Enquanto eu fechava a minha calça com as mãos tremendo as palmas continuavam e ela se aproximava.

A Mariana ao contrário de mim nem ligava, na verdade não mostrava nenhum sinal de que estivesse envergonhada, com medo pela reação da Milena ou qualquer coisa do tipo. Pelo contrário, seu rosto estava normal enquanto ela se arrumava.

 - Ainda bem que eu cheguei a tempo de pegar o fim do espetáculo. – dizia a Milena enquanto ainda aplaudia.

 - Mi, eu posso explicar...

 - Eu sei que pode Fábio, mas antes de você começar eu preciso acertar outras contas aqui.

Ela estava fria, com um olhar duro, mas ao mesmo tempo não havia expressão alguma de surpresa nela.

 - Calma Milena, o que você vai fazer?

 - Já disse, vou acertar as contas com a moça aqui.

Ela passou por mim sem nem olhar para minha cara e seguiu na direção da Mariana. Eu me desesperei porque tinha certeza que elas iriam se bater e nós três seriamos expulsos de lá.

Enquanto eu mostrava desespero, a Mariana estava calma e tranqüila e assim permaneceu quando a Milena parou na frente dela.

Elas ficaram se olhando por um tempo sem dizer uma única palavra. Nessa hora vi a Milena abrir a bolsa, tirar um envelope de lá e entregar para a Mariana.

 - Obrigada. – disse Milena estendendo o envelope para ela.

 - Não, por favor, vou me sentir mal.

 - Mariana, você não tem o porquê se sentir mal. Toma, é seu.

Fiquei perdido com aquela cena. Pensei que elas se matariam quando na verdade estavam parecendo amigas de infância.

 - Que palhaçada é essa aqui? Vocês se conhecem da onde? – perguntei indignado e confuso com tudo aquilo.

 - Milena... – disse a Mariana querendo devolver o envelope, o que a Milena não deixou.

 - Não Mariana, já disse que isso é seu. Deixa que agora aqui é comigo. Vai com Deus e dá um beijão na Julinha. E mais uma vez obrigada.

A Mariana deu um sorriso triste, guardou o envelope na bolsa agradecendo e pedindo desculpas ao mesmo tempo e saiu com os olhos marejados dali. Mal olhou pra mim.

 - Certo Fábio, você disse que podia explicar. Pode começar.

 - Quem tem que me explicar alguma coisa aqui é você! De onde você conhece aquela garota?

 - Quer saber? Você tem razão. Você não tem que me explicar nada, até porque você é muito burro pra isso. Deixa que eu explico.

Nunca vi a Milena daquele jeito. Ela parecia não ter sentimento algum enquanto falava comigo, apesar de olhar no fundo dos meus olhos.

 - Eu conheço a Mariana sim, ela é uma colega da faculdade. Ninguém falava muito com ela, sempre foi quietinha, mal falava. Um dia precisamos fazer uma prova em dupla e ninguém quis fazer dupla com ela. Eu fiz. Desde esse dia ficamos amigas e conversávamos muito uma com a outra.

Eu não estava entendendo nada, mas aos poucos aquela conversa começou a ter lógica.

 - Eu comecei a chegar todo o dia muito triste na aula e a Mariana percebendo veio ver o que estava acontecendo. Disse pra ela que o meu relacionamento com você estava indo de mal a pior e que eu comecei a achar que você estava me traindo.

 - Da onde você tirou uma coisa dessas?

 - Cala essa maldita boca Fábio! Eu fiquei quieta por muito tempo, agora vou falar tudo o que está entalado aqui dentro de mim antes que eu exploda.

Não tinha como eu dizer nada, afinal estava errado e sabia disso. Fiquei calado e ela continuou a falar.

 - Ela disse que também estava passando por uma fase complicada. A filha dela estava doente e ela não tinha o menor apoio do pai da menina. Os remédios eram caros e ela tinha que se virar pra manter a filha e a faculdade. Nos abrimos uma para a outra aquele dia e foi quando ela me disse que o único jeito que encontrou pra sustentar a filha foi se tornar garota de programa.

 - Então essa Mariana...

 - Isso Fábio, ela vende o corpo pra se manter, mas admito que se ela não tivesse me dito, nunca desconfiaria. E você se achando o garanhão, que ridículo! Mas isso não vem ao caso agora, vou direto para a parte que deve te interessar.

Eu me sentia muito mais que ridículo, me sentia um completo idiota.

 - Depois de falar com ela sobre as coisas que estavam acontecendo entre você e eu, ela me abriu os olhos para certas coisas. Ela apesar de ser nova também tem uma experiência de vida maior que a minha. Eu sempre desconfiei que você me traia Fábio, mas foi falando com ela e seguindo alguns conselhos, alguns toques que tive certeza. A única coisa que eu não entendo é o porquê de você ter feito isso comigo. Eu te amava Fábio, daria minha vida por você.

 - Milena, não sei o que me deu.

 - Fábio, você acha que sou alguma idiota? Sei que não foi uma, nem duas vezes, mas várias e com certeza seriam muitas outras se eu não tivesse feito o que fiz.

 - Por favor, Milena, me escuta.

 - Eu não terminei Fábio, se tem alguém aqui pra ouvir alguma coisa, esse alguém é você. E presta muita atenção em cada palavra, porque você não vai me ver nunca mais.

 - Milena, não precisa ser assim. Eu errei, mas quem não erra?

 - É Fábio, eu errei muito com você, mas foi pra nunca mais. Mas para de tentar desviar o assunto e me deixa terminar o que comecei. Afinal alguém aqui tem que ter coragem pra isso não acha?

As palavras dela doíam mais do que se ela tivesse me batido. Por mais que eu quisesse contestar não podia e ela sabia disso.

 - Um dia enquanto fazíamos um trabalho da faculdade, a Mariana e eu desabafamos uma com a outra como nas muitas vezes que fazíamos, quando eu tive uma idéia que jamais na minha vida pensei que teria. Pedi pra ela me ajudar a desmascarar você de uma vez. Admito que fiquei sem jeito de pedir tal coisa pra ela, mas ela era minha única esperança.

 - Agora estou entendendo tudo. Você pagou sua amiga pra sair comigo.

 - Em partes foi isso mesmo. Eu abri o jogo com ela, que vendo como eu estava aceitou, afinal pra ela não faria tanta diferença assim. Perguntei quanto ela cobrava por um programa e garanti que não falaria nada a ninguém, afinal aquilo podia prejudicar a imagem dela na faculdade, fora que ela tem uma filha pequena. Ela não aceitou o meu dinheiro, disse que se fosse pra me ajudar ela faria o sacrifício.

 - Não acredito que você foi capaz disso Milena.

 - Não acredita? E nem eu acreditava que você fosse capaz de fazer o que fez comigo!

 - São situações diferentes Milena.

 Nessa hora senti um tapa na minha cara. Eu não fiz nada, não reagi com atitudes, palavras, nada. Ela me bateu, mas quem chorou foi ela. Entre lágrimas ela continuou.

 - Vou resumir pra acabar logo com isso Fábio, porque olhar pra sua cara está me dando vontade de vomitar.

Ela respirou fundo, enxugou as lágrimas e me encarou.

 - Durante a semana conversei e planejei tudo com a Mariana. Sempre que ela tinha algo de novo me ligava. Foi através dela que soube que você me traiu a primeira vez com uma garota de programa. Olha como o mundo é pequeno Fábio. Justo a garota que você levou pra sua casa divide um apartamento com a Mariana.

 - Isso é mentira Milena, não é possível que você vá acreditar em uma prostituta que conhece a tão pouco tempo do que em mim.

 - Pois é Fábio, aprendi com você e com ela que as aparências enganam.

 - Milena...

 - Chega Fábio, acabou. Eu vi com os meus olhos o que você fez. Se você foi capaz de transar com uma desconhecida comigo na mesma festa, como você espera que eu acredite que você não seria capaz de fazer o mesmo comigo longe? Só de pensar que eu passei por cima das minhas vontades pra agradar as suas... Me sinto usada, suja. Você não presta Fábio.

Ela virou as costas e saiu, mas segurei seu braço.

 - Milena, pelo amor de Deus, me perdoa, não sei o porque fiz isso.

 - Não sabe? Agora você vai ter tempo de sobra pra descobrir Fábio, porque está tudo acabado, nunca mais quero olhar pra sua cara, ver nada que me lembre você.

Ela se soltou e correu. Pude ver quando ela se misturou com as pessoas na festa e desapareceu. Deve ter ido embora em seguida.

Fiquei parado onde estava por um tempo. Minha ficha ainda não tinha caído.

Fui embora pra minha casa a pé, mas admito que nem sei como consegui chegar. Minha cabeça estava a mil. Não podia acreditar no que havia feito e no que a Milena havia feito. Eu a subestimei, não me importei com ela, pensei só em mim.

Estava perdido e mal dormi aquela noite.

Dia seguinte não sai de casa, fiquei apenas pensando no que havia acontecido. Estava decidido a consertar o que fiz, sei que não seria fácil, mas iria conseguir, afinal a Milena me amava e quem ama perdoa.

O que eu não sabia e só aprendi sentindo na pele é que o amor também tem vida, sendo assim ele também pode morrer.