.

– Onde estou? – perguntei instantaneamente, recuando a cada vez que ela tentava se aproximar.

– No clã dos Lich – ela disse naquele seu tom calmo. – Agora, se você me seguir, pode ir ver Maria, e ela vai dar mais detalhes.

Refleti por alguns momentos, arfando loucamente. Maria talvez fosse a minha única chance de encontrar Lince, porque eu realmente não sabia o tamanho daquele lugar, então talvez eu devesse mesmo segui-la.

– Tudo bem – concordei. Fiquei extremamente aliviada quando minha voz saiu firme, e não tremida e hesitante como eu me sentia.

A mulher concordou com a cabeça e voltou para a enorme porta. Eu a segui rapidamente, mas continuei segurando o pedaço de madeira. Ela me lançou um olhar divertido por cima do ombro, e não pude deixar de pensar que talvez estivesse me deixando ficar com ele.

Atravessamos pelo menos vinte cômodos até chegarmos a uma porta de madeira tão grande quanto a do fim do primeiro corredor, mas claramente mais decorada. A ruiva bateu três vezes com o nó dos dedos, então me observou.

– Não pode entrar com isso na sala de Maria – disse.

Olhei para o pedaço de madeira, então para ela, então para a porta. Repeti o processo até, por fim, entregar-lhe minha arma improvisada.

Nesse instante, as duas portas se abriram juntas, aparentemente sem auxílio. O cômodo atrás delas era enorme – o pé-direito devia ter pelo menos uns seis metros – e lindamente decorado. Tentei olhar em volta e absorver todos os detalhes, desde as estátuas gregas nos cantos até o piano no centro do local, mas era muita coisa ao mesmo tempo para minha mente confusa.

Então uma mulher saiu de trás do piano. Assim como eu, ela usava uma túnica completamente branca, porém com uma cauda que a minha não tinha. Seus olhos eram castanho-esverdeados, a pele era branca e ela tinha cabelos cor de mel lindamente ondulados. Seus passos rápidos me alcançaram rapidamente, e ela me abraçou forte.

– Mirella, minha filha, meu anjo, eu pensei que você não ia conseguir acordar ainda hoje. Estava tão preocupada – Isabel me disse em uma vozinha chorosa.



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