Esperanto:solfege escrita por Petit Ange


Capítulo 4
Tom V: O Caminho do Sangue Tom VI:A Parede (...)




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Voe, voe, passarinho...

Em meio ao caos de uma Tokyo devastada...

Com meu próprio sangue escorrendo de mim...

Sentindo os braços dele me envolvendo tão carinhosamente...

...Você sabe que não pode fugir.

Mais ou menos na tarde do dia 24 de abril...

...Eu morri.

Esperanto:Solfege
Petit Ange

Tom V: O Caminho do Sangue.

“...Não veio hoje também.”

Maiko voltou a morder, pensativa, o melonpan que Himitsu comprara. Já era o segundo dia em que nem Najato ou a anjo Irieko apareciam para incomodá-los no recreio. A morena chegou a ir até a outra escola e pedir se ‘o senhor Hajaya estava nas atividades do clube’, e um dos arqueiros de kyuudo disse-lhe que não o viu naquele dia e que nem havia ligado para avisar que faltaria.

“O que será que aconteceu com eles...?” – o loiro perguntava-se, também comendo um dos pães doces da sacola.

A verdade é que a garota ficava olhando a cerca que separava uma escola da outra, e ficava imaginando-o correr até eles com aqueles saltos de filme de kung-fu que ele sempre dava. Mas não... Nem ontem nem hoje ele veio roubar lanche.

“Não sei... Se ainda soubéssemos onde eles moram, ainda podíamos fazer uma visita, né?” – suspirou.

“A Maiko-chan tem trabalho de novo, hoje?”

“Claro, né Himitsu. Eu só fico de folga no Domingo!”

“Vou acompanhá-la de novo, posso?” – sorriu.

“...Claro que pode. Você sempre vai, de qualquer maneira.” – uma gota surgiu no canto de sua cabeça ao lembrar que a chefia dela já o considerava até a melhor mercadoria da loja. Ouviu-a até comentando com as outras meninas (e a própria Maiko) em pô-lo leiloado pelo melhor preço, ficar rica e ir morar nas Bahamas.

Ela parou quando viu-o remexer as sacolas, procurando alguma coisa.

“Ah... Maiko-chan já soube da parte da nossa turma na Feira Cultural?” – perguntou, enquanto procurava.

“A Feira Cultural? Aquela porcaria? Nem ouvi se o professor falou algo.” – resmungou, entediada. Odiava do fundo da alma essas invenções.

“Se não me engano, ficamos de falar sobre a Irlanda...” – ele continuou.

“A Irlanda? O lugarzinho do trevo-de-quatro-folhas e dos anões verdes toscos?!”

“...É? É o país dos trevos?!” – ele parecia emocionado.

“Claro que não, né imbecil! Eu só tô falando o que eu acho!” – jogou o pão que estava comendo sobre ele, e o mesmo caiu sobre o colo do loiro. – “Pra isso a gente tem que pesquisar! Agora passa esse melonpan pra cá!” – rosnou.

“S-sim senhorita...!” – entregou-lhe prontamente.

“...Mas eu tô doida pra saber do Najato. O carinha do Kyuudo disse que eles provavelmente ficarão com a Índia...” – imagem mental do garoto vestido de algum deus hindu bizarro. – “Vou dar boas risadas nesse dia.” – cara assustadora.

Em comparação com os outros dias, esses ali tinham sido bastante tranqüilos.

Maiko havia desistido de ficar com receio de Himitsu por achá-lo uma possível ameaça. As palavras do moreno fizeram sentido para ela.

Tanto fazia o que aquele rapaz era ou deixava de ser. Ela o conheceu como Himitsu, como aquele idiota chamado Himitsu Isono, e era dele que gostava. Com amor ou sem ele, era simples assim (ela chegou até a se sentir idiota por ter demorado tanto tempo para perceber algo dessa clareza).

“Ah! Parece que o sinal tocou.” – ele sorriu.

“É, mas já? Por que os intervalos sempre terminam tão cedo...?”

Himitsu ergueu-se prontamente do gramado e limpou a camisa do uniforme. E em seguida, estendeu a mão para ela, ainda sentada.

“Vamos, Maiko-chan?”

Se fosse possível, naquela pose de cavaleiro encantado, com aquela luz do sol batendo em sua silhueta e formando uma pequena área de sombras, com alguns pedaços de luz fugindo de seu alcance e com aquele cabelo sedoso e loiro que mais parecia um metal precioso... Ela realmente achou-o um anjo naquele momento.

Vermelha, precisou de muito auto-controle para não gaguejar na frente dele.

“...Vamos sim.” – deixou-o pegar sua mão.

Com a aglomeração de estudantes deixando a escola, pelo entardecer, a garota Isono também foi andando com seu primo logo ao seu lado.

Ela ouvia as garotas dando gritinhos escondidos e dando muitos ‘tchau’ para o rapaz. E ele acenava para todas inocentemente, provavelmente nem imaginando que estava arrasando corações inconscientemente com aquele simples ato (malditas tietes! Elas não tinham mais o que fazer da vida?!).

Pondo a mão na cabeça para evitar de explodir e socar alguém ali mesmo, ela suspirou pesadamente, profundamente, apenas para procurar qualquer calma que pudesse achar em si mesma.

“Vambora, Himitsu!” – falou, entredentes, cravando as unhas no seu braço quando finalmente não pôde mais esperar.

“Mata ashitaAaaiii...!” – gemeu quando sentiu o braço dela apertá-lo. – “Ma-Maiko-chan... Está doendo... O-o que aconteceu...? Ai, ai!...”

Arrastando-o, ela sequer dignava-se a responder aqueles protestos.

E quando viu-se devidamente afastada de qualquer influência feminina que pudesse incomodá-los, ela virou-se e ficou encarando-o, vermelha de raiva (e talvez de vergonha).

“Pára de conversar com essas meninas.” – resmungou.

“Hã?” – foi tão baixo que ele não pareceu ter ouvido.

“Eu disse que não quero que você converse com essas meninas!” – frisou bem cada palavra, e em cada separação de sílaba, apertava mais o seu braço.

“Ma... Mas elas só me deram tchau, e...”

“Pra você pode ter sido só um tchau! Pra elas, é como uma permissão de coito! Só pode conversar comigo e com a Irieko, ouviu bem?! Não o quero nem mais dando tchau pra elas!” – olhar ameaçador.

“Sim.” – ele sorriu, como se nem ligasse para aquilo tudo. – “Se a Maiko-chan está me proibindo de falar com as meninas, eu não falo mais com nenhuma delas.”

“Aí estão vocês! Não me ouviram, caramba?!”

Quando viraram-se, viram atrás de si o próprio Najato.

Ele estava vestido com uma daquelas roupas que sempre usava, meio tradicionais, meio chinesas, qualquer coisa assim. Mas seu rosto estava horrível: estava pálido e parecia estar sem dormir há mais de 24h.

“Ha... Hajaya-san?” – o loiro parecia o mais surpreso.

“Que você tá fazendo aqui, Najato? Por que não veio pra aula?!” – ela também sequer conseguia articular perguntas.

“Venham comigo, rápido! Lá em casa eu explico tudo.” – e sem esperar, o moreno já estava arrastando os dois, um em cada braço. Parecia realmente com pressa.

“...Lá em casa?!”

A primeira coisa que Maiko Isono sentiu quando entrou naquele apartamento foi um forte cheiro de medicamento. As cortinas estavam fechadas e só havia a pouca luz que passava pelo tecido e as frestas da janela para iluminarem todo o ambiente. Era o mais digno de um filme de terror que ela já viu.

Quando os três entraram, Najato trancou a porta e largou as chaves na mesa. E logo, estava correndo para o corredor, fazendo um sinal para os visitantes acompanharem-no.

Himitsu olhava para todas as coisas, encantado e até assustado.

E Maiko não lhe tirava a razão, porque aquela casa era a casa mais ‘solteira’ que ela já viu na vida: parecia até a dela, antes do loiro ir para lá.

Havia roupas, tanto íntimas (!) quanto normais, atiradas em qualquer lugar que os olhos alcançassem. A aljava do garoto estava displicentemente jogada no sofá, e o arco também, ali no chão, perto do outro objeto. Quanto mais a morena atravessava aquele corredor escuro, mais o cheiro de remédio parecia aumentar.

“Venham cá, nós estamos aqui.” – ouviu Najato dizer.

Ela foi até a porta que estava aberta, no fim do corredor, e percebeu que era o quarto dele (e da cosplayer?).

E por falar nela, ali estava!

Mas era uma cena ainda mais surpreendente: Irieko estava deitada na cama, com Najato segurando sua mão logo ao lado, sentado numa cadeira.

Pela pouca luz que invadia o lugar, ela viu que aquele parecia, de longe, o lugar mais arrumado da casa. E haviam faixas brancas cobrindo todo o corpo dela. Só então Maiko viu que a garota Irieko, aquele anjo de asas verdes e que parecia tão invencível, estava totalmente acabada, parecendo ter acabado de sair de uma guerra.

Haviam pontos vermelhos em toda a extensão das bandagens e gazes, e aquele cheiro inebriante de medicação a deixava entontecida.

“...O que aconteceu com a senhorita Irieko?!” – Himitsu logo perguntou, cautelosamente entrando no quarto.

“Credo! O que vocês andaram fazendo?”

“Fomos atacados.”

Maiko engoliu em seco. De imediato, veio-lhe à cabeça o dia em que aquele monstro verde tentou atacá-los, Himitsu mostrando suas asas... E Najato aparecendo com Irieko, e aquelas suas asas verdes desintegrando o monstro.

Se eles, que pareciam tão experientes, foram atacados... O que diabos era o que conseguiu deixar aquela garota séria de tapa-olho numa situação tão agonizante?

“Quem atacou vocês e deixou-a assim...?!”

“Era um garoto. Não parecia ser mais velho que a gente não. Ele tinha um gêmeo... Esse gêmeo estendeu asas totalmente negras.” – narrava, apertando mais aquela mão inerte a cada flash de lembrança. – “Irieko e eu tentamos detê-lo... Mas ele tinha uma força infinitamente superior... E aqueles dois... Aquele meio-youkai... Ele fez isso com ela...”

“Que horror...” – o loiro olhava a garota desmaiada, realmente assustado.

“...Ele estava sabendo de vocês também.” – Najato avisou.

“Como?”

“Aquele moleque sabia de vocês. Ele perguntou sobre o ‘outro’ que estava conosco, e na hora eu soube que ele estava falando de vocês.”

Maiko até achou que estava participando de alguma pegadinha e chegou a desejar procurar câmeras, que eles começassem a rir e que tudo aquilo fosse só brincadeira.

Mas não... Ninguém se mexeu, ninguém disse nada.

E ela soube, de alguma forma, que estava em perigo de verdade. E se ela ou Himitsu acabasse assim como Irieko? Que horror seria! Sentiu um arrepio percorrer a espinha só de imaginar-se naquela situação.

“Isso significa que Maiko-chan está em perigo?” – ela ouviu Himitsu perguntar.

“...De certa forma, é isso mesmo.” – o outro optou por não mentir.

“E como eu faço para não deixar isso acontecer?” – a pergunta foi quase instantânea, colada na resposta.

Najato ficou pensativo, como quem procura alguma resposta para dar.

Por fim, puxou a cadeira um pouco mais para trás e indicou-lhes o canto da cama, pedindo com o gesto para que sentassem.

“Acredito que eu deva contar uma história antes de começar.”

Uma história? Nós queremos sair dessa vida!, pensou a morena, irada.

Sem maiores escolhas, os dois se sentaram, tensos, e Najato cruzou os braços, como quem procura palavras para começar algo realmente longo.

“Humm... Só pra saber... Vocês nunca ouviram falar dos Guardiões, né?”

“Guardiões?” – para Maiko, isso era título de filme. – “Não...”

“O que são ‘Guardiões’?” – para Himitsu, a coisa era ainda mais grave.

Com uma gota, o moreno tentou refazer a narração (é, afinal, não era para qualquer ‘civil’ ficar sabendo disso... Só era meio decepcionante...).

“Não há exatamente uma origem definida para quando surgiram os Guardiões. Mas se tem uma noção de que os primeiros deles foram japoneses. Aliás, há registros de que, nas primeiras gerações, era o Juunishi [1] quem definia a estrela desses guerreiros. Deve ser mais ou menos quando começaram a se misturar com ocidentais que o Outoujuuni [2] passou a ser o determinante de poderes. De qualquer forma, obviamente, essa forma de reconhecimento continuou até hoje...”

Ele olhou de relance para os dois, e percebeu-os totalmente vidrados na história, mas com uma interrogação mental clara.

E de repente, começou a lembrar do seu próprio pai lhe dando aquelas aulas.

“Foi meio nessa época que eles começaram a inventar formas de se reconhecerem. E então, nasceram os Juunikubi [3], que nada mais é do que um colar com o signo correspondente entalhado. Se não me engano também, ela foi feita com uma pedra especial e muito antiga, parecida com Cristal... Simbolizava a união eterna dessas pessoas.”

Pigarreando, continuou. – “E enfim, graças a isso nasceram os Guardiões, que são uma geração de guerreiros cuja missão é lacrar uma barreira que separa o mundo youkai do mundo humano. Parece simples, mas é muito complicado fazer isso! Você é treinado desde pequeno pra lutar contra os youkais e treina sua energia e tudo o mais pra isso! É bem difícil, não é qualquer um que pode!”

Maiko percebeu que Najato parecia animado falando disso, como se de fato gostasse daquela vida que levava. Ela o achou extremamente doido, e ainda sim, a cara animada de criança que ele fez foi muito bonitinha (não que estivesse apaixonada...).

“Então, você é um desses tais ‘Guardiões’ que lutam com essas coisas?” – (Me sinto uma protagonista de anime super-sentai que descobre gente com poderes mágicos...).

“Eu, Guardião? Nãããoo! Seria muito pra mim, eu não sou isso, não!” – ele fez uma negativa com a mão, com um rosto de quem se divertiu com aquela pergunta.

“Então que diabos você é?!” – e ela se irritou ao ver ele rindo da sua cara.

“Eu sou um... ‘Reserva’?” – pensativo.

“Quer parar de ficar com esse rosto pensativo enquanto responde a minha pergunta?! Cê não sabe não, é?!” – ainda mais raiva.

“Maiko-chan, não se altere!...” – Himitsu segurava-a (com esforço) para que ela não quebrasse a cara daquele projeto de herói.

“É que é assim, ó...” – Najato começou de novo. – “Nos primórdios, antes de começarem a se identificar com Juunikubi, qualquer um da família podia ser Guardião. Não era incomum um irmão aparecer num dia, o outro no outro e assim por diante... Aí, depois que a linha de sucessão ficou clara, não havia utilidade para os outros treinados para a mesma missão. E aí, criou-se as chamadas ‘Soku-ya Zoku’ [4], os Clãs das Famílias de Suporte.”

“Ah... Como os sacrifícios de guerra...?” – Himitsu arriscou a perguntar, graças aos conhecimentos da aula de História.

“É algo bem na linha. Os Soku-ya cuidavam da massa de youkais, ajudavam a limpar a área para facilitar o lacramento das barreiras e impediam a todo custo que os Guardiões morressem, dando suas próprias vidas para isso, se fosse o caso.” – ele continuou absorto na própria narração. – “Aí, enfim, o tempo passou e estamos aqui. A minha família, os Hajaya, são uma Soku-ya Zoku da família Amatsuki.”

“Você ‘limpa a área’ para os Amatsuki, então? Que nem um cão de exército?!” – ela não sabia se sentia pena ou vontade de rir.

“Não precisa ofender também, sua idiota!” – ele encarou-a torto, mas logo voltou à sua pose superior na cadeira, passando a mão pelos cabelos negros e forçando-se a continuar pelo bem de Himitsu, que estava escutando tão quietinho (pelo menos...). – “Mas o atual guardião não tem mais o sobrenome ‘Amatsuki’... A ojou-sama [5] Kazumi se casou e adotou o sobrenome do marido, Toshihiko. Eu sirvo ao herdeiro, que por sinal, é o de Sagitário, o ou-gimi [6] Hayato.” – sorriso light.

“Ah... Então você, não importa, limpa a barra para o tal Toshihiko?”

“Não só pra ele, pra todos os outros Guardiões também. Afinal, desde pequeno eu fui treinado para obedecer a Ichizoku [7], seja ela qual for.”

Maiko baixou a cabeça, tentando absorver toda aquela história que o rapaz Hajaya acabou de contar. Família principal? Youkais? Barreira? Guardiões? Família secundária? Aquilo parecia enredo de filme! Era totalmente confuso, e ela ainda tinha muita dificuldade de compreender onde entrava o mundo normal naquilo tudo.

Mas só quando teve uma repentina dúvida lhe assaltando, é que parou tudo. – “Ah! Mas você não contou o que eu e o Himitsu temos a ver com isso!”

“É! A história foi simplesmente linda...” – de fato, os olhos dele ainda brilhavam. – “Mas não sei onde nos toca tudo isso!...”

“O que eu estou querendo dizer com tudo isso é que os riscos, que não são poucos, podem valer a pena se você quiser realmente ajudar a Ma-chan, Himitsu.” – de braços cruzados, o garoto olhou diretamente nos olhos azuis do loiro. – “Se você adquirir experiência nesse mundo, como a Irieko adquiriu, é provável que você comece a lembrar de sua própria essência, que comece a ficar forte o bastante para impedir que aquele meio-youkai que atacou a Irieko, por exemplo, ataque a Maiko ou você.”

O loiro pareceu ficar tão surpreso quanto a própria japonesa.

Adquirir experiência naquele mundo bizarro feito de youkais e tradições? Isso mais parecia uma sentença de morte para uma pessoa normal! Ela, que ainda mal conseguia entender o que era tudo aquilo, de repente via-se tentada a responder por Himitsu e dizer que ele não iria se envolver em nada daquilo.

Mas o próprio loiro falou antes dela.

“E-eu aceito! Eu quero lembrar como a senhorita Irieko e parar de fazer a Maiko-chan ter dúvidas sobre mim e protegê-la desses seres.” – declarou, sério. – “Eu quero que o senhor me ajude a combater esses tais ‘youkais’, Hajaya-san.”

“Então, isso nos faz companheiros de jornada, né?”

Najato ergueu-se e foi até Himitsu, estendendo a mão para cumprimentá-lo. – “Será um prazer trabalhar com você.”

“Igualmente, Hajaya-san!” – ele sorriu, radiante.

O japonês pôs a mão nos lábios, então, e deu uma tossida. Até aí tudo bem, mas de repente, houve um ataque de tosse, e ele sentou-se na cadeira, como quem perde o equilíbrio. Quando conseguiu conter um pouco aquele acesso, ele tirou a mão da boca, e os cantos da mesma estavam manchados de sangue.

“Najato, a sua mão...!” – Maiko apontou.

Ele tentou vê-la, mas tão rápido quanto começou a tosse, desmaiou.

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Tom VI: A Parede que Não se Rompe.

Najato abriu os olhos fracamente, ouvindo um par de vozes de sua casa.

“Sim. Sim. A Maiko não vai poder ir trabalhar hoje.” – essa era a do rapaz Himitsu, sem dúvida. – “Sim. Ela disse que ligará mais tarde, quando puder levantar. Ah, que é isso! Não. Não, tudo bem. Sim, eu avisarei. Pode deixar, irei fazer isso. Muitíssimo obrigado. Sim, até logo.”

Aguçando ainda mais seus ouvidos, ele ouviu alguma coisa sendo frita. Era Maiko quem estava na cozinha?

“Terminou aí, Himitsu?!” – ouviu-a perguntar.

“Sim! A sua ‘chefia’ disse que a Maiko-chan não precisa se preocupar, que você é super esforçada e ela está preocupada, mandando melhoras, e pra você voltar só quando melhorar de verdade. Nada de ficar aí se desgastando à toa.” – repetiu tudo o que ouviu.

“Certo... Obrigada por isso, Himitsu.”

Remexendo-se na cama, sentiu um forte aroma de remédios. E então, virando-se, soube o porquê disso: ali estava Irieko.

Provavelmente aqueles dois puseram-no na mesma cama que ela e deixaram-no dormir. Já estava noite, e ele via isso porque não sentia mais uma única luz do sol tocar no seu quarto ou nas cortinas. E um delicioso cheiro de comida preenchia aquele lugar que, de repente, ficou tão solitário com a gothic-loli desmaiada.

“...Você não tomou seus remédios, tomou?” – de olhos fechados, ela perguntou.

“Irieko! Que susto me deu, droga!” – pôs a mão no coração, realmente assustado com aquela fala repentina. – “Quando você acordou?!”

“Não faz muito. Mas não mude de assunto, Na-chan, eu quem perguntei alguma coisa primeiro.” – virando-se para ele, segurou sua mão e apertou-a na dela. – “Você não tomou os remédios enquanto estive desmaiada, né?”

Ele deu um meio sorriso, fechando os olhos.

E então, encostou a testa dele na sua. – “Não. Eu fiquei tão preocupado que não pensei em nada que não fosse a sua melhora.”

“Pára com isso, Na-chan. Vai tomar os seus remédios...” – pediu.

“Agora já é tarde, Iri-chan. Eu já tive outro acesso.”

“Por isso está aqui?” – continuou com a mão dele na sua, pondo-a de encontro ao seu rosto, como um gato buscando o contato do dono. – “Seu tolo. Não pode ficar fazendo isso.”

“Desculpe. Da próxima, eu furo o traseiro daquele moleque.” – resmunga.

Irieko não conseguiu se segurar, e riu. – “Isso soou tão mal, sabia?”

“...Pra que eu precisaria de outro, né?” – com um sorriso safado, ele até já parecia curado, porque apoiou-se no cotovelo e beijou-a, divertido.

“Não me envergonhe na frente das crianças.” – ela riu.

“Como é?” – e, por reflexo, olhando para a porta, ele notou Maiko e Himitsu parados ali, boquiabertos.

De fato, tudo o que Maiko teve tempo de fazer foi de tapar a boca de Himitsu, para que ele não falasse qualquer coisa (apesar do que queria mesmo ter tapado era os olhos).

“Ah. Que cheiro é esse?!” – ele ergueu-se como se sequer tivesse tossido sangue até desmaiar. – “Não me diz que é saata andagi [8] ou eu morro!”

“...Achamos que você queria saata andagi, mas já vi que está ocupado comendo outra coisa.” – virou-se e tocou no loiro para que ela o acompanhasse.

“Pára de frescura! Eu e a Iri-chan estávamos só nos divertindo!” – roubou, sorridente, o prato de bolinhos fritos dela.

Só se divertindo...?’, perguntou-se a japonesa. Se, por acaso, eles tivessem demorado um pouco mais, teriam visto uma cena nada inocente.

“Os senhores moram sozinhos?”

“Aham!” – sentou-se na cama, respondendo de boca cheia. – “Minha família tá em Nagoya. Eu vim sozinho aqui porque era o mais apto pra lidar com a situação da barreira, pra ajudar os Guardiões e tal.”

O rosto de Najato não pareceu feliz ao dizer aquilo, mas ele não falou mais nada.

“De qualquer forma...” – Irieko também se sentou. – “...Vá tomar seus remédios.”

“Ah, eu não quero tomar aquelas porcarias. Elas me dão náuseas.”

“Não discuta e vá!” – ela bradou.

“Acho que você não devia se levantar. Aliás, os dois... Eu não sei o que era o tal ‘meio-youkai’ que atacou vocês, mas isso foi muito perigoso. Podiam ter morrido, os dois.” – Maiko avisou, achando-se quase que uma responsável no meio de crianças.

“Besteira!” – ele disse, light.

Caminhando até a sala, ele ligou a luz (que casa mais escura!) e deixou a sala iluminar-se, doendo seus olhos um pouco. Mas logo, chegou até a TV e ligou-a, dizendo a si mesmo para descansar antes de fazer a lição e mais alguma ronda para patrulhar youkais fazendo coisas estranhas na cidade.

Na TV, uma notícia sobre uma das famosas reservas florestais locais e o repentino incêndio numa parte dela. A repórter dizia que o fogo havia sido apagado, mas que ainda haviam pequenos focos de incêndio em alguns lugares.

Entediado, ele trocou de canal.

“Já que você tá aí até me respondendo agora...” – Maiko apareceu, com Himitsu logo atrás dela. – “...Eu vou deixar os bolinhos fritos lá com a Irieko (que tá aproveitando bem mais que você). Temos de ir, agora. Nosso tio vai ficar preocupado.” – grande mentira, mas ninguém precisava saber disso.

“Melhoras para o senhor, Hajaya-san.” – sorriu o rapaz.

“Tá bom. Eu vou comer uns, pode deixar. Só o cheiro já me deixou faminto!” – ele sorriu ainda mais. – “Ah, Himitsu! Vamos começar amanhã?!”

“Sim! Amanhã!” – respondeu, animado.

E depois de toda a cena até eles finalmente deixarem a casa do rapaz moreno (o que incluía um aviso de Maiko para ele e Irieko dormirem bastante e ela pôr curativos mais discretos no rosto amanhã), os dois saíram.

Ao ver-se sozinho em casa com a outra, de novo, ele foi até o quarto e sentou-se na beira da cama, encarando-a profundamente.

“...Eu tive outro ataque.”

“Sim, percebi.” – ela respondeu, com farelos de saata andagi na boca.

“Se isso continuar assim... Meus pais terão de mandar meu irmão mais novo...” – respirou descompassado. – “Mas eu não posso fraquejar antes de mostrar que eu não sou um peso... Eu não posso me deixar vencer por esse...”

Antes que ele terminasse a frase, as pálidas mãos de Irieko colocaram-se em sua cabeça, acariciando seus cabelos delicadamente.

“Eu estarei com você em todos os momentos. Inclusive esse.” – ela respondeu. – “Você não é só um objeto, como os Hajaya pensam. Não é mesmo.”

Najato sorriu de leve, reconfortado.

Mas as palavras do pai dele, no dia em que deixou Nagoya, por algum motivo, dançaram em sua mente sem parar.

“Não acha admirável, Maiko-chan?”

“O que?”

A garota desviou os olhos da pesquisa em seu computador sobre a Irlanda para olhar para Himitsu quando ele perguntou aquilo. Depois de terminadas as tarefas de casa deles, a garota deixou-o se sentar ali atrás e ficar brincando com o seu cabelo. O loiro adorou a oferta e estava até agora tentando fazer uma trança perfeita.

“A relação da senhorita Irieko com o Hajaya-san.”

“Aqueles dois pervos? Que parte deles achou admirável?!” – ela soergueu uma sobrancelha, não acreditando no que o loiro dizia.

“Ah, a senhorita Irieko é tão fria, mas quando está com o senhor Hajaya, é tão gentil. Ela se preocupa bastante com ele... E ele também parece gostar muito dela. Eu fiquei notando isso. Acho essas coisas muito admiráveis.”

Voltando a olhar para a tela do computador, ela soltou um longo suspiro.

“...É. Eu achei fofo.”

E, corando, virou-se para Himitsu. – “Mas não fala isso pra ninguém, entendeu?!”

Maiko não pôde deixar de pensar mais uma vez nas palavras do rapaz. Amanhã, o loiro iria acompanhá-lo numa tal de ‘ronda’. Ele disse que isso serviria, caso encontrassem algum youkai do lado humano da barreira, para começar a angariar experiência em Himitsu. E seria bom para que ele começasse a lembrar de alguma coisa.

Meneando a cabeça, porém, tentou afastar aquilo da cabeça.

“Olha só! O Boyle nasceu na Irlanda!” – tentou imprimir animação naquela descoberta, apesar de continuar pensando nos perigos daquela proposta.

“O moço da lei de Boyle-Mariotte?!” – ele pareceu animado.

“É! Eu nem imaginava isso.” – continuou rindo. – “Olha só! Parece que o futebol também é bem popular na Irlanda. Devemos usar isso?”

“Seria bom falar com a representante de classe, né?”

“É. Vou anotar isso e levar amanhã.”

Amanhã’ passou a ser uma palavra ruim no seu dicionário. Quanto mais os minutos se passavam, menos faltava para que Himitsu começasse a se aventurar naquele mundo perigoso que quase matou Najato hoje.

E... Se o preço disso fosse a essência dele de volta... Será que Maiko queria mesmo que ele lembrasse e lhe contasse porque nasceu para ela?

“...Himitsu?”

“Sim?” – ele sorriu, ainda mexendo em seus cabelos.

“Você disse que faria qualquer coisa por mim, né?” – ela pediu, de olhos fechados, corando instantaneamente ao pensar no que poderia dizer.

“Sim! Eu faço qualquer coisa pela Maiko-chan!” – afirmou pela enésima vez.

“Qualquer coisa mesmo?”

“Tudo o que ela me pedir.”

Maldição. As respostas dele não tinham um pingo de hesitação.

“Então... Eu ordeno que você me faça uma coisa.” – soltou-se das mãos dele e virou-se, ficando de frente para seu rosto.

“Ah? Que coisa a Maiko-chan quer que eu faça?” – permaneceu inquebrantável, ali com aquele sorriso de criança.

A primeira coisa que ela quis pedir foi... Um beijo.

De fato, era algo no qual ela estava pensando com bastante freqüência já fazia um tempo. E só de ficar encarando-o ali, naquela sua pose imaculada, ela teve vontade mesmo de inclinar-se e pedir que ele correspondesse o beijo roubado dela. Mas afastou o pensamento no mesmo instante, julgando-se indigna para pedir aquilo.

E mesmo assim, quando ele se aproximou mais dela, inocentemente, apenas para escutá-la falar com ele, ela se sentiu no paraíso.

Odeio você, Himitsu...

Você é lindo demais, droga.

“Eu ordeno que me deixe brincar com o seu cabelo também.” – pediu, corando mais uma vez ao ver-se ousada a esse ponto.

“Maiko-chan quer mexer no meu cabelo?” – ele pareceu adorar a idéia. – “Sim! Fique à vontade, pode brincar com ele.”

Virando-se de costas para ela, ele exibiu os ombros fortes e os cabelos loiros e sedosos que caíam até um pouco abaixo do pescoço.

Tocando hesitante numa mecha do cabelo, ela sentiu a leveza deles.

E, por algum motivo, ela desejou desesperadamente esquecer tudo aquilo e poder abraçá-lo, descansar o rosto naquelas costas e sentir o cheiro bom que se desprendia dos cabelos ainda úmidos.

“...Que droga.” – suspirou. – “Eu desisto.”

“O que foi, Maiko-chan? Não quer brincar com os me...”

Maiko o calou. Da pior (ou melhor?) forma que havia para calá-lo: ela o beijou. E, sinceramente, não soube dizer porque fez isso. E, da mesma forma, ela não contentou-se apenas com aqueles segundos inebriantes: ela precisou puxá-lo para si, derrubá-lo no chão e mais uma vez beijá-lo, apenas para provar a si mesma e à ele que estavam ali, que ele era tentador demais e que ela não tinha mais vontade de fingir.

E quando finalmente terminou, erguendo-se e secando a boca, ao contrário do que pensou, não se arrependeu. Apenas sentiu uma desesperadora vontade de fazer tudo aquilo de novo. Algo que mexeu com suas entranhas.

“Ma... Maiko-chan...?!” – ele parecia mais do que surpreso.

“Isso é para você aprender, Himitsu, que eu sou sua ‘Deusa’! E da próxima, se não me agarrar também, eu vou te bater.” – ainda estava vermelha, é claro, mas achou aquele rosto de garotinho violentado dele a coisa mais fofa. – “Agora, esqueça o que eu disse e continue fazendo aquela trança em mim, sim...?”

Muito mais vermelho do que qualquer tomate, Himitsu aproximou-se mais dela, de olhar baixo, e voltou a mexer nos cabelos negros da garota.

E do lado de fora, uma silhueta entreabriu os lábios em um sorriso.

De braços cruzados e roupa negra, a pele pálida quase refletia com a luz da lua cheia do céu. E ela ficou ali muito tempo a vê-los naquele clima de paz.

“Mashiro-kun!...”

Ao ouvir alguém chamando-o, a sombra virou-se para a direção da voz, reconhecendo-a prontamente; era a de seu gêmeo, que aterrissava e guardava aquelas majestosas asas negras, deixando algumas penas caírem aos pés do outro.

“Shiho-kun... Você demorou.” – deu um meio sorriso, apoiando o rosto novamente naquela parte gélida do tronco da grande árvore na qual estava.

“Estive ocupado.” – e ele sentou-se ao lado do irmão e pegou na sua mão. Os dois ficaram calados, observando a movimentação daquele quarto em específico. – “Aquele não é... O anjo das asas rosas...? O nosso ‘outro’ que estava com Iriel?”

“...Ele mesmo.” – o tal Mashiro sorriu, divertido. – “Eu espero podermos ter um doce reencontro logo... Sehriel.”

[1] Forma como é chamada a Astrologia Chinesa. Os doze signos do horóscopo chinês (como Cão, Rato, Boi e etc) fazem parte dele.

[2] Forma como é conhecia a Astrologia Ocidental no Japão. Os doze signos solares classicamente conhecidos pela civilização ocidental (Áries, Touro, Gêmeos, Câncer e etc) são integrantes dele.

[3] Literalmente, ‘Colar dos Doze’.

[4] Literalmente, ‘Clã da Família de Apoio’. Traduzido aproximadamente para ‘Famílias de Suporte’.

[5] É um termo respeitoso que designa a filha de uma família de alta classe. Se traduzido, seria mais ou menos algo como ‘milady’.

[6] Uma das formas de se falar ‘vossa alteza’, ‘príncipe’.

[7] Literalmente, ‘Primeira Família’.

[8] É um bolinho frito típico da região de Okinawa.


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