Os Gêmeos Bouvier - A Resistência escrita por That Crazy Lady


Capítulo 12
O dia em que sofri uma ameaça por SMS




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Depois de conseguir esfriar a cabeça com a boa e velha técnica de botar os músculos para funcionar, puxei o celular do bolso traseiro e apertei 1. A discagem automática me conectou com Lince, que atendeu no segundo toque.

Fala, Ell.

– Encontrou alguma coisa? – perguntei em um tom neutro.

Não – ele respondeu simplesmente.

–... Você procurou, pelo menos?

Ouvi um bufo irritado do outro lado da linha.

Não, Mirella, eu atravessei a cidade e me enfiei no meio dessa papelada amarela e fedorenta só pra cruzar as pernas e ler a última revistinha da turma da Mônica. Por que não volta pro seu encontro meloso e depois eu te ligo?

Mordi o lábio forte, fazendo uma pequena pausa.

– Teve um problema com a mãe do Vítor e o encontro furou, então eu estou indo praí. – Bom, mentindo eu não estava. Eu só estava exercendo as possibilidades criativas que a verdade oferece.

Ahn, é melhor você não aparecer por aqui não.

Franzi a testa e parei.

– Como assim?

Eu estou com uns problemas...

– Então! Eu quero ajudar!

... Mas já resolvo. É melhor você ir pra casa, e eu cuido disso.

A essa altura, eu já estava mascando o lábio quase compulsivamente. Não foi surpresa quando o gosto metálico de sangue inundou minha boca.

– Que tipo de problema?

A linha ficou silenciosa por alguns instantes, me fazendo revirar os olhos. Ele provavelmente tinha tirado o telefone de perto da boca para poder me xingar, coisa que meu irmão tem mania de fazer isso quando a pessoa do outro lado da linha enche o saco demais.

Problemas, oras. Quantos tipos existem? – Lince retrucou então, irritado. – Deixa de ser preocupada e vai pra casa.

Olhei em volta. Meus passos inconscientes tinham me levado para a parte alta da cidade, perto da estrada, onde somente algumas casas podiam ser avistadas ao longe. Ninguém gostava de comprar os lotes daquela parte porque, desde que um grupo de poltergeists se alojou por lá, todos dizem que são mal-assombrados. É claro, eles acabaram sendo expulsos depois de um tempo, porque um grupo daquele tamanho jamais conseguiria passar muito tempo em um lugar sem acabar incomodando gente importante que não gosta de ser incomodada. Mas a lenda já era o suficiente para que ninguém se arriscasse com aquelas terras. Devem custar uma pechincha, na verdade.

Estar na parte alta da cidade também significa que você está relativamente perto da minha casa. Eu só precisava descer a avenida e virar na sexta esquerda, e então poderia assistir porcaria na TV durante o resto do dia. Me incomodava deixar Lince sozinho resolvendo qualquer que tenha sido a merda em que ele se meteu, mas então uma vozinha convidativa na minha cabeça começou a sussurrar: O Lince sabe se virar, ele não precisa de você para resolver o que quer que seja. Você já tem problemas demais. Não precisa de mais um.

Fechei os olhos e massageei minha têmpora.

– Tá bom, tá bom. Eu vou pra casa. Mas me mantenha atualizada, eu detesto descobrir as coisas na última hora e você s- - Fui cortada no meio da palavra.

Uma mão gigantesca se aproximou por trás enquanto eu não estava olhando e tapou minhas vias respiratórias com um pano úmido e fedorento. Provavelmente, embebido em clorofórmio.

Imediatamente travei a garganta, larguei o celular e ergui as duas mãos. O truque é você segurar dois dedos com uma mão e dois com outra, e puxar para lados diferentes até que o agressor te solte. Então, se for um homem, você combina com um chute no saco.

Foi o que fiz – mas o chute não funcionou tão bem, já que a maioria dos seres do sexo masculino prevê algo desse tipo e detém a perna com um braço. Então aí vai mais um truque: Não leve o chute sozinho. Se funcionar, ótimo; mas é muito clichê e previsível. Então mande junto um soco na garganta, ou empurre o septo nasal na direção do cérebro com a mão espalmada, para o ataque funcionar.

Eu particularmente gosto mais de empurrar o septo nasal, porque inundar o nariz com sangue é muito útil quando você lida com olfatos apurados. E porque faz um barulho legal.

Por fim, dei o golpe de misericórdia: um pisão no pé do meu agressor, usando o calcanhar. Uma pena que eu não estava usando saltos ou coturnos, mas o que se há de fazer? O all star também serviu.

Com a garganta ardendo por causa do clorofórmio que conseguiu entrar, eu apanhei o telefone no chão – agora fazendo o característico “tu tu tu tu” de ligação encerrada – e corri avenida abaixo como se não houvesse amanhã. Possibilidades: o cara podia ser da Inquisição, ou podia ser só um tarado esperando por menininhas inocentes.

Eu que não ia ficar para descobrir.

Só tive coragem de parar e olhar para trás quando alcancei o centro. Lindo e maravilhoso centro, cheio de pessoas em volta que perceberiam se uma garota fosse atacada com clorofórmio, como eu senti sua falta! Encostei na parede de uma loja e ofeguei loucamente, com a sensação de que minha garganta tinha se transformado em lixa. Nem me incomodei com os olhares de canto de olho que eu geralmente recebia por causa da cor do meu cabelo.

Por sorte, meu celular não é um daqueles touch screen afrescalhados que quebram se você apertar forte demais. Não, o meu celular é um daqueles tijolões de quando a tela começou a ser colorida, e você pode passar um rolo compressor em cima que não some nem as pontuações máximas do jogo da cobrinha. Ele estava intacto quando eu o observei, então pude ligar de volta para Lince.

Ell! – ele berrou no meu ouvido no instante em que atendeu.

Tem gente que diz que gêmeos são extremamente unidos. Tão unidos, que há relatos de casos em que um sentiu a morte do outro a quilômetros de distância. Eu não sei se é verdade, mas me dá um aperto no coração quando Lince está em perigo, e acho que ele deve ter sentido algo do tipo quando a ligação caiu.

– T-Tá tudo bem! – exclamei com a voz rouca. Ofegar tanto tinha me dado soluços. – Acho que a ligação c-caiu quando eu larguei o celular.

Por que você largou o celular? – meu irmão perguntou confuso do outro lado da linha.

– Eu fui at-tacada! Na parte alta da cidade!

E POR QUE DIABOS VOCÊ FOI PRA PARTE ALTA DA CIDADE? VOCÊ SABE QUE O CÉSAR DISSE PRA GENTE NÃO ANDAR POR LÁ!

– Não grita comigo! – exclamei, mas meu tom de irritação foi completamente estragado pelo soluço que se seguiu. – Eu saí andando sem rumo e fui parar lá, s-só isso!

Mais silêncio se seguiu, maior desta vez. Eu imaginei quantos palavrões Lince conhecia.

É isso. Cansei. Fica aí e não se mexe, eu estou indo te buscar.

E desligou na minha cara.

A única parte boa de ter um irmão gêmeo extremamente possessivo é que, quando você enche o saco de ter que ser responsável por tudo na sua vida, ele cuida dela para você. Eu estava cansada e mais do que ansiosa para jogar todos os problemas nos ombros de Lince, então nem pensei em discordar.

Poucos segundos depois, o celular tremeu em minha mão e emitiu um toque rápido de quatro notas. Desbloqueei a tela e fui saudada com um alegre Mensagem recebida! Cliquei no “abrir”.

Minha primeira reação foi pensar quem era o idiota que usava português perfeito em um SMS. A segunda foi ler a mensagem em si.

Você acha que o seu namorado se sairia tão bem quanto você com o clorofórmio?

E, embaixo:

Podemos tentar descobrir.

A terceira reação foi querer jogar o celular no meio da rua e berrar o mais alto que eu pudesse até ensurdecer todo mundo. A quarta reação foi ser civilizada e esquecer a terceira. A quinta foi chegar à conclusão de que o universo estava se voltando contra mim e talvez eu devesse me matar de uma vez, pra poupar o trabalho. A sexta foi entrar na padaria mais próxima e comprar um pedaço bem grande de bolo de chocolate, para entupir meus nervos de açúcar.

Lince só apareceu quando eu já estava na metade do bolo. Minha boca estava tão doce que me deixava quase enjoada.

– Você nunca foi de comer por compulsão – ele comentou enquanto me observava devorar o pequeno projeto de diabetes.

– Não estou comendo por compulsão. – Empurrei meu celular para as mãos de Lince, aberto na mensagem-chantagem. – É o meu novo plano. Eu vou comer bolo até ter um infarto, AVC ou morrer asfixiada.

Ele me observou como se eu tivesse enlouquecido. Então leu a mensagem e soltou um “ew”.

– Eu sabia que ficar namorando o Vítor não ia dar certo. – Lince balançou a cabeça, cansado.

– E quem você queria que eu namorasse? O Vince? – Dei outra mordida no bolo.

– Eu queria que você virasse freira, mas já que não dá... – Meu irmão me puxou pelo braço, tomou o bolo da minha mão e o jogou no lixo. – Anda, Ell, vamos pra casa. Também tenho coisa pra te contar.



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