Esperanto:solfege escrita por Petit Ange


Capítulo 16
Tom XXVII: Ode aos Mortos




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Voe, voe, passarinho...

Em meio ao caos de uma Tokyo devastada...

Com meu próprio sangue escorrendo de mim...

Sentindo os braços dele me envolvendo tão carinhosamente...

...Você sabe que não pode fugir.

Mais ou menos na tarde do dia 24 de abril...

...Eu morri.

 

Esperanto:Solfege
Petit Ange

 

Tom XXVII: Ode aos Mortos.

 

O som do vento atravessando o cenário quase vazio era altíssimo, mais como se fosse uma tortura, quando não havia mais viva alma naquele bairro de Tokyo. E as únicas criaturas que se atreviam a permanecer ali estavam tensas, cada uma a sua forma. Tão tensas que quase esqueciam de respirar.

Um anjo de asas vermelhas estava caminhando numa rua banhada em sangue de humanos na direção daquelas quatro criaturas, paradas muito próximas uma da outra. Três estavam ajoelhados. O anjo de asas róseas que protegia sua humana e o meio-youkai, atrás dele, que ameaçava esta mesma humana. Ao lado dos mesmos, Suriel, o anjo das asas negras como o ébano.

Havia ódio, havia calma e, ainda sim, tudo isso era intenso. Intenso demais, o que tornava o ambiente extremamente pesado.

“Está... Nos traindo...?”

Surpreso pelo tom neutro que Himitsu usara, Mashiro Himeno negou, com um leve aceno de sua cabeça. O rosto congelado na seriedade de adolescente continuava firme.

“Não é uma questão de traição, Himitsu-san. Considere isso... Uma mudança de planos. Veja a situação do nosso ângulo. Shiho-kun e eu precisamos disso, entende?”

“Isso foi muito vago.”

“Foi mesmo.”

Tão surpresa quanto, Maiko arqueou uma sobrancelha. – “Por um instante, eu realmente achei que você estivesse do nosso lado, Mashiro...”

“É, só por um momento, eu também achei isso.” – e, pela primeira vez, ele sorriu.

Sehriel viu-se, mais uma vez, invariavelmente encurralado. Sentiu na pele a apreensão de um animal fraco cercado de leoas famintas. E considerou a sensação algo extremamente imbecil.

“Ei, Himitsu...” – ignorando por alguns instantes aquele óbvio atestado de óbito, Maiko encostou os lábios no ombro dele, contendo o corpo que teimava em tremer. – “O que nós faremos agora?”

Virando o rosto para encarar o cenário, ele percebeu que não havia muito que fazer e, ao mesmo tempo, aquela era a situação ideal.

Remliel aproximava-se deles, a face contorcida de ódio, com os passos leves e a foice preparada para um golpe certeiro (primariamente nos gêmeos que queriam roubar sua presa). Do outro lado, Shiho Himeno, o anjo Suriel, que estava parado e de braços cruzados, possivelmente dando cobertura ao seu ‘deus’ (apesar dele ser um Erasi, então isso ser totalmente impossível; quem sabe, fosse mais uma espécie de cúmplices). Mashiro Himeno continuava com as garras youkai herdadas de seu pai apontadas para o pescoço da única humana (pura) da cena.

“Eu estava pensando em tentar fugir...” – sussurrou-lhe de volta, no ouvido dela, cauteloso em não deixar que os outros ouvissem-no.

“Alguma idéia?”

“Muitas. Resta saber se daria certo.”

“Está hesitando só por causa disso?” – ela parecia até divertida com aquilo, fazendo-o esquecer-se, por um instante, que estavam cercados e encrencados. – “Já devia ter executado o seu plano há tempos, se é assim.”

“Bom... É que preciso cuidar da integridade física da Maiko-chan.” – sorriu.

“Integridade física? Estamos a um passo da morte, Himitsu. Ou eu estou, pelo menos. A integridade física é o de menos.”

“Permite-me...?”

O loiro sentiu a respiração dela, num longo suspiro, bater em seu ombro. E, então, ao vê-la erguer os olhos para encará-lo, pôde divisar um sorriso em seu rosto pálido.

“É incrível como você sempre pede permissão para as coisas mais inúteis!”

“Ah... Perdão.” – ele sorriu ainda mais.

“Tudo bem, vai... Você é assim mesmo...” – deu de ombros. – “Agora, Himitsu, eu te ordeno: tire-nos daqui.”

Maiko sentiu-se até uma espécie de tirana, abusando de seu poder de ‘deusa’ para fazê-lo arriscar tudo por uma chance de fuga (e ela não usava essa tática há tempos, tinha que admitir!).

Na verdade, até duvidava um pouco também das chances de fazê-lo. Mas ao senti-lo agarrar sua cintura, como se fosse mesmo levar a sua ordem a sério, calou os pensamentos.

“Sim, senhorita.”

Só então, quando enfim pareceram voltar à realidade, perceberam que Remliel discutia com o gêmeo youkai, que permanecia ajoelhado, parecendo devolver os argumentos da assassina com palavras extremamente calmas.

“Tire esse projeto de ‘Erasi’ da minha frente e os pouparei.” – ela disse, próxima, muito próxima da cena. – “Não é do meu feitio negociar com seres inferiores, mas estou sendo bondoso hoje.”

“Seres inferiores? Somos da mesma classe angélica, Rem-chan~! Aliás, o Iriel também é!” – Shiho riu, intrometendo-se antes que Mashiro respondesse. – “Assim você até me ofende! Vou contar pra ele também!”

“Surpreendente... Você consegue ser mais irritante que o Sehriel...” – suspirou.

“E eu nem me esforço.” – o anjo abriu um sorriso ainda maior, parecendo mesmo, naquele momento, só uma criança normal.

Alheio àquilo, Himitsu baixou o rosto até sussurrar no ouvido dela de novo:

“Maiko-chan, eu vou contar até três. E, então, quero que você segure-se firmemente em mim. O mais firme que conseguir.”

“O que vai fazer, Himitsu...?!” – não que já não estivesse acostumada com aquele aviso, mas era sempre bom perguntar. Vá que ele tivesse um surto de criatividade bem ali.

“Confie em mim.” – ele disse, simplesmente, com o seu sorriso inabalável.

“Shiho-kun, pare de provocar o senhor (ou senhorita?) Remliel, por favor.” – o meio-youkai suspirou também, talvez o único verdadeiramente adulto no meio dos três infantes inimigos.

“Um.”

“Desculpa, Mashiro-kun. É que ver a Remliel me faz automaticamente querer ser maldoso. Desculpa mesmo.” – o anjo continuou com seu imenso sorriso brincalhão.

“Dois.”

“Não me culpe depois, quando seu coração sair voando pelos ares.” – resmungou a loira em questão.

Ao contrário do que se esperou, Shiho apenas riu. – “Desculpe, bebê, eu sou o único por aqui que sabe como matar um anjo. E perfurar o coração não faz nada, apenas causa dor e incomoda até ele cicatrizar, o que acontece... Em questão de horas...?”

Ao ouvir aquilo, Maiko arregalou os olhos.

“Vocês não morrem com isso?!” – sussurrou, surpresa, muito surpresa, para Himitsu, que limitou-se a rir baixinho.

“Somos seres inorgânicos, Maiko-chan.”

“E o que tem a ver uma coisa com a outra?!” – ainda assustada.

“Isso explica tudo. Nós só simulamos a biologia humana. Não quer dizer que morremos com as mesmas coisas.”

O aperto de Himitsu intensificou-se em suas costas. Maiko entendeu prontamente a mensagem, mesmo que o tom de conversa deles fosse até tranqüilo, e segurou-lhe firmemente. Imaginava que ele tentaria alguma manobra aérea.

“Três.”

Tal qual previu, no segundo seguinte, Maiko não sentiu mais o chão sob seus pés. E, diante de si, viu uma cortina vermelho-sangue e ouviu o som do jorrar incessante.

“MALDITO!” – e ouviu a voz do anjo massacrante, viu suas asas vermelhas sacudindo, buscando-os no alto dos céus, e desejou nunca ter visto tanto vermelho assim.

 

Nápoles – Itália.

A manhã estava agradável, com um clima fresco e perfeito. O cheiro de água salgada que o mar exalava entrava diretamente em suas narinas, fazendo-o aspirar profundamente muitas vezes. Gostava daquele cheiro; fora ensinado desde pequeno a fazer bom convívio com as belezas marinhas.

Aquele era o terceiro dia que estava em frente ao Castel dell’Ovo [1], na pequena ilha de Megarides. Poderia, sinceramente, passar a sua vida inteira naquele lugar. Ele era retangular na sua forma, com um baluarte angular. Há muito que aquele castelo deixara de ser um local tranqüilo, na verdade: muitas de suas salas eram dedicadas à eventos e exibições. Sinceramente, ele preferia que a História permanecesse como a História, mas o progresso humano era cruel...

Sacudindo a cabeça e tirando da mesma os pensamentos inconvenientes, o rapaz deixou o pincel deslizar pela tela outra vez. Estava quase acabando. Antes de ir para o Japão, precisava acabar aquela pintura. Como prometera para ela.

Estava passando uma tonalidade esfumaçada de cinza na figura, quando ouviu o celular. Não sabia (ainda) porque o trazia justamente quando ia pintar.

Pintar, para ele, era como lutar, como bancar o Guardião de Apoio: era totalmente importante. Inadiável e perfeito. Todo o resto vinha em segundo lugar.

“Muratori.” – e, mesmo assim, obrigou-se a falar.

Ah, ótimo! Muratori-san! Queria mesmo falar com você.

“Signore Hajaya [2]?” – o tom do rapaz era de surpresa, como não podia deixar de ser. – “O que o faz ligar a essa hora para mim?”

Que barulho é esse? Mar?” – Najato, do outro lado da linha, emudecera alguns segundos para ouvir melhor. – “Onde você está, Muratori-san?

“Em Megarides.” – sorriu, tranqüilamente, dando mais uma pincelada no quadro enquanto conversava.

...Pintando?

“Exatamente.”

O caçador japonês suspirou. – “Olha, não querendo me meter nem nada, mas você não precisa ir tão longe para satisfazer o último desejo da sua mãe, a antiga Guardiã de Apoio de Câncer, Muratori-san.

“Não faço isso porque é obrigação, signore Hajaya. Longe disso. Apenas gosto de cuidar do coração da signora Gautier. [3]” – disse simplesmente. – “Como dizer? Non posso vivere senza questo. [4]”

Quem o visse de fora, certamente pensaria que aquele era um exótico pintor, falando com alguém importante ao telefone, e auscultando o castelo de formas perfeitas com aqueles olhos tão azuis quanto o mar.

Cada vez que a brisa lambia o rosto branco, os cabelos castanhos e um pouco revoltos sacudiam de um lado para o outro, brincando com a franja dele, que o mesmo afastava cada vez que o incomodava.

Você é o Guardião de Apoio de Câncer, não de Áries, Alfieri-san. Cuidar da Sofie Gautier ou da filha meio-youkai dela é trabalho da Charrière.

“Eu fico preocupado com signora Gautier. Desde a morte do signore Benetti e da signorina [5], a filha deles... Tento fazer o que posso para alegrá-la. Ela passou por muitas situações ruins, gosto de alegrá-la, mesmo que só por alguns segundos, com meus quadros.”

Najato riu, inesperadamente. – “Aposto que ela nem sonha que quem manda os quadros pra ela todo ano, no seu aniversário, é o Apoio do falecido dela!

“Também gosto de manter o anonimato.” – Alfieri Muratori sorriu.

Eles ficaram mais um pouco em silêncio. O italiano continuava com as pinceladas delicadas na tela. Em sua mente, já desenhava o futuro perfeito, quando o quadro ficaria pronto. Iria mostrar para sua mãe, no cemitério, assim que o terminasse, e esperaria que a mesma o permitisse mandar o quadro para Sofie Gautier (enviando, como sempre, alguma espécie de sinal).

Ele era mestre em decifrar seus sinais: a mais frágil folha caindo ou a menor mudança de brisa. A falecida senhora Muratori sempre soube os gostos da amada do Guardião de Câncer, como deve ser.

“Não querendo apressá-lo, signore Hajaya, mas você não me ligou apenas para cuidar do meu coração, não é?” – (Eu agradeço, não se preocupe).

Droga, é mesmo! Eu tinha um assunto importante!” – o moreno compreendia o japonês do outro lado da linha. Era só uma criança (ou pelo menos considerava a maioria dos Apoios assim): não iria condená-lo por se esquecer temporariamente de algo, por mais que fosse, pelo tom, de suma importância.

“Precisa ser mais dura com este menino, signorina Irieko. Ele é bastante esquecido quando quer.” – tranqüilamente, o pintor falou, certo de que a anjo inorgânico ouviria-o.

Os ouvidos aguçados captaram uma risada feminina, e ele teve certeza que Irieko ouvira-o, e concordara com isso.

A Duvette já avisou que vocês precisam vir pra cá, né?” – já Najato parecia querer esquecer que os dois estavam falando mal dele bem na sua frente.

“Já sim. E estava excepcionalmente séria, o que eu estranhei bastante. Mas, como eu disse, vou acabar este quadro primeiro.”

Bom...” – e Alfieri tinha certeza que, do outro lado, Najato estava abrindo o maior sorrisão. – “E se eu disser que Câncer possivelmente foi encontrado?

Muratori ouviu o som de sua mala de tintas derrubar-se ao chão (e teria um trabalho horrível para tirar-lhe a sujeira, depois), mas naquele momento, ficou totalmente sem reação, a ponto de sequer perceber que devia pegá-la dali.

“Signore Marco...? Impossível!” – quase engasgou.

Não, não. A geração atual, Alfieri-san.

O silêncio foi ainda mais pesado depois disso. – “Gui... Signorina Giulia?...”

A própria, Alfieri-san! Juro por todos os nossos antepassados que aquela energia não era de Marco Benetti!” – a voz de Najato beirava a animação infantil. – “Uma tênue emanação de Áries também, mas... Só pode ter sido a Guardiã de Câncer desta geração!

“A minha Guardiã... Signorina Giulia... Viva?”

E, naquela mesma noite, Alfieri Muratori já estava a caminho de Tokyo.

 

Tokyo – Japão.

“Himitsu! Está tudo bem...?!” – Maiko tocou-lhe a mão que circundava o pescoço, e o anjo estremeceu.

“Ah, sim... Sim, não tem problema, Maiko-chan.” – ele sorriu-lhe.

“Minhas garras são venenosas, Maiko Isono.” – e, indo contra Sehriel, lá de baixo, Mashiro Himeno cruzou os braços, já com suas unhas normais de humano. – “Além de eu ter rasgado alguma veia importante do pescoço dele, o veneno está agindo. Temo que Sehriel não agüente muito tempo voando.”

“Sabe as baratas, quando você fica apertando spray de veneno na cara delas direto? Elas ficam totalmente desnorteadas, já notou?” – Shiho sorria, ao contrário de Remliel, também no chão, junto com seu gêmeo. – “É mais ou menos o efeito do veneno do Mashiro-kun no sistema de alguém. E também dói muito. Não vai demorar muito, e você ficará exatamente como essas baratas, Sehriel. Desista antes disso.”

Virando-se para o gêmeo youkai, Maiko apertou os lábios, impotente.

“Por que diabos fez isso, Mashiro?! Cê é louco?!”

“Bem... Era para ser em você, na verdade. Mas Sehriel foi mais rápido e deixou-se ser atingido no lugar.” – suspirou. – “Uma pena, porque ele só vai agonizar, mas não morrer.”

“Que desperdício de veneno...” – concordou Shiho.

“Tanto melhor...” – e, então, Remliel sorriu, de suas alturas. – “Quando eu torturá-lo, vou poder ver ainda mais dor nesse rostinho bonitinho, graças ao veneno youkai. Devo agradecê-lo, gêmeo intrometido.”

“Às ordens, Remliel-san.” – Mashiro arqueou uma sobrancelha.

Esquecendo-se apenas por um instante de que estava numa situação altamente delicada, Sehriel olhou ao seu redor. Mesmo que a rua estivesse inteiramente vazia, graças ao tumulto que a decapitação pública dos policiais tinha feito, ainda haviam algumas pessoas nos prédios, incapacitadas de sair ou simplesmente curiosas, buscando lugares mais seguros dos quais bisbilhotar.

Se Remliel o atacasse com aquela sua força homicida e descontrolada, sem dúvidas iria envolver alguém dali. Quem sabe, até fazer mais vítimas desnecessárias.

Além disso, certamente as autoridades já foram avisadas sobre a bagunça. Não tardaria para aparecerem viaturas, humanos de revólveres e, quem sabe, até a tropa de choque. Seria uma bagunça ainda maior se continuassem ali. E Maiko era uma humana, no fim das contas: se fosse ligada àquilo tudo (se é que já não foi), iria ter muitos problemas futuramente. E isso era algo que Himitsu também queria evitar.

“Maiko-chan, eu vou voar pra longe daqui. Pode agüentar só mais um pouquinho, caso a velocidade enjoe-a?” – ele voltou seu rosto outra vez para ela.

“Sem problemas, já tive experiências piores...” – nada como lembrar das acrobacias aéreas impossíveis que Sehriel fizera naquele dia de chuva.

“Hum... Eles estão muito longe. Remliel-san, pode cuidar deles, não é?”

“Que pergunta, meio-youkai! Eu nasci para cuidar deles!”

Mais uma vez, Shiho viu-se rindo (e pensando em como nunca tinha rido tanto na sua vida). – “Viu, Mashiro-kun? Não sujamos nossas mãos e temos nossos problemas resolvidos. Como o trabalho de equipe é bonito...”

“Fico um pouco triste. Também queria me divertir.” – suspirou o gêmeo.

Ignorando a conversa dos idiotas lá embaixo, o anjo das asas escarlates como o sangue que escapava do pescoço de Himitsu avançou, sem conter-se nem um pouco, brandindo a foice. Com um grito de guerra que daria inveja à qualquer soldado romano da antiguidade, o som do metal zuniu nos ouvidos de Maiko.

Percebendo-se ainda viva, ela viu que o anjo das asas róseas havia feito uma manobra arriscada, descrevendo um perfeito semi-círculo acima da assassina alada, e parando atrás dela, com um suspiro aliviado.

Entretanto, o alívio não durou mais do que alguns segundos. Remliel rapidamente virou-se, e a foice mais uma vez zuniu bem perto da japonesa. Antes que pudesse acertá-la, Himitsu bloqueara a arma mortífera com o braço que antes segurava o pescoço.

“Ora... O meio-youkai fez um belo estrago.” – constatou a cópia perfeita de Samantha Sharon, com um sádico sorriso.

“Um anjo que presenciou o massacre de Sadum e Amurah [7] jamais iria se deixar acertar por um golpe tão infantil, Remliel. E muito menos se abater por coisas tão simples como veneno.” – sussurrou o loiro. – “Devia saber disso.”

“Entendo. Quase esqueço que, apesar de ser um frouxo, você já foi um ‘Erasi Primordial’. As aparências me enganam.” – ela também sussurrou-lhe no mesmo tom.

(Aí estava algo que Maiko ainda não havia entendido direito. Teria que perguntar para Sehriel, depois, o que diabos significava, exatamente, ser um ‘Erasi Primordial’, apesar dela já ter uma leve idéia).

“Então, permita-me descobrir até que ponto você ainda tem traços disso!”

Erguendo a foice até acima da cabeça, Remliel fez um movimento muito semelhante ao da própria Morte, em filmes e quadrinhos, quando ceifava alguma vida.

Sehriel não pôde deixar de ficar surpreso. Ele conhecia aquele movimento.

O movimento dos anjos conhecidos como ‘Erasi’, o mesmo movimento que tirou a vida de milhares em guerras, em tempos de doenças... Kai kakoin ommatoin. [8]

Ele mesmo, há muito tempo atrás, também já brandira exatamente daquele jeito a sua foice, também fizera a mesma cara de gozo assassino. Também já sentira a rajada de vento, ouviu as árvores se partindo (quem sabe ouviria, agora, os vidros e prédios quebrando) e os humanos desfazendo-se em pedaços.

E ao perceber, num átimo de segundo, que Remliel não o queria, e sim, roubar a vida de Maiko Isono, que tudo aquilo era um joguinho desde o princípio de tudo onde todos queriam a vida dela, seu corpo agiu sozinho.

Shiho Himeno teve tempo de inclinar a cabeça um pouco para a esquerda, deixando que uma cortina de líquido rubicundo caísse junto com uma arma de Quintessência azulada, poupando sua cabeça de uma decapitação gloriosa.

“Ora...” – ele deixou escapar, surpreso, ao ver uma mão segurando a base da foice.

“Ora.” – acompanhou-o o gêmeo youkai.

No céu, um gemido doloroso escapou dos lábios pálidos do anjo das asas vermelhas. E ela percebeu que sua arma e sua mão direita já não estavam mais ali.

“Filho de uma...”

“Se não sair da minha frente agora, Remliel...” – Himitsu suspirou, pondo o rosto de Maiko contra seu ombro para que ela não visse a cena grotesca. – “...Eu terei de ser obrigado a lutar com você. Seriamente.”

Um agudo silêncio preencheu a rua vazia.

E, então, o som ainda mais estridente da risada do Anjo do Massacre.

 

[1] É um lugar de Nápoles conhecido, dentre muitas coisas, por ser o castelo onde o último imperador romano, Romulus Augustus, foi exilado. Ao lado do Castel dell’Ovo, atualmente, existe uma pequena vila de pescadores.

[2] “Senhor Hajaya”, em italiano.

[3] “Senhora Gautier”, em italiano.

[4] “Não posso viver sem isso”, em italiano.

[5] “Senhorita”, em... Tá, não me façam repetir. u_u

[6] Significa “Energia Sinistra”, e é escrito originalmente (妖気), com o mesmo kanji YOU de Youkai.

[7] Nomes hebraicos de Sodoma e Gomorra, respectivamente.

[8] “A respiração venenosa que rouba o tempo”, em grego arcaico.


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