Os Gêmeos Bouvier - A Resistência escrita por That Crazy Lady


Capítulo 10
O dia em que vi a foto mais chocante da minha vida


Notas iniciais do capítulo

Domingo é natal, soooo, eu adiei o capítulo para hoje. Vejo vocês lá embaixo.



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Lince balançou a cabeça de leve quando eu terminei de contar. Ele estava com os cabelos alguns tons mais escuros por estarem molhados, então eu me encolhi com medo de acabar recebendo algum respingo.

– Isso não faz nenhum sentido. Além do mais, o ditado está errado.

Pisquei algumas vezes, enquanto absorvia a informação.

–... Errado?

– É claro. O certo é “Depois da tempestade vem a calmaria”. Significa que, por mais difícil que sejam os tempos, depois vai melhorar. – Ele apontou para o papel aberto em cima da cama. – Aquele ali não. É mais tipo “não sei iluda, você vai acabar se fodendo eventualmente”.

– Bom, é por isso que eu estou preocupada, entende – eu disse, arqueando as sobrancelhas. – Não vejo como me foder eventualmente pode ser uma coisa boa.

– É, somos dois. – Lince então fez uma pose pensativa forçada, colocando a mão no queixo e olhando para o nada. – Vamos pensar. O que essa mensagem poderia significar?

– Bom, pode ser um aviso – sugeri. Então comecei a revirar a gaveta do criado mudo ao lado da minha cama, até encontrar minha caderneta. – Mas também pode ser um anagrama.

– Oh, certo – meu irmão disse piscando, a voz carregada de sarcasmo. – Então agora eu vou falar “aaahhh” como se tivesse sido muito esclarecedor. – Lince pigarreou, tomou fôlego dramaticamente e soltou: – Aaahhh. Agora tudo faz sentido. Como não pensei nisso? Um anagrama. Pff.

– Um anagrama é quando misturamos as letras de uma palavra ou frase para formar outra palavra ou frase – expliquei rapidamente, ignorando o sarcasmo do meu irmão. – Eu montei alguns. Temos... “Atracadela Mata Espadim Veste Nem”, “Americanada Delta Mesma Avt Peste”, “Atracadela Vinda Metátese Pams Me”...

– Seu objetivo não era formar palavras, era?

– Eu joguei a frase em um site.

– Faz sentido. Ao contrário dos anagramas, claro.

Fechei a caderneta de forma frustrada. Era mais do que óbvio que aquilo não tinha ido a lugar algum.

– Certo. Lembrando que eu não sou o cérebro da dupla – Lince comentou –, mas, se é um aviso, não devíamos tentar nos preparar para a “tempestade” que vai vir, ao invés de ficar quebrando a cabeça por causa desse ditado errado?

– E como vamos nos preparar se não conseguimos interpretar a mensagem? – retruquei. – Vamos o que, comprar guarda-chuvas e botas impermeáveis e ficar esperando cair a tempestade? Qual é, Lince.

Nós dois encaramos o nada por alguns segundos, como se o ar pudesse subitamente nos mostrar o caminho a seguir.

– Bom – comecei –, um de nós poderia ir ao Arquivo fazer algumas pesquisas.

Lince crispou os lábios enquanto me observava.

– Suas indiretas me ofendem.

– Bom, desculpe se você é um detector de mentiras ambulante, Olhos de Lince. A maioria das pessoas não teria problema em acatar a indireta.

– Bom, desculpe se 15965 vezes 8752 é igual a 68955, nerd. A maioria das pessoas não teria problema em aceitar o resultado.

– Aceitar o resultado? Não chegou nem perto!

Um sorrisinho convencido brincava em seus lábios.

– Mas você entendeu a minha indireta, não entendeu?

Revirei os olhos. E pensar que as pessoas conseguiam gostar espontaneamente dele. Se não fosse meu irmão, Deus, eu nem chegava perto.

– Entendi, obrigada. Somos anormais, parabéns para nós. Você vai ao Arquivo ou não vai?

– Não somos anormais, somos especiais. – Ele brincou com a ponta da minha coberta. – Que horas é o filme?

– Três e meia da tarde.

– Três e meia da tarde estarei morrendo sufocado na poeira, então. Por falar nisso, já avisou a Dinds que não vamos pegar serviço sábado?

– Claro, não sou idiota como você.

Ele sorriu.

– Não, você é chata.

– Cala essa boca.

Lince apenas riu da minha carranca. Eu a mantive por alguns segundos, mas depois acabei acompanhando-o nas risadas, provavelmente por influência dele.

Essa é a especialidade do Lince, afinal. O que números são para mim, pessoas são para ele. Facilidade extrema. Quando éramos pequenos, ele leu e memorizou todos os livros que conseguiu encontrar sobre linguagem corporal e psicologia básica, mas, acredite, nem tudo foi novidade. A maioria das coisas ele já tinha sacado por simples observação. Por isso o apelido, Olhos de Lince. Correm rápidos pelo seu rosto enquanto você fala, então a boca se abre e, puf, solta uma resposta perfeita.

Com o tempo, ele acabou aprendendo a manipular levemente a energia vital (ou aura, tanto faz) das outras pessoas para que fizessem o que ele queria. Eu chamo de influência e, bom, costuma ser bem útil.

Só não me perguntem como ele consegue. Faz quinze frustrantes anos que tento descobrir. Com ênfase no frustrantes.

Então, onde a minha lacuna de anti-socialidade falta, Lince preenche com seu carisma estonteante. Em contrapartida, onde a babaquisse e falta de cérebro do meu irmão atrapalha, eu compenso. Nós somos uma equipe basicamente por isso. Não trabalhamos tão bem sozinhos. Assim, Lince seria forçado a tirar folga comigo e poderia passar tempo suficiente no Arquivo sem ter que ficar com o celular ao lado para saber de Áurea a cada cinco segundos.

Quando finalmente paramos de rir, eu peguei o papel com a letra floreada e o observei hesitante.

– Hey, Lince... Você acha que o Aguirre... Sabe...

– Acho que não. E também acho que você não devia se preocupar com isso. – Ele me observou com força, e nenhuma sombra de seu costumeiro sorriso perpassava seu rosto naquele momento. – Deixa estar, Ell. Já disse que essa obsessão sua não vai te fazer bem.

– Tá. Que seja – retruquei de forma pouco convincente. Lince começou a me observar com repreensão, mas liguei a tevê e o ignorei pacientemente até que ele desistisse e fosse embora.

– Te ligo caso encontre alguma coisa interessante nos Arquivos – ele avisou.

Eu ia ficar com o celular bem perto do ouvido.

Os dias seguintes transcorreram sem muitas perturbações. A parte mais emocionante geralmente incluía as quatro garotas que me acolheram em seu grupo discutindo se meus olhos eram castanhos ou verdes, ou comentando o quanto eu era corajosa de pintar o cabelo, ou como a bunda de fulano era linda e fulana decididamente não merecia aquela bunda.

E Lince ainda pergunta por que sou calada.

Mas, por fim, sábado chegou.

Depois de tomar um banho, vesti-me com uma jardineira de short curto. Por baixo, usava uma camiseta escura com “Back in Black” escrito em letras garrafais e, para completar, meus all star pretos de cano alto. Também prendi meu cabelo colorido em um rabo de cavalo alto, e passei lápis preto bem leve, só para destacar. Quanto ao C, acabei enrolando o local em uma gaze. Para todos os efeitos, Flávio resolvera cortar queijo enquanto eu lavava a louça, e me acertou quando eu estava desprevenida.

Enfiei o celular no bolso traseiro e desci as escadas correndo. Felizmente, eu tinha parado de mancar, e o local cicatrizou bem o bastante para eu poder tirar o curativo.

– Tio, estou pronta – chamei.

Meu tio, um homem de quarenta anos extremamente truculento, calado e sério, simplesmente fechou o jornal e apanhou a chave do carro.

Saímos de casa. Ele dirigiu completamente mudo até a casa de Vítor, e nem eu nem meu irmão quebramos o silêncio. Quase senti pena de Lince, por ser um caminho comprido até a biblioteca. Mas, antes disso, acabei chegando.

– Se cuida – meu tio alertou secamente antes de arrancar com o carro.

Não, ele não era uma das minhas pessoas preferidas.

Assim que toquei a campainha, percebi que provavelmente não era uma boa hora. Gritos finos ecoavam do andar superior, cujas janelas estavam completamente cerradas. Minhas suspeitas se confirmaram quando Vítor foi abrir a porta.

– Hã, tente... Ignorar – ele disse com a testa franzida. – Ela deve parar daqui a pouco.

– Se for uma má hora...

– Péssima. Mas fica melhor com você aqui. – Ele se afastou, dando espaço para eu passar. – Entra. Assim que minha mãe parar, eu chamo meu avô pra levar a gente até o cinema.

Os gritos aumentaram muito o volume quando adentrei a sala. Eram duas vozes femininas distintas: a primeira era baixa e calma, e a segunda era extremamente estridente e berrava em espanhol. Deduzi que a primeira pertencia à enfermeira.

– Ela geralmente não é tão... – Vítor observou a escada receoso, como se não quisesse continuar. – Eu estava conversando com ela sobre você. Ela parecia estar ouvindo com bastante atenção até eu mostrar uma foto. Aí começou a berrar sobre Isabel.

Abri a boca para responder, mas um grito agudo de “¡Me has traicionado, Isabel! ¡No creo, no creo!” acabou por me interromper.

– Quem é Isabel? – perguntei hesitantemente quando a voz calma da enfermeira substituiu o berro.

– Era uma amiga da minha mãe. As duas não se falam desde que eu me entendo por gente.

– E o que eu tenho a ver com ela?

Vítor deu de ombros.

– Provavelmente nada. Relaxa.

– Não gostei desse provavelmente. Parece muito vago.

– Talvez vocês se pareçam, sei lá.

– Seria muito interessante conhecer outra garota de cabelos cereja.

Vítor riu, o que iluminou o meu dia. Ele parecia tão tenso – logicamente, com a mãe berrando a altos brados –, mas achei que não conseguisse relaxar tão cedo. E seria meio deprimente ir assistir a um filme com ele assim.

– Acho que temos uma foto dela... Você quer ver enquanto esperamos?

Dei de ombros.

– Tudo em nome da ciência.

Vítor assentiu e apanhou minha mão, puxando-me pela sala. Parou em frente à TV, e começou a procurar alguma coisa dentro do armário debaixo dela. Por fim, tirou um álbum empoeirado do meio das tralhas.

– Aqui. Tem todas as fotos antigas da minha família.

Nós dois nos sentamos sobre o tapete felpudo e abrimos o álbum. Vítor passou algumas páginas cheias de fotos amareladas, com pessoas sorrindo debilmente para a câmera. Eu podia jurar que um cara tinha o mesmo queixo do meu namorado.

– Estava por aqui... Ah. – Vítor parou de folhear para encarar uma única foto no pé da página.

Hm. Como descrever a cena? Talvez choque. Negação. Ânsia de vômito. Não tenho certeza, mas foi isso o que eu senti quando encarei Isabel.

Porque ela tinha, sim, tatuagens percorrendo seus braços até a ponta dos dedos. Eram irregulares, fluidas e volúveis como o leito de um rio. Mas essa não era a parte chocante, apesar de ser, sim, um pouco. Era o rosto dela. Os olhos verdes acastanhados, o cabelo cor de mel, a pele extremamente clara... E, subitamente, eu conseguia entender perfeitamente como a mãe de Vítor tinha se assustado com a minha foto.

Vítor tirou a fotografia do suporte com dedos hesitantes e a estendeu para perto de mim. Com os olhos indo de uma para a outra, declarou:

– Isso é doentio, cara.

E, subitamente, eu não tinha dúvidas. Meu subconsciente socou o resto do cérebro, completamente entorpecido, berrando que era ela. A única parte realmente ativa dos meus neurônios calculava furiosamente quais eram as chances de uma foto da minha mãe ir parar na casa do meu namorado. E o resultado – vulgo “tem merda aí no meio” – não era muito satisfatório.



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Notas finais do capítulo

Eu estava completamente ansiosa pra chegar essa parte -qq
Mas não estou aqui pra falar disso, e sim para desejar boas festas a todos os meus leitores!
Fantasmas ou não, vocês enchem meu coração de alegria quando vejo seu número na parte de "Gerenciar minhas histórias". Um feliz natal para todos vocês! ♥
Lah~



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