Achei melhor esperar uns dias até ir falar com a Milena. Se eu fosse logo depois de tudo o que havia acontecido ela certamente não me ouviria.

Aproveitei esse tempo que fiquei longe dela pra colocar a cabeça no lugar, e repensar tudo o que tinha feito.

Decidi que dessa vez era definitivo e não faria aquilo de novo. A Milena não merecia, além do mais se cada vez que eu me chateasse com ela a traísse, onde isso iria parar? Brigas são normais entre os casais e geralmente se resolvem facilmente.

Seria assim comigo se eu não tivesse sido tão estúpido.

Assim que virei a esquina da rua onde a Milena morava gelei. Sabia que o que me esperava não seria uma conversa fácil, mas estava disposto a escutar tudo o que ela me dissesse, afinal eu merecia cada palavra.

Assim que cheguei encontrei os pais dela já de saída. Antes que eu pudesse abrir a boca, a mãe dela veio com dez pedras na mão pra cima de mim, era como se eu fosse um bandido ou algo do tipo.Só não me bateu porque o esposo não deixou, mas também podia ver que minha presença o agradava menos ainda.

Quando perguntei da Milena, ela me cuspiu as palavras.

 - A minha filha não mora mais aqui e graças a você seu moleque!

 - Como assim, não mora mais aqui? Pra onde ela foi? – perguntei incrédulo.

 - Saiu da cidade.

 - Mentira, a senhora está mentindo pra mim. A Milena tem que terminar a faculdade, jamais ela jogaria tudo pro alto, jamais ela se mudaria sem me dizer nada, sem mim!

 - Você é muito egocêntrico rapaz, isso ainda vai te prejudicar muito na vida. – disse o pai dela.

Essa mesma frase ecoa até hoje na minha cabeça.

 - Ela conseguiu uma bolsa em uma faculdade no interior e vai terminar os estudos lá. Se você tem um pouco de vergonha na cara e dignidade, esquece que um dia conheceu minha filha e deixa-a em paz entendeu? Deixa a Milena em paz!

Eu fiquei sem reação. Eles em seguida entraram no carro, mas antes de saírem o pai da Milena me deu um último conselho. De dentro do carro ele me disse:

 - Muda seu jeito rapaz, pra que você não faça sofrer outra moça como você fez com a minha filha. Ou melhor, muda por você mesmo, porque se continuar assim ainda vai sofrer muito.

Eles saíram com o carro e eu fiquei parado ali como uma estátua de cera. Não conseguia acreditar no que havia acabado de ouvir, só podia ser mentira.

Com certeza a Milena não estava em casa aquele dia, mas também não havia saído da cidade. Os pais dela inventaram aquela história pra me afastar dela.

No fundo eu os entendia, só estavam protegendo a filha, mas não me daria por vencido assim tão fácil.

Durante toda aquela semana eu ia à casa dos pais da Milena procurar por ela. Eles sempre me diziam a mesma coisa, mas eu não acreditava em uma palavra sequer.

Um dia depois de tanto insistir, o pai dela me deixou entrar e fez questão de me levar ao quarto dela. Não havia nada lá, a não ser a cama e o guarda roupa, mas vazio.

 - Agora você acredita que a minha filha não mora mais aqui?

Não acreditava, não podia ser. Sai andando pela casa chamando por ela e o pai atrás de mim. Eu literalmente invadi a casa procurando por ela.

Mas ela não estava lá, em cômodo algum, nem um sinal dela.

Eu olhei para o pai dela que não tinha expressão nenhuma ao me encarar. Pedi desculpas e sai da casa.

Cheguei desnorteado na minha. Apesar de ter visto que ela não morava mais lá, sentia que ainda estavam mentindo pra mim.

Só enquanto pensava nisso me dei conta de que estava comendo bola. A faculdade! Claro, como não pensei nisso antes? Eu ia procura-lá na faculdade.

No dia seguinte eu a procurei por lá, mas não a encontrei. Através de um professor descobri que ela se transferiu.

Agora tudo fazia sentido pra mim. Ela saiu do noturno, e da casa dos pais, mas com certeza havia ido para a turma da manhã e devia estar morando com alguma amiga.

Eu imaginava que ela não quisesse me ver, mas não iria radicalizar, não a ponto de largar a faculdade e mudar da cidade.

Fiquei mais tranqüilo, mas aquela noite mal dormi. Tive um pesadelo, logo eu que sequer me lembrava de sonhar a noite.

Lembro que eu via a Milena descer de um avião. Ela estava cheia de malas e toda sorridente. Eu estava esperando por ela, quando ela olhava em minha direção e largava as malas, tudo e vinha correndo na minha direção. Quando eu a abraçava podia sentir a pele dela gelada, como se ela estivesse morta. Seus lábios não tinham cor, os cabelos não tinham brilho. Ela não era a Milena que eu esperava ver.

Eu a afastava de mim e saia de perto dela. Quando olhava pra Milena novamente, ela estava chorando, mas havia um cara perto dela, e eu também não conseguia ver o rosto dele. Esse cara estendia a mão pra ela e a abraçava.

Como mágica a cor dela voltava, o semblante dela ficava mais alegre. Eu então voltava pra junto dela, mas era como se eu fosse invisível. Ela e o tal cara passaram por mim de mãos dadas, mas agiam como se eu não estivesse lá.

Eu via os dois sumirem no horizonte, felizes, então eu acordava.

Aquele sonho ficou martelando minha cabeça, mas eu não fazia idéia do que podia significar.

Enfim, no decorrer do dia o sonho foi ficando de lado e logo o esqueci. O que me importava era encontrar a Milena.

Dei um jeito de ficar na frente da saída principal da faculdade de manhã. A Milena teria que sair por lá e assim que eu a visse iria falar com ela. Porém a Milena não saiu.

Fiquei até a saída do último aluno, mas nem sinal dela.

Tinha certeza que aquela era a única saída, então deduzi que ela havia faltado.

Durante toda aquela semana eu fiz isso, ia de manhã e ficava na porta da faculdade esperando por ela, mas a Milena nunca aparecia.

Ela não era de faltar, muito menos por uma semana inteira. Não podia falar com os pais dela, com certeza eles inventariam uma história qualquer.

Ainda insisti em fazer isso por quase um mês, mas nada da Milena.

Resolvi então pegar informações dela na secretaria da faculdade. Eu tinha os dados principais dela, o suficiente pra saber em qual turma ela estava.

A funcionária olhou lá no computador e imprimiu pra mim as informações que pedi. Fiquei arrasado quando li ao lado do nome dela a palavra transferida.

Ela foi radical, e mais uma vez me surpreendi com a atitude que ela tomou. Só aí me dei conta que realmente tudo o que eu fiz deve ter mexido demais com ela, não só isso, eu acabei com o futuro dela.

A Milena tinha ótimas notas, um bom emprego, vivia com os pais que ela amava, tinha amigos, tudo bem perto dela, mas graças a mim ela teve que se afastar de tudo e todos que amava.

Um novo começo assim do nada não seria nada fácil pra ela. Não ia demorar muito até que ela voltasse com todos os sonhos despedaçados e o pior, me odiando ainda mais.

Pensei muito naquilo e decidi deixar a Milena em paz. Já havia feito muitos estragos na vida dela, estragos que nem eu mesmo seria capaz de consertar.

Já que não poderia consertar a vida dela, daria um jeito na minha enquanto havia tempo.

Entrei de cabeça nos estudos, estava decidido a ser um grande advogado. Não saia mais pra baladas, não me envolvi com mais ninguém, nem por uma noite sequer, não queria nada que pudesse influenciar no meu futuro.

Todo aquele esforço deu certo. Anos se passaram e eu me formei com as melhores notas da minha turma.

Como durante aquele tempo não gastei com bobagens, não demorou muito até que eu abrisse meu próprio escritório.

Uma tarde enquanto analisava alguns processos me lembrei da Milena. Fiquei pensando como ela estaria depois daqueles anos, já que nunca mais tive noticias dela.

Meus pensamentos foram interrompidos pelo som do telefone. Era um cliente confirmando um almoço comigo em seu apartamento para acertarmos os últimos detalhes de um processo.

Confirmei o horário e desliguei.

Essa era minha vida agora e a Milena não fazia mais parte dela. Já estava mais do que na hora de eu entender isso.